quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Eugênio Bucci* - A democracia brasileira vai mal, só uma frente pode salvá-la

- O Estado de S.Paulo

Se abrirem mão de suas picuinhas fratricidas, as oposições serão úteis ao Brasil

Acaba de sair o Democracy Index 2019, preparado pela revista inglesa The Economist. Não se trata de uma publicação socialista ou “de esquerda”. Ao contrário, o semanário secular é uma das mais sólidas referências liberais no mundo democrático. A Economist, que gosta de se identificar como um “jornal” (um newspaper), era até outro dia a bíblia periódica da política mundial na opinião de muita gente que hoje apoia o governo brasileiro. Essa gente deveria ler outra vez “o” Economist e entender por que, segundo o Democracy Index 2019, a democracia brasileira não vai nada bem.

O levantamento aponta um declínio das garantias democráticas em escala global, mas a situação do nosso país é particularmente preocupante. De 2018 a 2019 o Brasil registrou uma queda de 6,97 para 6,86 na pontuação (a escala vai de 0 a 10) e vem classificado como “democracia falha”. Um dos pontos críticos para essa nota ruim é o tópico “funcionamento do governo”, um dos cinco avaliados pelo ranking. Nesse quesito, a nota brasileira marcou apenas 5,36 pontos.

Não que a gente precise das métricas da Economist para saber que a coisa não anda direito no governo brasileiro. Outro dia, autoridade federal responsável pela área da cultura gravou um vídeo macaqueando um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. Em sua imitação mal feita, o então secretário conclamou os concidadãos a uma estética nacional-populista-patriotária e usou como fundo musical de seu pronunciamento-decalque um trecho da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, o predileto de Adolf Hitler. Para ele, o nacionalismo brasileiro dança conforme a linha melódica cultuada pelo III Reich.

William Waack - Decidindo o dilema

- O Estado de S.Paulo

O Legislativo está decidindo pelo Executivo qual é agora a reforma prioritária

Para um governo que demonstra dificuldades em afinar o foco, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez um grande favor. Quer que a reforma tributária comece a ser tratada como prioridade já na semana que vem, quando termina o recesso parlamentar. Se o Executivo ponderava ainda com qual começar entre as várias ambiciosas reformas que pretende, o Legislativo definiu.

Encontros para tratar de um texto único (são três conjuntos de propostas, mas a conhecida como PEC 45, do tributarista Bernard Appy) envolvendo relatores, deputados, senadores e especialistas – o cerne de uma Comissão Especial – começaram na terça-feira e vão pelo fim de semana. A ambição: votar até junho. Depois são férias e, na sequência, os senhores parlamentares vão se dedicar às eleições municipais. Ou seja, o prazo é dos mais apertados.

O sentido de urgência aumentou também com as demandas dos governadores, para os quais o socorro financeiro proposto pela União dentro de um novo Pacto Federativo foi por eles declarado insuficiente, e terá de ser reexaminado em função do impacto que simplificação e/ou novos tributos terão sobre arrecadação. Junte-se a isso reforma administrativa e PEC Emergencial, que pretendem, por outras vias, lidar com a questão fiscal, e tem-se o tamanho do trabalho político para o governo.

José Pastore* - Você perderá seu emprego para a automação?

- O Estado de S.Paulo

Entre 2020 e 2022, estima-se que 42% dos conhecimentos requeridos pelas profissões atuais serão modificados

Os estudos sobre os impactos das tecnologias sobre o trabalho são contraditórios. Ao lado dos catastrofistas que preveem uma grande destruição de empregos nos próximos dez anos (Carl B. Frey e Michael A. Osborne, The future of employment, 2013), há os otimistas que enxergam mais empregos gerados do que eliminados (Philippe Aghion e colaboradores, What are the labor and product market effects of automation?, 2020).

Na semana passada, os especialistas reunidos no Fórum Econômico Mundial assumiram duas posições realistas. Na primeira, reconheceram haver um consenso sobre a necessidade de requalificar os trabalhadores para o mundo do futuro. Na segunda, apontaram a importância da participação das empresas nesse processo. E, de modo ousado, lançaram a meta de requalificar 1 bilhão de trabalhadores entre 2020 e 2030!

