sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Politização da vacina é um desserviço ao país - Opinião | Valor Econômico

Para a população, importa mais aniquilar a covid-19 do que cálculos políticos matreiros

Contra um vírus letal e altamente contagioso como o sars-cov-2, o melhor remédio é ser pragmático e apostar em todas as vacinas que possam vir a surgir, não importa de onde venham, desde que sejam comprovadamente eficazes. Essas vacinas não existem, mas há várias no último estágio de testes (fase 3) e é possível que até janeiro alguma esteja disponível. Parecem mais adiantados os imunizantes que estão sendo elaborados pela AstraZeneca e Universidade de Oxford, que no país será fabricada pela Fiocruz, e a Coronavac, da chinesa Sinopec, que no Brasil será produzida pelo Instituto Butantan.

O governo brasileiro pareceu que seguiria o caminho correto, ao realizar acordos de compras iniciais dessas duas vacinas, de 140 milhões de doses da AstraZeneca e 46 milhões da Sinopec. Antes de contrair a covid-19, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, havia anunciado acordo para a aquisição da Coronavac, que chamou de “a vacina do Brasil”. Só que não.

O presidente Jair Bolsonaro, no dia seguinte, após obter sua dose diária de inspiração política das mídias sociais de seus apoiadores, decidiu anular o que Pazuello fizera. “Toda e qualquer vacina será descartada por enquanto”, disse. Propagandista da hidroxicloroquina, que estudos apontam como ineficaz contra o novo coronavírus, o presidente disse que “a vacina precisa de comprovação científica”.

Bolsonaro bradou “traição” porque Pazuello mostrou-se aberto à vacina cuja produção foi negociada pelo governador paulista, o tucano João Doria, um concorrente certo à Presidência em 2020. Doria, que não perde a oportunidade de buscar dividendos políticos com o imunizante, e as redes tucanas o batizaram de “a vacina do Brasil”. Irritado, Bolsonaro se referiu a ela como a “vacina da China”, da mesma forma que, para o presidente Donald Trump, o sars-cov-2 é “o vírus chinês”.

Assim, a campanha presidencial abriu um novo capítulo sanitário, com disputas e demagogia - antes mesmo da existência de vacinas.

As vacinas testadas ao redor do mundo, com meia dúzia delas com chances de virem a ser comercializadas, marcam um feito científico histórico: elas levam muito mais tempo para serem desenvolvidas, e a mais rápida até hoje consumiu 5 anos. Dadas a escala da ameaça e a magnitude da demanda, na casa de bilhões de doses, é impossível ter certeza sobre quando estarão disponíveis. O governador João Doria, manobrando politicamente, anunciou a vacina para dezembro, fato que o colocaria como pioneiro nacional na introdução de uma vacina contra a covid-19 no país.

O presidente não quer deixar nenhum espaço político a Doria, a quem rivaliza por ser seu mais sério competidor no campo da direita, que se tornou quase monopólio de Bolsonaro. Na eleição para governador que venceu em 2018 - depois de prometer que jamais abandonaria seu mandato de prefeito -, Doria flertou com o apoio de Bolsonaro e escalou sua campanha de ataques virulentos ao PT, como fez o então candidato do PSL.

O governador usa a vacina como trunfo político, enquanto tenta montar uma aliança partidária forte que reúna a centro-direita, a partir do DEM, embora esta estratégia possa esbarrar com mais obstáculos em seu próprio partido, o PSDB. Bolsonaro, igualmente, reúne parte do Centrão para proteger seu mandato e como trampolim para a reeleição.

Não se deve esperar qualquer atitude de estadista de Bolsonaro diante da covid-19. Ele desde o começo nunca reconheceu a calamidade pública que o contágio representava e foi parco em palavras de apoio às vítimas, que já são mais de 155 mil. Durante o auge da crise, neutralizou o Ministério da Saúde, após a saída de dois ministros. Escolheu um general que nada entende do assunto, apenas porque queria alguém que obedecesse suas ordens, Condenou o uso de máscaras.

