quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Reforma administrativa: questão de cidadania – Opinião | O Estado de S. Paulo

Apesar de atrasada e diminuta, proposta apresentada pelo governo abre ao Parlamento a possibilidade de agir

No início de setembro o governo encaminhou ao Congresso uma proposta de Reforma Administrativa atrasada e diminuta. Apesar dos pesares, ela abre ao Parlamento a possibilidade de agir. A atual legislatura mostrou ímpeto reformista na Previdência, mas agora o desafio é mais complexo. Uma nota técnica do Centro de Lideranças Públicas (CLP) dá a medida dessa complexidade.

Antes de tudo há as distorções: a estabilidade indiscriminada; a progressão automática de carreira; e o déficit nas avaliações de desempenho. Muitos servidores ingressam com remunerações elevadas e alcançam em pouco tempo o topo da carreira, não com base em resultados e méritos, mas em tempo de serviço ou certificados acadêmicos.

Além das distorções, há as perversões. O Banco Mundial estima que os servidores públicos no Brasil recebam em média 18% acima de seus pares privados. Outras estimativas apontam que essa diferença pode chegar a 50%. De resto, há as disparidades no próprio serviço público entre a elite e a base. Pelo coeficiente Gini de mensuração de desigualdade, estima-se que a desigualdade no setor público seja 7 vezes maior que no privado, podendo variar de 4 a 14 pontos conforme a região.

A análise comparada expõe esta disfuncionalidade e perversidade da máquina pública. O número de servidores no Brasil não é alto. São 5,6% da população, enquanto a média dos países da OCDE é de 9,5%. Mas os gastos com pessoal correspondem a 13,8%, o que, segundo o Banco Mundial, coloca o País na 15.ª posição entre os que mais gastam como proporção do PIB. Em outras palavras, comparativamente, o Brasil tem poucos funcionários que ganham muito.

A Constituição de 1988 estendeu a todos os servidores a condição de estatutários com estabilidade. Mas nos países desenvolvidos apenas alguns postos, como juízes, soldados, fiscais ou policiais, têm essa prerrogativa. Na Suécia e na Espanha, por exemplo, apenas 1% dos funcionários é estatutário. Na Grã-Bretanha são 10%, e mesmo assim com estabilidade parcial.

Um dos pontos positivos da reforma em trâmite é a eliminação de vários privilégios, como licença-prêmio; aumentos retroativos; férias acima de 30 dias; aposentadoria compulsória como punição; ou promoções automáticas.

Outro avanço são os modelos de contratação diversos. Os cargos típicos de Estado seriam apenas aqueles que não podem ser transferidos para o mercado. A estabilidade seria mantida, mas após um período probatório de 3 anos. Além disso, há os cargos por prazo determinado ou indeterminado, mas que podem ser extintos caso se mostrem obsoletos.

Um terceiro ponto positivo é que a reforma abarca União, Estados e municípios. Mas, como lembra o CLP, os pontos questionáveis são exatamente as suas exclusões. Primeiro, a reforma só valerá para os futuros concursados. Depois, ficou de fora precisamente a elite do funcionalismo – militares, promotores, juízes e parlamentares. Tal como está, a reforma aumentará em muito a desigualdade entre os quadros públicos.

O governo seguiu o entendimento de que não teria legitimidade para reformar outros Poderes. Essa justificativa, em si questionável, não explica por que os militares, que compõem o Executivo e mantiveram a maioria de seus privilégios na Reforma da Previdência, ficaram de fora. O Congresso, ao menos, já está encaminhando sua própria Reforma Administrativa e há quem diga que, sendo o campeão dos privilégios, tem mais legitimidade para tratar das categorias do Judiciário.

Estima-se que em 15 anos cerca de um terço dos servidores da União se aposentará. A calibragem eficiente da reposição poderá trazer mais equilíbrio para as contas públicas. Tudo somado, o CLP calcula que o impacto fiscal da reforma pode levar a uma economia de R$ 403,3 bilhões até 2024.

