sábado, 28 de novembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A reeleição dos prefeitos – Opinião | O Estado de S. Paulo

Os números dos últimos seis pleitos municipais mostram que a reeleição está longe de ser um fenômeno automático.

O País tem 5.570 municípios e, neste ano, 3.510 prefeitos tentaram a reeleição. Segundo dados da Justiça Eleitoral compilados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), dos prefeitos que tentaram a reeleição, 2.237 foram reeleitos no primeiro turno. Assim, a taxa de sucesso de reeleição foi de 63,73%.

Com exceção das eleições de 2016, quando menos da metade dos prefeitos que concorreram a um segundo mandato obteve êxito (49,48%), o porcentual de sucesso de quem tentou a reeleição vem se mostrando incrivelmente estável ao longo dos anos. Em 2012, essa taxa foi de 62,53%; em 2008, 62,51%; em 2004, 60,77%; e em 2000, 61,92%. 

Esses números ajudam a desmitificar a ideia, muitas vezes repetida, de que o instituto da reeleição produziria uma incorrigível situação de desequilíbrio na disputa eleitoral e, portanto, deveria ser extinto. As taxas de sucesso de reeleição nos últimos seis pleitos municipais mostram que a reeleição está longe de ser um fenômeno automático. Muitos prefeitos tentam se reeleger e não conseguem. Neste ano, por exemplo, 1.255 prefeitos tentaram mais quatro anos de mandato e foram derrotados no primeiro turno. Dezoito ainda concorrem no segundo turno a mais um mandato.

O fato de que a taxa média de sucesso de reeleição seja acima de 50% também não revela, por si só, desequilíbrio estrutural da disputa. É natural que candidatos que buscam a reeleição sejam mais conhecidos e tenham uma prévia relação de confiança ao menos com parte da população. O importante é que a rejeição do prefeito que tenta a reeleição não é uma hipótese remota. Na média dos últimos seis pleitos, a taxa de insucesso esteve em torno de 40%. Ou seja, o eleitor dispõe de fato de liberdade para não conceder um segundo mandato.

Ante esses porcentuais, é interessante notar também que eventual exclusão do instituto da reeleição tiraria do eleitor uma opção que ele tem exercido na maioria das vezes. Vale lembrar que apenas em 2016 a taxa de sucesso de reeleição de prefeitos foi inferior a 50%. Os números indicam, assim, que o cidadão aprecia a possibilidade de conceder ao governante mais quatro anos no cargo.

Nada disso, obviamente, significa ignorar o mau uso que alguns políticos fizeram ou fazem da possibilidade de reeleição, desvirtuando o exercício do poder, que fica excessivamente condicionado pela questão eleitoral desde o início do primeiro mandato. É o que se vê, por exemplo, com o presidente Jair Bolsonaro. Antes de completar dois anos de governo, sua atuação já está inteiramente voltada para a reeleição. Trata-se do mesmo vício que manchou os mandatos inaugurais de Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Mas o problema não decorre do instituto da reeleição, e sim do seu mau uso. Não é por acaso que a possibilidade de reeleição está presente na legislação eleitoral de muitos países. De forma recorrente, constatam-se efeitos muito positivos causados pelo instituto da reeleição, que permite, por exemplo, maior continuidade na implantação de propostas políticas, maior liberdade de escolha para o eleitor e maior responsabilidade para os políticos.

A Emenda Constitucional (EC) 16/1997, que permitiu a reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos, para um único mandato subsequente, não foi, portanto, um passo irrefletido ou um movimento meramente circunstancial. Ao reconhecer que dificilmente um programa de governo pode ser implementado em um único período de quatro anos, ela concedeu maior liberdade ao eleitor. E, como mostram os porcentuais de reeleição dos prefeitos, essa possibilidade vem sendo exercida pelo eleitorado com razoável constância.

