domingo, 2 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Hegel* (A arte)

O Espírito, na finitude da existência, na sua limitação e na sua dependência do exterior, é incapaz de reencontrar sua verdadeira e imediata liberdade, bem como a fruição dessa liberdade, o que o obriga a procurar num plano superior a satisfação de sua exigência de liberdade. Esse plano é a arte, e a realidade da arte é o ideal.

*Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão. É, unanimemente, considerado um dos mais importantes e influentes filósofos da história. “Estética – a ideia e o ideal”, p. 77. Os Pensadores, Editora Abril Cultural, 1985.

Fernando Henrique Cardoso* - Angústias e crença

- O Estado de S. Paulo / O Globo

É pena ver o governo mergulhado em crenças atrasadas que podem prejudicar nosso destino

Fim e começo de ano são épocas de balanço pessoal, familiar, das empresas e mesmo do País. Sem maiores pretensões, direi umas poucas palavras sobre o mais geral: o que me preocupa ao ver o Brasil como nação.

Primeiro, a maior angústia coletiva: levantar o gigante de seu berço. Tarefa que vem sendo feita ao longo de gerações. É inegável que houve avanços, alguns consideráveis. Bem ou mal, de uma sociedade agrário-exportadora, que usava escravos como mão de obra, o País passou a dispor de uma economia urbano-industrial, baseada no trabalho livre. Para isso não só as migrações internas, como a imigração foram fundamentais. Com elas se acentuou nossa diversidade cultural.

Hoje somos uma nação plural, na qual a contribuição inicial dos portugueses se robusteceu muito, não apenas por havermos conseguido passar da escravidão para o trabalho livre, mas também por termos incorporado os negros à nossa sociedade (embora ainda de forma parcial) e em nossa cultura. Incorporamos também um significativo conjunto de pessoas vindas da Europa latina e de outros segmentos populacionais do continente europeu, além de árabes e asiáticos, sobretudo japoneses. E desde o início da colonização houve miscigenação com as populações autóctones.

Dado o mosaico, será que conseguimos de verdade criar uma nação consciente de seu destino comum e acreditar que ele seja bom? Esse é o desafio que explica parte de nossas incertezas. Hoje somos muitos, mais de 210 milhões de pessoas habitam o Brasil. Nossa força, como também nossas dificuldades se ligam ao tamanho dessa população: somos muitos, diferentes e desiguais. Não me refiro à desigualdade provinda da diversidade, que nos enriquece, mas da que mantém na pobreza boa parte dos nossos conterrâneos. Esta é outra fonte de nossas angústias: como envolver num destino comum, de prosperidade e bem-estar, tanta gente social, cultural e economicamente desigual? Se há algo a admirar nos Estados Unidos é que, como nação, e apesar de existirem as mesmas, e até maiores, diversidades e confrontos entre seus habitantes, eles conseguiram criar e transmitir o sentimento de que “estão juntos”. A crença nos valores da pessoa humana, da democracia e da liberdade, que a Constituição americana expressa, serviu de cimento para que os Estados Unidos avançassem.

Alberto Aggio* - Bolsonaro, ano 1

Ele veio como um terremoto, mobilizando as profundezas da sociedade. Assustou, verdadeiramente. E continua a assustar, pois o tremor que se sentiu continua, dia após dia, sob fogo cerrado de um discurso intolerante e de uma linguagem marcada pela confrontação permanente, sem remissão nem acordos. Em meio ao turbilhão que se instalou com a vitória e ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, já é tempo de entender que ele não veio “do nada”. O antipetismo que se formou desde as manifestações de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff foi o que essencialmente o elegeu. Mas há mais do que isso.

É necessário, de saída, reconhecer que Bolsonaro foi eleito dentro dos parâmetros democráticos que nos guiam e, portanto, sua vitória está coberta de legitimidade. Interessa a Bolsonaro ultrapassar a imagem de que seu êxito representou apenas um instante fugaz. Quer conclamar homens e mulheres a segui-lo e refazer o caminho de sua vitória eleitoral, rumo a outra, a de 2022. Mesmo com os olhos mergulhados no passado, busca alterar o tempo histórico. Mais importante do que conquistar posições que lhe garantam trânsito sustentável em direção ao futuro, importa instituir um movimento, em tempo curto, que o leve a mais um mandato.