Sua primeira reação à perspectiva de haver uma vacina em breve, anunciada por Doria, foi imediata: disse que não será obrigatória. Para Bolsonaro uma vacina é até algo secundário, pois nunca viu nada na pandemia que impedisse as pessoas de trabalhar, como instou várias vezes. Sua maior preocupação agora é impedir que ela beneficie concorrentes. Doria vislumbra um grande potencial eleitoral em quem sair na frente na corrida pela imunização. A disputa política sobre o assunto é irresponsável e mesquinha. Para a população, importa mais aniquilar a covid-19 do que cálculos políticos matreiros.

Vacina contra a Covid-19 deve ser obrigatória – Opinião | O Globo

É uma lástima que, em pleno século XXI, ainda seja necessário defender essa conquista civilizatória

 ‘É lamentável que, em pleno século XXI, ainda se tenha de combater o terraplanismo na Saúde’, concluía editorial do GLOBO de setembro em defesa da obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Continua lamentável. E continua necessário, diante da profusão de despropósitos que emanam do presidente Jair Bolsonaro. Os ataques recentes dele à vacina obrigatória exigem uma atitude firme dos governos estaduais e municipais, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Só a ignorância explica que se conteste essa conquista civilizatória com argumentos que ecoam a Revolta da Vacina, de 1904. Já naquela época, bastava ter lido o liberal John Stuart Mill para entender a falácia de quem atacava a vacinação compulsória alegando defender a liberdade individual.

Vacinar-se envolve responsabilidade não apenas diante de si, mas também dos outros, pois o benefício vai além da proteção ao vacinado. Quanto mais imunes há numa população, mais difícil o contágio. A partir de certo ponto, o vírus não encontra suscetíveis para infectar — e some. Essa imunidade coletiva garante a erradicação da epidemia.

Quem não toma vacina se beneficia dela sem arcar com ônus nenhum. Se porventura pegar a doença, pode provocar dano coletivo ao transmiti-la, criando novo surto. É por isso que o Estado deve ter o direito de impor sanções a quem não quer se vacinar. É o mesmo princípio que rege o serviço militar obrigatório, um dever cívico estabelecido em nome da segurança de todos.

No Brasil, uma lei de 1975 estipula a obrigatoriedade das vacinas mais comuns. O artigo 268 do Código Penal determina que é crime sujeito a multa e detenção de até um ano “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

A lei da pandemia, aprovada pelo Congresso em fevereiro e sancionada por Bolsonaro, autoriza o governo a determinar a vacinação compulsória também contra a Covid-19. Estipula que estados e municípios podem fazê-lo. O PDT entrou com uma ação no Supremo para garantir o cumprimento dessa lei. Como já conferiu aos entes federativos a autonomia para medidas de controle na pandemia, o STF deverá manter o entendimento.

Mas a ausência de uma determinação federal abrangente traz consequências nefastas. Nenhuma das vacinas em estudo contra a Covid-19 será 100% eficaz na proteção — o mínimo exigido pela OMS para referendar o uso é 50%; o desejável, 70% —, e a proporção de imunes ao coronavírus necessária para a imunidade coletiva é estimada entre 50% e 70% da população.

Se, portanto, 100% dos brasileiros tomassem uma vacina 70% eficaz, tal limiar estaria assegurado. Vacinas menos eficazes ou o relaxamento nos critérios de vacinação, a depender das inclinações de prefeitos e governadores, significam menos imunes — e risco maior de o vírus permanecer em circulação. O culto à ignorância do governo federal continuará a cobrar um preço alto em vidas humanas.

