Em pleno século XXI, nossa direita ainda não aceitou a
Lei Áurea e a esquerda não percebeu a queda do Muro de Berlim. A primeira
mantém a divisão do Brasil entre Casa Grande e Senzala, por isso o capitalismo
continua amarrado ao passado. A segunda conserva as mesmas ideias que vêm do
socialismo dos séculos XIX e XX.
Não dá para ter ilusão no reacionarismo atávico da
direita, que não vai se reciclar para o capitalismo moderno, dinâmico,
inclusivo e sustentável. Difícil ter esperança na esquerda atual, porque não
está sintonizada com a realidade de transformações que ocorrem no mundo. Uma
está do lado dos donos, a outra do lado dos trabalhadores agregados à Casa
Grande, sem propostas transformadoras para o futuro.
A direita olha o presente, querendo manter privilégios
para a minoria; a esquerda reivindica privilégios para trabalhadores e gestos
solidários com o neoliberalismo social, como bolsas e cotas. A esquerda tem
sensibilidade social, mas não tem proposta para um novo sistema econômico e
social. Defende os sem-teto no presente, mas não tem estratégia para fechar a
fábrica de sem-teto da estrutura social brasileira.
A direita sempre repudiou e a esquerda aposentou a
palavra revolução, depois que suas ideias ficaram velhas e suas corporações
conseguiram sentar à mesa da Casa Grande. Defende ampliação de universidades,
mas não se empenha em erradicar o analfabetismo e garantir educação de base com
qualidade igual para todos; defende os que já estão no sistema de
aposentadoria, não os que estão fora dele; os sindicalizados, não os excluídos;
os sem-teto, não o fim da exclusão.
Com individualismo e egoísmo, a direita repudia o
Estado quando ele tenta beneficiar os pobres, e a esquerda não percebe que sem
reformas o Estado se esgota porque seu gigantismo o faz ineficiente, seu
elitismo atende mais a interesses da própria máquina que da população; seus
dirigentes se viciaram na corrupção. Nosso estatismo faz parte da Casa Grande.
Não aceita que estatal não é sinônimo de público nem de popular.
A esquerda não vê que a mudança no perfil da pirâmide etária exige reforma da previdência; nem que o avanço técnico exige reforma trabalhista. Entende que a globalização é invenção do capitalismo e não a marcha da civilização industrial. Não percebe que a política não se faz por partidos polarizados, mas por partidos com divergências e convergências. A esquerda não entende que inflação é roubo à população e que é preciso quebrar a tradição de governos conservadores de gastar mais do que se arrecada, jogando a conta para o povo.
Não percebe que a economia não é mais realizada apenas
pelo capital, trabalho e recursos naturais; porque dois novos fatores são
fundamentais: conhecimento, que se produz na educação, e confiança, que exige
regras duráveis, especialmente com moeda estável. Deve reconhecer que
consumidores e investidores devem tirar proveito do mercado e não ignorá-lo.
Ela ainda não quer entender que limites ecológicos ao crescimento exigem mais
do que proteger o meio ambiente: requer substituição do PIB por novos
indicadores de progresso.
A esquerda não pode mais representar apenas
trabalhadores agregados à Casa Grande e deve entender que luta de classes se
faz na divisão de recursos públicos no orçamento de governos para revolucionar
a estrutura social na direção da inclusão, sustentabilidade e eficiência. Ela
deve sair do tempo de reivindicar para o de lutar pela distribuição de recursos
públicos, enfrentando os que perdem privilégios, mordomias, vantagens e
subsídios. Sobretudo, entender que neste século o vetor do progresso econômico
e social é a educação. Por isso, deve radicalizar e defender que todas as escolas
tenham a mesma qualidade, indicando como fazer isso, determinando prazo e
custos e quem os pagaria. Esta seria a revolução possível e necessária hoje.
O problema da esquerda é que, prisioneira do presente eleitoral e de alianças corporativas, não tem ousadia de olhar para o futuro, nem de defender as ideias que ele exige. O problema político do Brasil não é só falta de sensibilidade da direita, ainda escravocrata, mas de compreensão da esquerda saudosista e corporativa. Ambas atrasadas: uma 100 anos, a outra 30; as duas olhando o mundo desde a Casa Grande, uma com olhares de senhores, a outra dos agregados. As duas conservadoras.
*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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