Todos os brasileiros, inclusive os funcionários públicos, merecem serviços mais eficientes. Os trabalhadores privados merecem mais paridade em relação aos públicos, assim como os servidores da base em relação à elite. O Congresso tem a oportunidade de brindar a população com essas três conquistas numa só reforma.

O rombo fiscal e a incerteza – Opinião | O Estado de S. Paulo

Com dívida fora dos padrões, governo deveria cuidar mais da credibilidade

Os estragos causados pela pandemia continuam bem visíveis nas finanças públicas, e assim continuarão, provavelmente, por mais uns dois anos. O buraco nas contas do governo central deve chegar a R$ 871 bilhões em 2020, segundo o Ministério da Economia. A projeção anterior, divulgada no mês passado, indicava déficit primário, isto é, sem juros, de R$ 787,4 bilhões. A atividade se recupera desde maio e mais impostos têm sido pagos, mas isso pouco se reflete, ainda, na evolução da receita. Em agosto o governo central arrecadou R$ 121,4 bilhões, 1% mais que um ano antes, descontada a inflação. Pela primeira vez, desde abril, houve ganho real em relação a igual mês de 2019.

Aos números de agosto foi acrescentado um toque de esperança, em nota divulgada pelo Tesouro Nacional. A crise, segundo o texto, pode tornar-se um momento promissor para a pauta de reformas, “com foco na consolidação fiscal e na produtividade da economia brasileira”. Mas a cúpula do Executivo pouco tem feito, até agora, para reforçar esse quase otimismo.

Apesar das promessas de seriedade fiscal, incluído o respeito ao teto de gastos, o presidente exibe e reafirma, no dia a dia, preocupações muito diferentes, centradas na reeleição e balizadas por critérios populistas. Essa orientação é muito clara nas discussões sobre o Orçamento para 2021: é preciso encontrar meios de acomodar a Renda Cidadã na programação financeira e, se possível, incluir alguns investimentos para propiciar eventos políticos e, na melhor hipótese, inaugurações.

A defesa da consolidação fiscal tem-se repetido em notas divulgadas pelo Tesouro juntamente com os informes mensais sobre as contas do governo central. A consolidação em curso – ou ainda em curso – tem permitido, segundo a última nota, reduzir os custos da dívida mobiliária federal.

O custo médio das emissões e do estoque da dívida chegou aos mínimos históricos de 4,85% e 8,54% ao ano, respectivamente. Dirigentes do Banco Central (BC) também têm apontado a confiança na política fiscal como fator importante para a manutenção dos juros básicos em 2% ao ano. Talvez já tenham explicado esse ponto ao presidente da República, mas sem efeito prático. As incertezas são notórias no dia a dia do mercado de capitais e no câmbio instável.

Com a retração dos negócios, a queda do emprego e as medidas emergenciais, incluído o diferimento de tributos, o déficit primário do governo central chegou a R$ 601,3 bilhões em oito meses. Um ano antes havia ficado em R$ 52,1 bilhões, em valores correntes. Até agosto o déficit sem juros foi mais que o quíntuplo do projetado inicialmente para 2020 (R$ 124,1 bilhões).

Um retrato mais amplo das contas públicas é elaborado pelo BC. Os saldos apontados correspondem às necessidades de financiamento, enquanto os cálculos do Tesouro mostram apenas a diferença entre receitas e despesas primárias.

Pelo critério do BC, o governo central teve déficit primário de R$ 96,5 bilhões em agosto e de R$ 601,8 bilhões no ano. Pelo padrão do Tesouro, esses valores foram, respectivamente, R$ 96,1 bilhões e R$ 601,3 bilhões. Com os números de Estados e municípios e da maior parte das estatais (excluídas Petrobrás e Eletrobrás), o setor público teve déficit primário de R$ 87,6 bilhões no mês e de R$ 571,4 bilhões em oito meses.