Igreja avança com o apoio do Papa à união civil de homossexuais – Opinião | O Globo

Francisco sempre foi acolhedor com os gays, mas nunca falou de maneira tão clara sobre o assunto

Desde que assumiu o pontificado, em 2013, o Papa Francisco promove avanços na posição da Igreja em temas sociais. Já fizera acenos de acolhimento e tolerância aos gays, mas nunca chegara ao ponto de defender de forma tão clara a união civil de homossexuais como em depoimento no documentário “Francesco”, exibido quarta-feira no Festival de Cinema de Roma.

Ainda cardeal em Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio apoiou em 2010 uma proposta de formalização dessas uniões. Ao assumir em Roma três anos depois, não evitou tratar do tema. Foi o que fez na entrevista dada no voo de volta da viagem ao Brasil, no primeiro ano do pontificado. A atitude de Francisco faz a Igreja Católica se atualizar para cumprir sua missão evangélica, só factível se o clero se aproximar da realidade das pessoas.

Sua primeira encíclica, “Laudato Si” (Louvado Sejas), lançada em 2015, é coerente com tal perfil arejado. O tema do documento é a relação entre o Homem e a Natureza. O Papa formaliza a preocupação da Igreja com a degradação do meio ambiente e a incapacidade de a comunidade internacional recuperá-lo. Na visão de Francisco, o ser humano e o planeta são parte de um todo. Não há desconexão entre eles. É um entendimento que mostra o alcance das preocupações de Francisco com o atraso da Igreja no relacionamento com o mundo real.

A oposição que o Papa enfrenta do conservadorismo católico, com um núcleo no próprio Vaticano, aumentará com a nova declaração progressista. Francisco se vê forçado a seguir uma rota cheia de perigos, porque, ao mesmo tempo que luta por uma visão mais moderna da Igreja, passou a punir os casos de pedofilia, contrariando também parcela conservadora do Vaticano que preferia acobertá-los.

Depois de demonstrar alguma timidez, segundo críticos, no enfrentamento desses crimes, ele reagiu. Já expulsou bispos e afastou outros sacerdotes, mesmo em Roma, sem recuar diante de resistências nos Estados Unidos, onde explodiram os piores escândalos de crimes sexuais cometidos por clérigos e acobertados por superiores.

Francisco, depois de dois Papas conservadores (João Paulo II e Bento XVI), entra na História ao abrir portas e janelas da Igreja, como tentou João XXIII em seu curto pontificado (1958-1963). Sua manifestação em favor dos gays serve de bálsamo especial aos brasileiros, que vivem um momento político de retrocesso conservador nos costumes.

Sinal disso são as críticas que a união legal entre homossexuais, sancionada pelo Supremo, enfrenta do grupo que ocupa o poder em Brasília. Também para eles, as palavras cristãs de Francisco chegam em boa hora.

A sabatina que não houve – Opinião | O Estado de S. Paulo

Sabe-se que a indicação de Kassio Nunes Marques tem amplo apoio político. A régua da Constituição é um pouco mais alta.

Qualquer prova oral de concurso público para a magistratura é muito mais exigente do que a sabatina do desembargador Kassio Nunes Marques feita pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no dia 21 de outubro. Certamente, são realidades distintas, com requisitos e condições muito diferentes, mas tanto a sabatina como a prova oral de um concurso público devem ser de fato etapas probatórias, nas quais se avalia seriamente o candidato.

No entanto, o Senado parece considerar a sabatina da pessoa indicada pelo presidente da República para o Supremo Tribunal Federal (STF) como uma sessão burocrática, servindo apenas para oficializar o que foi previamente acordado. Vista tantas vezes em ocasiões anteriores, essa acomodação ocorreu novamente no último dia 21. Em vez de ser uma avaliação, a sessão da CCJ do Senado foi uma grande homenagem ao desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1). Mais do que perguntas, abundaram elogios ao candidato.

