segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A pressão no Supremo para obrigar o governo Bolsonaro a trabalhar – Opinião | O Globo

É insólito que entidades clamem ao Judiciário para forçar o Executivo a cumprir seu dever, mas é o que ocorre

Partidos e organizações não governamentais têm recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido inusitado: que o Judiciário obrigue o governo Jair Bolsonaro a trabalhar, na forma prevista pela Constituição e pela lei ambiental. É insólito que entidades representativas da sociedade clamem por intervenção judicial para forçar o Executivo a cumprir seu dever, mas é precisamente isso que ocorre diante da inércia deliberada dos organismos federais na proteção do meio ambiente.

A inação não é casual e, por isso mesmo, passível de enquadramento no rol de delitos de responsabilidade administrativa. Delineia-se na Amazônia uma política cuja essência é incompatível com o espírito das leis vigentes. A opção política pelo “liberou geral” favorece o desmatamento, o avanço da grilagem de áreas públicas e a invasão de terras indígenas por madeireiros, garimpeiros e agricultores. A impassibilidade do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e das chefias do Ibama e da Funai, demonstra um nível inédito de incompetência na gestão.

Desde julho, o Supremo exercita paciência, à espera de que o governo Bolsonaro cumpra a ordem judicial para apresentar um plano de proteção a 505 mil indígenas contra a Covid-19. Eles se distribuem por 188 tribos e 38 diferentes famílias linguísticas — sem contar os isolados.

O STF já rejeitou duas versões da proposta governamental, algo também incomum. Sempre pelo mesmo motivo, como certificou nos autos o ministro Luís Roberto Barroso: o plano oficial não era plano, mas mera pilha de frases sem lógica, metas, cronograma de ações e previsão de resultados auditáveis. Na sentença, o Supremo deu-se ao trabalho de descrever, didaticamente, ponto a ponto, como o governo deve elaborar um projeto para a emergência nas tribos indígenas. Aguarda a terceira versão do plano para esta semana.

Há 15 dias, o Supremo recebeu uma nova ação. Quatro dezenas de ONGs e vários partidos solicitaram à Corte que “determine apenas e tão somente que as autoridades públicas federais envolvidas implementem o Plano de Proteção Contra o Desmatamento da Amazônia”. Nas 138 páginas do pedido, reiteram: “Não se requer qualquer medida adicional à execução efetiva da política pública já existente”.

Reivindicam intervenção do Judiciário para instar o governo a cumprir seu dever de executar uma política pública de Estado, aprovada pelo Congresso, bem-sucedida nos anos recentes e em pleno vigor, até porque legalmente não foi revogada.

Em português cristalino, pedem apenas que se obrigue o governo Bolsonaro a trabalhar. Só isso.

Congresso deveria aprovar lei para regular o lobby – Opinião | O Globo

Transparência permitiria seguir os interesses presentes na sociedade e aperfeiçoaria nossa democracia

A mais conhecida iniciativa de regularizar o lobby no Brasil foi do senador Marco Maciel, em 1990, quatro anos antes de ele ser eleito vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso. À época, a Câmara engavetou o projeto, sob o argumento discutível de que era inconstitucional, por entender que matéria relacionada ao Congresso, um dos campos de ação de lobistas, só poderia ser regulada por meio de resoluções de cada uma das Casas legislativas.

A resistência a regulamentar o lobby deixa o Brasil distante dos países mais desenvolvidos, onde a atividade segue regras de transparência que tornam possível sua fiscalização. Tramita no Congresso um projeto de regulamentação, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, à espera de inclusão na pauta do plenário. Por ter sido relatado pela deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), não reeleita em 2018, ele necessitará de um novo relator assim que for relacionado para votação final.