A legislação eleitoral tem muitos defeitos, que devem ser corrigidos por meio de uma ampla reforma política. Mas não podem ser ignorados os pontos positivos da lei vigente, como também não se deve achar, por princípio, que o eleitorado é ingênuo ou ignorante. Ele sabe discernir quando a reeleição é a opção mais responsável, a trazer mais esperança.

A confiança da sociedade – Opinião | O Estado de S. Paulo

O SUS e as escolas públicas são mais confiáveis hoje do que eram antes da pandemia.

O Índice de Confiança Social (ICS), levantamento realizado anualmente pelo Ibope Inteligência para aferir o grau de confiança da sociedade nas mais diversas instituições, traz resultados muito alentadores em sua edição de 2020, publicada em primeira mão pela revista Piauí há poucos dias.

Nota-se um pequeno, porém consistente, aumento da confiança dos brasileiros em instituições que tradicionalmente são vistas com bastante ceticismo pela sociedade, como o Congresso Nacional, os partidos políticos, o sistema eleitoral e as organizações da sociedade civil. Não que estas instituições tenham passado a gozar da confiança da maioria dos brasileiros de um ano para o outro, mas a mera diminuição da descrença em relação a elas já seria um ponto bastante positivo para o amadurecimento democrático do País. A pesquisa do Ibope Inteligência mostra que houve mais do que isso.

O Corpo de Bombeiros segue no topo do ranking como instituição mais confiável do País, com 89 pontos (88 em 2019), seguido pela Polícia Federal, com 74 pontos (72 na edição do ano passado), as Igrejas (71 pontos em 2019 e 73 pontos neste ano) e as Forças Armadas, que neste ano obtiveram 72 pontos, um crescimento de 3 pontos em relação à pesquisa feita no ano passado. Também se verificou um aumento de 6 pontos na confiabilidade das instituições financeiras, que saltaram de 59 pontos no ano passado para 65 pontos em 2020.

O Congresso Nacional saiu de 34 pontos no ano passado para 36 pontos neste ano. Já os partidos políticos subiram de 27 para 30 pontos. Os meios de comunicação mantiveram a pontuação do ano passado: 61 pontos.

O que salta aos olhos, no entanto, é o crescimento recorde da confiança dos brasileiros no Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS saltou de 45 pontos na pesquisa anterior para 56 pontos no ICS de 2020, o maior índice de confiança no sistema público de saúde em 12 anos. O aumento da confiança da população no SUS é ainda mais expressivo tendo em vista que há anos o sistema não recebe investimentos e é subfinanciado.

Não fosse o SUS, nunca será demais lembrar, a história da pandemia de covid-19 no País teria sido outra, indubitavelmente mais funesta. A sociedade demonstra ter esta clareza, reconhecendo a imprescindibilidade de uma instituição como o SUS em um país tão carente de serviços públicos como o Brasil. Isso lança luz sobre a premente necessidade de união dos Poderes Executivo e Legislativo e organizações da sociedade civil a fim de estudar e implementar medidas que fortaleçam o SUS cada vez mais. Na Câmara dos Deputados foi instalada uma comissão especial encarregada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-SP), de propor a revisão da tabela de remuneração dos serviços prestados pelo SUS, entre outras ações. No âmbito do Executivo a situação é mais preocupante, haja vista que há pouco tempo o ministro da Saúde, o general intendente Eduardo Pazuello, chegou a confessar que desconhecia o SUS até tomar posse no Ministério.

Além do SUS, o ICS de 2020 revela um crescimento expressivo do grau de confiança da sociedade nas escolas públicas, que pela primeira vez na série histórica atingiram os 70 pontos (66 em 2019).

Tanto o crescimento da confiança no SUS como o nas escolas públicas são corolários de uma crise econômica que adquiriu contornos dramáticos com a eclosão da pandemia. É cada vez maior o número de brasileiros que acorrem aos serviços públicos por terem perdido condições para arcar com os custos dos serviços privados. Como bem destacou a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, mais pessoas precisaram de serviços públicos no período, e “quem usa confia mais do que quem não usa” esses serviços.

