segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Catarina Rochamonte* - Como as democracias sobrevivem

- Folha de S. Paulo

Muitos intelectuais são responsáveis pela ascensão da extrema direita que repudiam

A importância de entender "como as democracias morrem" é cuidar para que sobrevivam. Elas podem morrer por processos violentos ou lenta degradação. Os movimentos também podem ser combinados, com a degradação abrindo espaço para processos violentos.

Alguns analistas viram no governo Trump um caminho de colapso da democracia norte-americana, que só seria restaurada com sua derrota na tentativa de reeleição. Todavia, Trump, apesar do seu acentuado personalismo e índole bravateira, não colocou em risco a democracia americana, que se mantém firme justamente por se sobrepor às idiossincrasias dos eventuais governantes. Pode haver conturbações mais ou menos graves devido à sua teimosia em relação ao resultado eleitoral? Pode. Porém, uma das características da democracia é suportar e superar convulsões, administrando os conflitos. Isto até certo limite, claro.

Há, no entanto, uma forma de degradação da democracia que tem avançado principalmente em países europeus: a covardia diante do fundamentalismo islâmico. Os recorrentes ataques terroristas a várias democracias europeias têm sido enfrentados com indignação ruidosa inicial e reação descontinuada em que se vai transigindo e capitulando gradativamente. O mais das vezes, a tibieza de alguns governantes é estimulada pela intelectualidade progressista em inumeráveis ensaios e artigos.

Por ocasião do assassinato do professor Samuel Patty em Paris e, em seguida, de três pessoas em Nice, o presidente da França, Emmanuel Macron, além de ordenar a ação pontual que matou alguns terroristas e prendeu outros, usou finalmente uma linguagem dura contra os islamitas. Pois houve quem preferisse relativizar o terror para repudiar a linguagem de Macron, que teria sido abusiva, melindrando cidadãos muçulmanos.

Essa covarde e demagógica retórica tem dado ensejo à retórica radical que se lhe opõe. Muitos intelectuais são responsáveis pela ascensão da extrema direita que repudiam.

*Catarina Rochamonte, doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).

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