Há quem argumente que é um erro regular uma atividade associada ao lado sombrio da política, ao tráfico de influência e à corrupção. Ora, trata-se do oposto. É justamente porque pode haver desvio no trabalho do lobista que ele deve estar sujeito a regras. Precisa ser exercido dentro de limites éticos. É essencial que os interesses de toda sorte, existentes em qualquer sociedade, possam se manifestar de modo transparente diante dos Poderes públicos. Do contrário, eles continuarão a buscar caminhos subterrâneos, nem sempre republicanos.

Os Estados Unidos têm longa experiência no assunto. Há registros desde a primeira metade do século XIX da preocupação dos legisladores estaduais com a ação de grupos de interesse sobre parlamentares. A legislação americana, repleta de controles e exigências de informações, é referência no mundo. Pela internet, qualquer um pode examinar os dados dos 11 mil lobistas registrados nos Estados Unidos, que deverão gastar neste ano aproximadamente US$ 11 bilhões com a atividade.

O autor da proposta original que tramita no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), usou como referência a legislação americana e a de países da OCDE. O texto foi revisto por Cristiane Brasil, que retirou algumas exigências burocráticas, como a obrigatoriedade de registro do lobista, pessoa física ou jurídica, nos órgãos públicos. Também deixou de constar a obrigatoriedade de lobistas entregarem ao Tribunal de Contas da União (TCU) a relação de suas atividades e gastos. Sob nova relatoria, seria possível aperfeiçoar ainda mais a proposta.

Mereceria atenção especial, em particular, a atuação dos lobbies para influenciar o Congresso. Na essência, o lobby ajuda o legislador a votar bem informado. Todos, não apenas os representantes do povo, passam a saber que interesses rondam o Estado. Transformar o lobby numa atividade que possa ser acompanhada de perto pela sociedade só contribui para aperfeiçoar a democracia.

O espectro do populismo fiscal – Opinião | O Estado de S. Paulo

O governo insiste em fazer ensaios de contabilidade criativa que flertam com crimes de responsabilidade e só agravam o clima de insegurança fiscal

Como se não bastasse o fato de não ter apresentado ao País um roteiro de recuperação econômica nem uma pauta de prioridades para a agenda do Congresso, o governo insiste em fazer ensaios de contabilidade criativa que flertam com crimes de responsabilidade e só agravam o clima de insegurança fiscal.

O mais recente exercício de contabilidade criativa foi a proposta de uma “meta flexível” para o resultado primário do ano que vem, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A meta do resultado primário é prevista pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) como um limite ao rombo nas contas públicas. Sob o pretexto das incertezas econômicas, o governo propôs que a meta variasse de acordo com a arrecadação.

Nas circunstâncias atípicas precipitadas pela pandemia, as incertezas em relação à receita de fato existem. Mas a maneira ortodoxa e fiscalmente responsável de lidar com eventuais frustrações na arrecadação ao longo do ano é solicitar ao Congresso um aval para alterar os objetivos da política fiscal. Já com a meta flexível, o governo estaria de antemão liberado de fazer bloqueios no orçamento dos Ministérios e outros órgãos, o chamado contingenciamento. Em outras palavras, o governo queria passe livre para gastar mais do que arrecada. 

“Meta flexível não é meta”, resumiu em bom português o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado, Felipe Salto. O Tribunal de Contas da União fez um alerta de que, se a LDO for aprovada dessa forma, a meta passa a ser “conta de chegada” e não de partida, como exige a responsabilidade fiscal. “Não ter meta, uma meta flexível, é uma jabuticaba brasileira”, disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. “Isso é uma sinalização muito ruim.”

Após essas advertências, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo vai apresentar uma proposta exata de meta fiscal. Mas a sinalização ruim já foi dada. Esse foi só o mais recente dos muitos e temerários balões de ensaio lançados por um governo que reluta em fazer sua lição de casa.

Já na reforma da Previdência, o ministro tentou embutir um jabuti que permitiria aos empregadores demitir funcionários já aposentados sem a multa de 40% sobre o FGTS. Além disso, desde aquela época, volta e meia o ministro tenta exumar o malfadado imposto sobre transações financeiras, a velha CPMF, cada vez sob um novo figurino.

