quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Luiz Carlos Azedo - O cavalo de pau

- Nas entrelinhas – Correio Braziliense

O governo bate cabeça quanto à saída da crise, e isso repercute muito negativamente no Congresso e entre os investidores. Sinaliza que a equipe econômica está perdida num labirinto

O presidente Jair Bolsonaro desistiu de criar o programa Renda Brasil, no valor de R$ 300 para cada beneficiado, no primeiro mandato. Jogou a toalha porque a equipe econômica não consegue fazer o milagre da multiplicação dos pães, ou seja, não existem fontes de receitas suficientes para o programa que pretendia garantir a transferência mensal, como chegou a ser anunciado pelo presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista coletiva. A ficha somente caiu depois que o secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, um craque em Orçamento da União, disse que a fonte de financiamento do auxílio seria o congelamento das aposentadorias por dois anos.

Bolsonaro acordou com a notícia vazada por Waldery nas manchetes de todos os jornais. Decidiu fazer uma live e detonar a proposta, ameaçando dar um cartão vermelho para o seu autor. A cabeça a prêmio é a de Waldery, que seria a nova baixa na equipe de Guedes, mas é muito difícil que um secretário da sua importância defenda publicamente um ponto de vista como esse sem que o assunto seja cogitado pelo próprio ministro. Waldery não é um neófito no setor público, sabe muito bem que a proposta seria polêmica.

Pode ser que a ideia fosse apenas um “bode na sala”, para negociação com o Congresso, como as equipes econômicas costumam fazer quando querem passar uma proposta para aumentar a arrecadação, no caso, o imposto sobre operações eletrônicas, uma espécie de nova CPMF. Mas de boas — e más — intenções o inferno está cheio. A permanência de Waldery na equipe está com as horas contadas, será o “bode expiatório” de uma ideia considerada infeliz pelo presidente Bolsonaro, que repetiu o bordão lançado em Ipatinga (MG) de que não vai tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Convém, porém, não confundir alhos com bugalhos. Bolsonaro não aderiu à política de cortar gastos na própria carne, rejeitou a proposta porque é impopular e nada mais.

Guedes deu mostras de que deve demitir o auxiliar ao tirar por menos as declarações de Bolsonaro, depois de um encontro com o presidente da República. Disse que o “cartão verme-lho” dado pelo presidente da República não era para ele e que as divergências no governo sobre o Renda Brasil são “barulheira”. Bota barulheira nisso, porque o governo bate cabeça quanto à saída da crise, e isso repercute muito negativamente no Congresso e entre os investidores. Sinaliza que a equipe econômica está perdida num labirinto.

Fogaréu
Bolsonaro está entre a cruz e a caldeirinha do ponto de vista fiscal. Como não tem um conceito claro sobre como pretende administrar as contas públicas nem um método adequado para lidar com as divergências no governo, deu um cavalo de pau na política de transferência de renda que pretendia incrementar. Decidiu manter o Bolsa Família e outros programas sociais como estão até 2022. Na verdade, a pandemia está tendo um impacto tremendo na economia e na vida das pessoas. O auxílio emergêncial de R$ 600 alavancou sua popularidade, que estava em baixa após a pandemia. A prorrogação do auxílio até dezembro, com a metade do valor, de certa forma, frustra um pouco os beneficiados, porque a alta de preço dos alimentos, irreversível na entressafra, comerá boa parte da ajuda do governo.

Mas fogaréu mesmo não é a crise fabricada pelo próprio governo sobre sua própria política econômica, sem nenhuma colaboração da oposição. São os incêndios na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado, os três grandes biomas do Centro-Oeste e do Norte do país, a maioria criminosos. Incêndios sempre houve, por causa da seca, mas agora a situação é diferente, porque Bolsonaro deliberadamente deu guarida para agricultores, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros fazerem o que bem quiserem, sem sofrer as consequências legais por suas ações.

O pior é que o vice-presidente Hamilton Mourão, que deveria ser o guardião da Amazônia, passou a considerar qualquer crítica ou denúncia à política ambiental do governo como coisa da oposição. Não caiu a ficha ainda de que tudo o que acontece em termos de desmatamento é flagrado pelos satélites e está acessível a todos. Não adianta querer tapar o sol com a peneira, como disse certa vez seu colega Aureliano Chaves, vice do general João Baptista Figueiredo, o último presidente do regime militar. Na verdade, para passar a boiada, como já disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o governo asfixiou os órgãos de controle e fiscalização ambiental, cujos recursos diminuirão ainda mais no próximo ano.

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