No já longínquo 2018, o candidato derrotado do PT, Fernando Haddad, balbuciou palavras referentes à “resistência” de uma “outra nação”, mas permaneceu imóvel, como seu partido, esperando a “soltura” de seu guia, que continuaria a vociferar como antes, reiterando que nada mudara em sua visão. Diferentemente de Bolsonaro, Lula movimenta-se no sentido de voltar a ter posições mais favoráveis nas relações de força que compõem o difícil e complexo terreno da política brasileira nos dias que correm. Na linguagem preferida do velho líder: “corre muito, quer o jogo concentrado nele, mas marca poucos gols”!

A consigna de “resistência” a Bolsonaro foi aceita quase que generalizadamente, mas deveria ser traduzida por uma estratégia de construção de uma “oposição democrática” no corpo das instituições, na opinião pública e na sociedade, cuja principal missão deveria ser a de evitar que “as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno” se transformem em “regime político”, como expusemos em Política Democrática Online 2, em novembro de 2018 (pp.18-19). Transcorrido um ano do governo Bolsonaro, não parece que tal objetivo tenha perdido sua validade, muito ao contrário. Atesta-se, por outro lado, a incapacidade do PT em dar corpo e solidez a essa estratégia.

Merval Pereira - Nossa geleia geral

- O Globo

Lula e Bolsonaro são autoritários, mas não têm características suficientes para rotulá-los como comunista ou fascista

A política brasileira nos últimos anos vive em uma espécie de bolha, trancada em uma pseudo realidade que cada grupo político cria para si e para os adversários, que se tornam inimigos a serem aniquilados.

O governo Bolsonaro diz-se liberal na economia e conservador nos costumes, e é chamado de fascista. Os governos do PT são acusados de terem tentado implantar o comunismo no Brasil.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a tese de que o Brasil foi governado pela social-democracia nos últimos 24 anos, misturando na mesma panela os governos do PSDB, PT e PMDB. Todos com diversos matizes de esquerda. O PT acusava o PSDB ser ser de direita.

Como se vê, uma mistura que não faz sentido, serve apenas para emparedar adversários, rotula-los e facilitar os ataques. É fácil dizer que Bolsonaro é fascista, assim como que Lula é comunista. Mas os dois são mesmo autoritários, uma das características de governos fascistas ou comunistas, mas não suficientes para assim declara-los.

Dizer que o PSDB é de direita transformou-se em instrumento político petista para encurralar os tucanos, no tempo em que ninguém queria ser de direita no Brasil e os dois partidos dividiam entre si a disputa política. O máximo que políticos hoje apoiando o governo Bolsonaro admitiam é serem de centro-direita.

Bernardo Mello Franco - Algo de novo no front

- O Globo

Em contato com Lula e FH, Flávio Dino tenta arejar o campo da esquerda. Com perfil conciliador, ele defende uma frente ampla para derrotar Bolsonaro em 2022

Ainda é cedo para saber quem serão os adversários do bolsonarismo em 2022. Mas a movimentação do governador do Maranhão, Flávio Dino, indica que há algo de novo no front da esquerda. Ele é filiado ao PCdoB, que nunca lançou candidato ao Planalto.

Maior partido de oposição, o PT permanece nas cordas desde a derrota de 2018. Mesmo com Lula livre, não consegue mobilizar as ruas nem incomodar o governo. Parte da paralisia é atribuída a Fernando Haddad.

Depois de receber 47 milhões de votos, o ex-ministro voltou à universidade e se distanciou dos eleitores. Limita-se a escrever artigos e comentar notícias no Twitter. Seu canal de entrevistas tem 27 mil inscritos, uma audiência irrisória diante de qualquer youtuber bolsonarista.

É neste vazio que Dino começa a se projetar como alternativa. Ele se reelegeu numa coligação de 16 partidos, que uniu o PCdoB ao DEM. Agora defende a montagem de uma frente ampla para impedir a reeleição de Bolsonaro.