Durante o encontro foram citados vários exemplos de participação das empresas, tais como o movimento Pledge to America’s Workers, nos Estados Unidos, no qual 400 firmas estão requalificando 15 milhões de trabalhadores; o programa de requalificação da British Telecom (BT), que faz o mesmo com 10 milhões de profissionais; e a empresa PwC, que está investindo US$ 3 bilhões em requalificação de funcionários e usuários de seus serviços.

Luiz Carlos Azedo - O poder das intrigas

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Quanto mais poderosos seus protagonistas, mais perigosas são as disputas palacianas, agora operadas com fake news, por meio das redes sociais.”

Um dos episódios mais espantosos da política brasileira foi a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, uma data simbólica: o Dia do Soldado. Às voltas com um Congresso dominado pela oposição, após ter sido denunciado, na televisão, pelo seu maior eleitor, o governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo, precipitando o Brasil numa crise sem precedentes, que não foi contida pelo seu sucessor, João Goulart, e acabou desaguando no golpe militar de 1964.

A sua renúncia tem duas interpretações relevantes: uma é a dele próprio, seis meses antes de morrer, em 1991, em depoimento ao neto homônimo, autor da biografia Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil. Depois de 50 anos de silêncio, disse que a renúncia não deveria ter existido: “A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela seria de fato executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana. O maior erro que já cometi…”

Jânio arquitetou um plano que julgava infalível, em meio a intrigas palacianas protagonizadas por assessores muito próximos, que se digladiavam. Primeiro, mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China, para afastá-lo das articulações políticas. Presidente e vice podiam ser eleitos por partidos diferentes, até adversários (Goulart elegeu-se com 36% dos votos, graças a uma manobra dos sindicalistas paulistas, que montaram a chapa pirata “Jan-Jan”). Jânio escreveu a carta-renúncia no dia 19 e entregou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Estava confiante de que não haveria ninguém para assumir o cargo e, por isso, voltaria ao poder mais forte, nos braços do povo, com apoio dos governadores e dos militares.

Maria Hermínia Tavares* - De sapato na praia

- Folha de S. Paulo

Em Davos, Paulo Guedes adotou o arcaico discurso sobre a incompatibilidade entre crescimento e preservação ambiental

Na mesma semana em que o Fórum Econômico Mundial, reunido em Davos, colocou a crise ambiental no centro de sua agenda, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) de Basileia chamou a atenção dos bancos centrais para o imperativo de se prepararem para os graves prejuízos financeiros certamente provocados pelas catástrofes climáticas que se avizinham.

A discussão não é nova. Em 2006, o Relatório Stern, que levou o nome do economista e parlamentar que presidiu uma comissão criada pelo governo britânico sobre o aquecimento global, estimou pela primeira vez as perdas econômicas dele resultantes —demonstrando serem bem maiores que os custos de evitá-lo.

À época, o impacto do trabalho se restringiu a especialistas e militantes da causa ecológica. Desde então, porém, a rapidez da degradação ambiental e o acúmulo de evidências científicas sobre suas causas e seu alcance mudaram os termos do debate e multiplicaram o número de pessoas e organizações internacionais nele envolvidas.

Fernando Schüler* – Deirdre

- Folha de S. Paulo

Livre fluxo de ideias e inventividade humana, não capital, geopolítica ou educação formal, estão na base da prosperidade

Deirdre McCloskey visita o Brasil nesta semana. Concorde-se ou não com suas ideias, é alguém que merece atenção. Ela é autora de uma trilogia monumental, “Bourgeois Virtues”, sobre a formação do mundo moderno, e recentemente lançou “Why Liberalism Works”, com um bom resumo de suas visões, ainda sem tradução no Brasil.

Não faço ideia da razão pela qual a palestra que daria na Petrobras foi cancelada. O que é irrelevante, visto que todos, como sempre, já sabem de tudo, não é mesmo? Mas o episódio me dá uma boa pista sobre como começar explicando quem é a sra. McCloskey.

Em primeiro lugar, é uma liberal em tempo integral. Não brinca com essa história de separar a liberdade econômica das liberdades na cultura e nos costumes. O liberalismo nasce do direito de dizer “não”. Ponto. Seu vértice é a “igualdade de consideração e respeito.”

Vem daí seu horror a qualquer forma de reacionarismo, à esquerda e à direita, e seu mau humor com o bolsonarismo. Em especial sua ideia de inflexionar políticas públicas para a “maioria cristã”, real ou imaginária.