Tal modo de proceder destoa do que a Constituição prevê para a nomeação dos novos ministros do Supremo. Segundo o texto constitucional, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar os novos ministros do STF. Com isso, assegura-se que a composição da mais alta Corte do País reflita, em alguma medida, a vontade e o sentir da população. O eleitor escolhe o presidente da República, que, por sua vez, escolhe os ministros do Supremo. Por exemplo, caso a indicação do presidente contrarie a vontade popular ou descumpra as promessas de campanha, o eleitor tem a possibilidade de puni-lo nas eleições seguintes.

O critério político, no entanto, não é suficiente. Tendo em vista a relevância da missão do Supremo – compete-lhe nada mais nada menos que a defesa da Constituição –, a Assembleia Constituinte estabeleceu duas qualidades indispensáveis para os ministros do STF: notável saber jurídico e reputação ilibada. São requisitos exigentes e devem ser aplicados com todo o rigor. Não faz sentido, por exemplo, que a obtenção de uma cadeira no Supremo seja mais fácil que o ingresso na primeira instância da magistratura.

Para garantir o cumprimento dessas condições, a Constituição conferiu ao Senado a competência de sabatinar a pessoa indicada pelo presidente da República para o Supremo. Trata-se de uma das prerrogativas mais relevantes da Casa, uma vez que a nomeação de um novo ministro do STF tem muitos e duradouros efeitos sobre a vida dos brasileiros e o funcionamento do Estado. Quando o Senado cumpre seu dever de forma protocolar – ou, o que é pior, quando enxerga seu papel na sabatina como mero homologador de acordos políticos previamente costurados –, o País perde a garantia de que o Supremo esteja composto segundo os cânones constitucionais: por 11 ministros de notável saber jurídico e de reputação ilibada.

Antes de o presidente Jair Bolsonaro indicar o sr. Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal, pouco se sabia sobre o desembargador do TRF-1. O grave mesmo, no entanto, é que se continue sabendo muito pouco sobre ele após todo o rito de aprovação transcorrido no Senado. Ou seja, a sabatina não trouxe nenhum dado novo capaz de atestar o preenchimento dos requisitos constitucionais. A rigor, isso não é nenhum demérito do sr. Kassio Nunes Marques. O demérito é do Senado, que não cumpriu a contento sua tarefa.

No plenário, a indicação de Kassio Nunes Marques obteve 57 votos favoráveis e 10 contrários. Alcançou facilmente, portanto, a maioria absoluta exigida pela Constituição. No entanto, como o Senado não fez sua tarefa de sabatinar seriamente, o País ainda não sabe se os requisitos constitucionais foram preenchidos.

Por ora, sabe-se que a indicação se deu por amizade. “Já tomou muita tubaína comigo”, disse Jair Bolsonaro. Também se sabe que Kassio Nunes Marques conta com amplo apoio no meio político. “É uma grande e oportuna indicação que, com certeza, elevará a nossa Corte superior”, avaliou o senador Renan Calheiros (MDB-AL). A régua da Constituição é um pouco mais alta.

Livro em branco – Opinião | Folha de S. Paulo

Kassio Nunes chega ao STF prometendo moderação em sabatina pouco esclarecedora

Não houve nenhuma surpresa na aprovação do nome do juiz Kassio Nunes Marques para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria de Celso de Mello.

Primeiro indicado por Jair Bolsonaro para a corte, ele obteve o apoio de maioria confortável no Senado. Contaram-se 57 votos a favor da nomeação e apenas 10 contrários, registrada uma abstenção.

Encarregados de examinar a biografia e as qualificações dos nomeados para o Supremo, os senadores falharam na missão. A maioria preferiu adular o magistrado a inquiri-lo com o rigor necessário para aferir sua aptidão.

Aliados de Bolsonaro no centrão se revezaram para enaltecer os predicados de Kassio na audiência. Integrantes de partidos que fazem oposição ao governo também o trataram com condescendência.

Como sempre acontece nessas ocasiões, o juiz se esquivou de questionamentos sobre temas em discussão no Supremo, evitando se manifestar sobre assuntos que poderá julgar quando vestir a toga.