O governador tem ampliado suas conversas para além da esquerda. Nas últimas semanas, esteve com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o apresentador Luciano Huck, xodó dos órfãos do PSDB. Também mantém contato frequente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Míriam Leitão - A democracia está em risco?

- O Globo

Cientistas políticos discutem se a democracia brasileira está em risco, mas concordam que o presidente Jair Bolsonaro estressa as instituições

Uma questão está posta na ciência política brasileira: a democracia no país está correndo riscos ou as instituições estão fortes? Há os que acham que ela tem se enfraquecido a cada novo ataque disparado diretamente pelo presidente da República. Há os que, mesmo reconhecendo problemas, dizem que as instituições vêm respondendo à altura. O ponto principal, contudo, é se é normal que todos tenham que ficar de prontidão para defender a democracia contra os ataques feitos pelo próprio presidente.

Eu, sinceramente, não acho normal. Contudo, acompanho a discussão e ouvi cientistas políticos dos dois lados. Ao ser perguntada se a democracia brasileira corre riscos no governo Bolsonaro, Daniela Campello, da FGV, PhD pela Universidade da Califórnia, diz o seguinte:

— A resposta é um sonoro sim. Está em risco como não esteve nos últimos 30 anos e eu acho sobretudo que o fato de ter havido reação das instituições não é motivo para comemoração nem para descansar. Há um discurso muito agressivo contra a democracia e as instituições que não aconteceu em governos anteriores. Os ataques não podem ser naturalizados.

O cientista político Rogério Schmitt, da Empower Consultoria, com doutorado pelo Iuperj, admite que o governo atual é muito “diferente” dos anteriores, mas diz que quem olha para as estatísticas não vê riscos:

— Eu prefiro sempre olhar os dados. Acho que a gente precisa definir qual é a nossa variável dependente. O que estamos medindo? O apoio ao regime democrático nas pesquisas de opinião continua alto. Em janeiro, saíram duas sondagens mostrando que 60% a 65% dos brasileiros preferem a democracia. A Economist Intelligence Unit (EIU), que tem um ranking internacional, continua colocando o Brasil na lista das “democracias falhas”, como estava anteriormente.

Dorrit Harazim - Geopolítica do vírus

- O Globo

China consegue bloquear a circulação de 54 milhões de várias províncias, e ter a certeza de que ordens serão cumpridas

Mais de duas décadas atrás, o biólogo evolucionário Jared Diamond nos brindou com uma narrativa fulgurante de como e por que algumas sociedades se desenvolveram mais que outras. Ótima hora para reler essa obra que deu a Diamond um Pulitzer em 1998 — “Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas” (Ed. Record) — e olhar para o surto global do novo coronavírus com melhor compreensão da história.

Mesmo que a atual epidemia não venha a representar um ponto de inflexão para o curso humano, ela capta um instantâneo dinâmico (escusas pela aparente contradição) de como está o mundo em 2020. A convencional classificação de países por Índice de Desenvolvimento Humano e outros indicadores socioeconômicos estarão sendo testados, com desdobramentos ainda imprevisíveis. O próprio mapa atual da geopolítica pode chegar bastante alterado ao final da crise.

Começando pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os escancarados elogios à China feitos pela entidade na quinta-feira, ao finalmente decretar o vírus 2019n-CoV uma emergência de saúde pública em escala planetária, foram recebidos com impaciência pela comunidade científica. O sentimento majoritário de “foi muito tarde e muito pouco” lembra a reação mundial às proclamações anticorrupção feitas em anos recentes por entidades como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Fifa, quando seus casos de roubalheira sistemática já haviam viralizado.

Luiz Carlos Azedo - Humanos como nós

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço”

Considerado o pai da antropologia estruturalista, o franco-belga Claude Lévi-Strauss (1908 — 2009), entre 1935 e 1939, dedicou-se a estudar os índios do Brasil Central, base para a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949. Ele rompeu com a ideia de que os índios são apenas índios, porque não concordava com a divisão entre civilizados e selvagens. Lévi-Strauss foi professor da recém-criada Universidade de São Paulo, com sua esposa Dinah Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Jean Maugüé e Pierre Monbeig, e realizou pesquisas de campo em Goiás, Mato Grosso e Paraná, que também resultaram no livro Tristes Trópicos (1955). Procurou decifrar as relações entre o ser humano, a natureza e a cultura.