Em setembro do ano passado, muito antes do coronavírus, foi a vez de o presidente Jair Bolsonaro flertar com o afrouxamento do teto de gastos. Já após a pandemia, notando os benefícios eleitorais do auxílio emergencial – o qual, diga-se, a depender do ministro, teria sido de apenas três parcelas de R$ 200 –, Bolsonaro e Guedes tentaram criar um substituto para o Bolsa Família, o natimorto “Renda Brasil”, que seria financiado por meio do congelamento das aposentadorias. Pouco depois, surgiu o mal-ajambrado “Renda Cidadã”, dessa vez a ser pago com o calote no pagamento de precatórios e o sequestro de uma parcela do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

De todas essas medidas teratológicas o governo recuou – não raro após um recado enérgico dos mercados. Mas de recuo em recuo nas suas tentativas de pedaladas fiscais, o governo anda para trás, deixando nada mais que uma cortina de fumaça, enquanto as incertezas fiscais crescem.

A poucos dias do fim do ano, não há qualquer acordo sobre o Orçamento de 2021. Mecanismos de curto prazo indispensáveis para a saúde fiscal do País, como a PEC Emergencial que estabelece gatilhos para o controle de gastos, continuam travados, assim como as medidas de longo prazo. Não há nenhum esforço para dar tração a uma já tímida reforma administrativa, e na reforma tributária o ministro continua a bater na tecla da CPMF. As propaladas privatizações seguem a ver navios. Enquanto isso, ninguém sabe o que será dos milhões de brasileiros que, com o fim do auxílio emergencial, recuarão à miséria.

Ante um governo sem rumo e sem plano, a credibilidade do País só se deteriora.

A asfixia da classe média – Opinião | O Estado de S. Paulo

Empobrecimento da classe média também produz perigosas consequências políticas

 

Um estudo feito pelo Instituto Locomotiva para o Estadão/Broadcast revelou que a classe média deixou de consumir R$ 247 bilhões neste ano em decorrência da pandemia de covid-19. Obviamente, o dado é péssimo para os cerca de 105 milhões de brasileiros incluídos nessa categoria socioeconômica – de acordo com o instituto, os pertencentes às faixas B, C1 e C2, ou seja, famílias cuja renda per capita mensal varia entre R$ 667,87 e R$ 3.755,76 –, mas é ainda pior para o Brasil. A classe média consumiu R$ 2,6 trilhões no ano passado, o que representou 60% do total consumido no País.

A bem da verdade, a eclosão da pandemia de covid-19 foi “apenas” o golpe de misericórdia no combalido orçamento da classe média, que já vinha sendo premido mês a mês desde a recessão econômica de 2014-2016, cujos efeitos aí estão até hoje. Muito antes de os brasileiros começarem a ser assombrados pela ameaça do novo coronavírus, as famílias da classe média já sofriam com a perda de renda ou com o medo do desemprego, desdobrando-se em contas e tendo de escolher entre seus compromissos aqueles que podem pagar e os que têm de deixar em aberto.

Do total de ouvidos pelo Instituto Locomotiva – 1.700 brasileiros de classe média com 16 anos ou mais –, 64% disseram ter medo de perder o emprego a qualquer momento, o que é determinante para decisões de consumo. Mais da metade dos entrevistados respondeu que sua renda diminuiu durante a pandemia e 35% acreditam que seus ganhos continuarão a cair mesmo depois de superada a emergência sanitária. É um futuro nada alvissareiro para grande parcela da população brasileira.

A classe média também foi fortemente afetada pela inflação de alimentos e serviços. A natureza do trabalho de muitos de seus integrantes permite o home office. Mais tempo em casa ao longo da pandemia significou aumento das despesas domésticas. “A classe média não preenche os requisitos para receber o auxílio emergencial, como a baixa renda, e tampouco tem poupança, como a alta renda. Assim, sentiu uma grande pressão sobre seu orçamento”, disse ao Estado o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.

