segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Catarina Rochamonte - O centro e o centrão

- Folha de S. Paulo

Extremistas raramente se reconhecem como centro, mas acusam quem está nessa posição de pertencer ao extremo oposto

Em relação às recentes eleições municipais, afirmou-se o centro como vitorioso, gerando-se a expectativa de que essa tendência de fuga dos extremos se mantenha em 2022. Não é difícil constatarmos, no momento político brasileiro, alguns fenômenos abordados por Norberto Bobbio no livro Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. Essa fuga dos extremos de que falamos, por exemplo, pode ter resultado do seguinte movimento: o extremismo de esquerda deslocou a esquerda mais para a direita e o extremismo de direita deslocou a direita mais para a esquerda.

Extremistas, porém, raramente se reconhecem como tais, mas acusam quem está mais ao centro de pertencer ao extremo oposto do seu espectro político. Isso explica que eu seja ora xingada de direitista por leitores dessa Folha, ora de esquerdista nas redes sociais. O radical de esquerda, explica Bobbio, tende a considerar o centro uma direita camuflada, enquanto o radical de direita tende a considerar o mesmo centro o disfarce de uma esquerda que não deseja declarar-se como tal. Eles desprezam o centro como indecisão entre dois campos de luta em que um deles deteria, necessariamente, a verdade e a razão.

Na democracia, porém, os campos políticos opostos alternam-se no poder pacificamente, em disputas constitucionalmente reguladas. Os extremistas utilizam-se do jogo democrático, mas estão permanentemente dispostos a desprezá-lo, pois o entendem apenas como meio para um determinado fim. É preciso, pois, que o centro possa garantir, contra tais extremos, o meio em questão.

Esse centro, porém, que age com base em princípios e em defesa da democracia é, obviamente, distinto do tal “centrão”, um agrupamento político fisiológico que joga com as cartas mais viciadas, afundando o país na mediocridade e na abjeção. A democracia se constrói com prudência, bom senso e moderação (que os extremistas abominam); mas também com probidade e decência (que o centrão desconhece).

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