Para o antropólogo, o ser humano se diferencia dos outros animais devido ao uso de símbolos para se comunicar, não importa as particularidades de cada grupo humano. Seu objetivo não era estudar uma sociedade específica, mas identificar o que há nela de universal; por exemplo, sistemas de parentesco e restrições matrimoniais. Graças aos índios, por exemplo, sua compreensão do incesto ultrapassou as explicações biológicas ou morais. A proibição de manter relações sexuais com certas mulheres (como a mãe ou a irmã) e a permissão para tê-las com outras teceram as alianças fundadoras da vida social. O sistema de parentesco é o meio pelo qual se cumpre a transição entre a natureza e a cultura. Explica, por exemplo, como se formou a economia do sertão no Brasil colonial, a partir da miscigenação e do escambo entre os tupis e os portugueses.

Na monumental Mitológicas, de 1960, com mais de 2 mil páginas, Lévi-Straus analisou 813 mitos originários de povos do continente americano, desde os bororos, os jês e os tupi-cavaíbas do Brasil até os hopi, os pueblo, os mohawk e os kwakiutl da América do Norte. No primeiro volume, intitulado O Cru e o Cozido, comparou a análise conjunta dos mitos americanos à audição de uma sinfonia. Os músicos, porém, estão separados no tempo e no espaço, e cada um executa seu fragmento sem saber a partitura completa. Só é capaz de ouvir a música inteira quem estiver a distância. O concerto, segundo Lévi-Strauss, iniciou-se há milênios e hoje poucos músicos remanescentes continuam a tocar na orquestra.

Ricardo Noblat - Para os bolsonaristas, mais uma prova de que Francisco é o Papa Vermelho

- Blog do Noblat | Veja

Em breve, ele receberá Lula em audiência

Se sair como o planejado, o ex-presidente Lula voará a Paris para receber o título de cidadão da cidade e, de lá, para Roma, onde será recebido em audiência pelo Papa Francisco. O ex-ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, o acompanhará, além de Gilberto Carvalho, o mais carola dos ex-auxiliares de Lula.

Foi o presidente argentino Alberto Fernández que acertou o encontro de Lula com o Papa na última sexta-feira. “O Lula me pediu para ver o Papa. E eu pedi (ao Papa) se ele podia receber o Lula. E ele (o Papa) me disse que ‘claro’ e que (o Lula) lhe escrevesse porque ele, com todo prazer, o receberá”, revelou Fernández.

O presidente Jair Bolsonaro não gostou nem um pouco da notícia. Mas, por ora, a orientação que deu foi de que ninguém no governo a comentasse. A legião afiada de bolsonaristas na redes sociais ainda não se manifestou, mas Bolsonaro não pretende se valer dela para criticar o Papa e Fernández, embora não possa impedir que isso aconteça.

Francisco goza da fama de “O Papa Vermelho” entre os bolsonaristas de dentro e de fora do governo. Já foi alvo de muitos insultos no Twitter. Em agosto de 2018, quando Lula completava quatro meses de prisão, o Papa mandou-lhe uma mensagem que dizia assim: “A Luiz Inácio Lula da Silva com a minha bênção, pedindo-lhe para rezar por mim, Francisco”.

Vera Magalhães - Apagão de janeiro

- O Estado de S.Paulo

Primeiro mês do ano mostrou governo preso a suas próprias crises

O Congresso retoma suas atividades nesta semana ainda sem saber qual a estratégia do governo para a reforma tributária, sem perspectiva de receber a proposta de emenda à Constituição da reforma administrativa e sem um projeto do Executivo para equacionar o financiamento da educação básica a partir de 2021.

Janeiro ficou para trás e foi gasto, em Brasília, por apagões gerenciais do governo em várias áreas vitais para a população, crises palacianas vulgares e desnecessárias e o surgimento da velha e boa mamata por parte de aliados de Jair Bolsonaro, que propagandeava que ia acabar com essa velha prática da política, mas uma vez eleito passou a condescender com ela, a depender da lealdade e da proximidade de quem a pratica.

