quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Karl Marx* (comunismo)

O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal para o qual a realidade deverá se dirigir. Denominamos comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual. As condições desse movimento dependem de premissa atualmente existente.

*Karl Marx (1818-1883), filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário socialista. Nascido na Prússia, mais tarde se tornou apátrida e passou grande parte de sua vida em Londres, no Reino Unido. “La ideologia alemana”, p. 37. Ediciones Pueblos Unidos, cuarta edicion espanhola, Buenos Aires, 1973.

Miro Teixeira* - Dias sem Lula x Bolsonaro

- O Globo

Na sondagem maliciosa do roçar de mãos, aos abraços e beijaços, ninguém se pergunta sobre preferências por ex ou atual presidente

Desculpem. Aqui no Rio de Janeiro já estamos no carnaval.

Ruas e praias tomadas pela descontração dos blocos e shows, em notável pausa às preocupações com a falta de qualidade da água que rola das torneiras e chuveiros, com a qual escovamos os dentes e tomamos banho. Água de beber, só mineral, para nós que podemos.

Fora da solidão das redes sociais, as radicalizações não têm vez. Na sondagem maliciosa do roçar de mãos, aos abraços e beijaços, ninguém se pergunta sobre preferências por Lula ou Bolsonaro, pelo menos até Quarta-Feira de Cinzas. Na curta festa pagã, a bênção da conciliação.

Em paralelo, outros desfilam vaidades e arrogância, na passarela entre o Palácio do Planalto, Parlamento e tribunais, no esquecimento do que por ali se passou para conquistarmos a democracia e pacificar a nação, no epílogo das manifestações populares pelo fim da ditadura de 1964.

Comícios se sucediam, com milhões de pessoas pelo Brasil inteiro, em favor da aprovação de eleições diretas, resumida na Emenda Dante de Oliveira, derrotada no Congresso em 25 de abril de 1984.

Novos comícios para autorizar a participação da oposição no pleito indireto pareciam o louco sonho da vitória impossível, já que o regime possuía maioria no Colégio Eleitoral que se reuniria em 15 de janeiro de 1985.

Para garantir a vitória, o PDS buscou na Justiça Eleitoral a nulidade dos votos dados a candidato de outro partido. Perdeu. (Resolução 12.017, de 27/11/1984). Aqui está a Justiça, a reverenciar as leis e o povo.

A partir daí, o Congresso solta a voz, e as dissidências governistas acabam por garantir a vitória de Tancredo Neves, o candidato da oposição.

Doente, internado no Hospital de Base de Brasília, não conseguiria tomar posse. A madrugada daquele 15 de março foi um teste para os nervos de todos.

Poderia o vice, José Sarney, prestar o compromisso perante o Congresso na ausência do titular? O PDS sustentava que o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, era o legitimado para assumir a chefia do Executivo e, no caso de impedimento ou morte de Tancredo, convocar nova eleição indireta.

Sem o nome de Tancredo, a vitória seria de Paulo Maluf, por ele derrotado.

Ulysses repeliu a ideia e com outros companheiros dirigiu-se ao prédio do Ministério da Fazenda, onde Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo, exercia o cargo de secretário da Receita Federal.

Na era sem celulares, dali partiram os contatos para uma reunião com o ministro Leitão de Abreu, antecipando-lhe o assunto que, claro foi imediatamente transmitido ao então presidente, general João Baptista Figueiredo.

Na reunião, já com a presença do general Leônidas Pires Gonçalves, que viria a ser ministro do Exército, bateu-se o martelo: Sarney tomaria posse.

Fernando Exman* - Arrumando a Casa

- Valor Econômico

Mudança de gerência dá início a nova etapa do governo Bolsonaro

O governo Jair Bolsonaro entra em uma nova fase. A nova etapa se inicia num momento em que as cobranças por um calendário mais próspero de entregas não são direcionadas apenas à equipe econômica. Elas crescem também, a cada dia, sobre os ombros do próprio presidente da República. A reformulação da Casa Civil, mais do que um novo capítulo da disputa entre as alas militar e ideológica do governo, pode ser considerada uma medida tomada para renovar a capacidade gerencial do Palácio do Planalto.

