sábado, 24 de outubro de 2020

Adriana Fernandes - Coragem para cortar

- O Estado de S.Paulo

Há quatro anos, o corte de renúncias fiscais vai e volta do debate econômico, absolutamente sem sucesso

O corte linear das renúncias fiscais concedidas pelo governo voltou à mesa na discussão das medidas de ajuste fiscal para 2021. Com o pouco tempo até o final do ano para decisões difíceis e impopulares, não se fala mais em mexer em apenas um ou outro grupo de isenções e benefícios tributários, mas passar a tesoura em todas elas ao mesmo tempo e na mesma proporção: algo em torno de 12% a 15%.

O alvo passou a ser todas as renúncias para engordar os cofres da União e abrir espaço para novas despesas sem piorar o déficit público. Essa medida se somaria também à discussão de corte das emendas parlamentares e outras ações do lado das despesas para o financiamento do novo programa de transferência de renda aos mais pobres e de investimentos. Frentes de dificílima execução.

O diagnóstico político é que dessa forma é mais fácil vencer as resistências daqueles setores, empresas e pessoas físicas que vão perder com a retirada dos benefícios e incentivos. Um movimento mais rápido e palatável para angariar apoio no Congresso.

Ainda que esteja no topo da agenda econômica do momento, é complicado colocar na conta como uma medida que tem chances reais de avançar em tão pouco tempo. Será preciso um esforço concentrado de convencimento das lideranças. Com a crise da pandemia, ninguém quer ver ser a sua carga tributária aumentar.

Há pelo menos quatro anos, o corte de renúncias vai e volta do debate econômico de Brasília, absolutamente sem sucesso. Tem sido quase um mantra o discurso de autoridades, políticos e economistas de que é preciso reduzir renúncias, pois o País não aguenta mais bancar patamar tão elevado, de 4% do PIB, de perda de arrecadação.

Nos últimos anos, para cada tentativa de aumento de gastos, o tema ressurge como medida compensatória. Mas na hora H não anda. Essa defesa tem sido muito mais da boca para fora.

Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 prometia um avanço: o envio de medidas para o atingimento da meta de reduzir os benefícios tributários para 2% do PIB em 10 anos. Nada aconteceu. Pelo contrário, apenas uma lista foi enviada ao Congresso sob sigilo e sem nenhum efeito prático.

Os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que propuseram cortes de renúncias para diminuir o déficit em 2021, estão enfrentando fortes resistências. É tão difícil mexer nesse vespeiro que a menção do presidente da CâmaraRodrigo Maia (DEM-RJ), de que o Simples precisa ser revisto que a acendeu a luz vermelha das micro e pequenas para o risco. É que a desoneração das empresas pelo regime tributário diferenciado é incluído no cálculo da Receita como renúncia, uma briga antiga do Sebrae com o Fisco. Se a tesoura for linear, o Simples também será atingido num momento em que as micro e pequenas empresas alegam grandes perdas com a pandemia.

Para atropelar o debate, o presidente Jair Bolsonaro acabou de assinar um decreto tornando permanente em 8% o benefício fiscal a concentrados de refrigerante produzidos na Zona Franca de Manaus e que favorece grandes fabricantes, como a Coca-Cola e Ambev

A redução do benefício havia sido adotada no governo Temer para compensar perdas de arrecadação com medidas voltadas para atender os caminhoneiros, que pararam o País. Foi a única medida de corte de renúncias. Agora, o benefício volta de forma permanente (embora não no mesmo patamar da época que foi reduzido) justamente quando se discute a revisão das renúncias. É mais uma decisão do presidente contrária ao ajuste fiscal. 

Um olhar rápido sobre as grandes renúncias em 2021 dá a dimensão da encrenca. A lisa é longo e chata, mas a coluna faz questão de descrevê-la para mostrar a realidade: Simples (R$ 74,3 bilhões); rendimentos isentos e não tributáveis do IRPF (R$ 33,5 bilhões); agricultura e agroindústria (R$ 32,6 bilhões); entidades sem fins lucrativos e imunes (R$ 29,2 bilhões); Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 24,2 bilhões); deduções do IRPF (R$ 22,1 bilhões); medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos (R$ 14,4 bilhões), benefícios do trabalhador (R$ 14,3 bilhões); desenvolvimento regional (R$ 11,8 bilhões); poupança e títulos de crédito - setor imobiliário e do agronegócio (R$ 6,8 bilhões); setor automotivo (R$ 5,9 bilhões); e embarcações e aeronaves (R$ 4,5 bilhões). São números fresquinhos que constam na proposta de orçamento de 2021.

Quem vai ter coragem de cortar? Essa guerra será feroz.

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