Essa asfixia orçamentária da classe média impõe enormes desafios para as três esferas de governo. No âmbito federal, é fundamental que o presidente Jair Bolsonaro se aprume, deixe de lado sua obsessiva e inoportuna campanha pela reeleição e, enfim, governe o País. Passados quase dois anos de sua posse, a rigor a Nação ainda não conhece o projeto de Bolsonaro para o Brasil, se é que há um, não sabe o que seu governo pretende fazer para superar as crises econômica e sanitária e recolocar o País nos trilhos do crescimento econômico e da geração de investimentos, emprego e renda.

Nas esferas estadual e municipal, governadores e prefeitos terão de lidar com o aumento substancial da demanda por serviços públicos nas áreas de Saúde e Educação. Será uma questão particularmente sensível para os prefeitos eleitos agora em 2020. A pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 53% das famílias de classe média tiveram de cortar ao menos um desses três serviços no curso da pandemia neste ano: plano de saúde particular, contratação de empregadas domésticas ou babás e escolas particulares. Nesse ponto, a pandemia também só serviu como aceleradora de uma tendência que já era observada há alguns anos. É particularmente preocupante o aumento da demanda sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), há muito subfinanciado e carente de investimentos. Hoje, 70% dos brasileiros que precisam de atendimento médico acorrem ao SUS. Em breve, esse porcentual será bem maior e o sistema precisa estar preparado para atender quem dele precisa.

Por fim, mas não menos importante, não se pode negligenciar as consequências políticas do empobrecimento da classe média. Uma classe média premida por reveses econômicos é mais suscetível aos encantos falaciosos de líderes populistas, cujo talento mais notável é a capacidade que têm de oferecer soluções simples para problemas complexos. Sabe-se no que isso pode dar.

Perspectivas para a segurança cibernética – Opinião | O Estado de S. Paulo

Multiplicam-se os ataques de milícias digitais, os crimes e os indícios de espionagem

Ao acelerar bruscamente a digitalização das relações sociais e de trabalho, a pandemia ampliou também os riscos cibernéticos. Crimes contra pessoas e empresas, ataques de milícias digitais e indícios de espionagem multiplicam-se exponencialmente, ameaçando a ordem pública, o Estado Democrático de Direito e a confiança na Quarta Revolução Industrial. Enquanto o Brasil se prepara para decisões estratégicas relacionadas à tecnologia 5G, pilares do Estado como a Justiça Eleitoral ou o Ministério da Saúde foram abalados por ataques, minando a credibilidade do poder público.

De todos os tipos de crimes, os cibernéticos são os que crescem mais rapidamente. Explorando os medos e incertezas precipitados pela atual instabilidade social, econômica e sanitária, os criminosos digitais multiplicaram suas agressões a um nível alarmante. Estima-se que, de todas as atividades maliciosas na internet, os crimes cibernéticos respondam por 80%. Segundo o Global Risks Report 2020 do Fórum Econômico Mundial, nos próximos 10 anos os ataques cibernéticos serão a segunda maior ameaça aos negócios.

“Enquanto crimes como assaltos ou roubos são mais visíveis, o crime cibernético é em grande parte escondido, levando muitas pessoas a subestimar o seu risco efetivo ou a probabilidade de se tornar uma vítima”, disse o secretário-geral da Interpol, Jürgen Stock.

Tradicionalmente os governos são responsáveis por combater o crime. “Entretanto, a dimensão singular do espaço cibernético provou que os governos não têm e não terão todas as capacidades necessárias para combater a ameaça do crime cibernético sozinhos”, constatou o Fórum. “Com efeito, muitas das capacidades necessárias residem no setor privado, de modo que as empresas privadas devem ser parte da solução.”