De todas as instituições avaliadas pelo Ibope Inteligência, todas cresceram em confiabilidade neste ano, exceto o governo federal e a Presidência da República. A gestão, por assim dizer, do presidente Jair Bolsonaro em um cenário de crise econômica e sanitária fala por si só.

Radiografia da calamidade – Opinião | O Estado de S. Paulo

Tesouro lembra que o País está em situação frágil, inclusive para realizar políticas sociais.

O Relatório de Riscos Fiscais da União, publicado no dia 26 pelo Tesouro Nacional, mostra que o estoque de ações judiciais contra a União quadruplicou desde 2014, alcançando a soma de R$ 2,4 trilhões em 2019. 

Desse total, nada menos que 35%, ou cerca de R$ 802 bilhões, são considerados como perda provável e 66%, ou R$ 1,6 trilhão, são tidos como perda possível. As ações de maior valor contra a União são de natureza tributária, inclusive previdenciária, que chegou a R$ 1,901 trilhão, apresentando um crescimento constante e expressivo desde 2015. O gasto anual com derrotas judiciais saltou de R$ 19,8 bilhões em 2014 para estimados R$ 54 bilhões neste ano e R$ 55 bilhões no ano que vem.

O documento do Tesouro divide os riscos fiscais em macroeconômicos e específicos. No primeiro grupo estão as mudanças estruturais da economia que afetam as receitas; no segundo estão os que dizem respeito a eventos que ocorrem de maneira irregular e têm diversas origens, em geral ligadas a programas de governo, passivos contingentes (incertos ou impossíveis de mensurar) e balanço patrimonial do setor público (possível mudança de valores dos ativos ou passivos do governo). Os precatórios – dívidas do governo cujo pagamento é obrigatório por decisão judicial – são considerados pelo Tesouro como o principal fator de risco fiscal específico.

A preocupação com os precatórios já foi manifestada publicamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em setembro, ele afirmou que “os precatórios são uma despesa que apresenta crescimento explosivo” e que “aparentemente há uma indústria de precatórios no Brasil”, razão pela qual havia necessidade de um pente-fino sobre esse tipo de despesa. Mas o ministro garantiu que “o governo vai pagar tudo” e que “ninguém vai botar em risco a liquidação de dívidas”.

Na ocasião, o ministro se viu obrigado a esclarecer que o governo não pretendia usar a verba destinada ao pagamento de precatórios para financiar o Renda Cidadã, nome dado ao programa de transferência de renda que estava em estudo para substituir o Bolsa Família. A informação sobre essa manobra havia partido do próprio Ministério da Economia e fora muito mal recebida pelo mercado por se tratar de um óbvio calote nos credores.

O fato, contudo, permanece: a exposição da União a riscos específicos, entre os quais o pagamento de precatórios, chegou a R$ 4,8 trilhões neste ano, cerca de R$ 560 bilhões a mais do que em 2019 e longe dos R$ 3,7 trilhões de 2018. Enquanto isso, a Dívida Ativa da União, montante de tudo aquilo que pessoas físicas e jurídicas devem ao governo federal, atinge R$ 2,4 trilhões, dos quais o governo espera conseguir recuperar R$ 441 bilhões.

Nesse cenário, diz o relatório, “considerando que os gastos decorrentes de ações judiciais são despesas primárias, a sua trajetória ascendente revela-se ameaçadora do equilíbrio fiscal brasileiro, impactando diretamente as principais regras fiscais, como o teto de gastos e a própria meta de resultado primário”.

O ano atípico, com a devastação causada pela pandemia de covid-19, agravou ainda mais o quadro. O Tesouro alerta que “o crescimento da dívida neste ano reduziu significativamente a capacidade do país em absorver novos choques que afetem as variáveis econômicas por meio de endividamento”.

