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O Globo
O
novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luis Fux, tem tomado
decisões tão polêmicas quanto irrefutáveis, conseguindo recolocar a imagem do
STF junto à opinião pública em bons termos, sem exceder seus poderes
institucionais. Amanhã, ele levará a plenário o Habeas Corpus concedido pelo
ministro Marco Aurélio Mello ao traficante André do Rap, que ele anulou levando
em conta a periculosidade do preso.
Quando propôs retornar ao plenário as ações penais que estavam sendo
julgadas pelas Turmas, feriu suscetibilidades, retirou poderes, mas teve a
aprovação unânime do colegiado porque baseou a decisão em fatos – a redução das
ações em tramitação -, não em política. Embora a conseqüência da mudança tenha
sido retirar da Segunda Turma o poder político de impor a visão não
necessariamente majoritária de ministros ditos “garantistas”, que seriam
reforçados pela nomeação por Bolsonaro do desembargador Kassio Marques para a
vaga aberta com a aposentadoria de Celso de Mello.
Na nova polêmica, Fux anulou um Habeas Corpus do ministro Marco Aurélio Mello
que soltou o traficante André do Rap, um dos chefes da maior organização
criminosa em atuação no país. Nada evidencia com mais rigor a grotesca situação
jurídica em que nos metemos do que o pedido de outro traficante, Gilcimar de
Abreu, o Poocker, para que o ministro do Marco Aurélio estendesse também a ele
a decisão de soltar seu comparsa André do Rap, pois alega que sua prisão
preventiva já estourou o prazo de 90 dias para uma confirmação pelo juiz que o
condenou.
Pooker e André do Rap eram companheiros no tráfico internacional de drogas,
enviando cocaína para a Europa através do Porto de Santos. Pooker está preso em
Mirandópolis, André do Rap partiu, a bordo de um jato particular, para outros
ares, possivelmente paraguaios. Nada mais previsível do que isso.
Ao usar o novo artigo 316 do Código de Processo Penal, o ministro Marco Aurélio
foi tecnicamente correto, mas não levou em conta outros requisitos para a
manutenção da prisão preventiva, como a periculosidade do preso e sua ameaça à
segurança pública.
Levar em conta a textualidade da lei, sem atentar para outros fatores, é o que
distancia “garantistas” como Marco Aurélio de “consequencialistas” como Fux. Há
diversas interpretações de tribunais superiores, no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), e inclusive o STF, que consideram desnecessária a confirmação
das razões para a prisão preventiva quando o réu, como o traficante André do Rap,
já tiver sido condenado em primeira e em segunda instâncias.
Caso ainda estivesse em vigor a prisão em segunda instância, o traficante
estaria na prisão cumprindo sua pena. No caso em discussão, tanto o Ministério
Público Federal (MPF) quanto o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3)
já haviam justificado a necessidade de manutenção da prisão de André do Rap. O
HC encaminhado ao ministro Marco Aurélio veio como recurso daquelas decisões.
O que o ministro Marco Aurélio chamou de “autofagia”, o fato de um ministro
contrariar a decisão de outro ministro, pode ser visto como a defesa do
compadrio, o que tem levado o Supremo Tribunal Federal a perder, diante da
opinião pública, a aura de defensor da Constituição. Mais uma vez, porém, o
ministro Fux deve ter confirmada sua posição, mesmo que tenha desagradado
outros “garantistas” dentro da Corte.
Ele vai levar ao plenário o julgamento sobre o Habeas Corpus de Marco Aurélio
e, mesmo que os debates sejam acalorados e até ataques retóricos sejam feitos,
é improvável que a maioria do plenário sustente a soltura de um traficante
perigoso que se encontra foragido depois de ser agraciado com uma interpretação
literal da lei que prejudicou a sociedade.
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