Para estimular esta cooperação, o Fórum reuniu mais de 50 representantes de organizações-chave públicas e privadas numa Parceria Contra o Crime Cibernético, com foco na promoção de princípios para a colaboração pública e privada na repressão aos ecossistemas do crime cibernético. A iniciativa é um pilar para a arquitetura de uma cada vez mais indispensável aliança independente para combater o crime cibernético global.

Para subsidiar essa aliança, o Fórum também lançou, com a Universidade de Oxford e 100 especialistas dos negócios, governos, academia e sociedade civil, a Future Series, uma linha de produção de estudos sobre riscos cibernéticos. 

Na primeira edição – Segurança cibernética, tecnologias emergentes e riscos sistêmicos – os pesquisadores circunscreveram quatro tecnologias que transformarão a paisagem digital nos próximos 5 a 10 anos: conectividade ubíqua; inteligência artificial; computação quântica; e abordagens de nova geração para gestão de identidade. Os riscos sistêmicos associados a essas tecnologias são tais que, sem uma ação coordenada entre a comunidade tecnológica, as lideranças corporativas e governamentais e a comunidade internacional, os esforços contra as ameaças cibernéticas podem gerar o efeito reverso, erguendo barreiras para o fluxo de dados e o comércio transfronteiriços e fricções entre os sistemas nacionais que, ao invés de dificultar o trabalho dos agressores, o facilitarão.

Da comunidade tecnológica, espera-se que identifique as lacunas que estão se abrindo nos sistemas de defesa, a fim de projetar e oferecer soluções eficazes. As lideranças corporativas e governamentais devem focar em novas ferramentas de educação, orientação e governança para abordar os riscos associados às novas tecnologias. Isso é essencial para que todas as partes interessadas compartilhem de um paradigma e de uma agenda comuns sobre o problema. A comunidade internacional precisará concertar políticas e instituições para impedir que a segurança cibernética aja como uma barreira à adoção de novas tecnologias e seu valor transformador.

“Estas novas tecnologias transformarão o nosso mundo”, conclui o Fórum. “Mas somente se forem seguras e nós pudermos dar aos nossos cidadãos e negócios a confiança de que elas o farão.”

Inércia estatista – Opinião | Folha de S. Paulo

Novo plano prevê 9 privatizações, mas resultados de Guedes não permitem otimismo

Na vasta lista de promessas descumpridas e previsões frustradas que marcam a gestão do ministro Paulo Guedes, da Economia, há poucos casos tão embaraçosos quanto o das privatizações.

Há quase dois anos no cargo, Guedes não conseguiu vender nenhuma empresa diretamente controlada pelo Tesouro Nacional, mas as juras de avanços acabam de ser renovadas para 2021.

O novo plano prevê a alienação de nove estatais federais no ano que vem, além de preparação e execução de leilões envolvendo até 106 ativos, com potencial de atração de R$ 367 bilhões em investimentos, segundo o governo.

Na relação estão a capitalização da Eletrobras e a venda dos Correios, as duas empresas com maior potencial arrecadatório, mas cuja desestatização também sofre forte resistência no Congresso.

Além dos obstáculos técnicos, superáveis, o problema principal tem sido a baixa competência do Executivo em conduzir politicamente os entendimentos.

São vários os benefícios potenciais de um processo ambicioso e bem executado de privatização.

Além do ganho de receita, que apenas no caso da Eletrobras pode chegar a R$ 60 bilhões, o que se busca é reduzir o dreno de recursos públicos ao longo do tempo e melhorar a eficiência e a produtividade da economia, o que também depende de boa regulação.

Dentro do universo de empresas estatais federais, existem as que geram receitas próprias —e não precisam de aportes rotineiros do Tesouro— e outras que dependem da administração direta. Os altos salários e milhares de cargos são alvo de cobiça de políticos.

Um relatório produzido pelo Ministério da Economia, reunindo dados de 46 companhias controladas pela União, mostrou que 18 dessas estatais receberam R$ 17 bilhões em aportes no ano passado, quase a metade do que se gastou com o Bolsa Família.