Não à toa, o relatório recomenda “o máximo de cautela” para a “tomada de decisões de medidas com impacto fiscal”, pois, com a dívida em nível tão alto, eventuais choques “podem conduzir a dívida pública a uma trajetória ainda mais alta, sem perspectiva de estabilidade no horizonte no médio prazo”.

O Tesouro informou que, apesar disso, é “razoável” a possibilidade de cumprimento do teto de gastos até pelo menos 2023, desde que haja controle sobre a expansão ou a criação de despesas. Mas não se pode esquecer que o País se encontra “em uma posição frágil, inclusive para realizar políticas sociais necessárias”, razão pela qual, mais do que nunca, o governo precisa deixar a inércia de lado e acelerar as reformas sem as quais tudo o mais se inviabiliza.

Conter o esvaziamento do Centro é tarefa inadiável para futuro prefeito – Opinião | O Globo

Pandemia agravou fechamento de imóveis e deu à região o aspecto de uma cidade fantasma

Não se pode culpar apenas a pandemia pelo estado de coma em que se encontra o Centro do Rio. Com seu efeito devastador sobre as atividades econômicas, ela apenas agravou os sintomas de uma doença que já fazia a região definhar muito antes da Covid-19. O esvaziamento era evidente, embora o poder público ignorasse o número crescente de estabelecimentos que sucumbiam, alguns com lugar cativo na memória da cidade — estima-se em três mil o número de lojas fechadas.

São muitos os motivos que explicam o roteiro de decadência numa região que já teve seus dias de glória: a crise econômica; o alto preço dos aluguéis (que expulsou negócios tradicionais, como os da Rua da Carioca); a violência (explicitada no assassinato do cineasta Cadu Barcellos, esfaqueado quando esperava o ônibus em plena Presidente Vargas, no último dia 10); a concorrência predatória dos camelôs sob a vista da prefeitura; a população de rua que não para de crescer; e a própria dinâmica natural da cidade.

Evidentemente, o fechamento de setores não essenciais, como bares e restaurantes, e o incentivo ao trabalho remoto durante a pandemia agravaram a situação. Uma pesquisa da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi) no meio do ano mostrou que 40% dos escritórios do Centro estavam ociosos. No episódio mais recente das saideiras, a Casa Villarino, berço da Bossa Nova, onde Tom Jobim e Vinicius de Moraes iniciaram sua parceria histórica, anunciou o fechamento por tempo indeterminado. “O Centro virou uma cidade fantasma depois da pandemia”, disse Stella Imai, que administrava a casa. Segundo o sindicato do setor (SindRio), o Centro perdeu este ano 40% de seus bares.

Região histórica, reduto de um rico patrimônio arquitetônico e cultural, o Centro não pode ser abandonado à própria sorte. O prefeito eleito amanhã deverá criar um plano para revitalizar a área. Deve-se considerar que, mesmo quando a pandemia acabar, muitos de seus efeitos persistirão. Grandes empresas já anunciaram que deverão manter parte dos funcionários em trabalho remoto. Isso reduzirá o número de escritórios e, consequentemente, afetará o movimento na região.

Qualquer projeto que tenha por objetivo devolver vida ao Centro deve incluir o incentivo à moradia. O local dispõe de boa infraestrutura urbana e inúmeras opções de transporte, cultura e lazer. Seria mais racional do que estimular construções em áreas que demandam investimentos públicos, como tem sido rotina nas últimas décadas. O Centro já está pronto. A aguda crise atual, que precisa ser enfrentada, pode ser uma oportunidade para fazê-lo renascer sob uma nova ótica.

Governo quer anistia prévia para gastança – Opinião | O Globo

Pedido da AGU para TCU liberar recursos a obras eleitoreiras é afronta diante do descalabro fiscal

O governo e o Congresso receberam um alerta do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a projeção de “insuficiência de caixa de R$ 46,1 bilhões” neste ano. A estimativa foi feita a partir dos resultados apurados nas contas públicas até agosto. Por causa da pandemia, acumulou-se um déficit de R$ 681 bilhões até outubro, dez vezes o do mesmo período de 2019 e recorde desde 1997. Prevê-se que o rombo total some R$ 780 bilhões este ano. O TCU advertiu para o risco de o resultado “afetar a gestão fiscal responsável”.

