sábado, 21 de novembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

João Alberto – Opinião | Folha de S. Paulo

Espancamento homicida ergue símbolo contra o descaso no Dia da Consciência Negra

Se nos Estados Unidos a morte infame de George Floyd deu início a uma onda nacional de protestos, aqui João Alberto Silveira Freitas foi o nome do Dia da Consciência Negra. Na véspera, ele foi brutalmente espancado por seguranças de um supermercado Carrefour em Porto Alegre —até morrer.

A proximidade da data ergueu um símbolo propício a evitar que o enésimo homicídio de pessoa negra resvale novamente para o descaso induzido, mas nunca justificável, por estatísticas macabras que só fazem avolumar-se.

Beto, como era chamado, não é, não pode ser, só mais um nome a pesar na nossa inconsciência.

Se as circunstâncias do episódio ainda precisam ser apuradas com todo o rigor, não há como desconsiderar o racismo que perpassa a sociedade brasileira, pelo excesso de vidas que destruiu e destrói.

Os dados sobre a violência impedem que se ignore o tema. Pretos e pardos, as classificações do IBGE amalgamadas no conceito de negro, são três quartos das vítimas de assassinatos, embora perfaçam 56% da população do país.

Desigualdade, desemprego e moradias precárias, fatores que afetam tanto negros como não negros, não parecem suficientes para elucidar o fato de que a incidência de mortes violentas segue trajetórias divergentes nos dois grupos.

Enquanto caía a taxa geral no país, de 2008 a 2018, a de negros assassinados saltou 11,5%; em paralelo, a de não negros recuou 12,9%.

Segundo o Atlas da Violência 2020, 67% das vítimas de feminicídio são pretas e pardas. Repete-se o sinistro padrão desigual: aumento de 12,4% em homicídios de mulheres negras, queda de 11,7% entre não negras. São pretas e pardas, ademais, 80% das pessoas transexuais mortas com violência.

As reações à morte de João Alberto, impulsionadas por imagens revoltantes da agressão covarde, proporcionam algum alento —e a esperança de que os responsáveis não saiam impunes. A conduta da empresa encarregada da segurança do supermercado e a do próprio Carrefour também precisam ser devidamente investigadas.

Sempre se poderá discutir quais são as políticas públicas mais adequadas para o enfrentamento da discriminação pela cor, mas decerto entre elas não está o negacionismo do governo Jair Bolsonaro —expresso pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, segundo o qual não existe racismo no Brasil.

Existe e está na pauta do país, provavelmente por muitos anos ainda. Este é um dia de indignação.

Vícios de origem – Opinião | Folha de S. Paulo

Covas liga Boulos ao PT, e psolista une tucano a Doria; fragilidades têm motivo

Uma das estratégias mais comuns de um candidato em segundo turno é buscar reduzir sua rejeição no eleitorado e, tanto quanto possível, potencializar a do adversário. Assim procederam, em entrevistas à Folha, Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que travam em São Paulo a disputa mais vistosa das eleições municipais.

Em busca da reeleição, o prefeito tucano afirma que a cidade “vai vencer os radicais”, sem nominá-los. Ao mesmo tempo, associa Boulos, um líder do movimento dos sem-teto, e o PSOL ao PT: os dois partidos teriam “a mesma matriz ideológica” e “atuação conjunta”.

Covas explora, claro, o antipetismo encontrado em amplas proporções entre os paulistanos. Em outubro, segundo o Datafolha, 54% dos eleitores da cidade declaravam que não votariam em um nome apoiado pelo ex-presidente Lula.

O psolista, que moderou o discurso na campanha, procura responder a questionamentos sobre suas promessas de gastos vultosos e, em especial, sobre a declaração desastrada em que apontou a contratação de mais servidores como meio de elevar a arrecadação previdenciária do município.

A tarefa seria mais fácil se o PSOL —originado de uma ala dissidente do PT que se recusou a apoiar a reforma da Previdência proposta por Lula em 2003— não tivesse um histórico de apoio a teses temerárias do ponto de vista fiscal.