Numa perspectiva temporal mais longa, o custo fica ainda mais evidente —em 10 anos são quase R$ 200 bilhões, um quarto do que se espera obter com a reforma da Previdência no mesmo período.

Nem tudo é fracasso, porém. Há avanços nas vendas de subsidiárias da Petrobras, com o objetivo de fomentar concorrência no refino e transporte de combustíveis.

O BNDES, ademais, vem reduzindo sua carteira de ações, que também abrange empresas privadas. Apenas com a venda de um lote de ações da Vale foram arrecadados R$ 10 bilhões há poucas semanas.

Mas a esta altura é preciso colher resultados mais céleres com a venda ou liquidação de várias dessas participações diretas. Não parece certo que será assim, já que até aqui o que prevaleceu foi a tendência estatista do presidente Jair Bolsonaro e de seu núcleo militar.

A política da exclusão – Opinião | Folha de S. Paulo

Retirada de homenagem oficial a personalidades negras soa a medida persecutória

A Fundação Cultural Palmares, entidade federal que tem entre suas finalidades primordiais a promoção da cultura afro-brasileira, publicou nota anunciando a remoção de 27 nomes de sua lista de Personalidades Negras —todos eles, desnecessário dizer, homenageados em períodos anteriores ao mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Entre os excluídos estão intelectuais e artistas com amplo reconhecimento nacional e internacional e notória contribuição para o enriquecimento da cultura brasileira —que tem em sua matriz africana um patrimônio inestimável.

Basta citar a escritora Conceição Evaristo, a cantora Elza Soares, os compositores Gilberto Gil e Martinho da Vila e a ambientalista e ex-senadora Marina Silva para que se tenha a dimensão do despautério.

É conhecido, infelizmente, o diapasão ideológico obtuso e retrógrado que tem norteado a atuação de diversos órgãos do governo federal em sua guerra contra conquistas civilizatórias identificadas como articulações de um fantasmagórico marxismo cultural que estaria a assombrar o mundo.

Tem sido assim, por exemplo, na recorrente negação da ciência, no desmonte de controles ambientais, na inércia regressiva da área da educação ou no antiglobalismo tosco da diplomacia oficial.

A indicação de Sérgio Camargo para presidir a Fundação Palmares ficará como um dos emblemas dos disparates do bolsonarismo. Trata-se de um negro que parece ter sido alçado ao cargo apenas como provocação a movimentos militantes.

Camargo tem pautado sua atuação pelo revisionismo histórico, que inclui o questionamento do racismo, e por um impulso lúgubre de apagar conquistas notáveis da população afro-brasileira e de seus representantes.

Como outros expoentes do governo federal, parece viver num mundo paralelo, descolado dos fatos e evidências históricas.

Suas explicações para a exclusão dos homenageados —entre as quais uma portaria que passa a restringir a distinção a pessoas mortas— soam como meros artifícios para dar seguimento aos objetivos persecutórios que tem implantado na instituição.

Mais que justificadas, as reações de personalidades, negras ou não, que se manifestaram contra a decisão sublinham a anomalia instaurada na Fundação Palmares pelo radicalismo bolsonarista.

País deve ter competição sem restrições em 5G – Opinião | Valor Econômico

Governo deve zelar pelos interesses nacionais e talvez o ocaso de Trump possa alimentar uma postura mais serena em Brasília

Há sinais recentes - ainda sem amparo em declarações públicas e gestos concretos - de que o presidente Jair Bolsonaro estaria propenso a contrariar a pressão do governo Donald Trump e não banir a chinesa Huawei como fornecedora para a infraestrutura de 5G no Brasil. Seria mesmo uma ótima notícia que, pelo menos nessa questão, Bolsonaro esteja se libertando da cegueira ideológica alimentada por muitos de seus auxiliares e consiga decidir com base unicamente nos interesses nacionais. Porém, considerando o gosto do presidente por teses radicais e brigas desnecessárias, deve-se enfatizar sempre a necessidade de perseguir critérios técnicos e barganhas favoráveis ao país na definição sobre os equipamentos da rede de quinta geração de telefonia celular.

