quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Não existe bolsonarismo

- O Globo

Não se viu nenhum grande portador de votos defendendo fortemente a Lava-Jato

Foi como se o eleitorado chegasse para Bolsonaro, apontando a arma: “Perdeu playboy, perdeu”.

A Bolsonaro, só restou pedir: “Tá bom, mas não esculacha”.

Ele, os filhos e os fiéis estão dizendo que nem se envolveram tanto nas campanhas (o que é falso) e que o bolsonarismo permanece.

Só que, e aqui já vai um esculacho, não existe bolsonarismo. A vitória do presidente em 2018 foi um acidente histórico, uma mistura única de circunstâncias.

A população estava perplexa com as descobertas da Lava-Jato, que não apenas apanhava episódios de corrupção, mas revelava um sistema de assalto ao Estado (aos contribuintes) para financiar partidos e pessoas. Era a velha política, alvo fácil.

O governo Dilma jogara o país na maior recessão, estourando os gastos públicos e conseguindo a proeza de ter juros e inflação nas alturas, ao mesmo tempo.

Com Lula apanhado, a esquerda era outro alvo fácil. A esperteza de Bolsonaro — ou de algum assessor de bom senso —foi trazer o liberalismo de Guedes (chega de Estado gordo e ineficiente) e o Moro da Lava-Jato.

Como as diversas variedades do centro estavam perdidas — o adversário está à direita ou à esquerda — e mais a facada, que tirou o candidato dos debates que poderiam derrubá-lo, deu Bolsonaro.

Passados dois anos, os eleitores derrotaram Bolsonaro — porque perceberam o quanto era fake, para dizer o mínimo —e fizeram o quê?

Derrotaram a esquerda também. Verdade que surgiram três nomes novos (Boulos, Marília Arraes e Manuela d’Ávila) em capitais importantes, mas, por enquanto, só no segundo turno. E Boulos, o principal nome, saindo em desvantagem no maior prêmio desta eleição.

De certo, PT e PCdoB perderam prefeituras. O PSOL ganhou, mas de duas para quatro, ou seja, nada, se não levar São Paulo —o que, de novo, é difícil.

Quem ganhou, então? A velha política, os partidos do Centrão fisiológico e mais um centro, digamos, mais programático (DEM, PSDB, que arrasou no Estado de São Paulo, partes do MDB e outras agremiações).

A Lava-Jato também perdeu. Não se viu nenhum grande portador de votos defendendo fortemente a força-tarefa. Isso foi ruim. Deu mais espaço para o pessoal que está tentando abafar a operação, grupo que inclui ministros do Judiciário, parlamentares do Centrão e da esquerda (para livrar Lula) e a turma de Bolsonaro (procurador Aras à frente).

Se essa turma dominar a cena política, o retrocesso é certo.

Qual a alternativa? Primeiro, uma nova esquerda, sem corruptos. Não custa lembrar que o PSOL foi formado por parlamentares chocados quando ficou clara a corrupção na campanha de Lula.

Se, além de limpa, for uma esquerda mais inteligente e realista em política econômica, melhor — mas aí talvez seja pedir demais.

Também é preciso, para o bem do país, que prevaleça o centro programático, liberal na economia, mas com programas sociais bem endereçados.

Temos, portanto: a extrema-direita de Bolsonaro (que se aproxima de um final à moda de Trump), o velho Centrão do “é dando que se recebe”, um Centro liberal-progressista e uma nova esquerda.

FHC costuma dizer que todo projeto político precisa de nomes. Pois bem, o que temos?

Bolsonaro por ele mesmo, claro.

Ciro Gomes e Haddad de novo pela esquerda? Boulos, se vencer em São Paulo?

O mineiro Kalil pelo Centrão?

E, no lado centro mais ou menos progressista: Doria, ACM Neto, Rodrigo Maia, Luciano Huck.

E Moro, pelo Centro/Lava- Jato.

Claro, há outros nomes e muitas combinações possíveis, incluindo a dobradinha PSDB/DEM ou DEM/PSDB.

A ver. Se triunfar o velho Centrão e o abafa da Lava-Jato, teremos retrocedido muitos anos.

Será que temos um Biden por aqui?

SUS e Operadoras

O Judiciário brasileiro tem dado várias decisões a favor do SUS, que quer cobrar dos planos e operadoras de saúde quando atende clientes destes.

Está errado. A Constituição diz claramente que saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Portanto, o SUS tem que atender todo brasileiro, rico ou pobre, tenha ou não plano de saúde.

A decisão não tem sido jurídica, mas um quebra-galho para arranjar mais dinheiro para o SUS. E, assim, vão destruindo os serviços privados de saúde, tornando-os cada vez mais caros e mais elitistas.

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