sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Poesia | Antonio Machado - O crime foi em Granada

 

(A Federico García Lorca)

 I. O crime

Viram -no, caminhando entre fuzis

por uma longa estrada,

sair ao campo frio,

ainda com estrelas, madrugada.

Mataram a Federico

quando a luz já se elevava.

O pelotão de verdugos

não ousou olhar sua cara.

Todos fecharam os olhos;

rezaram: nem Deus te salva!

Morto caiu Federico

– sangue na fronte e chumbo nas entranhas –

...Foi lá em Granada o crime,

sabei – pobre Granada – , em sua Granada.

II. O poeta e a morte

Viram-no caminhar a sós com Ela,

sem temer sua gadanha.

– Já o sol de torre em torre; e já os martelos

na bigorna – metal, metal das fráguas.

Falava Federico,

galanteando a morte. Ela o escutava.

“Porque ontem no meu verso, companheira,

soava o golpe de tuas secas palmas,

e deste o gelo ao meu cantar, e o gume

de tua foice de prata à minha desgraça,

te cantarei a carne que não tens,

os olhos que te faltam,

teus cabelos que o vento sacudia,

os rubros lábios em que te beijavam...

Hoje como ontem, morte, minha cigana,

que bom estar só contigo ,

por estes campos de Granada, minha Granada!”

III.

Viram-no caminhar...

Talhai, amigos,

de pedra e sonho, lá no Alhambra

um túmulo ao poeta,

sobre uma fonte na qual chore a água,

e eternamente diga:

foi em Granada o crime, em sua Granada!

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