O liberalismo, na sua visão, não se situa em algum ponto intermediário entre esquerda e direita. Socialistas e conservadores gostam do Estado, por diferentes razões. Liberais gostam do fluxo espontâneo da vida. Isso vale tanto para quem quer enquadrar aplicativos de transporte na CLT, padronizar as escolas ou dizer que tipo de arte vale e qual a estrutura “verdadeira” de uma família.

Vinicius Torres Freire – Gasto militar aumenta com Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Investimento em Defesa é o maior do governo

O investimento em obras e compras de equipamentos do governo federal aumentou no ano passado.

Por fora, bela viola: foi surpresa grande, pois se esperava queda feia dessas despesas. Por dentro, pão bolorento: o investimento cresceu porque o governo aumentou em mais de R$ 10 bilhões o capital de três estatais: Emgepron, Infraero e Telebras. Em suma, porque os gastos militares cresceram bem.

A Emgepron é uma estatal da Marinha que, basicamente, faz navios. Em 2019, o governo colocou R$ 7,6 bilhões na empresa a fim de construir corvetas (navios de guerra) e um barco para uso na Antártida.

No total, o gasto federal em investimento foi de R$ 57,3 bilhões no ano passado, 2,3% mais do que em 2018, já descontada a inflação.

Desse total, o Ministério da Defesa ficou com 28,7% (R$ 16,5 bilhões, incluídas as “inversões financeiras” do aumento de capital da Emgepron), um aumento de 36% em relação a 2019. Em segundo lugar ficou o Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 10,5 bilhões), seguido pela Infraestrutura (R$ 9,2 bilhões).

Ressalte-se que se trata aqui do gasto em investimento, que equivale a apenas 3,9% do gasto federal total, que foi de R$ 1,47 trilhão (não inclui a despesa com juros, que desde 2014 nem é parcialmente paga, apenas rolada).

Bruno Boghossian – Dedo podre

- Folha de S. Paulo

Máquina pública continua refém de obsessões ideológicas e desavenças particulares

Dias antes de demitir Ricardo Vélez, o presidente disse achar “bastante claro” que as coisas não estavam dando certo no Ministério da Educação. Em três meses no cargo, o professor colombiano provocou um apagão na pasta e tentou obrigar crianças a recitarem o slogan de campanha do chefe. Até Jair Bolsonaro precisou admitir que faltava ao auxiliar capacidade de gestão.

Nenhuma lição foi aprendida naquele episódio, como se vê. O presidente exaltou a própria coragem ao se livrar de um ministro incapaz, mas decidiu substituí-lo pelo indivíduo que agora pilota o caos do Enem.

As demissões e trocas de comando executadas por Bolsonaro neste seu período inicial no poder foram tão improdutivas quanto muitas de suas nomeações. A máquina pública continua sequestrada pelas obsessões ideológicas e desavenças particulares do presidente.

Ricardo Noblat - De namoradinha do Brasil a primeira-dama da Cultura

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro seduziu Regina, e não o contrário

Questões de fé não se discutem. Cada um tem o direito de acreditar no que quiser e deve ser respeitado por isso – ponto final.

A atriz Regina Duarte já acreditou que Fidel Castro, o ditador cubano, foi um grande estadista – e na época, ninguém a contrariou.

Confessou que Lula lhe causava medo quando apoiou em 2002 a candidatura a presidente de José Serra (PSDB).

No ano passado, por declarar-se conservadora, votou em Jair Bolsonaro para presidente. Ele lhe inspirava confiança, como disse.

Natural que tenha aceitado o convite dele para namorar, noivar e proximamente casar, como anunciou, ontem, o presidente.

Tanto mais porque, para ela, comandar a Secretaria de Cultura é uma missão divina. “Recebi um chamado”, ela comentou com seus filhos.

São três filhos: a atriz Gabriela Duarte Franco, o produtor André Duarte Franco e o cineasta João Ricardo Duarte Gomez.

De alguma forma, os três se sacrificarão pela mãe. Imagine se um deles se beneficiasse de incentivos concedidos pela Secretaria de Cultura.

Maria Cristina Fernandes - Pressão sobre o MEC contamina federação

- Valor Econômico

Escolha do substituto de Weintraub definirá, em grande parte, se, no segundo ano de governo, Bolsonaro optará por fazer entregas ou se continuará a fazer muito barulho por nada

O desastre do Enem deu clamor nacional ao epicentro da crise que abrirá o ano legislativo. Se o país está na contagem regressiva para a saída do ministro Abraham Weintraub, é o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que mais inquieta os parlamentares.

