segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Marcelo Trindade* - Coalizão em torno do centro

- O Globo

Um bom começo é reconhecer a fragilidade da democracia

Menos de 50 mil votos em três estados (Arizona, Geórgia e Wisconsin). Essa foi a real diferença que elegeu Joe Biden presidente dos Estados Unidos, não os mais de cinco milhões de votos de vantagem no resto do país.

Para a maioria dos analistas, essa vitória só foi possível porque Biden é de centro, capaz de atrair eleitores de todas as correntes. Só a coalizão foi capaz de vencer o radicalismo, e por tão pouco. É urgente traduzir essa lição para o ambiente brasileiro, se pretendemos, como nação, voltar a progredir, deixando para trás a ignorância e o ódio.

Um bom começo é reconhecer a fragilidade da democracia e trabalhar imediatamente por uma coalizão em torno do centro, que possa vencer as eleições de 2022.

Depois há que negociar as medidas consensuais nos setores mais urgentes — educação, saúde, segurança, saneamento. Há muita convergência nesses campos, e em outros praticamente só há consenso — meio ambiente, cultura, política externa, liberdades, minorias. Os debates nas trincheiras da divergência ideológica devem ser adiados, pelo bem comum.

Para a conversa evoluir, será também preciso definir, de saída, o modelo para a escolha do futuro candidato a presidente — não necessariamente o nome. Uma ideia seria exigir reputação e experiência, e permitir apenas um mandato de quatro anos, a ser cumprido até o fim. O movimento poderia incluir, ainda, a volta ao regime original da Constituição de 1988, de cinco anos de mandato sem reeleição, a partir de 2026.

Só com ousadia e espírito público será viável uma concertação de centro. O momento é de grave crise institucional, e a polarização só tende a aumentar, em benefício de quem a promove. Quatro anos de pacificação política, gestão profissional, retomada de fôlego e preparação para o futuro são essenciais antes de uma nova disputa eleitoral dividida, sob pena de um radical prevalecer. Foram menos de 50 mil votos que livraram a maior democracia do mundo desse risco. Não temos tempo a perder.

*Marcelo Trindade é advogado e professor da PUC-Rio

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