O que se viu no primeiro mês do ano não condiz com as elevadas expectativas que empresariado, mercado, produtores rurais e analistas têm para 2020: de mais reformas, crescimento acima de 2,5% ao ano, geração de empregos em ritmo mais acelerado e reforço na política do ministro Paulo Guedes de contenção do gasto público e ajuste fiscal paulatino, que foi bem sucedida no primeiro ano, mas enfrentará desafios adicionais neste.

Além disso, é necessário observar os ventos do mundo, e o que eles sopram neste início de ano é uma emergência global com o surto do novo coronavírus, cujo impacto na economia ainda é impossível de mensurar, mas que certamente afetará as exportações brasileiras.

Diante de um cenário internacional cada vez mais complexo e da importância de uma agenda econômica difícil de implementar, era de se esperar que o presidente e seus ministros estivessem focados nos assuntos importantes, e que iniciassem desde antes da volta do recesso a tão fundamental quanto negligenciada articulação política com o Legislativo.

Eliane Cantanhêde - Mudar para não mudar

- O Estado de S.Paulo

Onyx Lorenzoni no MEC seria aprofundar a crise interminável na Educação

Depois de Vélez Rodriguez e de Abraham Weintraub, só faltava o presidente Jair Bolsonaro nomear Onyx Lorenzoni para o pobre (mas muito rico) Ministério da Educação. O MEC, professores, alunos, funcionários e o futuro não merecem isso. Por sorte, ou por enquanto, a cúpula do governo diz que a chance de isso acontecer é “nenhuma, zero, esquece”.

Apesar de tudo, e de todos, o que está no horizonte é o esvaziado Onyx manter a sua esvaziada Casa Civil e o atrapalhado Weintraub manter o seu atrapalhado MEC. Com um detalhe: Onyx é o amigão de 20 anos, o aliado de primeira hora de Bolsonaro, mas, hoje, Weintraub está mais forte do que ele no governo. Incrível? Pois é. Há muitas coisas incríveis acontecendo.

Se Weintraub tropeça no português mais elementar, e Onyx? Como se diz na cúpula do governo, ele é muito leal a Bolsonaro e contrariou o DEM para apoiar sua candidatura em 2018, mas não é nenhum gênio e não tem o menor vínculo com Educação. Nunca foi sequer professor e, gaúcho, tem uma fala carregada de regionalismos que desconsideram as conjugações verbais e a letra S. O que, evidentemente, não combina com um ministro da Educação. Seria estender a interminável crise do MEC no governo Bolsonaro.

Ok, Weintraub vai carregar para o resto da vida aquele “imprecionante”, entre outros erros ardidos de português, mas quem dá uma olhada nos discursos e entrevistas do então deputado e agora ministro Onyx diz que a ida dele para o MEC – justamente o MEC – iria anistiar Weintraub. “Ficaria parecendo um letrado, perto do sucessor”, ironiza quem acompanha a ciranda.

Janio de Freitas* - Quem olha o futuro

- Folha de S. Paulo

Pergunte sobre o futuro do Brasil a Rodrigo Maia e Arminio Fraga

Dizem, há muito tempo, que o futuro a Deus pertence, o que serviria de slogan para os economistas do arrocho por um lado e ganho fácil por outro.

Adeptos de frases feitas, vendem sua “teoria” com adaptações da grande fake news da história nacional: “O Brasil é o país do futuro”. O futuro mesmo, designação do país com que nossos filhos e netos vão lidar, caiu em desuso como cogitação e como palavra. Não convém à sanha imediatista da pequena minoria chamada de “mercado” e assusta mais os que, para maior paz dos outros, não devem pensar nem sobre presente.

Apesar disso, duas notoriedades, Rodrigo Maia e Arminio Fraga, não apenas remeteram atenções ao futuro, como lhe deram peso insuperável. Nem por isso houve sinais de que fossem ouvidos, claro.

Em seu penúltimo artigo na Folha, original na forma e espantoso no conteúdo, Fraga expôs as urgências sociais no que pareceu sua primeira abertura para o tema. Uma transformação extrema. Ex-colaborador de George Soros, o bilionário visto como maior faro mundial para o lucro de especulação, com ele Fraga afinou o olfato e veio a ser, aqui, um expoente na aplicação de capitais. Uma estrela do tal mercado, pois.