Do lado tucano, a fragilidade mais evidente é ninguém menos que o governador João Doria, de quem Covas foi vice e cujo apoio sua campanha trata de minimizar.

Como aponta Boulos, Doria suscita ainda mais rejeição do que o líder petista na capital, no limite da margem de erro da pesquisa Datafolha. Nela, 60% rechaçavam a hipótese de votar em um candidato endossado pelo governador.

Este abandonou prematuramente o mandato na prefeitura, que usou como trampolim para conquistar o governo do estado —e sua ambição notória é, de fato, a Presidência. Na campanha de 2018, esforçou-se para vincular seu nome ao de Jair Bolsonaro, hoje seu rival.

“Covas é o candidato da continuidade, ele é sócio de Doria nesse projeto”, diz Boulos. Para incômodo do prefeito, nem mesmo se vê projeto claro ou uma marca da gestão a ser apresentada na campanha. O pacote de privatizações perdeu o protagonismo de quatro anos atrás, e as esperadas melhoras na zeladoria não se fizeram notar.

Permanecem os múltiplos problemas da metrópole, ora agravados pela pandemia, que já desafiaram direita, esquerda e centro. Na busca pelo volátil voto paulistano, o recurso não raro é apresentar-se como a alternativa menos ruim.

Uma vereança mais plural – Opinião | O Estado de S. Paulo

A bancada feminina na Câmara Municipal paulistana foi ampliada para 13 vereadoras e corresponderá a 23% das 55 cadeiras. Ainda é pouco, mas é um avanço.

A eleição municipal deste ano promoveu uma bem-vinda ampliação da representatividade de segmentos da sociedade paulistana na Câmara Municipal. O total de mulheres eleitas, por exemplo, foi recorde. No domingo passado, os paulistanos elegeram 13 vereadoras, 2 a mais do que em 2016. A partir do ano que vem, a bancada feminina no Palácio Anchieta corresponderá a 23% do total de 55 cadeiras. Ainda é pouco, considerando que as mulheres compõem 53% da população da cidade de São Paulo, de acordo com o IBGE. Mas é um avanço. Nos últimos oito anos, a presença feminina na Casa aumentou 116%.

Entre as novas vereadoras, a mais votada foi Erika Hilton (PSOL), a primeira mulher negra e transexual a ser eleita para o Poder Legislativo municipal. A presença de vereadores negros também foi levemente ampliada em relação ao último pleito. Há quatro anos, oito vereadores se autodeclaravam pardos (14% do total) e dois, pretos (3%). A partir de 2021, pretos e pardos corresponderão a 20% do total de vereadores da capital paulista (11 vereadores, 1 a mais do que em 2016). Ainda segundo o IBGE, cerca de 38% da população de São Paulo afirma ser negra, o que mostra que ainda há um caminho a ser percorrido para que haja uma representação mais equânime.

O reflexo da diversidade de uma sociedade no Poder Legislativo é um dos mais expressivos sinais de vigor democrático. É verdade que não apenas mulheres e negros, mas também outros estratos da multicultural sociedade de São Paulo, fortemente marcada pela riqueza da presença de imigrantes de mais de 70 países, ainda estão sub-representados no Parlamento local. No entanto, a sociedade paulistana dá mostras inequívocas de que busca cada vez mais se reconhecer nos representantes que elege.

Uma pesquisa realizada pelo Ibope para o Estado e a TV Globo revelou que nada menos do que 82% dos paulistanos se declaram favoráveis ao aumento de candidaturas de mulheres e negros para cargos políticos na cidade. Por outro lado, a pesquisa também mostrou que 56% dos paulistanos desconhecem iniciativas que estimulam o maior engajamento de mulheres e negros em atividades políticas. De acordo com a legislação eleitoral, por exemplo, os partidos políticos devem ter pelo menos 30% de candidaturas femininas.

