sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Nelson Motta - Ouro negro

- O Globo

No Brasil, quando não é ostensivo e explícito, o racismo é disfarçado

De Machado de Assis a Pelé, o Brasil é negro da cabeça aos pés. Até os racistas sabem disso. De Pixinguinha a Ismael Silva, a Cartola, a Paulinho, a Gil, a Djavan, a Tim Maia, a Jorge Benjor, foi construída a música brasileira que divertiu e alegrou o mundo. É incontável a lista de brasileiros negros que contribuíram decisivamente para nossa identidade cultural, muitos ainda escondidos na História oficial. Um avanço é que muitos brasileiros estão deixando de se declarar pardos, ou mulatos, para se assumirem como negros no Censo do IBGE. Os programas de cotas estão funcionando. E o racismo nunca foi um tema tão discutido no Brasil. Novas estrelas negras surgem no jornalismo e nas artes.

Desmoralizada a farsa da harmonia racial, apesar de a grande maioria da população ser afrodescendente, o Brasil ainda é um dos países mais racistas do Ocidente. Nos Estados Unidos, com 12% da população, os negros conquistaram muito mais espaço, poder, dinheiro e prestígio em muitos setores da sociedade. Tiveram até o presidente Obama e ainda enfrentam problemas crônicos de violência policial. Mas lá quem não é branco, preto é, não há mulatos.

No Brasil, quando não é ostensivo e explícito, o racismo é disfarçado, envergonhado ou paternalizado, mas sempre racismo, presente até mesmo em quem não se acha racista, por causa do racismo estrutural brasileiro.

Apesar de ter nascido numa cultura racista, fui educado a não sê-lo. Primeiro por meu pai, como um princípio moral, mas principalmente pelo meu maior amigo de toda a vida, desde criança, o futuro DJ Dom Pepe, talentoso, inteligente, divertido e negro, filho da cozinheira de um vizinho. Trabalhamos juntos durante 30 anos, em várias casas noturnas de sucesso, ele ganhou fama, dinheiro e prestígio alegrando e divertindo as pessoas com sua música. Foi tão meu irmão como minhas irmãs de sangue. Com ele, aprendi a não tolerar o racismo e os racistas. Nos livros, entendi sua estrutura histórica perversa. E que a diversidade é a graça da vida.

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