Paradoxalmente, enquanto o alerta chegava ao governo e ao Congresso, a Advocacia-Geral da União (AGU) pedia ao TCU uma espécie de anistia prévia para o governo descumprir o princípio da anualidade orçamentária. Pretende liberar o uso de recursos do Orçamento deste ano — inflado pela excepcionalidade da pandemia — para financiar gastos com obras até 2022, ano de eleições gerais. Seria uma medida tão escandalosamente estapafúrdia, que viola não apenas o princípio da responsabilidade fiscal, mas as regras básicas de gestão do dinheiro público — num momento em que o governo nem sequer aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2021.

Desde a edição da Lei de Finanças Públicas, há 56 anos, a administração está obrigada a reservar recursos somente para despesas realizadas no mesmo exercício fiscal. Há margem de manobra na rubrica de restos a pagar, que frequentemente chama a atenção dos organismos de vigilância fiscal, pois é onde o governo tenta pôr as despesas de hoje na conta do amanhã. Tal rubrica começou o ano com previsão no orçamento de R$ 180 bilhões, ou 53% do recorde no ano de 2013, quando Dilma Rousseff antecipou gastos com obras para pavimentar sua reeleição — e abriu o caminho aos delitos fiscais que resultaram em seu impeachment.

Nada disso é remotamente parecido com a anistia preventiva reivindicada pela AGU. É a segunda vez em quatro meses que organismos do governo tentam legitimar um drible na legislação fiscal e avançar na trilha da multiplicação de despesas, com cronograma de obras públicas ajustado ao calendário eleitoral. Em julho, preparou-se uma “consulta” ao TCU sobre o uso de créditos extraordinários — fora do teto de gastos —, para bancar esse mesmo conjunto de obras, antes apelidado de Pró-Brasil. Não deu certo.

A pressão da AGU defende interesses dos partidos do Centrão, esteio parlamentar do governo, sobre projetos do Ministério do Desenvolvimento Regional, com valor estimado em R$ 4 bilhões. Um dos porta-vozes da ideia é o líder governista Ricardo Barros (PP-PR), para quem a agonia fiscal se resume a um “apagão de canetas”. A lógica é o governo liberar recursos, via emendas parlamentares, para destravar o andamento das reformas no Congresso.

Jair Bolsonaro precisa rever a relação com a sua base parlamentar. O risco, como adverte o TCU, é ele violar a Lei de Responsabilidade Fiscal na busca por um punhado de votos. O Brasil sabe bem como acaba essa história.

Preservar empresas – Opinião | Folha de S. Paulo

Nova lei de falências acerta ao fortalecer recuperação, sem proteger acionistas

Foi aprovada pelo Congresso e segue para sanção presidencial a nova lei de falências, que reforma o diploma de 2005 com vistas a agilizar e tornar mais seguros os procedimentos de recuperação judicial —e, na pior hipótese, de falências.

Apesar de dúvidas que cercam um tema tão complexo, dependente de gradual absorção na jurisprudência, há avanços importantes.

Uma legislação de falências adequada se mostra essencial para o bom funcionamento da economia. O ponto-chave de qualquer processo dessa natureza é viabilizar soluções menos traumáticas, preservando um equilíbrio entre interesses de credores e acionistas, de modo a minimizar a perda de empregos e a obsolescência de ativos.

Uma das inovações corretas é a possibilidade de que os credores apresentem o seu plano de recuperação judicial, caso não se aprove a versão proposta pelos acionistas. A quebra da empresa só será decretada no caso de rejeição ou não apresentação dessa proposta.

