terça-feira, 17 de novembro de 2020

Joel Pinheiro da Fonseca* - Motivos para esperança

- Folha de S. Paulo

Em 2018, vimos a extrema direita antipolítica vencendo por todo lado. Em 2020, a velha política voltou com tudo

Não sei o que Bolsonaro tinha em mente ao escolher candidatos a prefeito e vereador para apoiar nestas eleições, contrariando a sua própria decisão anterior de não apoiar ninguém.

Em 2018, bastava se colar a Bolsonaro para ser alçado às alturas. Em 2020, o nome Bolsonaro já não carrega tanto poder. Dos 59 candidatos a prefeito e vereador apoiados pelo presidente, só 13 venceram. Além disso, dos 68 candidatos que usaram o nome “Bolsonaro” na urna, apenas um foi eleito: seu filho Carlos Bolsonaro, com votação consideravelmente menor do que em 2016.

O presidente logo foi às redes sociais explicar como o mau resultado de seus candidatos não significa muita coisa para as ambições do bolsonarismo em 2022.

E ele está certo, mas só o fato de ter que se explicar já é embaraçoso e mostra que houve uma decepção. Previsivelmente, deputadas bolsonaristas (Carla Zambelli, Bia Kicis) já acusam fraudes nas urnas, mas ninguém as leva a sério.

Só não pense que o contratempo bolsonarista significou algum grande ganho para a esquerda. Ela também perdeu espaço. O PSOL teve ganhos, especialmente de prestígio em capitais, mas ainda é pequeno. De resto, PT, PC do B, PDT, PV, Rede e PSB perderam espaço (prefeitos e vereadores) e não foi pouco.

Ressalte-se que o PSDB, embora bem posicionado em capitais, também perdeu expressivamente. Idem para o MDB, embora em menor escala.

Se a esquerda e o centro tradicionais perderam, quem faturou foi a direita não bolsonarista e os partidos do chamado “centrão”, DEM, PP, PSD, Podemos, Republicanos, PL, PSL, Avante. Em 2018 vivenciamos um verdadeiro furor revolucionário, com a extrema direita antipolítica vencendo por todo lado. Em 2020, a “velha política” voltou com tudo.

Estaremos fadados a oscilar entre fanatismo e fisiologismo, bolsonarismo e centrão? Como fica nossa esperança de uma política que não deixe de negociar mas o faça baseada em propostas e valores, e não apenas interesses partidários? Nem tudo está perdido. Os esforços de uma escola de formação política como a Renova BR, que prepara pessoas comuns para ingressarem na vida política, começam a dar frutos: foram dez prefeitos e 136 vereadores eleitos.

Além disso, São Paulo pode ser uma vitrine para o bom embate político. Dos segundos turnos possíveis, tenho que Bruno Covas e Guilherme Boulos é o melhor.

A escolha está clara e ambos os candidatos são sérios. Covas representa a aposta numa gestão eficiente, no equilíbrio fiscal e na parceria com a gestão privada. Boulos, a crença num Estado mais atuante, mais redistribuição e disposição a sonhar utopias.

Ainda é cedo para comemorar. É muito fácil que a campanha descambe para acusações de fascismo e comunismo. Nesse campo, a esquerda fez escola. Por anos a fio, ouvimos que FHC, Serra, Alckmin e até Marina eram fascistas. Nos últimos anos, a direita não deixou por menos.

Prefiro, contudo, acreditar que um debate público qualificado na era das redes sociais é possível. Claro que tenho minha preferência nessa disputa. Mas, independentemente de quem vença, se tivermos duas semanas propositivas, sem inundação de fake news e sem histeria, buscando persuadir o eleitor indeciso ou mesmo do campo oposto, e não hostilizá-los, já considerarei uma vitória.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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