terça-feira, 22 de setembro de 2020

José Casado - Planos para uma guerra

- O Globo

É novidade a sincronia entre Brasília e Washington no planejamento do cerco militar ao regime de Caracas

Na sexta-feira, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, acabou enredado num roteiro quase cômico. Saiu de Washington, parou em Boa Vista, xingou o ditador vizinho Nicolás Maduro, desafiando-o a sair no braço, voltou ao avião e foi embora. Teve como coadjuvante o chanceler Ernesto Araújo, burlesco cruzado do obscurantismo bolsonarista, para quem um agente “comunista-globalista” é o responsável pela morte de mais de 137 mil brasileiros — o “comunavírus”.

Da visita de Pompeo, ex-chefe da CIA, restou o eco da investida contra o líder da cleptocracia venezuelana, qualificado como narcotraficante. Nada de novo, tudo verdade.

Inovador foi o aval do governo Jair Bolsonaro a um diplomata estrangeiro para usar o território brasileiro num ataque a governo vizinho. Esse delito constitucional foi flagrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Desde a redemocratização, interferências indevidas na política dos vizinhos eram feitas no exterior. Lula, por exemplo, fez comícios na Venezuela pela reeleição do ditador Hugo Chávez e mobilizou a marquetagem do PT para ajudar a eleger o sucessor Maduro, enquanto a Odebrecht pagava as contas.


Outra novidade foi a sincronia entre Brasília e Washington no planejamento do cerco militar ao regime de Caracas. Mobilizaram-se três mil soldados brasileiros, satélites e baterias de foguetes, levadas por 4,6 mil km, numa simulação de guerra convencional na fronteira Norte.

A “Operação Amazônia” acaba amanhã. Foi desenhada junto com a “Poseidon” no Caribe, conduzida pelo Comando Sul dos EUA com tropas colombianas. O cerco a Maduro incluiu Guiana e Suriname, que disputam limites no Atlântico com a Venezuela para exploração de petróleo. Pompeo visitou-os e saiu com acordos de livre trânsito para os aviões do Pentágono.

Ontem, em Brasília, parlamentares preparavam “moção de censura” ao secretário americano pela cena insólita em Boa Vista. Alvo errado. Foi Bolsonaro e o seu chanceler que jogaram o Brasil num plano de guerra contra a Venezuela, e com explícito desprezo ao Congresso.

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