Fraga rumou para o futuro em palestra como ex-presidente do Banco Central. Ainda sobre a desigualdade e, agora sem surpreender, o gasto governamental com Previdência e funcionalismo, revelou seu apocalipse particular: “O Brasil precisa mexer nessas contas, ou em cinco ou dez anos teremos uma revolução”.

Palavra perigosa. No meio em que Fraga vive, golpe de Estado, com prisões, cassações, torturas e assassinatos, é chamado de revolução. Golpe elitista e produtor intencional de desigualdade, não seria o tipo de revolução antevisto pelo Fraga contrário à desigualdade. Qual seria?

Rodrigo Maia é o mais bem-sucedido entre os políticos projetados desde a crise do governo Dilma. Visto como fonte de ponderações necessárias, com frequência usa de franquezas inesperadas e, em geral, oportunas. Como complemento à crítica a Abraham Weintraub, ministro da Educação, pelo “prejuízo a muitas gerações”, Maia não se escondeu: “Nosso país não tem futuro, né? Não tem futuro”.

Angela Alonso* - Mercado paira sobre todos e não dá um pio sobre obscurantismo

- Folha de S. Paulo

Quem acredita na blindagem da equipe econômica desconhece rotina dos casamentos

O presidente adora a metáfora matrimonial, mas é improvável que conheça a história de Galateia. Trata-se da mulher perfeita, esculpida em marfim por Pigmaleão, que se apaixona por sua própria criatura. Afrodite então lhe dá vida, e escultor e escultura se casam.

Para seguidores do Mito que desconheçam esse mito, há o Pinóquio da Disney, embora de equivalência imperfeita. É que no filme falta casamento e essa instituição se tornou central no Brasil, desde que o governo pôs o anel no dedo desta entidade mítica, o Mercado.

Sem abstrações —a opinião pública, a justiça, o dinheiro— o cotidiano não funciona. Esses entes imaginários orientam comportamentos, põem a vida social para andar.

A ficção Mercado, contudo, suplantou suas parentes e ganhou estatuto não de humanidade, mas de divindade. No jornal, tromba-se a toda hora com esse ser extraordinário, como se flanasse, com suas planilhas, sobre os humanos comezinhos, com suas enchentes e queimadas.

Vinicius Torres Freire – O tamanho e o custo do vírus da China

- Folha de S. Paulo

País leva um terço do crescimento mundial

No ano da praga de 2003, o PIB chinês equivalia a 4,3% da economia mundial. Neste ano do coronavírus, a economia da China deve equivaler a mais de 16% do PIB mundial —é menor apenas que a americana (24%). A China de 2003 cresceu um pouco menos por causa da SARS (síndrome respiratória aguda grave), que teve efeito desprezível no restante do planeta.

O crescimento chinês tem ainda mais peso no crescimento do planeta. Em 2003, o aumento do PIB da China equivalia a uns 16% da variação total do PIB do mundo. Em 2018, dado mais recente disponível, a quase 33% (ante 22% dos Estados Unidos).

Portanto, uma síndrome qualquer da China, peste, revolução ou recessão, é um risco para a economia mundial. Mas o problema vai além da aritmética dos parágrafos aí para cima: vai além de saber qual a proporção do aumento do PIB chinês em relação ao aumento do PIB do mundo. O impacto da contaminação chinesa pode ser maior ou até bem menor que o tamanho de sua economia ou de seu crescimento.

O desconhecimento da potência da epidemia do coronavírus e da capacidade dos governos de administrá-la torna ainda mais difícil estimar seu efeito na saúde e na economia mundiais.

Parece que a doença do coronavírus é menos letal que a SARS (mata 2,5% dos infectados, até agora, ante 10% da SARS). O coronavírus parece se espalhar mais rápido, mas esse não é um dado da natureza. A velocidade da expansão pode ser controlada por quarentenas, barreiras e diagnóstico mais eficiente. Mas domar a epidemia pode ficar mais difícil se a doença for assintomática por muito tempo, se o vírus for muito mutante ou se a letalidade menor incentivar comportamentos de risco. Sabe-se pouco, ainda.

