sábado, 3 de outubro de 2020

Luiz Paulo Costa* - O populismo autoritário e as eleições municipais

“Quais são as propostas concretas que a oposição tem apresentado?”  Esta pergunta feita por vários analistas e operadores políticos convoca a cidadania a cumprir o seu papel fundamental. Em período de populismo autoritário a melhor oposição é a luta e o voto pela democracia. Representativa e consequentemente participativa é a vacina contra o vírus totalitário. E a Constituição Cidadã de 1988 reforçou o exercício da cidadania quando reconheceu em seu Artigo 1º o Município um ente federativo da União como os Estados e o Distrito Federal. Já a Constituição de 1946 da vitória dos Aliados contra o totalitarismo nos legou o entendimento de que ao município cabia tudo que fosse do seu peculiar interesse. Como a democracia representativa.

Mas a Constituição Cidadã de 1988 foi mais conclusiva com a cidadania ao incluir o município como um ente federativo e o seu direito à auto-organização através de suas Cartas Próprias, a Lei Orgânica Municipal. Se a Constituição Federal garante o Estado Democrático de Direito a todos os viventes do País e a Constituição estadual dos federados, a Constituição Municipal leva os seus princípios passíveis de serem exercidos pela cidadania em seu habitat natural: o município. Dizia Franco Montoro que as pessoas vivem no município e é aí que devem exercitar os seus deveres e direitos consagrados pelas Constituições da União e dos Estados.

As eleições municipais de 15 de novembro e o princípio republicano de todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, oferece-nos uma oportunidade ímpar para trazer a democracia mais próxima do cidadão, o que é tudo o que o populismo autoritário não quer. Aliás, já chamava a atenção no artigo “O segundo inverno do governo Bolsonaro”, Pedro S. Malan, ministro da Fazenda no Governo FHC, no “Estadão” em 14/6/20, “que o Brasil elegerá nada menos que 5.570 prefeitos e cerca de 57.800 vereadores”: “Daí a importância das eleições municipais desse ano. Seus resultados terão forçosamente influência nas eleições de 2020.”

E não apenas pelo exercício do direito fundamental de ser governado numa república democrática por representantes eleitos pelo povo e de respirar-se agora também no município o ar da democracia em todos os seus sentidos. É que, como ente federativo, o município deixou de ser uma circunscrição administrativa e passou a ser um ente político com direito à sua auto-organização através da Lei Orgânica, a sua Constituição Municipal. É bom lembrar que o município precedeu a criação do próprio Estado. A Coroa portuguesa reconheceu a sua importância até na defesa do território colonizado contra as invasões holandesas e francesas recrutando os soldados. E a Declaração da Independência e a Proclamação da República foram também legitimadas pelas Câmaras Municipais.

Assim, a Lei Orgânica do Município é elaborada e promulgada pelas próprias Câmaras Municipais. Embora já existissem nos municípios do Rio Grande do Sul e após no Ceará, foi a Constituição Cidadã de 1988 que, consagrando o direto dos municípios à auto-organização, deu maior abrangência às Leis Orgânicas, como verdadeiras Constituições Municipais.

No Estado de São Paulo, a Câmara Municipal de São José dos Campos saiu à frente apresentando, em 1984, a sua Carta Própria com o apoio de renomados juristas e constitucionalistas como Dalmo de Abreu Dallari, Celso Antônio Bandeira de Melo, Michel Temer, Geraldo Ataliba, José Guedes, Bernardo Gomes de Melo, Luís César Amad Costa, baseada no princípio do peculiar interesse do município. E a Assembleia Legislativa com Proposta de Emenda Constitucional, mobilizando assim a opinião pública para o final reconhecimento do Direito à Auto-Organização Municipal pela Assembleia Nacional Constituinte com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

As eleições municipais de 2020 celebram também os 30 anos da elaboração e promulgação das Leis Orgânicas pelas próprias Câmaras Municipais. E como tal, os candidatos a vereador poderão discutir concretamente o seu conteúdo com os eleitores e os eleitos promover a sua revisão atualizando este estatuto constitucional municipal.

As Leis Orgânicas Municipais tratam desde a organização administrativa do município como também da participação popular, saúde, educação, meio ambiente, ciência e tecnologia, planejamento municipal (plano diretor de desenvolvimento integrado), transporte público, desenvolvimento social e rural, cultura, esporte e lazer. Enfim, de tudo o que diz respeito ao seu peculiar interesse, fixando princípios, diretrizes e ações.

Portanto, as políticas públicas no âmbito municipal são de responsabilidade de prefeitos e vereadores dentro de suas competências legislativas e executivas. E promover o exercício pleno da democracia representativa e participativa na Lei Orgânica do Município é um ato concreto de oposição ao populismo autoritário.

*Jornalista, escritor e vereador de 1977 a 1996 em São José dos Campos-SP

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