A bem da verdade, incentivos legais como esse ajudam, sobretudo quando se está diante de um quadro de sub-representação política que vem de há muito tempo, e por razões históricas. Mudar esse quadro leva tempo. Mas, sozinhas, essas políticas não bastam. É necessário que a própria sociedade, por meio de suas mais variadas formas de associação, crie mecanismos para estimular maior participação dos cidadãos nas atividades políticas, sobretudo em nível municipal.

Outra questão, tão ou mais importante, não pode ser desconsiderada. Maior representatividade dos diversos segmentos sociais no Legislativo, por si só, não é garantia de adoção de políticas públicas mais abrangentes. A política, como se sabe, requer disposição para o diálogo, para a concertação da multiplicidade de interesses em jogo numa sociedade. De nada adianta a chegada de representantes de setores da sociedade ao Parlamento se eles se mantiverem aferrados às agendas ditas identitárias e não abrirem espaço para as negociações próprias da política que visam ao bem comum. Uma coisa é ter clareza sobre princípios e projetos políticos. Outra, bem distinta, é a inflexibilidade que advém de uma incompreensão de que qualquer sociedade abarca as mais distintas visões político-ideológicas. Não se legisla e tampouco se governa para bolhas.

A cidade de São Paulo tem muito a ganhar com uma vereança mais plural. É salutar que as diferenças que marcam – e enriquecem – uma cidade como São Paulo sejam debatidas no locus mais apropriado para isso, que é a Câmara Municipal. Os paulistanos esperam que tanto os novos vereadores como os que se reelegeram tenham em alta conta a enorme gama de desafios da maior cidade do País e trabalhem para tornar melhor a vida dos 12,3 milhões de pessoas que aqui vivem.

Um governo perdido – Opinião | O Estado de S. Paulo

Para buscar reeleição, é preciso antes exercer de fato o mandato conquistado nas urnas.

O presidente Jair Bolsonaro tem descuidado de tarefas básicas de um governo, como a articulação política para a aprovação das leis orçamentárias. Além de dificultar a retomada de que tanto o País precisa, essa omissão naquilo que é o cerne de um governo – definir prioridades e atuar em consonância – leva o governo Bolsonaro a perder qualquer resquício de identidade. Na segunda-feira passada, por exemplo, o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Luiz Ramos, foi ao Twitter comemorar, como se fossem próprios, resultados eleitorais de partidos do Centrão. Descumprindo suas tarefas e se esquecendo de suas promessas, o governo agora se assume como o próprio Centrão.

Segundo o general Luiz Ramos, a esquerda, e não o bolsonarismo, foi a grande derrotada das eleições de domingo passado. O argumento de sua tese é de que “os partidos aliados às pautas e ideais do governo Bolsonaro saíram vitoriosos”. O general referia-se a PSD, PP, DEM e MDB.

É uma mudança e tanto. Em 2018, os partidos do Centrão eram, nas palavras do general Heleno, a “materialização da impunidade”. Na ocasião, o atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional chegou a parodiar um famoso samba, cantando: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. A letra original diz “ladrão”, em vez de Centrão. Agora, são esses partidos os grandes aliados das pautas e ideais do governo Bolsonaro.

Sem rumo, o governo não faz o que lhe cabe. Nesta semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a insistir na urgência de votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/19, que foi apresentada pelo Executivo no fim do ano passado. Ao prever mecanismos para reduzir despesas públicas, a PEC Emergencial é fundamental para diminuir o déficit primário, permitir a realização de despesas sociais e assegurar o Orçamento de 2021.

No entanto, o governo federal faz vista grossa ao tema, como se ele não fosse de sua responsabilidade. Governar exige decisões difíceis e, perante elas, o presidente Jair Bolsonaro tem manifestado uma paralisia desconcertante. Ao falar do papel do Executivo na coordenação da pauta de votações, Rodrigo Maia lembrou que “o governo não pode transferir ao Poder Legislativo decisões que cabem a quem venceu as eleições”; no caso, as presidenciais de 2018.

