domingo, 29 de novembro de 2020

Míriam Leitão - Visão de Mansueto sobre o risco fiscal

- O Globo

Muitos riscos rondam a economia do Brasil, segundo o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida. Ele acha desejável haver ideias diferentes para resolver o problema das contas públicas, mas defende que haja clareza no diagnóstico. Alerta que não temos margem para errar. O déficit fiscal este ano vai ser de 17% do PIB, incluindo os juros. Quase 70% da dívida está atrelada a juros de curto prazo. Por enquanto, “respiramos”, diz ele, porque a Selic está baixa. Mas a inflação está subindo e os juros futuros refletem a falta de confiança. “Se a gente não der os sinais certos, quando os juros subirem teremos um baita problema”. Ele defende um grande debate nacional sobre as renúncias tributárias, mas é contra novos impostos:

— Já temos carga tributária elevada, o espaço não é o mesmo dos anos 90. O governo federal perdeu dois pontos do PIB de arrecadação em relação ao que era entre 2011 e 2013. É a perda das crises. Não se sabe quanto disso pode ser recuperado. Em um país com carga tão alta, vamos ter que rever renúncias tributárias. Mas para isso tem que começar o debate hoje, como foi na Previdência. Um dos grandes benefícios da Previdência foi que passamos três anos discutindo e isso permitiu a sua aprovação.

Ele avisa que não é fácil eliminar subsídios, por isso será preciso se preparar para esse debate. Cada subsídio, cada renúncia fiscal, tem seus defensores. Subestimar as dificuldades nesse tema é o caminho do fracasso.

Mansueto defende o teto de gastos, como sempre, mas faz uma avaliação preocupante. O orçamento de 2021 está no Congresso e no vermelho. Depois de cinco anos de teto de gastos, o Brasil estará no ano que vem com um rombo maior do que estava antes e o plano original era zerar o desequilíbrio em cinco anos, chegando em 2026, quando o teto fará 10 anos, com superávit de 2,5% do PIB.
— Para ter o que foi programado, nós teríamos que fazer em cinco anos um ajuste que estava previsto para 10 anos. Se a gente “apenas” cumprir o teto, que já é difícil, vamos chegar em 2026 ainda com déficit. Mais seis anos com déficit é uma situação de muito risco — diz ele.

Que risco? O da quebra da confiança de que o governo pode pagar a dívida pública. Em 2002, com a turbulência prévia da eleição de Lula, a dívida líquida chegou a 60% do PIB. Depois da posse, o dólar caiu, o governo cumpriu superávits e em 2013 ela era de 30% do PIB. Esse ajuste se perdeu. A dívida líquida bateu em 55% no ano passado. Pelas projeções do Ministério da Economia este ano vai para 65% e em 2028 estará em 87%. A bruta vai para 98%.

— O Brasil até 2013 tinha resolvido seu problema fiscal. Implodiu isso em poucos anos. Teve dois anos de recessão e agora a pandemia. Se a gente não mudar esse cenário, mesmo cumprindo o teto de gastos, esse país não vai ter espaço fiscal para nenhuma contingência, recessão ou crise. Em 2015 o ministro Joaquim Levy propôs o debate sobre a revisão dos benefícios tributários. Cinco anos depois, o debate não andou. No governo Temer o gasto com o Simples foi até ampliado, quando se elevou o faturamento das empresas que podiam se enquadrar.
Esse debate é árido. Há benefícios que claramente precisam acabar. Até eles ficam. Veja o caso do fim da isenção fiscal para fundos exclusivos, aqueles formados por pessoas muito ricas. Em vez de serem cotistas, eles foram fundos só para si. Por incrível que pareça esse investidor não paga imposto. Temer propôs acabar com essa isenção, o que geraria R$ 6 bilhões de receita, mas foi derrotado no Congresso.

Para piorar o ambiente de déficit e dívida crescentes, a inflação subiu.

— Há seis meses, a expectativa de inflação para este ano era de 2%. Hoje está em 3,8%. A do ano que vem também subiu. Isso pode levar a um aumento dos juros que vai impactar a dívida toda concentrada no curto prazo. A curva dos juros (futuros) expõe o tamanho da incerteza sobre como o Brasil vai resolver o problema. E não é daqui a quatro, cinco anos. As pessoas querem clareza para os próximos seis meses.

Mansueto lembra que na democracia as soluções são encontradas no debate. Diz que é natural, e desejável, que cada corrente de pensamento defenda a sua ideia sobre como resolver esse nó fiscal. Mas faz um alerta.

— É legal ter propostas diferentes, mas não pode haver disparidade sobre o diagnóstico. Não temos margem para erro daqui pra frente.

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