É lá que está o cofre do MEC. Tirando a folha de salários da Pasta, o resto passa pelo FNDE, do ônibus escolar à compra de laptops. O orçamento deste ano é de R$ 30 bilhões, o que o equipara ao do Bolsa Família. Seu comando é mais volátil do que o do MEC. Teve três titulares ao longo do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. O primeiro foi um professor da FGV, indicado por militares. Às vésperas da aprovação da reforma da Previdência, o condomínio DEM/PP emplacou um ex-presidente da Funasa, o “ministério que fura poço”, da gestão Michel Temer, e próximo tanto do secretário de Transportes Metropolitanos do governo de São Paulo, Alexandre Baldy (PP) quanto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).

Maia, Guedes e governadores contra Weintraub
Na última semana do ano, Weintraub mexeu de novo. Colocou no comando uma das diretoras do fundo, concursada do MEC. A troca azedou o Natal de muita gente no Congresso. O FNDE sempre foi domínio do DEM. O balcão foi derrubado na gestão petista mas acabou remontado nos achaques que marcaram a trepidante segunda gestão de Dilma Rousseff.

O gabinete do presidente do FNDE é um dos mais procurados pelas caravanas de prefeitos em Brasília e pelos parlamentares que os ciceroneiam. Juntos, destravam tanto verbas de municípios bloqueados por erros nas prestações de contas quanto de outros que mantêm redes viciadas de fornecedores de merenda ou uniforme escolares. Weintraub espicaçou ambos ao entregar, durante o recesso, ônibus escolares viabilizados por emendas parlamentares de anos atrás sem avisar aos seus autores.

Ribamar Oliveira - Parlamentarismo orçamentário

- Valor Econômico

Agora, é o ministro que vai atrás do parlamentar

O Congresso criou, nos últimos anos, o que já está sendo chamado na área técnica de “parlamentarismo orçamentário”. Além de toda a peça orçamentária ter se tornado impositiva, mais de 50% dos investimentos da União foram alocados no Orçamento de 2020 por meio de emendas parlamentares. Isto significa que deputados e senadores vão dizer, neste ano, na maioria dos casos, onde e em que obras as verbas serão gastas.

A nova realidade orçamentária abrirá a primeira crise entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional neste início de ano legislativo. Já está negociada pelas principais lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado a derrubada do veto do presidente da República ao artigo 64-A da lei 13.957, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020.

A lei 13.957 torna obrigatória as emendas ao Orçamento feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral. O artigo 64-A, motivo da disputa entre Executivo e o Congresso, determina que a execução das programações das emendas deverá observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.

Traduzindo o economês, o parlamentar é que vai indicar o órgão para onde os recursos de suas emendas serão destinados, as obras ou serviços que serão realizados e, em caso de contingenciamento das dotações orçamentárias, qual é a ordem de prioridade. O parlamentar será, portanto, o verdadeiro gestor do recurso orçamentário.

Merval Pereira - Errando por último

- O Globo

Outra peculiaridade do nosso Supremo, os ministros dão opiniões públicas sobre temas que vão julgar

O ministro Luiz Fux, relator do processo sobre o juiz de garantias, está empenhado em entregar seu voto para deliberação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda na gestão do presidente Dias Toffoli, com quem teve uma discordância jurídica a respeito do assunto que levou mais uma vez a uma disputa pública entre seus membros.

Com isso, pretende colocar um ponto final nas especulações de que “sentaria em cima” do processo, para somente levá-lo ao plenário quando e se quisesse, pois em setembro assumirá a presidência do Supremo, em substituição a Toffoli.

Evidente que o que aconteceu nas últimas semanas, com plantonistas anulando-se um ao outro com liminares absolutamente desnecessárias, não é espetáculo bom de se ver na mais alta Corte do país, a que tem o direito de errar por último, segundo Rui Barbosa.

Mas tem havido muito erro junto, e com constância, apenas para fazer com que a posição individual prevaleça. Não é à toa que as decisões monocráticas são maioria no Supremo, e por isso há propostas no Congresso para limitar o número de vezes num ano em que os ministros do Supremo poderão utilizar esse recurso.

