quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Ribamar Oliveira - O novo problema no teto de gastos

- Valor Econômico

Descasamento de índices prejudica 2021 mas ajuda em 2022

Para dificultar ainda mais a sustentabilidade do teto de gastos - a única âncora fiscal do país - surgiu um novo problema que estava fora do radar de todos. O descasamento entre o índice que corrige o limite anual para as despesas da União e o índice que corrige o salário mínimo e, consequentemente, os gastos previdenciários e assistenciais. Este é o grande imbróglio deste fim de ano na área fiscal.

O problema não decorre do fato de que o teto de gastos é corrigido pelo IPCA, e o salário mínimo, pelo INPC. Mas, sim, da periodicidade dos reajustes. A emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos, determina que o limite anual para a despesa da União será corrigido pelo IPCA acumulado no período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária. Já o salário mínimo, é corrigido em janeiro de cada ano pelo INPC acumulado no ano anterior.

Para 2021, o teto de gastos foi corrigido em 2,13%, que foi o índice acumulado do IPCA de julho de 2019 a junho de 2020. O salário mínimo será corrigido por um INPC que poderá superar 5%. A última previsão do governo foi de que o índice ficaria em 4,2%. Mas, ela foi feita antes da decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de acionar a bandeira vermelha patamar 2 em dezembro.

Só essa medida deverá impactar a inflação em 0,5 ponto percentual, estimam técnicos oficiais. Em novembro deste ano, o INPC foi pressionado, principalmente, por altas dos alimentos, com o índice ficando em 0,95%. No acumulado de janeiro a novembro, o índice já está em 3,93%. Quanto mais elevado for o INPC neste ano, maior será a dificuldade para o governo federal cumprir o teto de gastos em 2021.

Em resumo, a situação é a seguinte: o teto de gastos para 2021 foi reajustado em apenas 2,13%, enquanto as despesas previdenciárias e assistenciais, que são obrigatórias, poderão ser aumentadas em mais de 5%, dependendo do INPC deste ano. Se as principais despesas vão crescer mais, o teto ficou muito mais apertado do que era antes.

A primeira pergunta que se coloca é porque a EC 95/2016 estabeleceu esse descasamento entre os índices que reajustam o teto e o salário mínimo. Na verdade, a proposta que saiu da equipe econômica do ex-presidente Michel Temer reajustava o teto pelo IPCA “cheio” do ano anterior ao da lei orçamentária. Ou seja, pelo IPCA acumulado de janeiro a dezembro do ano imediatamente anterior.

A periodicidade foi alterada durante a tramitação da proposta no Congresso. A mudança foi feita para que, no momento da elaboração da proposta orçamentária, que ocorre de julho a agosto de cada ano, o Executivo e os demais Poderes da República já tivessem clareza do espaço que teriam para gastar no ano seguinte, ou seja, qual seria o seu limite individual para as despesas no exercício.

Uma das preocupações que motivaram a mudança foi a de evitar a adoção de um IPCA superestimado durante a elaboração e votação da proposta orçamentária, o que obrigaria cortes posteriores para que as despesas ficassem dentro do teto durante a execução do Orçamento.

Uma fonte da equipe de Temer disse ao Valor que foram feitas várias simulações sobre o descasamento. Elas mostraram a necessidade de aprovar medidas de contenção das despesas e deixar um espaço nos gastos discricionários (investimentos e custeio da máquina) para acomodar eventuais oscilações do descasamento.

Em 2018, por exemplo, o descasamento ajudou a cumprir o teto de gastos. Em maio daquele ano houve uma greve geral dos caminhoneiros que paralisou o país. Por causa dela, os preços dispararam em maio e junho, elevando o IPCA, que corrige o teto. Em seguida, a inflação caiu, reduzindo o INPC. Isso permitiu uma situação mais folgada em 2019, o primeiro do atual governo.

Se o descasamento dos índices torna muito difícil cumprir o teto de gastos em 2021, ele ajudará a cumprir o teto em 2022. Essa é a grande contradição de toda a história. Desde julho deste ano, a inflação ganhou impulso, por uma série de razões. Os especialistas acreditam, no entanto, que ela vai perder ímpeto no início do próximo ano, atingindo o seu pico (no acumulado em 12 meses) em meados do ano, com queda acentuada a partir daí.

Ou seja, muito provavelmente, o IPCA que reajustará o teto de gastos para 2022 ficará bem acima do INPC que aumentará o salário mínimo e as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais. Por causa dessa questão estatística, o teto vai “esticar”, o que poderá facilitar o seu cumprimento no último ano do governo Bolsonaro. Desse ponto de vista, o grande desafio será cumprir o teto no próximo ano. “A questão é como fazer a travessia de 2021”, disse uma fonte.

A proposta orçamentária para 2021, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto passado, utilizou um INPC de apenas 2,09% para corrigir o salário mínimo. Não é nem a metade do índice que será registrado neste ano. Assim, as despesas previdenciárias e assistenciais que foram programadas para o próximo ano estão subestimadas e terão que ser corrigidas. As estimativas preliminares indicam que os gastos deverão aumentar cerca de R$ 17 bilhões. Este seria o tamanho do corte nas despesas discricionárias necessário para cumprir o teto.

As fontes oficiais ouvidas pelo Valor advertiram, no entanto, que os cálculos ainda estão sendo realizados e dependem de informações da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho. Há indicações concretas de que a despesa com benefícios previdenciários neste ano - que serve de base para a projeção da despesa em 2021 - vai ficar bem abaixo do que estava inicialmente previsto. Fala-se que o gasto poderá ser menor em mais de R$ 7 bilhões. Provavelmente, isto está relacionado ao fato de que, durante a pandemia, muitos benefícios previdenciários não foram concedidos.

É difícil saber qual será a realidade do próximo ano nessa área. O governo vai tentar reduzir o imenso estoque de pedidos de benefício atualmente existente? Ou a pandemia continuará impedindo o atendimento da justa demanda dos cidadãos?

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