Bruno Boghossian – De férias com o ex

- Folha de S. Paulo

Adversários hesitam até na hora de tirar uma casquinha da balbúrdia do governo

Lula parece ter dado uma folga a Jair Bolsonaro. Nos principais trechos de sua entrevista ao UOL na última semana, o ex-presidente citou o nome do rival apenas seis vezes. Nenhuma continha uma crítica incisiva. O petista chegou a concordar com os ataques do atual governante à imprensa e só recomendou que ele parasse de “falar bobagem”.

Trata-se do mesmo Lula que, há pouco mais de dois meses, saiu da prisão chamando Bolsonaro de miliciano e insinuando que o aumento patrimonial do adversário era fruto de atividades ilegais. “O PT tem que polarizar mesmo”, declarou.

Seja uma pausa estratégica ou uma tática duradoura, o tom do discurso do ex-presidente se soma a um comportamento relativamente tímido da oposição ao governo Bolsonaro. É verdade que o presidente e seus aliados criaram por si mesmos a balbúrdia desses primeiros 13 meses de mandato, mas seus adversários foram hesitantes até na hora de tirar uma casquinha do caos.

Hélio Schwartsman - Casamento e desigualdade

- Folha de S. Paulo

Combinação de uniões livres e emancipação feminina é causa importante de concentração de renda

Precisamos combater a desigualdade e suas causas, diz o manual do bom cidadão contemporâneo. Concordo que a desigualdade vem produzindo uma série de complicações, que exigem enfrentamento, mas o mesmo não se estende automaticamente às suas causas, que podem ser moralmente inatacáveis.

Você, leitor, é a favor dos casamentos arranjados ou prefere aqueles nos quais os noivos escolhem livremente quem irão desposar? E quanto à posição da mulher? Acha que elas devem se contentar em ser rainhas do lar ou pensa que devem estudar e participar do mercado de trabalho, assegurando assim sua independência econômica?

Se você não for um conservador anacrônico, deve ter se posicionado pelas uniões livres, cujo nome técnico é casamento assortativo, e pela emancipação feminina. Pois bem, a combinação desses elementos é causa importante de desigualdade. Nos EUA, como mostra Milanovic, ela respondeu por nada menos do que um terço do aumento de desigualdade registrado entre 1967 e 2013.

Ruy Castro* - O pai do neo-irrealismo

- Folha de S. Paulo

Todos os filmes de Fellini contêm um toque mágico que os tornou inesquecíveis

Por mais que o mundo tenha celebrado Federico Fellini por seu centenário no último dia 20, nossa dívida para com ele nunca será quitada. Poucos diretores terão sido tão responsáveis pela conversão de tantos à ideia do cinema como “arte” —uma geração, nos anos 50, apaixonou-se por “A Estrada da Vida”; outra, nos anos 60, por “A Doce Vida”; e ainda outra, nos anos 70, por “Amarcord”.

E há os que, como eu, sempre fomos gratos a Fellini pela emenda que ele fez à severa escola cinematográfica de seu tempo, o neo-realismo. Fellini conseguiu inserir nela um toque de neo-irrealismo.

E fez isto já a partir de “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rosselini, o filme que inaugurou o movimento e de cujo roteiro participou. Sua grande contribuição foi a cena em que Aldo Fabrizzi, no papel do padre, entra numa loja de bricabraque e, antes de ser atendido, vê a estatueta de uma mulher com a bunda de fora. Então, com ar maroto, vira-a de lado para disfarçar-lhe a nudez. Notar que isso se dá num contexto dramático que logo resultará em tortura e morte. Só Fellini para pensar em tal coisa —e, se nem todos o seguiram, ele seguiu a si próprio.

Elio Gaspari - O vexame da patrulha contra McCloskey

- O Globo / Folha de S. Paulo

Não se pode saber como vai acabar a lambança do Enem, mas exemplos mostraram que as redes sociais são uma das boas coisas deste século

Dizer que a terra é plana ou que o nazismo foi de esquerda fazem parte de um bestiário incontrolável, mas entra-se no caminho do vexame quando uma empresa como a Petrobras cancela uma palestra da economista Dreirdre McCloskey porque ela disse que os governos de Donald Trump e de Jair Bolsonaro são “qualquer coisa, menos liberais”.

