quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Bruno Boghossian – Bolsonaro abraçou a máquina

- Folha de S. Paulo

TV Brasil e Itamaraty operam a favor de agenda ideológica e projeto particular

Em setembro, o Itamaraty reuniu um filósofo, um empresário e um jornalista para discutir “a conjuntura internacional no pós-coronavírus”, num seminário transmitido pela internet. Ninguém naquele trio era um especialista renomado no assunto. O principal atributo dos três era o bolsonarismo fervoroso.

O ministério serviu de palanque para críticas à OMS, às medidas de distanciamento e ao papel da China na economia global. A certa altura, o professor de filosofia alegou que máscaras eram inúteis para conter a pandemia –embora estudos médicos digam o contrário. O YouTube demorou, mas removeu esse trecho do vídeo de sua biblioteca.

Em vez de atender ao interesse público, a máquina federal é explorada pelo governo para servir às ambições políticas de Jair Bolsonaro. A desinformação e o personalismo ocuparam uma estrutura que opera a serviço de uma agenda ideológica e de projetos particulares.

O momento em que o narrador da TV Brasil mandou um abraço para Bolsonaro durante a transmissão de Peru x Brasil, na terça (13), é um sintoma do uso dessas engrenagens. Na campanha, o então candidato prometia acabar com a emissora. Agora, o canal cita o chefe nominalmente e faz propaganda da negociação do governo para exibir o jogo.

Esses abusos têm a mesma natureza do aparelhamento que trata espaços públicos como plataformas de um grupo específico. Nesta semana, o presidente da Fundação Cultural Palmares retirou de uma lista de personalidades negras os nomes de duas críticas do governo: Marina Silva e Benedita da Silva. Ele questionou a contribuição da dupla àquela causa. Já o estrago produzido pelo chefe do órgão é mais do que nítido.

É natural que políticas públicas sejam desenhadas de acordo com as visões de quem está no poder. Afinal, governantes são eleitos justamente para implantar suas ideias. A corrupção desse princípio ocorre, no entanto, quando dinheiro público e servidores são desviados para satisfazer vontades políticas.

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