Deixou de lado a inibição só uma vez, ao se manifestar contra mudanças na anacrônica legislação que criminaliza o aborto no Brasil —preferindo alinhar-se com o ponto de vista que é também o do presidente e de seus seguidores.

Sentiu-se à vontade para contornar as raras perguntas que lhe foram feitas sobre as inconsistências no seu currículo acadêmico. Driblou até indagações sobre o trabalho de sua mulher, funcionária de um gabinete do Senado, dizendo ignorar as atividades que ela exerce.

O magistrado tampouco iluminou as circunstâncias que levaram a sua escolha por Bolsonaro, ao final de um processo opaco em que congressistas e até integrantes do tribunal se mobilizaram em seu favor.

Kassio definiu-se como juiz garantista, preocupado com os direitos inscritos na Constituição, e consequencialista, que procura avaliar os efeitos práticos de suas decisões e não apenas a letra da lei.

Defendeu corretamente a autocontenção do STF, argumentando que o protagonismo na definição de políticas públicas cabe ao Executivo e ao Legislativo —e que não compete ao Judiciário responder a pressões da opinião pública.

Numa instituição cuja autoridade tem sido minada pelo comportamento individualista de seus membros, que frequentemente tomam decisões controversas sem submetê-las ao crivo dos colegas no plenário, a moderação de Kassio pode parecer um respiro.

Dada a insuficiência dos esclarecimentos prestados na sabatina no Senado, entretanto, será preciso esperar mais tempo para saber se o discurso do novo ministro é para valer ou se ele estava apenas retribuindo a deferência dos que o ajudaram a chegar ao tribunal.

Ensaio de privatização – Opinião | Folha de S. Paulo

Governo anuncia estudo para vender os Correios, mas inoperância é obstáculo

Dada a falta de convicção e competência demonstrada até agora pelo governo para executar um programa de privatizações, não deixa de ser boa notícia que o Ministério das Comunicações tenha desenhado uma proposta para orientar a venda dos Correios.

A empresa é exemplo de todas as mazelas frequentemente apontadas em estatais, a começar pelos casos de corrupção —não custa recordar que o escândalo do mensalão, em 2005, começou com revelações de propinas recebidas por funcionários para fraudar licitações.

As perdas para os beneficiários do Postalis, o fundo de pensão, também são dignas de nota, mostrando o espaço para malfeitos quando cargos de direção são ocupados por políticos e os critérios de investimento são permeáveis ao tráfico de influência.

Com quase 100 mil funcionários, os Correios também são caso notório de ineficiência, com inúmeras greves e falhas na prestação de serviços nos últimos anos.

O projeto de desestatização do governo ainda não é público e passará por análise interna antes de ser remetido ao Congresso, mas alguns critérios mencionados sugerem um bom caminho.
Impõe-se, de início, definir como será mantido o preceito constitucional que determina a manutenção de serviços postais pela União.

Uma possibilidade consiste em seguir o modelo de concessão para a iniciativa privada, tendo assegurada a universalização nas entregas. Alterar as atribuições da Anatel, a agência das telecomunicações, faz parte desse desenho.

O modelo final, ainda em estudo, deverá levar em conta a experiência internacional. Num mundo em rápida transformação digital, há amplo espaço para inovação e criação de novos negócios.

O importante é assegurar a concorrência. Nesse novo regime, os Correios podem ser mais um participante do mercado, provavelmente o principal, considerando sua escala, desde que a empresa possa ampliar sua eficiência.

A privatização poderá ser total ou ocorrer em etapas, com venda parcial das ações, como já ocorreu com outras estatais. Considera-se, ainda, um período de estabilidade para os funcionários, com o objetivo de reduzir as resistências.

O primeiro passo, aparentemente, foi dado, mas não autoriza otimismo se prevalecer a hesitação do governo Jair Bolsonaro, resultante de corporativismo do presidente e inoperância da equipe.