Trata-se de um vexame pela falta de educação, pela truculência e pelo obscurantismo. Falta de educação porque os áulicos da Petrobras cancelaram a palestra sem dizer uma só palavra à professora. 

Pela truculência, porque o ex-Robert McCloskey teve coragem para mudar de sexo e com isso já enfrentou paradas bem mais duras do que pitis de burocratas amedrontados. É dela a mais sólida resposta às patrulhas que associam Milton Friedman à ditadura chilena do general Pinochet. (O texto da palestra está na rede com o título “Ethics, Friedman, Buchanan, and the Good Old Chicago School”.) Pelo obscurantismo, porque a professora é uma economista respeitada 
internacionalmente.McCloskey veio da cepa da universidade de Chicago e trabalhou com Friedman. 

Seus três livros sobre as virtudes, a igualdade e a dignidade dos burgueses são aulas de História para quem quer conhecer as raízes do mundo moderno. Em poucas palavras (dela), nada a ver com a luta de classes de Marx, com os protestantes de Max Weber, com instituições ou com as teorias matemáticas da acumulação de riquezas. Foi tudo coisa das ideias: “Comércio e investimentos sempre foram rotinas, mas uma nova dignidade e a liberdade das pessoas comuns foram únicas dessa época”. O construtor do mundo moderno foi o burguês.

Bolsonaro não é liberal, finge mal e, se quiser sê-lo, terá muito chão pela frente. Cancelar uma palestra de McCloskey porque ela criticou o capitão foi atitude de quem passa por qualquer vexame para ficar bem na nominata das cerimônias.

Se esse triste episódio levar alguma editora a publicar a trilogia burguesa de McCloskey, a patrulha terraplanista terá prestado um serviço ao país.

O MEC está deseducando uma geração

A ruinosa gestão do Enem de Abraham Weintraub cravou mais um prego na juventude de milhões de brasileiros. No seu primeiro contato relevante com a máquina do Estado, a garotada não soube que haviam sido cometidos erros na correção de suas provas. Aprendeu que a máquina não aceitava reclamações. Felizmente, percebeu que a mobilização das redes sociais poderia dobrar a máquina.

É o caso de se procurar entender como um jovem de 19 anos recebe a informação de que a lambança foi uma “inconsistência” e tudo não passou de um “susto” (palavras do doutor Weintraub). Centenas de milhares de estudantes saíram desse Enem com um gosto amargo na boca, até porque as regras dos educatecas dificultam os recursos em busca da revisão das notas.

O que a mídia pensa – Editoriais

Agenda pesada – Editorial | Folha de S. Paulo

Legislativo volta com pauta essencial de reformas e governo desarticulado

O Congresso volta a funcionar nesta semana com uma pauta carregada de projetos importantes. O fim do recesso, porém, não significa um recomeço da relação do governo com o Parlamento.

Subsistem, pois, incertezas quanto ao sucesso das reformas necessárias para sustentar o crescimento. Jair Bolsonaro segue avesso à ideia de uma coalizão parlamentar, não tem coordenação política e nem mesmo um partido.

As contas públicas e a perspectiva de recuperação menos morosa da economia dependem de pelo menos um desses grandes projetos na pauta, a emenda constitucional que limita gastos obrigatórios, em especial com servidores.

Sem ao menos tal contenção, em 2021 a despesa federal vai atingir o teto constitucional, com desordem previsível na administração pública e nos indicadores financeiros.

As lideranças do Congresso mostraram que estão cientes desses riscos. Em particular, Rodrigo Maia tentará marcar seu ano final na Presidência da Câmara com a aprovação de um mínimo essencial de reformas. Mas o mínimo não basta e a pauta legislativa, além de extensa, é menos consensual.

É preciso um acordo sobre o que é possível em matéria tributária. O governo apenas tumultua o debate, não tem um plano claro; as propostas parlamentares precisam ser unificadas de modo realista.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Acordar, Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.