segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Catarina Rochamonte* - STF, lagosta e tubaína

- Folha de S. Paulo

Monitorado pelo centrão, Bolsonaro mostra subserviência ao establishment que dizia combater

Jair Bolsonaro surpreendeu em relação ao critério para escolha do novo ministro do STF. Frustrando aqueles que contavam com o pré-requisito, já heterodoxo, de ter que ser “terrivelmente evangélico”, preferiu a condição de alguém que já tivesse tomado Tubaína com ele.

Foi com essa explicação que o presidente tentou desanuviar seus eleitores em relação à inesperada indicação do desembargador Kassio Nunes, o mesmo que, em plantão do TRF-1, reverteu a decisão que desautorizava a licitação indecente do STF para uma farra gastronômica de mais de um milhão de reais: aquele famoso cardápio no qual se exigia as mais caras marcas de vinhos e as iguarias mais sofisticadas, como a insuperável lagosta servida com molho de manteiga queimada.

Além de ter liberado a farra das lagostas, Kassio Nunes não é favorável à prisão em segunda instância, não é contrário ao aborto, é simpático ao chavismo e sua esposa já foi funcionária de senadores do PT, motivos pelos quais sua indicação frustrou a ala mais radical do bolsonarismo e indignou os apoiadores da operação Lava Jato.

Por outro lado, o currículo de Nunes entusiasmou petistas e políticos do centrão, especialmente os mais necessitados de blindagem, como é o caso do senador Ciro Nogueira (PP), investigado por corrupção e lavagem de dinheiro.

A indicação também contou com aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, do advogado de José Dirceu, Kakay, e dos ministros do STF, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Cada vez mais identificado com a velha política e monitorado pelo centrão, Bolsonaro mostra subserviência ao establishment que dizia combater.

A indicação de um nome sob encomenda para a acomodação de interesses deixa claro que Bolsonaro não pretende levar um juiz íntegro e imparcial ao STF, mas alguém da sua intimidade, disposto a proteger seus familiares e seus novos aliados políticos que estão na mira da Justiça.

*Catarina Rochamonte, doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).

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