sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Humberto Saccomandi - O que pode mudar na economia com Biden?

- Valor Econômico

Democrata tem plano de US$ 2 trilhões em investimentos verdes

Se as pesquisas estiverem corretas, um grande “se”, o democrata Joe Biden será eleito em 3 de novembro presidente dos EUA. O que isso significa para a economia dos EUA e mundial? Há algumas certezas e muitas dúvidas ainda. A indefinição principal é com a continuidade, e em que medida, da guerra econômica com a China, que tem efeitos em cadeia por toda a economia global. O Brasil precisa atentar aos riscos e se preparar para oportunidades.

As pesquisas recentes indicam vantagem nacional expressiva do candidato democrata e uma vantagem mais apertada nos Estados decisivos, aqueles que definem a eleição presidencial nos EUA. Mas a dinâmica favorece Biden: a epidemia voltou a avançar, a economia perdeu força e a votação antecipada está muito alta. Há a possibilidade ainda de os democratas, que devem manter a maioria na Câmara, conquistarem a maioria no Senado. Isso seria vital para Biden aprovar suas propostas.

Uma vitória democrata por ampla margem parece ser o cenário mais favorável para os mercados, apesar de o setor financeiro ser tradicionalmente mais simpático aos republicanos. Isso porque a vitória democrata incontestável é provavelmente o único cenário possível em que não haveria judicialização da eleição, com meses de incerteza, e nem a paralisia do Congresso que marcou os últimos anos.

A economia ficou à margem do debate na campanha eleitoral. Os democratas estão focando no desastre que foi a reação do governo Trump à epidemia de covid-19 e, mais genericamente, na incapacidade de Trump para liderar o país. Já o presidente busca se colocar como o defensor da lei e da ordem contra a ameaça da extrema-esquerda democrata. Os enormes desafios dos próximos anos, na esteira da destruição econômica causada pela epidemia, não tornam o debate econômico atraente para nenhum dos candidatos.

No plano interno, Biden promete aumentar impostos e adotar um amplo programa de gastos públicos, para tentar tirar a economia americana da sua maior crise em quase cem anos. O PIB americano deve recuar 4,3% neste ano e crescer 3,1% em 2021, segundo as projeções do FMI. Isso significa que, ao fim de 2021, a produção ainda estará menor do que no fim de 2019. Após cair no meio do ano, o desemprego voltou a subir. O avanço da epidemia nos últimos meses, freou a retomada da economia.

O ponto central do programa econômico de Biden é um plano de investimentos verdes de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para a transição para as energias renováveis. O democrata ainda promete retomar um programa de saúde similar ao Obamacare (que ampliou o acesso a serviços de saúde), a um custo ainda incerto, além de investimentos em educação e infraestrutura e centenas de bilhões em ajuda às empresas dos EUA para pesquisa. O Congresso deve aprovar ainda um novo pacote trilionário de estímulo à economia, no fim deste ano ou no início de 2021, com mais ajuda financeira às empresas e aos trabalhadores.

Para financiar esses gastos, Biden pretende ampliar a arrecadação. Para isso, ele reverteria os cortes de impostos aprovados por Trump e pelos republicanos em 2017. Os impostos aumentariam para os mais ricos e para as empresas. A alíquota de IR das empresas, que era de 35% e caiu para 21%, iria para 28%. Há ainda planos de elevar a taxação sobre ganhos de capital e herança.

Antes mesmo da pandemia já havia dúvidas sobre como financiar os gastos prometidos por Biden e pelos democratas. O aumento da arrecadação não cobriria a alta de despesas. Agora, com os EUA beirando um déficit fiscal de 16% neste ano, o maior em tempos de paz, a dificuldade só cresceu. Provavelmente Biden teria de manter o déficit elevado por muitos anos, com aumento significativo da dívida pública dos EUA, que vai superar 100% do PIB neste ano pela primeira vez desde a Segunda Guerra.

Mas, com o crescente consenso, apoiado nesta semana pelo FMI, de que os países ricos precisam gastar mais (e melhor) para sair da crise, isso não deverá ser um problema para Biden, desde que a inflação e os juros se mantenham baixos por vários anos, o que é o cenário base hoje, mas não é uma certeza. Se tiver maioria no Congresso, o democrata não terá problemas para aprovar mais déficit.

No plano externo, a grande decisão de Biden, que terá maior repercussão global, é sobre a continuidade da guerra econômica com a China, que é parte da tentativa americana de conter a ascensão da potência asiática. Biden parece endossar o consenso anti-China que se instalou em Washington, mas deverá adotar estratégias diferentes das de Trump.

A expectativa é que ele reorganize o bloco ocidental sob a liderança dos EUA (encerrando os conflitos comerciais com a União Europeia) e busque soluções multilaterais para lidar com o desafio da China. Isso passa, por exemplo, pela reforma da OMC, para que o comércio mundial possa lidar melhor com o capitalismo de Estado chinês.

Mas é provável que o processo de separação das economias dos EUA e da China continue, com a transferência para fora da China de parte da produção voltada para o Ocidente. Como observou o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, em entrevista nesta semana ao Valor, esse processo pode trazer oportunidades para o Brasil, ainda que mais para o México, que está mais perto e integrado à cadeia produtiva dos EUA.

Assim, Biden manteria, por exemplo, a pressão para que a empresa chinesa Huawei seja banida das redes 5G dos países aliados dos EUA. Essa será uma decisão difícil para o Brasil, que tem na China seu maior parceiro comercial. Pequim já sinalizou que barrar a Huawei afetaria as relações entre os dois países.

Com Biden, os EUA apoiariam as negociações na OCDE para elevar a taxação de empresas digitais (o que traria mais receita aos governos). O país voltaria ao acordo de Paris, com mais pressão para a descarbonização da economia global e a proteção do meio ambiente - Biden falou em ajudar o Brasil na preservação das florestas, mas ameaçou com sanções se isso não for feito.

É provável também que os EUA retornem, em algum momento, à Parceria Transpacífica (TPP), o acordo comercial negociado pelo governo Obama e que inclui diversas economias da região do Pacífico, mas não a China. Trump deixou a TPP, que é uma iniciativa importante para conter a China comercialmente. O plano da UE de impor uma taxa de carbono a produtos de países poluidores tem a simpatia dos democratas.

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