segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Poesia | Ferreira Gullar - Arte poética

Não quero morrer não quero 
apodrecer no poema 
que o cadáver de minhas tardes 
não venha feder em tua manhã feliz 
e o lume 
que tua boca acenda acaso das palavras 
- ainda que nascido da morte - 
some-se aos outros fogos do dia 
aos barulhos da casa e da avenida 
no presente veloz 

Nada que se pareça 

a pássaro empalhado, múmia 
de flor 
dentro do livro 
e o que da noite volte 
volte em chamas 
ou em chaga 

vertiginosamente como o jasmim 

que num lampejo só 
ilumina a cidade inteira. 

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