Como se sabe, partidos do Centrão – justamente alguns daqueles que o general Luiz Ramos chama de grandes aliados do governo – têm obstruído a pauta de votação da Câmara dos Deputados, bem como impedido a instauração da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Contrariando acordo entre os partidos da base feito em fevereiro, o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), deseja agora um nome alinhado ao Centrão na presidência da comissão.

O impasse tem causado atrasos importantes. O Congresso ainda não votou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. O governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021 se a LDO não for aprovada, bem como o Orçamento. Trata-se, portanto, de ponto essencial para o governo federal. No entanto, sem aparentar nenhuma preocupação com esses detalhes – que deveriam ser prioridade do País e do próprio Executivo federal –, o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares preferem fustigar partidos de esquerda valendo-se de resultados eleitorais do Centrão.

Se o governo Bolsonaro está tão interessado nas eleições de 2022, alimentando desde já intrigas com seus supostos inimigos, deveria ouvir o alerta do presidente da Câmara. “Olhando para 2022, eu penso que tem coisas mais decisivas do que até o próprio resultado eleitoral (de domingo passado). Os próximos meses no Parlamento para o governo federal terão peso muito maior do que o resultado das eleições de 2020”, disse Rodrigo Maia. Parece óbvio, mas é preciso recordar. Para buscar eventual reeleição, antes é preciso exercer de fato o mandato conquistado nas urnas em 2018. Já se vai a hora de governar.

Bolsonaro, risco para o agro – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ação do presidente ameaça o agronegócio, fator de segurança contra crise cambial.

Com US$ 85,84 bilhões de vendas externas e superávit de US$ 75,46 bilhões, o agronegócio manteve no azul o comércio exterior brasileiro. Suas transações mais que compensaram o déficit de outros setores e garantiram o saldo comercial de US$ 47,66 bilhões no período de janeiro a outubro. Liderada pela China, a Ásia foi o principal destino das exportações brasileiras de origem agropecuária, tendo absorvido mercadorias no valor de US$ 46,28 bilhões. Com importações de US$ 13,86 bilhões, a União Europeia ficou em segundo lugar, posição já ocupada em outros anos. Tudo isso ocorreu apesar da desastrosa diplomacia conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro.

Desprezando ou ignorando os interesses nacionais, o presidente brasileiro continua seguindo fielmente seu líder americano, Donald Trump. Com essa obediência, pôs em risco o relacionamento do Brasil com vários países do Oriente Médio, importantes compradores de produtos brasileiros. Alinhou-se à Casa Branca nas disputas com o governo chinês, tomando partido de forma absolutamente desnecessária. Não cabe a Brasília entrar numa disputa entre dois dos maiores parceiros comerciais do País.

Há poucos dias esse erro foi repetido, na conferência de cúpula do Brics, quando o presidente Bolsonaro assumiu, perante os chefes de governo da Rússia, da China, da Índia e da África do Sul, as críticas de seu mestre Donald Trump à Organização Mundial da Saúde (OMS), à Organização Mundial do Comércio (OMC) e à ordem multilateral.

Para os outros chefes de governo, a reunião de cúpula do Brics pode ter sido apenas um desperdício, talvez uma desagradável perda de tempo. Para o presidente brasileiro, foi mais uma ocasião de manifestar fidelidade a seu líder e de confrontar, de novo, os governos defensores de uma séria agenda ambiental.

O governo brasileiro, segundo Bolsonaro, poderia apontar os países importadores de madeira extraída ilegalmente da mata brasileira, como se o atual governo brasileiro jamais houvesse facilitado a derrubada ilegal de árvores e a exportação irregular. Os dois pecados, como lembrou imediatamente a imprensa nacional, foram cometidos na gestão Bolsonaro.

