quinta-feira, 12 de novembro de 2020

José Serra* - Energia renovável e recuperação

- O Estado de S.Paulo

O Brasil é a maior potência ambiental e pode se beneficiar das transformações do setor

A aprovação do novo marco do saneamento pelo Congresso Nacional, em julho deste ano, proporcionou, como previ naquela ocasião, a discussão e aprovação de uma pauta de retomada do crescimento pós-pandemia, voltada para a melhoria da produtividade. Publiquei um conjunto de artigos sobre investimentos em infraestrutura: um novo marco regulatório para as ferrovias e no setor de energia, com a aprovação urgente de mudanças na lei do petróleo, para possibilitar a realização de leilões em 2021, e nas leis do gás natural e do setor elétrico.

A cada ano que passa o mundo valoriza mais o que é feito a partir das energias renováveis. A vitória de Joe Biden reforçará essa agenda. O presidente eleito dos Estados Unidos deixou bem claro que dará uma guinada na política energética americana, retornando ao Acordo de Paris. Sua presidência deve lançar as bases para a descarbonização mais profunda e radical da História do país. O novo presidente promete investir US$ 2 trilhões em apoio às energias renováveis, para tornar os Estados Unidos totalmente independente do carvão e do petróleo até 2035. Existe a intenção de tornar toda a nação neutra em carbono até 2050.

O que isso tem que ver com o Brasil? Quais são as oportunidades que se podem abrir para o nosso desenvolvimento econômico e social? Já pensou? Um selo brasileiro de produto à base de energia renovável? Seria possível e altamente benéfico para o planeta!

O Brasil é a maior potência ambiental do mundo e pode se beneficiar fortemente das transformações do setor de energia global, com participação crescente das renováveis, da geração solar e eólica e também da inovação no armazenamento de energia. As baterias vão criar novas possibilidades, e tudo leva a uma expansão cada vez mais acelerada das renováveis. Em futuro não muito distante poderemos transformar-nos em potência energética se nos engajarmos nessa nova agenda.

Cabe lembrar que o consumo eficiente também pode ser o caminho mais fácil para atender às demandas futuras. A tecnologia hoje permite que redes inteligentes de energia conectem todos os seus consumidores, com uma riqueza de detalhes e dados que favorecem um sistema complexo e integrado, como o que já existe no Brasil.

Um exemplo bem cotidiano, que já é realidade em outros países, são os eletrodomésticos – como a máquina de lavar roupa – que esperam o momento de preço baixo da energia para funcionar e são automaticamente acionados. Em breve essa realidade passará a fazer parte dos lares brasileiros. Num simples ato de lavar roupas, o consumidor detém um poder de escolha que é bom para ele mesmo, para o sistema elétrico e para o meio ambiente.

É indispensável integrar as energias. Não esqueçamos que, no Brasil, temos uma frota de veículos movida a etanol, em última instância um derivado da “energia solar”. Em breve já poderemos sonhar com uma cena em que os consumidores geram energia com seus carros a etanol, como células combustíveis injetando energia no sistema. Ou mesmo carregando seus carros com energia de painéis solares. Essa energia também pode ser armazenada em baterias e utilizada quando necessário.

Também chegou a hora da diversidade, da integração, da competição e de dar poder cada vez maior aos consumidores. E, ademais, reconhecer que as soluções baseadas exclusivamente na intervenção dos governos e com dinheiro público se esgotaram. Esse gigantesco potencial de integração, pela via do mercado, vai permitir ao Brasil uma relação proveitosa com nossos vizinhos latino-americanos. Em conjunto, temos energia barata, matérias-primas, mão de obra e mercado para suportar um projeto que nos devolva o protagonismo na economia global.

Para que todo esse futuro se torne realidade precisamos modernizar nosso setor de energia. O caminho certo para criar um ambiente que atraia o capital privado e promova a concorrência passa pela nova lei do gás, pela atualização de regras do setor elétrico, por específicas para renováveis e biocombustíveis baseadas na inovação e na competitividade, e não em subsídios eternizados. Assim, vamos reforçar as estruturas de governo e das agências reguladoras com as vacinas que nos protejam dos riscos da captura do sistema por movimentos oportunistas.

No momento em que pensamos na recuperação do Brasil pós-pandemia, devemos pensar num processo estruturado de desenvolvimento com base na competitividade. A energia é uma chave geral desse projeto.

Só o debate democrático permitirá equilibrar os interesses diversos e fazer as escolhas certas. E o eixo desse debate está colocado nos projetos em apreciação no Congresso. Precisamos todos participar desse debate.

A agenda da energia reflete, no campo econômico, as demandas da sociedade brasileira. Ela envolve diversidade, maior poder para as pessoas, maior concorrência e transparência – e contribui para fazer a riqueza do País chegar a todos os brasileiros. Tão logo terminem as eleições municipais deve ser retomada com prioridade, fazendo da energia o combustível e o motor do nosso desenvolvimento.

*Senador (PSDB-SP)

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