Míriam Leitão - A verdade não cabe numa caixa-preta

- O Globo

Erros do BNDES já eram conhecidos, mas Bolsonaro prometeu abrir uma tal caixa-preta e perdeu

O presidente Jair Bolsonaro queria encontrar algo escandaloso no BNDES para justificar o discurso de campanha, a demissão espalhafatosa de Joaquim Levy e a nomeação de um amigo dos filhos para o banco. Gustavo Montezano foi com a missão de encontrar a tal “caixa-preta” para alegrar o chefe. Não encontrou por vários motivos. Um deles é que o BNDES vinha aumentando o grau de transparência nas últimas gestões. A auditoria pode ter encontrado tudo no lugar nos seus pormenores, mas uma visão mais ampla sempre mostrará que custaram muito caro os erros dos governos do PT no BNDES.

O Tesouro se endividou em R$ 500 bilhões a juros altíssimos para transferir para o BNDES e ele emprestar para as empresas a taxas mais baixas. Os beneficiários dos maiores créditos foram escolhidos com o delírio dirigista que repetia a mesma ideologia da ditadura militar de subsidiar o capital para que ele fosse a alavanca do crescimento do país.

As operações com o grupo J&;F foram escandalosas. Mesmo que não houvesse corrupção —e houve, pelo que disse Joesley Batista —elas teriam sido. Os delatores do grupo disseram que não houve ato errado dos funcionários. Os servidores dizem que seguiram as diretrizes dadas por seus superiores. Como foram várias dessas operações? O grupo emitia debêntures, o banco comprava uma grande parte ou quase tudo. Com o dinheiro em caixa, a companhia adquiria ativos no exterior.

No caso da Pilgrim’s Pride, 99,9% do capital da aquisição foi do BNDES. Isso é escandaloso em si. Qual o sentido de usar o dinheiro subsidiado — fruto de endividamento público ou vindo de poupança compulsória do trabalhador (o FAT) — para que um grupo familiar fique muito mais rico e gere empregos e renda no exterior? Claro que a empresa pode fazer isso, mas não com dinheiro público. O resultado foi que o JBS ficou com mais ativos fora do que aqui dentro. A administração Maria Silvia impediu que o grupo transferisse sua sede fiscal para a Irlanda. Isso, se consumado na época, seria o golpe final no bolso do contribuinte.

Ascânio Seleme - Não dá para tirar férias

- O Globo

Com o governo Bolsonaro é bom nunca relaxar

Você imaginou que em janeiro, com aquele calorzão que deixa todo mundo meio anestesiado, não iria acontecer nada, e saiu de férias. Quatro semanas depois, abismado, se deu conta de que perdeu assuntos quentíssimos que renderiam pelo menos uma dúzia de artigos e colunas. Você se esqueceu de que com o governo Bolsonaro é bom nunca relaxar. Foi da turma federal que saíram os casos mais esquisitos de janeiro, mas não se pode ignorar as boas colaborações de Crivella, Witzel e até de Lula. Vejamos.

CARNAVAL EM JANEIRO — Para começar, o prefeito Marcelo Crivella antecipou o início do carnaval para janeiro. Mudar o calendário de Momo foi um oportunismo político em ano eleitoral do bispo que odeia o carnaval. Além de deixar Copacabana irada, a festança fora de hora acabou em caos e violência.

ABSTINÊNCIA — A inacreditável Damares Alves recomendou abstinência de sexo como forma de evitar gravidez precoce. A ministra genial não conseguiu oferecer contribuição melhor para a educação sexual de jovens.

MUITAS LETRAS — O presidente Bolsonaro reclamou que livros didáticos no Brasil “têm muita coisa escrita”. Disse que é preciso suavizar. Pode? Pode. E, pior, anunciou que vai trocar letras por imagens da bandeira do Brasil. Prato cheio para um artigo.

EX-LULINHA — E o Lula sepultou oficialmente seu alter ego Lulinha Paz e Amor. Ele rejeitou recomendação do PT para moderar o seu discurso. O sapo barbudo voltou.

CENSURA — O desembargador Benedicto Abicair censurou filme do Porta dos Fundos. Mais um aloprado julgando sem o apoio da lei. A censura foi derrubada por instância superior. Dava ou não pano para manga?

