quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Nilson Teixeira* - Risco inflacionário e juros muito altos

- Valor Econômico

O cenário mais provável, contudo, é o recuo da inflação acumulada em 12 meses a partir de meados de 2021

As projeções econômicas variaram bastante neste ano com a incerteza criada pela pandemia. A mediana das previsões de inflação IPCA de 2020 alteradas até cinco dias úteis antes no Focus recuou de 3,6% no começo do ano para 1,5% no início de junho. Desde então, porém, a mediana aumentou para 2,2% em setembro e acelerou até alcançar 4,25% no Focus de sexta-feira. A aceleração mais recente nas projeções deveu-se à decisão inesperada no fim de novembro da Aneel de reativar a bandeira vermelha na conta de luz de dezembro em razão do baixo nível dos reservatórios.

A dinâmica da inflação no atacado é ainda mais surpreendente. A mediana das expectativas de inflação IPA em 2020 variou entre 3,4% e 5,2% nos primeiros cinco meses do ano. Desde então, a mediana cresceu continuamente, alcançando 12,4% em agosto e 33,8% no Focus de 4 de dezembro. Desde junho de 1995, a inflação IPA acumulada em 12 meses - 33,9% em novembro - só superou a atual mediana das expectativas para 2020 no 1º semestre de 2003, com a inflação IPA-Agrícola de 60,6% sendo a mais alta do período.

Testes de causalidade de Granger indicam que a inflação IPA, assim como a inflação IPA-Agrícola, causa a inflação IPCA, quando consideradas as informações desde junho de 1995 ou, então, os dados desde 2016. Há risco, portanto, de a inflação ao consumidor mensal ser mais pressionada nos próximos meses.

Ao mesmo tempo, a inflação IPCA acumulada em 12 meses tende a aumentar seguidamente até próximo a 6% em meados de 2021 por conta da reduzida inflação até agosto deste ano. Apesar de não ser o mais provável, essa dinâmica pode elevar a persistência da inflação IPCA a ponto de as previsões de 2021 superarem o centro da meta de 3,75% em algum momento do próximo ano.

Eventual aceleração da inflação IPCA de 2021 e das expectativas para 2021 e 2022, atualmente em 3,3% e 3,5%, respectivamente, poderia ser associada a uma expansão econômica rápida e muito vigorosa, derivada de: vacinação mais rápida do que a indicada pelas ações do governo federal; maior confiança no cumprimento da Regra do Teto dos Gastos (RTG) com a aprovação de cortes de gastos obrigatórios; recuo acelerado do desemprego; e impacto mais benigno dos atuais juros reais na economia.

O cenário mais provável, contudo, é o recuo da inflação acumulada em 12 meses a partir de meados de 2021, ou mesmo antes, pois grande parte dos efeitos que pressionam a inflação neste semestre será atenuada ou mesmo revertida:

A alta de preços de commodities agrícolas e metálicas tende a diminuir substancialmente, devido à reversão recente da depreciação cambial até novembro e da esperada acomodação do aumento da demanda global deste ano.

A interrupção ou mesmo a diminuição do Auxílio Emergencial (AE) reduzirá a renda de parte dos seus beneficiários, restringindo a demanda de vários setores e, consequentemente, atenuando a pressão inflacionária, em particular de alimentos e bens duráveis, gerada neste ano pelo forte aumento do consumo advindo da transferência de renda de cerca de R$ 300 bilhões do programa neste ano.

O fim durante 2021 da garantia de emprego para cerca de 10 milhões de trabalhadores obtida com o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), que custeia a folha de pagamento das empresas em troca dessa garantia, causará a perda de emprego de parcela dos beneficiários, gerando perda de renda e redução do consumo dessas famílias frente a 2020.

A normalização das cadeias produtivas diminuirá o desabastecimento de insumos em vários setores, observado quando da rápida recuperação do consumo a partir do fim do 2º trimestre em 2020. A diminuição do desequilíbrio entre demanda e oferta tende a reduzir a pressão inflacionária.

A efetivação da bandeira vermelha neste mês, em vez de ser adotada no próximo trimestre, contribuirá para o recuo nas próximas semanas das previsões de inflação de 2021.

A atividade global e local desacelerará no 4º trimestre, com o risco de acomodação do PIB no 1º trimestre de 2021, como consequência de afastamentos sociais, mesmo que voluntários, e de restrições ao funcionamento do setor de serviços. Em um ambiente de hiato do produto aberto, ociosidade muito elevada e lenta normalização do mercado de trabalho, a desaceleração da atividade diminuirá as pressões inflacionárias em 2021.

A perspectiva de cumprimento da RTG elevaria a previsibilidade na economia, ao reduzir temores de desequilíbrio fiscal, e poderia ajudar, por outro canal que não o da demanda, a manter as previsões de inflação IPCA em patamar reduzido por um período mais longo - abaixo do centro da meta de 3,75% em 2021 e ao redor do centro de 3,5% em 2022.

Esse balanço de riscos para a inflação é compatível com a repetição na reunião de dezembro do Copom do “forward guidance” de estabilidade da taxa Selic em 2% por um período prolongado, sob a hipótese de recuo da inflação nos primeiros meses de 2021 frente aos valores deste final de 2020 e de altas de preços no 2º semestre de 2021 inferiores a 2020.

A curva de juros apreçava no início desta semana alta da taxa Selic de 300 pontos base (pb) em 2021 e 200 pb em 2022. A atual incerteza é compatível com uma curva de juros que incorpore o início do aperto monetário em 2021, embora pareça exagerado apreçar alta da Selic já nas primeiras reuniões do ano. Caso se considere a elevação só a partir da reunião de junho do Copom, os preços dos contratos futuros de juros de janeiro de 2022 e de janeiro de 2023 seriam compatíveis com um aumento da Selic de 75 pb por seis reuniões seguidas (junho/21 a janeiro/22).

Com a expectativa nos países centrais de juros próximos a zero por um longo período, é difícil assumir no Brasil uma alta da Selic de 375 pb em 2021. Esse aperto monetário não parece resposta razoável para o cenário de gradual elevação da inflação. Isso só ocorreria sob um ambiente de descontrole fiscal ou de grande mudança do padrão da inflação. Infelizmente, a primeira condição está longe de ser muito improvável.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

 

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