Somados os juros, chega-se ao chamado resultado nominal, um buraco de R$ 121,9 bilhões para o setor público, em agosto, e de R$ 785,1 bilhões no ano. Esse buraco equivale a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 12 meses o rombo geral chegou a R$ 933,5 bilhões, ou 13% do PIB. A conta de juros alcançou R$ 322,2 bilhões.

Com esse desempenho, a dívida bruta do governo geral – os três níveis mais o INSS – alcançou em agosto R$ 6,4 trilhões (88,8% do PIB) e deve aumentar até o fim do ano. Segundo o Ministério da Economia, poderá bater em 94% do PIB. Em abril o Fundo Monetário Internacional estimou a média de 62% para os emergentes em 2020. O tamanho da dívida brasileira é mais um forte motivo para o Executivo cuidar da credibilidade.

O intervencionismo judicial – Opinião | O Estado de S. Paulo

Para ministro Luiz Fux, responsabilidade por tensões institucionais é dos demais Poderes

Na primeira reunião em que participou como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux, que está à frente do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 10 de setembro, tocou num tema politicamente importante. Trata-se do excesso de intervencionismo do Judiciário na vida política e econômica do País, gerando com isso tensões no equilíbrio entre os Poderes.

É preciso fazer com que o Judiciário volte a ter uma “imagem respeitável”, disse ele ao discutir o problema da judicialização e as críticas ao ativismo judicial vindas do Executivo e do Legislativo. A sessão do CNJ foi realizada por meios virtuais simultaneamente com a primeira reunião de Fux com os presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados, dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho. Ou seja, o presidente do STF falou sobre uma questão delicada para a cúpula da Justiça brasileira.

Segundo ele, apesar de o excesso de intervencionismo judicial gerar tensões institucionais, a responsabilidade não é da Justiça, mas dos demais Poderes. Nesse ponto, Fux está certo. Como o Executivo muitas vezes exorbita de suas prerrogativas, ora tratando por matérias que só podem ser objeto de lei ordinária, ora incluindo nas medidas provisórias temas que alteram a Constituição, todas as vezes que o STF é acionado para julgar ações de inconstitucionalidade contra atos e iniciativas desse Poder ele não pode deixar de tomar uma decisão. E seja esta qual for, a Corte sempre será criticada pela parte derrotada.

O mesmo também acontece no Congresso. Apesar de a Câmara e o Senado serem Casas políticas, muitas vezes as lideranças parlamentares não conseguem administrar suas divergências e decidi-las com base em leis específicas ou no regimento interno. Elas se acostumaram a encaminhar seus impasses para o STF. Isso ocorre igualmente quando corporações profissionais, movimentos sociais e organizações não governamentais batem às portas dos tribunais questionando políticas públicas e decisões do governo.

Por isso, disse Fux, se por um lado o Judiciário não está invadindo a área de competência dos demais Poderes e absorvendo matérias que não pertencem originariamente à sua área de atuação, por outro não pode deixar de agir quando é devidamente provocado. “Não temos um governo de juízes nem devemos aceitar essa pecha de judicialização da política. O que existe é uma política que judicializa seus feitos quando não consegue resolver, em sua própria arena, suas questões intramuros”, afirmou o presidente do Supremo.

Durante os debates, o desembargador Ítalo Mendes, presidente do TRF 1, com sede em Brasília e jurisdição em 14 Estados, pôs o dedo na questão que mais incomoda sua corporação, atualmente. Ele disse que as acusações de ativismo contra os juízes estão propiciando um crescente questionamento da Justiça, como instituição, e afirmou que ela tem de ser resguardada.

Subjacente a esse temor e a esse anseio estava um problema conhecido: o descontentamento da magistratura com o modo como o presidente Jair Bolsonaro vem tratando a Justiça, acusando-a de não ter permitido que ele enfrentasse a pandemia de covid-19, depois que o STF reconheceu a autonomia concorrente dos Estados e municípios. Consciente da delicadeza do tema e do risco de sua resposta gerar um desnecessário bate-boca com o chefe do Executivo, Fux foi prudente. Afirmou que a Justiça tem de ser preservada, mas que seus membros precisam aprender a lidar com os desafios a ela colocados por problemas conjunturais e contingências, como é o caso da pandemia e dos ataques despropositados do chefe do Executivo.