A norma aproxima o Brasil de países que dão ênfase a soluções que atendam a interesses dos credores, evitando que os responsáveis por levar um empreendimento à insolvência sejam preservados ou mantenham comando em demasia do processo de recuperação.

Reforçar a segurança de quem concede crédito, espera-se, contribuirá para maior fluidez dos financiamentos na economia.

A nova lei também amplia as possibilidades de recuperação judicial, abrindo espaço para capitalização de créditos, troca de administradores e outras soluções, desde que os credores não obtenham resultado inferior ao que ocorreria no caso da falência —que passa a ter o prazo máximo fixado em 180 dias.

Outro aspecto importante é a regulamentação de novos financiamentos durante o processo de recuperação judicial, muitas vezes ferramenta essencial para o renascimento da empresa. Até agora tal modalidade ainda expõe os novos credores a riscos pretéritos.

Com a nova lei ficam reforçadas as garantias e a ordem de preferência no recebimento em favor dos novos recursos aportados. Adquirentes dos ativos também ficam blindados de dívidas anteriores.

De forma mais controversa, há maior flexibilização nos prazos para pagamento de dívidas tributárias, aumentando o número de parcelas de 84 para 120. Parece duvidoso que tal conduta mais leniente seja necessária, ainda mais se o processo de recuperação de fato se tornar mais eficaz.

Mesmo com controvérsias e dúvidas, trata-se mudanças com potencial de agilizar os processos e evitar perdas desnecessárias de empregos, capital e atividade.

Estorvo escolar – Opinião | Folha de S. Paulo

Volta de aulas presenciais é desejável, mas MEC não ajuda com postura inflexível

A interrupção das aulas presenciais por quase um ano já se firmou como uma das consequências mais deletérias da pandemia. Milhões de estudantes, sobretudo os das camadas mais pobres, sofrem um verdadeiro trauma em sua formação ao ficarem por meses sem estudar ou serem submetidos a aulas a distância improvisadas.

Diante disso, como já se defendeu diversas vezes neste espaço, a reabertura das escolas deve ser uma prioridade de estados e municípios —algo que vem ocorrendo, é verdade, embora de forma mais tímida e paulatina que o desejável.

Entretanto o recrudescimento ora observado da Covid-19, somado ao fato de ainda não haver vacina disponível, traz o risco de interrupção ou retrocesso desse movimento, o que não permite descartar a necessidade do ensino não presencial nos próximos meses.

Foi o que ocorreu, por exemplo, em partes dos EUA e da Europa, onde autoridades se viram obrigadas a novamente cerrar escolas em meio à recente onda de contaminações. No Brasil, instituições como a Unicamp postergaram a volta às aulas como medida de precaução.

Causa espécie, nesse contexto, a recusa do MEC em homologar resolução do Conselho Nacional de Educação que estendeu a possibilidade de aulas remotas, a expirar no final deste ano, até o fim de 2021. O texto foi aprovado por unanimidade, incluindo a anuência das entidades que representam as secretarias estaduais e municipais.

A resolução, válida para os ensinos básico e superior, seja da rede pública ou privada, visa a permitir, caso necessário, que atividades a distância sejam computadas no próximo ano como carga horária, a exemplo do que ocorre hoje.

Busca-se, por essa via, possibilitar a convivência entre o ensino presencial e não presencial, inclusive em processos de recuperação escolar, de maneira a atender às diferentes demandas e dificuldades de um sistema educacional fortemente heterogêneo.

Ao barrar a flexibilização para 2021, o ministério age para “forçar” a volta presencial das aulas, independentemente da situação sanitária. Trata-se, como se vê, de uma não solução, o que apenas vem a confirmar a desastrosa atuação da pasta ao longo da pandemia.

Basta dizer que as primeiras medidas ministeriais de apoio às escolas foram tomadas somente em outubro, seis meses após o fechamento dos estabelecimentos. Sem ter ajudado quando era preciso, o MEC parece agora decidido a atrapalhar o que vem sendo feito.

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