Bernardo Mello Franco - O novo papel de Regina Duarte

- O Globo

Regina Duarte aceitou colar sua imagem a um governo que flerta com a censura e hostiliza a classe artística. Agora ela será pressionada a endossar o sectarismo no poder

Para Jair Bolsonaro, foi um ótimo negócio. O presidente trocou um auxiliar obscuro, que desgastou o governo ao imitar um nazista, por uma das atrizes mais populares do país. Para Regina Duarte, talvez não seja. Ela parece empolgada com o novo papel, mas correrá riscos que nunca enfrentou nas novelas. Por vontade própria, deixará o mundo encantado das celebridades para se lançar na arena selvagem da política.

Em poucos dias, a atriz já sofreu dois arranhões em sua reputação. Primeiro surgiu a pensão de R$ 6,8 mil, bancada pelos cofres públicos. Ela perdeu o pai militar em 1981, quando já era uma das estrelas mais bem pagas da TV. No fim de semana, a revista “Veja” revelou que Regina tem pendências com a Lei Rouanet. Ela recorre para não devolver R$ 319 mil ao Tesouro.

Enquanto se dizia “noiva” do presidente, Regina escondeu o jogo. Agora que selou o casamento, terá que dizer o que pensa. Há oito meses, ela deu algumas pistas. No “Conversa com Bial”, disse que Bolsonaro a “fascinou” e que sempre foi conservadora. Na mesma entrevista, condenou o ódio na política: “Não pode xingar, não pode ser agressivo. Todo mundo tem direito a falar tudo”.

Luiz Fernando Verissimo - Ausência presente

- O Globo

Como vai a investigação sobre a morte de Marielle?

Vem aí outro carnaval, trazendo lembranças de outros carnavais, que trazem lembranças de outros, que lembram outros que, por sua vez, lembram outros, e assim por diante — ou para trás, até o primeiro tamborim. O carnaval deste ano vem carregado de memórias especiais, e não foi preciso ir muito longe para evocá-las.

Basta lembrar a Mangueira do ano passado, a Mangueira do belo samba-enredo “História pra ninar gente grande”, da Manu da Cuíca e do Luiz Carlos Máximo, com outros autores, e do inesquecível clip do samba gravado para a TV pela Cacá Nascimento. A Mangueira política, a Mangueira campeã. O começo — imaginaria você — de um levante, ou coisa parecida, contra o esquecimento que ameaçava apagar a Marielle Franco da memória nacional, não como um estorvo, mas como alguém que nunca existiu.

O samba-enredo da Mangueira de 2019 citava Marielle, entre outras guerreiras brasileiras, mas uma das alas do desfile incluía grandes retratos dela, aplaudidos pelo público. Não se espera que uma escola de samba tenha o poder de denunciar assassinos e cobrar justiça a céu aberto, mesmo com um samba empolgante, mas o que desfilou na avenida aquele dia foi a ausência da Marielle, ao som de “Marielle presente” gritado da arquibancada. A ausência presente de Marielle já dura muito. Dura desde o outro carnaval!

O que a mídia pensa – Editoriais

Ousado e casuísta – Editorial | Folha de S. Paulo

Plano de Trump sobre Israel e Palestina é ativo eleitoral para ele e Netanyahu

Após cerca de três anos, o presidente Donald Trump enfim divulgou seu plano de paz para o conflito israelo-palestino, em curso desde 1948 e no centro de vários embates do Oriente Médio moderno.

Trump ousou, e isso não é um elogio. Nenhum presidente americano havia tomado integralmente o lado de seu aliado Israel nas disputas regionais, a começar pela paz de 1979 com o Egito e nas várias negociações posteriores.

Os palestinos, divididos entre si, não foram ouvidos. Os canais entre Ramallah e Washington estão cortados desde que Trump reconheceu, em 2017, Jerusalém como capital israelense, disputa da qual a maior parte das nações se abstém.

No ano passado, um aperitivo do plano foi servido na forma da ideia de um ilusório fundo de US$ 50 bilhões para ajudar os palestinos —a ser bancado por países árabes, que historicamente fazem proselitismo acerca do conflito, mas pouco ajudam em sua solução.

No anúncio desta terça, Trump colocou o resto do pacote à mesa, muito favorável a Israel, como a presença do premiê Binyamin Netanyahu ao seu lado ratificava.

Poesia | Fernando Pessoa - Eu

Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...