A resposta não foi direta. Mas Fux deixou implícito que compreendeu o que os juízes reivindicam. Ficou claro que ele não contemporizará quando a Justiça for atacada e saberá reagir com a devida firmeza, quando necessário.

Destruir por decreto – Opinião | Folha de S. Paulo

Bolsonaro promove ruptura em política de inclusão de alunos com deficiências

O governo de Jair Bolsonaro se especializa em usar a regulamentação infralegal na tentativa de dar fim às políticas públicas de que não gosta. É a destruição por decreto.

Assim a administração procurou sabotar a legislação para o controle de armas, reverter a redução de danos no tratamento de quimiodependentes e desfazer boa parte das proteções ambientais.

A onda também chegou à educação. O governo editou decreto que estabelece uma nova Política Nacional de Educação Especial, revoltando militantes e especialistas.

Eles entendem que a nova norma, ao abrir espaço para a volta das escolas especiais, poderá enfraquecer décadas de esforços para promover a educação inclusiva de portadores de deficiências.

Mais ou menos até o início dos anos 1990, a situação educacional desses jovens e crianças era desastrosa. Eles eram frequentemente excluídos das classes regulares e despachados para salas ou mesmo unidades especiais, onde recebiam pouca atenção pedagógica —além de serem privados do convívio com colegas sem deficiência.

A partir da Constituição de 1988 e de outras peças legais, bem como da assinatura de uma série de tratados internacionais e do esforço de pais e educadores dedicados, a situação começou a mudar.

Cada vez mais crianças com necessidades especiais passaram a estudar em salas regulares, com bons resultados não apenas para esse grupo como também para os demais alunos, que recebem diariamente lições práticas sobre diversidade e tolerância.

A experiência pode ser descrita como um sucesso. Como escreveu na Folha o colunista Alexandre Schneider, há 20 anos contavam-se 382 mil estudantes com alguma deficiência matriculados —dos quais cerca de 300 mil em classes especiais e instituições especializadas e pouco mais de 81 mil em estabelecimentos regulares.

Em 2017, já eram cerca de 900 mil matriculados em classes regulares e 170 mil em classes exclusivas.

O modelo seguido pelo país, que também oferece a alternativa de atendimento especializado no contraturno, é conceitualmente correto e, como os números provam, factível. Não se vê razão para nenhuma mudança radical.

Aperfeiçoamentos são sempre bem-vindos. Não haveria mal, em princípio, em dar maior possibilidade de escolha aos pais. Há aqueles, em geral lidando com quadros mais difíceis, que preferem manter seus filhos em instituições especializadas. O objetivo geral de incluir, indiscutível, pode admitir opções para casos particulares.

Entretanto o governo Bolsonaro erra mais uma vez ao promover a destruição por decreto, em vez de estudar, dialogar e negociar.

Ditaduras x imprensa – Opinião | Folha de S. Paulo

Regimes da Nicarágua e da Belarus tentam sufocar a crítica e a informação

Quaisquer que sejam suas orientações ideológicas, governos autoritários apresentam como traço comum o esforço para sufocar a livre circulação de ideias e a atuação da imprensa. Essa regra ganhou atualidade nos últimos dias, quando medidas do gênero foram adotadas por regimes tão distintos como os da Belarus e da Nicarágua.

Na primeira, o ditador Aleksandr Lukachenko, há 26 anos no poder, investiu contra o mais importante site noticioso do país, o Tub.by, cassando-lhe o status de mídia.

O ataque a um dos poucos veículos locais que ainda funcionavam normalmente representa um passo largo na mais recente escalada despótica contra a imprensa, que já resultou no bloqueio de ao menos 70 sites informativos.

