sábado, 5 de setembro de 2020

Míriam Leitão - Contas do Rio no meio do vendaval

- O Globo

O Rio entregou apenas um ofício com quatro páginas em vez de um relatório de prestação de contas ao conselho que acompanha o cumprimento do Regime de Recuperação Fiscal. O estado diz que cumpriu 80% do compromisso, mas não é assim que os técnicos avaliam. O acordo com o Rio está sendo resolvido politicamente? O vice-governador Cláudio Castro garante que não. O que ele explica é que os dados entregues agora foram apenas para negociar o adiamento, possibilidade aberta pela liminar do ministro Bruno Dantas do TCU, de manter o acordo enquanto se negocia.

— O que fizemos foi cumprir a liminar do TCU. A ideia do Rio a princípio era judicializar por entender que o regime é de seis anos, com renovação automática no meio. O Tesouro não pensava assim. Estava tudo preparado para entrar na Justiça, eu preferi exaurir toda a questão administrativa. A única questão política é que eu decidi não ir para o confronto, mas negociar — disse o governador.

Na Secretaria do Tesouro se fala que é de três anos, e que ao fim desse período só havia dois caminhos: rejeitar ou renovar. Mas de fato o TCU abriu uma terceira via, a de o estado permanecer no regime enquanto se negocia com o Conselho Fiscal. O governador Witzel foi afastado, o governador interino acabou indo a Brasília e quem marcou o encontro com o ministro Paulo Guedes foi o senador Flávio Bolsonaro.

— Não houve favorecimento político do Rio. Queria tranquilizar quem está com essa justa preocupação. A conversa foi técnica, com o ministro Paulo Guedes, com o Bruno Funchal e outros integrantes da equipe técnica que trata do assunto. O ministro teve que sair e eu fiquei lá tratando disso. Não é um arranjo político. O senador Flávio Bolsonaro foi o primeiro parlamentar do Rio que ligou oferecendo ajuda. Eu assumi mesmo na segunda-feira, sou governador interino, e o prazo era sábado (hoje), era urgente conversar sobre isso. E a decisão tomada foi a de continuar o diálogo técnico. Se ao final não houver acordo, podemos voltar à ideia da judicialização — disse Cláudio Castro.

O Rio deixou de pagar nesses três anos R$ 58 bilhões. A visão de quem acompanha as contas públicas do estado é de que muito pouco foi feito até agora. Esta semana mesmo a Alerj aprovou um projeto que concede benefícios fiscais ao comércio atacadista. A justificativa do governo é que outros estados, como o Espírito Santo, concederam esse benefício, e empresas estariam migrando do Rio. 

Esse foi o sexto benefício fiscal concedido pelo governo do Rio em 2020. Em 2019, foram três, e em 2018 e 2017, um em cada ano. O governo também conseguiu autorização do Confaz — Conselho Nacional de Política Fazendária — para realizar um refis irrestrito, com anistia de multas e juros a crédito tributários até 31 de agosto.

A orientação do ministro Paulo Guedes é para que a decisão seja estritamente técnica. O temor é o de que o que for concedido ao Rio tenha que ser estendido a outros estados. Minas Gerais e Rio Grande do Sul estão na fila para entrar no RRF.

— O Rio Grande do Sul está também sem pagar a dívida desde o ano passado. Está numa situação melhor do que a nossa, porque não paga a dívida e não tem a mordaça do regime que nós temos. Aliás, neste momento da pandemia, ninguém paga e não tem que cumprir nenhum compromisso —disse Castro.

Caberá ao governador em exercício indicar o próximo procurador-geral de Justiça do Rio, o que pode afetar a condução das investigações contra o senador Flávio Bolsonaro nos esquemas de rachadinhas na Alerj e lavagem de dinheiro.

— O procurador-geral de Justiça tomará a decisão sobre a denúncia antes de haver a troca. Além disso, o PGJ só assina o trabalho que chega pronto do grupo de procuradores — diz o vice-governador.

Ontem, o Conselho do Regime de Recuperação Fiscal achou que as informações que recebeu do Rio foram poucas. Castro explica que essa não foi a prestação de contas, ela será feita ao longo do processo de negociação. O governo do Rio diz que fez um ajuste de R$ 21,2 bilhões dos R$ 26,6 bi previstos. E não fez mais em função do baixo crescimento do PIB nos últimos três anos, da crise no setor de petróleo, e da pandemia este ano. É bom que todos os dados sejam olhados com lupa. 

Qualquer concessão ao Rio tem que ser muito bem explicada tecnicamente, para não se consolidar a impressão de um arranjo político.

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