segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Marcus André Melo* - Quem levará o crédito?

- Folha de S. Paulo

Com a vacinação, Bolsonaro será o principal beneficiário do crédito político

A combinação de segunda onda e a descoberta da vacina inauguram uma nova fase no jogo da responsabilização na crise sanitária. Na primeira onda tivemos 27 pandemias, como enfatizei aqui. Na onda atual a pandemia nacionalizou-se e se espalhou por todo o território. E mais importante: a política da vacina federalizou-se.

Na primeira onda, o padrão da pandemia caracterizou-se pela difusão temporal desigual em alguns poucos estados e capitais, o que gerou um processo emulativo nas respostas subnacionais à crise. A principal consequência deste processo foi a gradativa desresponsabilização do governo federal.

Nos meses iniciais da pandemia a estratégia de Bolsonaro de deslocamento dos custos políticos da crise sanitária era clara: buscava transferi-los para as esferas subnacionais de governo. O pressuposto era que a crise era tóxica tanto pelos seus aspectos sanitários quanto econômicos. O caráter descentralizado de gestão do SUS facilitava a transferência de responsabilidade; esperava-se que inexoravelmente governadores e prefeitos arcariam com o custos políticos envolvidos. E isso também valeria para ações envolvendo quarentena e lockdowns.

O pouco caso que Bolsonaro fez com a pandemia escondia, na realidade, pânico quanto a uma recessão avassaladora, o qual levou a um pacote de estímulo fiscal cujo valor foi mais que o dobro dos países da mesma faixa de renda. O padrão foi estabelecido por Trump, sua resposta fiscal é vista pelos analistas econômicos como um um overkill (resposta excessiva no jargão econômico ).

Para além da nacionalização da responsabilidade, há algo novo na dinâmica política nesta segunda fase da pandemia: o retorno do sentimento de esforço coletivo em situação de emergência (conhecido como rally round the flag no debate internacional) e que marcou a pandemia nos vários países sobretudo nos seus momentos iniciais.

No Brasil, este sentimento foi se diluindo na medida em que instaurou o processo emulativo acima, mas se intensifica agora na mobilização em torno da vacina. Seus efeitos positivos irão mitigar para Bolsonaro a travessia do deserto em 2021, que terá custos sociais pesados na medida em que o auxílio emergencial será descontinuado.

Os eleitores irão puni-lo pela falta de planejamento para a emergência? Segundo o conhecimento acumulado da ciência politica em torno do assunto, a resposta é não. Os eleitores são míopes: premiam o gasto para mitigar os danos decorrentes de calamidades mas não as ações de prevenção e preparação. A nacionalização da vacinação federaliza o crédito político, como ocorreu com o auxílio. Ainda assim Bolsonaro será punido pelo conjunto da obra.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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