A instrumentalização da AGU – Opinião | O Estado de S. Paulo

Neste governo, órgão vem tomando iniciativas estranhas às suas atribuições funcionais.

Criada pela Constituição para representar a União perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) vem, desde o início do governo Bolsonaro, assumindo iniciativas cada vez mais polêmicas e estranhas às suas atribuições funcionais.

Pela Constituição, ela deve atuar tanto no plano consultivo, assessorando os dirigentes do Poder Executivo federal com o objetivo de dar segurança jurídica aos seus atos e suas decisões, como no contencioso, por meio de representação judicial e extrajudicial. Mas, embora seja um órgão de Estado, algumas de suas iniciativas parecem motivadas mais por critérios partidários do que técnicos, na medida em que atendem aos interesses eleiçoeiros do presidente da República, de seus ministros e dos grupos que o apoiam.

Pelo menos três iniciativas adotadas nos últimos meses comprovam essa tendência. A mais recente foi uma notificação judicial feita pelo órgão contra um membro do Observatório do Clima, que concedeu uma entrevista na qual criticava uma fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, numa reunião ministerial, sugerindo usar a comoção em torno da pandemia para “passar a boiada” na legislação ambiental. Ao atuar como defensora do ministro, que é a parte notificante, a AGU se apresentou como “terceiro interessado”. A justificativa foi de que, em sua fala, Salles teria pedido pareceres jurídicos ao órgão para fundamentar seus argumentos.

Na notificação, a AGU afirma que “o pedido de explicações, admissível em qualquer das modalidades de crimes contra a honra, constitui típica providência de ordem cautelar destinada a aparelhar ação penal tendente à sentença condenatória”. A afirmação é tão desmedida e agressiva que foi interpretada nos meios jurídicos e políticos como uma tentativa explícita de intimidação contra os ambientalistas que criticam a desastrada atuação do governo na área. 

A segunda iniciativa da AGU estranha às suas atribuições funcionais foi o recurso que enviou ao STF pedindo que esclareça pontos do julgamento que incluiu a homofobia nos crimes de racismo. O que o órgão almeja é que a Corte declare se essa inclusão atinge ou não a liberdade religiosa. Além de o Estado brasileiro ser laico, como determina a Constituição, essa não é uma questão de interesse precípuo da União. É, isto sim, uma questão de interesse exclusivo das igrejas evangélicas, que se converteram em fonte de apoio político a Bolsonaro. 

Do ponto de vista substantivo, o objetivo da AGU é reduzir o alcance da decisão do Supremo. Embora nos meios jurídicos a expectativa seja de que a Corte não acolherá o recurso, o episódio deixa claro que o governo colocou a estrutura jurídica da União a serviço dos interesses políticos do presidente, com vistas à sua campanha pela reeleição em 2022.

A terceira iniciativa polêmica da AGU ocorreu no fim de julho, quando o órgão entrou com ação no Supremo contra a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou que as redes sociais retirassem do ar contas de influenciadores, empresários e políticos bolsonaristas. Pelo Twitter, Bolsonaro protestou, afirmando que a decisão feria as liberdades de opinião e de informação previstas pela Constituição. 

A rigor, o recurso contra o bloqueio dessas contas não cabia ao poder público, mas àqueles que não puderam mais se expressar, ao Twitter e ao Facebook. Alegando que a decisão de Moraes afrontou a Constituição, uma vez que “em uma democracia saudável a liberdade de expressão deve ser plena”, o recurso da AGU foi mais uma demonstração de como Bolsonaro confunde interesse de Estado e interesse pessoal. E, mais grave, como também não hesita em recorrer à estrutura jurídica da União para atender aos seus interesses pessoais.

Vai ficando evidente, assim, que o presidente Bolsonaro não conhece limites. Por isso, quanto mais caminhar nessa linha, como a tentativa de instrumentalização da AGU evidencia, mais necessário se torna que o Supremo dê um basta a tanto acinte, evitando desse modo a corrosão das instituições. 