Embora o Tub.by ainda permaneça no ar, seus repórteres deixaram de ser considerados jornalistas, o que os torna mais suscetíveis a detenções durante a cobertura dos protestos que tomaram o país há quase dois meses —após a vitória de Lukachenko em uma eleição eivada por fraudes.

O expediente vem sendo utilizado de maneira sistemática pelo governo. Nesse período, cerca de 350 profissionais de imprensa já foram detidos durante o exercício da função, e ao menos 15 permaneciam presos até a semana passada.

Diverso foi o caminho adotado pela Nicarágua do ditador Daniel Ortega, onde o ataque à liberdade de expressão se deu com novas leis.

Recente diploma pune com multas e até quatro anos de prisão aqueles que, por meio das tecnologias de informação e comunicação, publicarem ou difundirem informações falsas ou deturpadas “que causem alarme, medo ou ansiedade na população”.

Ainda pode sofrer sanções, de acordo com o texto, quem prejudicar a honra, o prestígio ou a reputação de uma pessoa ou de sua família, além daquele que incitar a violência ou puser em perigo a estabilidade econômica, a ordem, a saúde e a segurança nacional.

Utilizando uma tipificação penal vaga, com conceitos amplos, como “honra” e “medo”, ou manipuláveis, como “notícias falsas”, a lei abre margem para toda sorte de abusos por parte do Estado e facilita a criminalização de críticos.

Com Ortega buscando em 2021 a terceira reeleição e Aleksandr Lukashenko tentando recuperar o poderio abalado em Belarus, as estratégias dos dois déspotas apontam para o mesmo fim —o de censurar para se perpetuarem no poder.

Projetos de lei poderiam trazer fôlego fiscal – Opinião | O Globo

Sem competência nem vontade política, o governo não tem usado as propostas que já existem no Congresso

O tempo da política é quase sempre mais lento que o da economia. O descompasso se repete com o desejo de deixar para depois das eleições a definição de um meio de financiar o Renda Cidadã sem violar a responsabilidade fiscal. Os políticos brincam na boca de um vulcão.

Enquanto o Congresso e o Planalto, isolados na bolha de Brasília, definem táticas e estratégias de poder, a crise vem impondo limites às regulações cartoriais construídas à base de pressão de lobbies. Foi por força dos abalos na economia e na sociedade que o governo foi obrigado a emitir a MP — correta — que permitiu trocar corte de salário por estabilidade temporária.

O terremoto que o país atravessa aconselha flexibilidade de regras, sem desproteger os mais vulneráveis. Há no Congresso projetos de leis adequados ao enfrentamento das dificuldades, mas falta senso de urgência. É certo que várias reformas dependam de propostas de emendas à Constituição (PECs), que exigem apoio maciço dos parlamentares — no mínimo 60%. Mas seria perfeitamente possível trazer fôlego fiscal por meio de projetos aprovados por maioria simples dos presentes, as leis ordinárias, ou absoluta (das cadeiras), as complementares.

É o caso da regulamentação da demissão de servidores de baixo desempenho. Incluída na Constituição, apresentada por proposta de lei complementar em 1998 pelo ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, está no Legislativo há mais de duas décadas. Aprovada pela Câmara, recebeu emendas no Senado e voltou para os deputados em 2007. Repousa em alguma gaveta há 13 anos. Há ainda um outro projeto sobre o mesmo dispositivo constitucional, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), aprovado em comissões, que espera desde agosto do ano passado para ir a plenário.

O governo, atrás de dinheiro para o programa de Bolsonaro, lembrou os supersalários de castas do funcionalismo, para os quais não vale o teto legal de R$ 39,2 mil estabelecido para qualquer servidor. Manobras nas esferas política e administrativa revogaram na prática esse limite para os privilegiados. Com isso, acabaram por criar uma oportunidade atraente ao governo. Basta cortar desses salários o que exceder o teto, e haverá uns R$ 10 bilhões por ano à disposição. Com a vantagem de que um projeto de lei ordinária para isso já foi aprovado no Senado em 2016. Só falta o aval da Câmara.

