quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Partidos traçam estratégias para sobreviver à cláusula de barreira


Siglas pequenas articulam federação partidária e puxadores de voto para superar cláusula de barreira em 2022

Desempenhos obtidos nas disputas de 2018 e 2020 servem de alerta para siglas como PCdoB, PV, Cidadania, Avante, Novo e PSC

Sérgio Roxo – O Globo

SÃO PAULO —  A aprovação de uma lei para permitir a formação de federações partidárias e a escalação dos principais quadros para disputarem vagas de deputado federal estão entre as estratégias já traçadas por legendas pequenas para tentar superar a cláusula de barreira mais rigorosa da eleição de 2022.

Os desempenhos obtidos nas disputas de 2018 e 2020 servem de alerta para siglas como PCdoB, PV, Cidadania, Avante, Novo e PSC. A cláusula de barreira é um mecanismo adotado para reduzir a fragmentação partidária no país e será implantada de forma gradual até 2030.

Em 2022, ficarão sem acesso a recursos dos fundos partidário e eleitoral e a tempo de propaganda eleitoral as legendas que não obtiverem pelo menos 2% dos votos válidos na eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em um terço das unidades da federação, com 1% dos votos válidos em cada uma delas. Outra opção para escapar do corte é eleger pelo menos 11 deputados, distribuídos em um terço das unidades da federação. 

Partidos menores estudam lançar seus principais nomes a deputado federal em 2022, de modo a contar com “puxadores de voto” que garantam uma bancada com número suficiente para superar a cláusula.

A alternativa da federação partidária, por outro lado, enfrenta a resistência de partidos maiores. O expediente ficou fora da reforma eleitoral, aprovada em 2017, que vetou a coligação entre partidos nas eleições para o Legislativo. Instituída a partir de 2020, a proibição das coligações foi considerada um avanço por reduzir a fragmentação partidária nas câmaras de vereadores eleitas em novembro, e o cenário deve se repetir no Congresso em 2022.

No caso das federações, diferentemente da coligação, a aliança partidária formada na campanha estaria obrigada a atuar conjuntamente no Legislativo nos quatro anos seguintes — argumento usado pelos defensores da ideia para mostrar que não haveria um retrocesso na salada ideológica que marca a política brasileira. Outra vantagem do fim das coligações foi extinguir a situação em que um voto contribuía para a eleição de candidatos de partidos sem afinidade entre si.

— As federações partidárias permitem flexibilizar as alianças, mas seguem o discurso de enxugamento de legendas. O PCdoB agiria nessa direção — defende Walter Sorrentino, vice-presidente do partido, que não superou a cláusula de barreira há quatro anos e acabou se fundindo com o PPL.

O PV, outro partido que enfrenta o risco de não cumprir a cláusula de barreira, tem conversado com o PCdoB sobre a viabilização da federação de partidos. Na eleição de 2018, os verdes obtiveram 1,63% dos votos válidos para deputado federal. Se repetirem o desempenho, não ultrapassarão a barreira e ficarão sem recursos públicos e tempo de TV. Na disputa municipal de 2020, o PV teve 1,87% dos votos para vereador no país.

Existe resistência à ideia dos nanicos entre lideranças dos maiores partidos na Câmara. Enquanto líderes de MDB, PSDB e DEM dizem não estar debatendo o assunto, o Republicanos é contra. O presidente Marcos Pereira afirmou que sua sigla “é a favor de manter (a legislação) como está”.

O líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), afirmou que o partido é contra a volta das coligações e qualquer flexibilização da cláusula de barreira, mas que apoia o debate sobre federações:

— A federação é de caráter nacional e tem a duração de quatro anos. Se dois partidos se unem, terão uma liderança, um só fundo eleitoral e partidário. Uma coisa só, no Brasil todo.

Outra sigla ameaçada pela cláusula de desempenho, o Novo pretende colocar como “prioridade absoluta” a eleição para deputado federal em 2022, mesmo que isso signifique abrir mão das disputas para governador e senador.

— O que temos definido como estratégia, bem alinhado inclusive com superar a cláusula de barreira, é que o foco principal nosso vai ser eleger deputados federais. Está pacificado dentro do partido e essa vai ser estratégia para 2022 — afirma o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.

Se repetir o desempenho da eleição de 2018, o Novo ultrapassa a cláusula de barreira. O partido teve 2,41% dos votos válidos na ocasião.

O PSOL é outro partido sob risco. A legenda teve 1,64% dos votos para vereador em 2020, mas se apega aos 2,85% dos votos válidos obtidos na disputa para deputado federal em 2018.

— Vamos nos preparar para superar a cláusula em 2022, mas considerando os resultados de 2018 e 2020, estamos otimistas — afirma Juliano Medeiros, presidente do PSOL, ressalvando considerar a legislação “antidemocrática”.

Reconfiguração

A cientista política Lara Mesquita, do Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a cláusula de barreira tende a provocar uma reconfiguração do quadro partidário brasileiro depois da eleição de 2022.

— Não espero muitas fusões neste primeiro momento. Quem superou a cláusula de desempenho em 2018 ainda tem acesso a recurso para fazer campanha, e esses partidos só vão se fundir depois da campanha de 2022 — projeta Mesquita, explicando a motivação da legislação. — Todas as democracias do mundo adotam, de uma maneira geral, uma cláusula de barreira porque não funciona um Parlamento com tantos partidos. Dificulta a governabilidade, a racionalidade da formação de uma coalizão de governo.

Mudanças desde os anos 1990

A cláusula de barreira é uma tentativa de acabar com os partidos nanicos, de aluguel ou sem representatividade. O mecanismo havia sido aprovado pelo Congresso em 1995, por meio de um projeto de lei, para vigorar a partir das eleições de 2006. O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, considerou, por unanimidade, o dispositivo inconstitucional em dezembro daquele ano.

Dos 29 partidos existentes na época, apenas sete tinham ultrapassado a chamada cláusula de desempenho nas eleições de 2006. Na ocasião, os ministros concluíram que o mecanismo feria o direito das minorias, expresso na Constituição.

Em 2017, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição restabelecendo a cláusula de barreira. A mesma reforma política acabou com as coligações proporcionais a partir das eleições de 2020 — outra iniciativa para tentar barrar partidos sem representatividade. Atualmente, há 33 legendas no país.

A PEC aprovada em 2017 também vedou a possibilidade de os partidos formarem federações a partir de 2020, como forma de contornar a cláusula de barreira. É esse artifício que os pequenos partidos se articulam para aprovar agora.

A decisão do Supremo, em 2006, de enterrar a cláusula de barreira surpreendeu e decepcionou cientistas políticos na ocasião. A medida foi considerada ruim para a democracia ao permitir a pulverização de partidos.

Deputados e senadores de partidos maiores, por sua vez, consideraram na época a decisão do STF um retrocesso e avaliaram que ela feria frontalmente a vontade do Congresso.

Entre os partidos que não tinham superado a cláusula de barreira nas eleições de 2006 e se empenharam para o seu fim estavam PSOL, PPS, PC do B, PV e o PRB do então vice-presidente da República José Alencar, que defendeu diversas vezes o fim da regra. (Colaborou Guilherme Caetano)

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