sábado, 5 de dezembro de 2020

Míriam Leitão - Biden e vacina elevam mercado

- O Globo

Você não gosta de mim, mas seu mercado gosta. Os versos de Chico Buarque poderiam ser adaptados pelo presidente eleito Joe Biden, se ele estivesse preocupado com esse longo silêncio do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Desde que ficou claro que Biden era o vencedor das eleições americanas, houve um reviravolta nos ativos que favoreceu o Brasil, o real e até os investidores no país.

O dólar, por exemplo, caiu 11,11% aqui dentro, indo de R$ 5,76 em 29 de outubro para R$ 5,12 , ontem. A queda do dólar começou antes das eleições porque todas as projeções davam o que acabou acontecendo, uma vitória por larga margem no voto popular e no colégio eleitoral para Joe Biden.

Novembro foi o melhor mês da bolsa brasileira em muito tempo, recuperando uma parte das perdas que haviam sido provocadas pela pandemia, pela falta de entrega do programa econômico, e pelas incertezas do próprio governo. Isso trouxe de volta o investidor estrangeiro que havia ido embora. Em novembro entraram R$ 33 bilhões. No ano eles haviam sacado quase R$ 90 bi.

O mercado funciona de maneira diferente do que reagem as pessoas quando fazem as suas conexões neurais. O que liga uma coisa a outra pertence à lógica própria. A vitória de Biden é entendida pelos analistas como sinal de que haverá um pacote de ajuda mais robusto para a economia americana, o que levará à desvalorização do dólar. Isso aumenta os fluxos para os países em desenvolvimento e eleva o apetite para o risco. O resultado é essa volta do capital arisco, apesar de todos os sinais ruins dados pelo governo brasileiro.

Em resumo, não voltam porque passaram a confiar em Bolsonaro e no seu desgoverno, mas porque os fluxos globais estão nessa direção. Tanto que não foi só conosco. O dólar australiano, o dólar canadense, o won coreano e até o euro estão nos maiores valores frente ao dólar em dois anos.

O S&P 500 bateu novamente seu recorde histórico, chegando ontem a 3.699 pontos. Houve um tempo em que se dizia que o mercado gostava apenas dos republicanos. Não se confirmou nesta eleição, em que Biden recebeu mais doações do que seu opositor. A instabilidade provocada por Donald Trump e as ameaças institucionais passaram a ser disfuncionais. Um economista brasileiro que vive nos Estados Unidos disse que nunca viu tanta gente do mercado votando em democrata quanto nessa eleição.

Houve também o efeito vacina. Mas, de novo, a música pode ser a mesma, desta vez, da vacina para Bolsonaro: você não gosta de mim, mas a sua economia gosta. Tanto que todos os cenários positivos futuros estão dependendo dessa variável, aqui e no mundo. Se houver vacinação em massa, haverá economia retomando alguma normalidade. Do contrário, voltará a instabilidade negativa.

A dupla Biden e vacina, para o presidente brasileiro prisioneiro do seu negacionismo trumpista, pode ser tudo o que ele rejeita. Felizmente, para a economia do país, a chegada dos dois está elevando o humor, e reduzindo as perdas que todos os investidores, pequenos, médios e grandes, tiveram nesses longos meses de pandemia com Bolsonaro estimulando o contato e o contágio.

Claro que, da mesma forma que entrou, esse dinheiro pode sair em qualquer vento contrário. Se o governo brasileiro não conseguir organizar uma vacinação ágil e eficiente, o país será colocado para trás. Em um momento de mau humor com os emergentes, os capitais lembrarão que o Brasil tem uma dívida muito alta, o governo não tem programa crível de equilíbrio fiscal e Bolsonaro segue a política de isolamento diplomático. Acredita — até hoje — na vitória de Trump, hostiliza a China, levou um ano para fazer uma reunião com o presidente da vizinha Argentina, ameaçou “denunciar” Alemanha e França e agrediu a Noruega, que havia doado dinheiro para a proteção da Amazônia.

Mesmo com uma política ambiental desastrosa, uma condução perigosa da pandemia, e uma política econômica sem rumo, o Brasil conseguiu vender bônus no mercado internacional esta semana. O Tesouro emitiu títulos em dólar no mercado externo e atraiu três vezes mais demanda do que estava sendo oferecido. Há muitos riscos na dívida brasileira e ninguém desconhece isso. Mas neste momento tudo é festa. Começará um governo novo e mais racional nos Estados Unidos e a vacina está chegando.

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