Os números do Enade – Opinião | O Estado de S. Paulo

Universidades públicas ainda têm desempenho muito superior ao das particulares.

Divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), os resultados de 2019 do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) – que é uma avaliação obrigatória dos estudantes que estão no último ano do curso de graduação – não apresentam novidade. Pelo contrário, mostram, mais uma vez, as disparidades crônicas do ensino superior brasileiro.

Ao todo, foram avaliados 8.368 cursos. O Enade analisa os aspectos da formação geral e específica desses estudantes. A cada três anos o Inep escolhe algumas áreas para avaliar. Na edição de 2019, foram selecionadas 29 áreas, entre elas medicina, odontologia, agronomia, veterinária, zootecnia e as engenharias. As notas vão de 1 a 5 e correspondem ao desempenho médio dos estudantes de cada curso com relação ao desempenho médio da área em que está se formando.

Segundo o Enade, apenas 6% dos cursos avaliados alcançaram a nota máxima; 35% receberam a nota mínima; 57% tiveram notas intermediárias; e 2% ficaram sem nota. No âmbito do ensino superior privado, que corresponde a 76% dos cursos avaliados, só 94 cursos obtiveram nota 5. Nas universidades federais, foram 342, entre 1.426 cursos avaliados.

Num período em que a Revolução Industrial 4.0 vem mudando rápida e radicalmente as técnicas de produção, os números do Enade causam preocupação. Eles mostram que muitos formandos não têm qualificação para se afirmar profissionalmente nas áreas que estudaram, por causa da má qualidade de seus cursos. E esse problema pode se agravar ainda mais, dependendo do modo como vier a ser enfrentado pelo Ministério da Educação (MEC).

Desde o início do governo Bolsonaro, o ensino superior público foi várias vezes acusado de ser local de bagunça e de estar sob o controle de grupos de esquerda. Esse também foi um dos argumentos invocados, juntamente com a crise fiscal, para justificar a redução do orçamento das universidades federais. Os números do Enade, porém, deixam claro que as críticas não procedem. Mostram que as instituições federais – e também estaduais – continuam com um desempenho muito acima do das instituições particulares.

No ensino superior privado, por exemplo, cuja expansão foi estimulada pelo MEC no primeiro ano do governo Bolsonaro, 42% das universidades particulares ficaram com as notas 1 e 2. É um número expressivo. Além disso, do total de alunos avaliados dessas universidades, 36% recebiam algum tipo de ajuda do governo federal, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Ou seja, os números do Enade revelam que não faz sentido o governo reduzir verbas orçamentárias para o ensino público, ao mesmo tempo que gasta recursos escassos com ajuda às universidades particulares muito fracas, das quais várias pertencem a grupos empresariais com capital aberto.

Na sessão do Enade de 2019, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, reconheceu, ainda que de forma indireta, essa falta de lógica. Segundo ele, apesar de ter havido “uma grande expansão do ensino privado no Brasil nos últimos anos, também tivemos instituições privadas que conseguiram bons resultados”. O problema é que esse número de instituições é pequeno e que elas são quase todas confessionais ou vinculadas a conhecidas fundações de direito privado, tratando a educação como missão e não como negócio.

Por seu lado, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que objetivo do MEC, a partir de agora, é valorizar “mais a qualidade e não tanto a quantidade”. Em princípio, ele está no caminho certo. Resta ver, contudo, se conseguirá evitar cortes orçamentários nas universidades públicas e, ao mesmo tempo, fazer com que o auxílio financeiro aos alunos das universidades privadas resulte numa educação com maior qualidade. Enquanto o MEC não passar da palavra à ação, o ensino superior do País continuará expedindo diplomas sem, contudo, assegurar a todos os alunos a formação qualificada de que necessitam para ter vez no mercado de trabalho.

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