terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Bernardo Mello Franco - Natal sem armas

- O Globo

O Supremo confiscou o presente de Natal de Jair Bolsonaro para o lobby das armas. Na semana passada, o presidente zerou a tarifa sobre a importação de revólveres e pistolas. Ontem o mimo foi vetado pelo ministro Edson Fachin.

No papel, a isenção de impostos foi concedida pela Câmara de Comércio Exterior. Na prática, o órgão só carimbou uma ordem de Bolsonaro. O presidente se apressou para faturar com a turma do bangue-bangue. Ao anunciar a medida, publicou uma foto em que aparece de trabuco em punho num estande de tiro.

O capitão é um velho aliado de quem lucra com a morte. No primeiro mês de governo, ele editou um decreto para afrouxar o Estatuto do Desarmamento. Em abril deste ano, mandou o Exército revogar portarias de rastreamento de armas e munições. As regras facilitavam a apuração de crimes, permitindo mapear o caminho entre a fábrica e o dedo que aperta o gatilho.

A equipe de Paulo Guedes já tentou acabar com a isenção de impostos sobre a cesta básica. Agora o presidente concede a regalia a importadores de armas. O caso ilustra a inversão de prioridades no Planalto. O bolsonarismo considera aceitável tributar o quilo de arroz, mas abre mão de arrecadar sobre a venda de pistolas 9mm americanas, que custam mais de R$ 10 mil no Brasil.

Na liminar, Fachin lembrou que o governo tem autonomia para definir sua política tributária, mas não pode ignorar os princípios da Constituição. A Carta garante o direito à vida e estabelece que a segurança pública é atribuição do Estado, não de indivíduos.

“Não há, por si só, um direito irrestrito ao acesso às armas, ainda que sob o manto de um direito à legítima defesa”, escreveu o ministro. Ele acrescentou que a alíquota zero resultaria num “aumento dramático” da circulação de armas. Era exatamente o objetivo do capitão.

Bolsonaro diz defender colecionadores e atiradores esportivos, mas age como Papai Noel para um lobby muito mais influente. Baratear a importação de armas interessa às empresas de segurança e às milícias, que mantêm laços notórios com o poder em Brasília. Graças ao Supremo, essa turma vai ficar sem presente de Natal.

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