Candidato do PSOL, representa uma renovação de fachada: a restauração do lulismo
Bruno
Covas obteve 32% dos votos no primeiro turno, um resultado fraco que reflete
tanto sua falta
de brilho quanto a elevada
rejeição de João Doria, seu padrinho político. Covas é um gerente
cinzento da cidade que existe —ou seja, de uma metrópole cuja riqueza contrasta
com níveis intoleráveis de exclusão social e segregação urbana. Mas tem a sorte
de enfrentar um adversário que pretende fazer a história girar em círculos,
reincidindo no discurso de uma esquerda congelada no tempo.
Guilherme
Boulos representa uma renovação de fachada: a restauração do
lulismo. O PSOL nasceu como cisão à esquerda do PT, como sonho de recuperação
do “PT das origens”. O pacto
entre Boulos e Marcelo Freixo, firmado há dois anos, colocou ponto
final na aventura, convertendo o partido em legenda auxiliar do PT. Hoje, o
partido menor ecoa as sentenças básicas do maior e sua existência reflete,
exclusivamente, os benefícios estatais ligados à proliferação de legendas
partidárias. Não é casual que, no início da campanha, as celebridades
carimbadas petistas tenham oferecido apoio a Boulos, em detrimento do
“apparatchik” Jilmar Tatto.
O
“PT das origens” desponta, como fantasia, na seleção de Luiza Erundina para
vice da chapa. O discurso lulista emerge, como realidade, em cada uma das
declarações de Boulos.
A
paixão estatista, que caminha junto com o desprezo pela sustentabilidade das
contas públicas, espraia-se por todo o programa. Há pouco, iconicamente, os
traços gêmeos manifestaram-se na forma de um desatino
financeiro. Esquecendo-se de insignificantes detalhes como custos
salariais e aposentadorias futuras, Boulos sustentou sua proposta de contratar
incontáveis novos funcionários municipais com o argumento de equilibrar a
balança previdenciária. “Como é que ninguém pensou nisso antes!? Gênio! Se
dobrarmos o número de funcionários, eliminaremos o déficit; imagina se
decuplicarmos...”, ironizou Alexandre Schwartsman.
O
passado esmaga o presente, enterrando na ravina do descrédito uma plataforma
necessária de reformas de cunho social. A gestão Covas, como tantas
precedentes, governa para uma cidade miniaturizada, que quase cabe na moldura
dos rios Pinheiros e Tietê. Boulos tem razão quando fala em corredores de
ônibus, nos contratos municipais com as empresas de transporte, no desamparo
dos entregadores de aplicativos, na violência
policial cotidiana nas periferias, na desapropriação
legal de imóveis privados abandonados. São, porém, apontamentos
corretos dissociados de planos abrangentes viáveis.
Covas
aponta um dedo acusador para o suposto radicalismo de seu adversário. De fato,
porém, falta a Boulos o tempero radical da reforma urbana. O candidato promete
construir 100 mil casas populares, retomando a meada conservadora do Minha Casa
Minha Vida, um programa imobiliário de criação de guetos urbanos que propicia a
constituição de currais eleitorais. Nesse passo, circunda o imperativo de
renovar o centro expandido por meio de arrojados projetos público-privados
destinados a erguer áreas de uso múltiplo compartilhadas por diferentes faixas
de renda.
“Radical é você”, retrucaria um Boulos utópico
ao prefeito que, abraçado ao governador semibolsonarista, reitera infinitamente
a cidade da gentrificação, do apartheid urbano e da violência. Mas o Boulos
realmente existente não aprendeu nenhuma das lições emanadas do longo percurso
do lulismo.
Sobretudo,
como seu partido, não entendeu o valor da pluralidade política. “Eu não sou
Jair Bolsonaro; trato a democracia, os Poderes, com diálogo”, respondeu Boulos
diante de uma indagação sobre suas eventuais relações com a Câmara de
Vereadores. “A Venezuela não é ditadura, Cuba não é ditadura, o governo Maduro
foi eleito”, exclamou o mesmo Boulos em 2018.
O
problema é que um Bolsonaro de esquerda continua a ser um Bolsonaro.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
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