Em vez de assumir, afinal, a defesa da Amazônia e de outros biomas sujeitos à devastação de grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, o presidente insiste em manter uma posição rejeitada por brasileiros conscientes e responsáveis e amplamente condenada fora do Brasil.

Ao manter essa posição, o presidente Bolsonaro compromete a imagem da agropecuária, vinculando-a à devastação ambiental. A grande produção rural brasileira, eficiente e competitiva, é realizada majoritariamente em outras áreas e de forma ambientalmente responsável. Mas muitos milhões de estrangeiros ignoram esse e outros dados da geografia e da economia brasileiras e podem ser convencidos, muito facilmente, do caráter devastador do agronegócio brasileiro.

Ao insistir em sua política ambiental, o presidente Bolsonaro, ajudado pelos ministros de Relações Exteriores e do Meio Ambiente, favorece concorrentes do agronegócio nacional e seus interesses protecionistas. Esse protecionismo é politicamente forte na Europa. Os governos locais, mesmo os mais favoráveis ao comércio aberto, dificilmente poderiam opor-se aos protecionistas, nesse caso, quando o presidente brasileiro contesta os valores ecológicos internacionais, nega informações conhecidas de todos e trata a devastação como se fosse questão de soberania.

Bastaria um mínimo de percepção dos interesses nacionais para qualquer pessoa rejeitar a política do presidente, mas ele age como se fosse incapaz de atingir esse mínimo. Mais que uma fonte de dólares e de ocupações, o agronegócio é um fator de segurança econômica para o Brasil. Tem sido uma proteção contra crises cambiais, já experimentadas de modo muito doloroso em outros tempos. Mas o presidente talvez nem saiba o sentido dessas palavras ou tenha um mínimo conhecimento das vicissitudes já vividas pelo Brasil. Nesse sentido, pelo menos, é um inocente.

A relevância dos debates cresce no segundo turno – Opinião | O Globo

Frente a frente, os candidatos devem aproveitar o tempo maior para expor ideias, não para fazer ataques

Numa campanha curta como a deste ano, apenas duas semanas para a escolha no segundo turno de prefeitos de 57 cidades, o debate ao vivo pela televisão se torna ainda mais importante. Pode servir, em alguma medida, para mitigar o tempo perdido em virtude da pandemia.

A primeira condição para o bom debate é óbvia: os candidatos têm de atender às boas normas da educação e pôr o foco na discussão de propostas — o que interessa ao eleitor. Não foi o que se viu na noite de quinta-feira, no Rio, no primeiro embate, transmitido pela Band, entre o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e o candidato Eduardo Paes (DEM), que tenta voltar a governar a capital fluminense pela terceira vez.

Acusações de corrupção de lado a lado, xingamentos de “mentiroso”, ataques pessoais ocuparam um tempo que deveria ter sido usado na explanação das propostas. Algumas chegaram até a ser apresentadas, mas de forma esparsa, desconexa, entre ironias ácidas (e inúteis) de parte a parte.

É verdade que a empreitada de Crivella é difícil — nas primeiras pesquisas Ibope e Datafolha, ele aparece 30 pontos percentuais ou mais atrás de Paes. No desespero, ele não tem conseguido resistir às apelações. Mas a agenda de problemas que angustiam os cariocas é ampla. Mereceria uma abordagem objetiva. Algumas das mazelas são encontradas em todo o país, como a saúde pública diante da possibilidade de nova onda da Covid-19, a educação, a segurança (que exige interação entre prefeitos e governadores) e assim por diante.

Outros problemas são específicos de quem já foi capital federal e recebeu o impacto da transferência do poder a Brasília, agravada pela degradação da política local e da contaminação pelo populismo, ainda por cima com o fortalecimento do crime organizado. Não faltariam, enfim, questões a debater de modo civilizado.