Há ainda o exemplo do governo Temer, que conseguiu apoio para a lei 13.467, que modernizou partes da sacrossanta CLT, considerada intocável desde que Getúlio a instituiu. No início da semana, 65% dos comandantes e copilotos da Latam concordaram, com base na reforma de Temer, que o sindicato negocie a redução definitiva de salários para manter os empregos. É a primeira negociação do tipo no país — e um exemplo de como novas leis podem trazem saídas para crises. Havendo vontade política, o Congresso trabalha. É só o que falta, além de competência, para agir antes do agravamento de uma crise que já chegou.

Investigação comprova necessidade de impor limites às gigantes digitais – Opinião | O Globo

Relatório de parlamentares americanos questiona práticas de Amazon, Apple, Facebook e Google

O relatório de 450 páginas que resume os 16 meses de investigação da Câmara dos Estados Unidos sobre as gigantes digitais traz conclusões esclarecedoras para quem ainda tem uma visão idílica do Vale do Silício. Com base em 1,3 milhão de documentos, 38 testemunhos e na opinião de mais de 60 especialistas em leis antitruste, o documento acusa Amazon, Apple, Facebook e Google de abusos de poder econômico.

 “Para simplificar”, diz o texto, “empresas que outrora foram startups desafiando o statu quo se tornaram monopólios vistos pela última vez na era dos barões do petróleo e magnatas das ferrovias.” Apesar dos benefícios gerados, tal domínio sai caro: “Não apenas exercem um poder tremendo, mas abusam dele cobrando preços exorbitantes, impondo termos opressivos nos contratos e extraindo dados valiosos de indivíduos e negócios que dependem delas”.

O relatório é repleto de exemplos de como se valem da posição dominante para manter poder de mercado: o uso de WhatsApp e Instagram para ampliar os domínios do Facebook, a concorrência desleal da Amazon com quem usa a empresa como plataforma de venda, o controle da loja de iPhones para favorecer aplicativos da Apple ou o tratamento preferencial das buscas do Google a vídeos do YouTube.

Nenhuma das conclusões surpreende quem acompanha o tema. Não é coincidência que as quatro, ao lado da Microsoft, sejam os cinco negócios de maior valor de mercado no planeta. É inegável — e todas sempre poderão alegar isso em seu favor — o benefício que trazem ao consumidor. Mas também é fato que só chegaram a tal posição em virtude da postura benevolente com que a Justiça americana encara a legislação antitruste desde os anos 1980.

Prevalece a interpretação que só justifica impor sanções quando o dano ao consumidor é explícito, pelo aumento de preços. Só que o mundo digital põe em xeque tal lógica. Nele, a regra são serviços gratuitos, pagos invisivelmente na forma de dados, chamarizes para amarrar a audiência — e permitir aos monopólios estender seus tentáculos, inibindo a concorrência e a inovação.

A investigação não recomenda a quebra das empresas, mas os parlamentares se mostram dispostos a endurecer o arsenal legal para coibir os abusos. Até agora, elas têm passado incólumes nos tribunais. Mas o cenário permissivo parece estar com os dias contados, graças à chance crescente de vitória de Joe Biden e de maioria democrata nas duas casas legislativas.

Qualquer mudança na lei ou na Justiça precisa ser cautelosa para não inibir o espírito de inovação. Ao mesmo tempo, nada é tão nocivo quanto monopólios que põem em risco a própria democracia. Passou da hora de impor limites ao poder das gigantes digitais.

Sem apoio fiscal, retomada dos EUA deve ser mais lenta – Opinião | Valor Econômico

A retomada da economia, mesmo que forte em julho e agosto, está cercada por enormes incertezas

Com o peso inicial de puxar a recuperação global nos ombros só da China - a única das grandes economias que crescerá este ano - os estímulos à economia nos Estados Unidos e Europa ditarão o ritmo da economia internacional nos próximos meses. Não há dúvidas quanto à permanência das políticas monetárias frouxas por muito tempo, mas o prosseguimento do apoio da política fiscal tem sido conflituoso em vários países, como nos Estados Unidos. Nos EUA, não há tantos problemas financeiros prementes a impedir a execução de mais um pacote de apoio a empresas, trabalhadores e Estados, mas o presidente Donald Trump não quer. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro até quer, mas não tem dinheiro.