Como se sabe, por causa da velocidade até 50 vezes maior que a atual e da baixíssima latência (tempo entre o envio de um comando e o recebimento do outro lado), a tecnologia 5G abre espaço para novas funcionalidades em diversos campos do conhecimento. Cidades inteligentes, carros autônomos, cirurgias remotas são apenas alguns exemplos. A elevada interconexão aumenta também a vulnerabilidade e, por isso, a cibersegurança se tornará um fator de risco cada vez mais importante. Sem falar na possibilidade, já existente, de roubo de dados de governos, forças militares, corporações e indivíduos.

Essas ameaças justificam preocupações em torno de uma rede limpa e segura. Invasões e espionagem são ilícitos com consequências crescentemente graves. Não importa se podem partir de Pequim ou do Vale do Silício, da Escandinávia ou de qualquer milícia digital. É um novo desafio para governos de todo mundo. E a encruzilhada imposta pela nova infraestrutura de 5G merece cuidados.

Diante de tal contexto, soou o alarme de muitos países com a Huawei, que é 100% privada, mas frequentemente vista como um apêndice do Partido Comunista Chinês. Essa desconfiança tem sido alimentada por Trump e pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, que criaram a iniciativa Clean Network com o autodeclarado objetivo de “enfrentar as ameaças de longo prazo à privacidade de dados” e proteger informações sensíveis contra o risco de ataques por “atores malignos, como o PCC”.

No mês passado, durante a visita de um enviado de Pompeo a Brasília, o governo brasileiro declarou apoio aos “princípios” da Clean Network. As hostilidades à China proclamadas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), o filho 03 do presidente, e referências jocosas de autoridades do primeiro escalão ao “comunavírus” durante a pandemia de covid-19 levaram à percepção de que o país se encaminhava inevitavelmente para um banimento da Huawei - como, aliás, já fizeram Reino Unido, Austrália e Japão, entre outros.

Vários aspectos, no entanto, precisam ser consideradas na decisão do Brasil. Primeiro: com dimensões continentais e acesso ainda restrito de boa parte da população à internet rápida, o custo de instalação da nova rede de infraestrutura 5G (comutadores, roteadores, antenas, cabos, centrais) ganha importância, vis-à-vis os países ricos. Segundo: as redes de 3G e 4G já instaladas pelas operadoras brasileiras têm elevada participação da Huawei. Se houver necessidade de troca, pode haver não só encarecimento, mas atraso na incorporação das plataformas 5G. Terceiro: a Constituição Federal e o arcabouço legal não deixam espaço para vetos a uma empresa específica. Não há nada, aqui, como o Comitê de Investimentos Estrangeiros (CFIUS) nos Estados Unidos - que analisa as implicações da presença externa na segurança nacional.

Se houver evidências de que as redes da Huawei têm brechas para invasões e expõem o Brasil, obviamente será preciso considerar restrições integrais ou parciais. Até agora, no entanto, nenhuma vulnerabilidade técnica restou demonstrada. O histórico, inclusive, pesa contra os americanos - em 2013, veio à tona como a Agência Nacional de Segurança (NSA) espionava, a partir de Washington, dos e-mails da então presidente Dilma Rousseff aos segredos da Petrobras no pré-sal.

Para além das questões técnicas, existe o fator geopolítico. Trata-se de uma corrida pela liderança tecnológica no século XXI e os Estados Unidos têm a aspiração de, no mínimo, desacelerar a emergência chinesa. O melhor para o Brasil, nessa disputa, é manter-se neutro e explorar benefícios potenciais para a sua economia. Em vez de alinhamento cego a um dos lados, o governo brasileiro deve zelar pelos interesses nacionais e explorar bons caminhos de negociação. Talvez o ocaso de Trump possa alimentar uma postura mais serena em Brasília.

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