Foi o que fizeram, em São Paulo, Bruno Covas (PSDB), prefeito candidato à reeleição, e Guilherme Boulos (PSOL) em seu primeiro embate, transmitido segunda-feira pela CNN Brasil. Sem deixar de haver confrontos, o debate foi civilizado e objetivo, com a exposição clara de ideias. Questões concretas foram abordadas de forma direta e clara: o manejo do lixo da cidade, habitação popular, criação de empregos, saúde, transporte público, drogas e a cracolândia. Sem prejuízo de estocadas políticas naturais em campanhas, os dois deram um exemplo de como é possível, mesmo em tempos de polarização tóxica, manter um debate civilizado, sem golpes abaixo da linha da cintura.

Os debates que ainda ocorrerão no Rio, em São Paulo e noutras capitais, em particular o debate final que será transmitido pela TV Globo, oferecem uma oportunidade especial para abordar agendas locais, pelos mais diversos ângulos, considerando o momento difícil do país. A insegurança da população é grande. Os candidatos ao segundo turno e os debatedores devem levar em conta essa circunstância. Debates existem para informar o eleitor, não para dar um show particular e ganhar curtidas nas redes sociais.

É lastimável o desempenho brasileiro na testagem em massa para Covid-19 – Opinião | O Globo

Ninguém conseguiu usar aqui a principal arma para combater o vírus e evitar a paralisia econômica

Uma nova onda da pandemia se aproxima — sem que a anterior tenha passado —, e o Brasil continua a apresentar desempenho lastimável na principal arma para conter o vírus e, ao mesmo tempo, evitar a paralisia econômica: a testagem em massa. Como revelou reportagem do GLOBO, o país alcançou apenas um quinto da meta do Ministério da Saúde: aplicar 24,6 milhões de testes neste ano. Os testes diários caíram de 34,4 mil em agosto para 28,6 mil em outubro, bem aquém do objetivo de 70 mil.

Já era um objetivo tímido demais. Levaria os testes de 135 a cada milhão de habitantes para ao redor de 330 — patamares ridículos perto de países como Estados Unidos (51.700), França (3.900), Reino Unido (4.600), Alemanha (2.400) ou mesmo Colômbia (572). Outro indicador importantíssimo em que o Brasil passa vergonha é a taxa de testes positivos. Quanto mais alta, mais se testa apenas para diagnosticar e menos para prevenir o contágio. Aqui, 31% dos testes dão positivo, ante 12% nos Estados Unidos e 8% no Reino Unido — taxas já altas se comparadas a menos de 2% na Coreia do Sul ou 0,1% no Vietnã. Testar só quem apresenta sintomas, como fazemos, é uma temeridade quando se trata de controlar uma epidemia que se espalha por meio de assintomáticos.

Um estudo publicado esta semana no “New England Journal of Medicine” traz um exemplo de como os testes ajudam a controlar a doença. Todos os que trabalham no porto chinês de Qingdao, possível porta de entrada para o vírus, são testados a cada duas semanas. Recentemente foram descobertos dois casos positivos, imediatamente isolados num hospital especializado. Dias depois, o vírus foi descoberto em pacientes de outro hospital (todos os internados lá são testados). Descobriu-se a conexão com um taxista, casado com uma enfermeira do primeiro hospital. Como havia o risco de ele ter contaminado passageiros, as autoridades decidiram testar toda a população da cidade. Foram quase 11 milhões de testes em menos de quatro dias, mais que o dobro do que o Brasil aplicou desde o início da pandemia.

É por isso que o porto continua a funcionar, não há lockdown, e a economia chinesa voltou a crescer. Países como China, Coreia do Sul, Japão ou Alemanha já entenderam faz tempo a relevância da testagem em massa, acompanhada do rastreamento dos contatos e isolamento dos casos suspeitos.

Já são nove meses de pandemia, e nada semelhante passou pelo radar de nenhum governante brasileiro (com exceções pontuais, como São Caetano, no ABC paulista). Não é à toa que o país do negacionista Jair Bolsonaro segue impávido como um dos piores exemplos globais no combate à Covid-19: quase 170 mil mortos — e contando

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