O destino imediato da recuperação americana foi abalroado pelo calendário eleitoral e pelas erráticas decisões de Trump. Após várias escaramuças, democratas e republicanos estavam aproximando suas propostas. Os democratas queriam estímulos de US$ 3 trilhões, e aceitam um de US$ 2,2 trilhões. Os republicanos, que não ofereciam mais de US$ 500 bilhões, chegaram agora a US$ 1,6 trilhão. Até o presidente, infectado, sair do hospital e mudar o jogo.

Trump suspendeu as tratativas até o pós-eleições, acusando seus rivais de buscarem dinheiro para socorrer administrações estaduais democratas incompetentes e favorecer regiões “infestadas pelo crime”. Depois mudou de ideia e disse que toparia acordo sobre medidas pontuais. A principal é um pacote de auxílio às companhias aéreas, tão cara ao governo quanto o auxílio a Estados e municípios o é para os democratas. Não há mais muitas expectativas de que algo grandioso possa sair das negociações, mas algum acordo ainda pode prosperar.

Novos e igualmente pujantes pacotes fiscais foram defendidos em público anteontem pelo presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em termos que, em outros tempos, deixariam um presidente republicano apoplético. “Um apoio pequeno resultará em uma recuperação fraca, criando sofrimento desnecessário para famílias e empresas”, disse Powell. “Em contraste, os riscos de errar para mais na ajuda seriam pequenos, porque mesmo que ela se prove maior do que a necessária, não será um desperdício, a recuperação será mais forte”.

Powell classificou de “trágico” um fiasco nesta área. Ontem o Fed divulgou as notas da ata da reunião de setembro, que consolidou a perspectiva do banco central por manter taxas próximas de zero pelo menos até o fim de 2023, se nenhum evento importante forçá-lo a mudar de rota. A retomada da economia, mesmo que forte em julho e agosto, está cercada por enormes incertezas, a começar por novas ondas do vírus. Ela já ocorre em Nova York e há 34 Estados em que o contágio ainda é alto. O número de casos no país mal caiu abaixo dos 40 mil por dia e o de mortes somou 210 mil.

A inflação continua muito abaixo dos níveis do início do ano, tomando como base o índice preferido do Fed, o PCE (1% nos doze meses até julho) e o núcleo dele (1,3%). O índice de preços ao consumidor foi de 1,3% e seu núcleo, de 1,7% no período.

A produção industrial já praticamente se recuperou, enquanto a dos serviços anda bem mais devagar, porque vastos setores dele provavelmente só chegarão à plena forma quando houver segurança contra o vírus e acabar o distanciamento social.

A recuperação tem algum fôlego, mesmo após o fim dos auxílios, porque entre outros motivos, como atesta o Fed, “a poupança pessoal continua bastante elevada”. Quanto às empresas, a alavancagem é hoje menor do que no mesmo período do ano passado. Consumo e venda de imóveis voltaram aos níveis pré-pandemia e investimento fixo das companhias cresceu pelo terceiro mês consecutivo em julho.

Mas o Fed está longe de cumprir as metas de seu duplo mandato. O índice de swaps overnight, segundo a ata, indica que as taxas dos fed funds permanecerão aonde estão até a primeira metade de 2024. Por outro lado, o nível de emprego ainda tem muito a progredir. Em abril, o desemprego chegou a 14,7% (22 milhões de pessoas) e, em setembro, foi de 7,9%, ou seja, aproximadamente na metade do caminho necessário.

Uma das premissas importantes dos cenários traçados pelo Fed para inflação, juros e emprego é que a alavanca fiscal que impulsionou a economia continuaria agindo. Trump mandou-a para o espaço. Sem um novo auxílio, “a recuperação será lenta”, conclui o documento.

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