Questiona-se, por exemplo, por que ainda não há uma retomada mais vigorosa da economia, do investimento e do emprego. Mas basta checar as agendas de Bolsonaro, ministros e secretários para se relativizar a credibilidade das críticas segundo as quais o governo federal está paralisado.

Também esperava-se mais agilidade e interesse do governo nas reformas tributária e administrativa. Mesmo assim, a despeito do julgamento do mérito - ou demérito - de cada uma das outras propostas legislativa do Executivo, diversas delas seguem sendo enviadas ao Congresso diariamente. O desafio do governo é evitar que se cristalize a percepção de que a administração Jair Bolsonaro não possui o torque necessário para garantir o avanço de programas, ações e políticas públicas.

Cristiano Romero* - PGBL será usado como garantia de crédito

- Valor Econômico

Cruzada do BC contra custo de crédito inclui FGTS e hipoteca

Dentro do esforço para reduzir as taxas de juros cobradas no crédito a pessoas físicas, o Banco Central (BC) quer autorizar o uso de investimentos em PGBL ou VGBL como garantia de empréstimos. O PGBL, assim como o VGBL, é uma forma de aplicação destinada a financiar a complementação da aposentadoria. Ao longo da vida laboral, o trabalhador faz depósitos mensais, muitas vezes acrescidos de contribuição, na mesma proporção, da empresa onde trabalha, e forma uma poupança para custear seu sustento após aposentar-se.

Para o BC, parte dos recursos depositados pode ser usada pelo beneficiário do PGBL ou do VGBL como garantia de um empréstimo que ele precise fazer num momento de dificuldade. No Brasil, um cidadão que tenha algum patrimônio (uma hipoteca ou um imóvel quitado) ou um recebível (saldo no FGTS ou um PGBL/VGBL) e que, não importa a razão, se endivide, enfrenta problema idêntico ao do sujeito que não possua nada para oferecer ao credor.

Nos dois casos, os indivíduos caem na espiral da cobrança de juros sobre juros que, ao fim, pode obrigar aquele que possui ativos a se desfazer da casa, o que, na maioria dos casos, poderia ser evitado. O mesmo raciocínio vale para o FGTS. Este fundo foi criado no início do regime militar como uma forma de poupança compulsória, para compensar o fato de os trabalhadores brasileiros terem perdido, naquela ocasião, o direito à estabilidade no emprego - um anacronismo que, inexplicavelmente, persiste no serviço público.

José Serra* - Saco sem fundo

- O Globo

PEC 187 obedece a uma ordem lógica que afronta boas práticas da gestão governamental

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 187, que extingue os fundos públicos hoje existentes nas três esferas de Governo – União, estados e municípios – está tramitando no âmbito do Senado Federal. Apesar disso, o governo não tem apresentado números nem estudos consistentes sobre essa proposta.

Para começar, não há 248 fundos públicos federais engessando o processo orçamentário, segundo consta na justificativa da PEC 187. A maioria só existe no papel, sem execução orçamentária. Bastaria uma lei para revogá-los. A equipe econômica argumenta que fundos e vinculações só existem em democracias não civilizadas, onde o Congresso Nacional não tem poder para alocar os recursos públicos. A tese revela uma estratégia de convencimento baseada no desconhecimento, pois a experiência internacional aponta para outra direção.

O Orçamento federal americano, por exemplo, é infestado de fundos públicos – chamados de Trust Funds – que administram receitas vinculadas (earmarking revenues). Nesse país, os recursos vinculados podem ser acumulados ao longo dos anos.

Assim, o Old-Age and Survivors Insurance Trust Fund está programado para entesourar US$ 3,0 trilhões de receitas excedentes. É interessante lembrar que as rodovias americanas apresentam alto padrão de qualidade porque recebem volumosos recursos do Highway Trust Fund, cujas receitas são provenientes de impostos sobre consumo de combustíveis.

Além disso, deixemos claro que o Poder Legislativo pode rever vinculações e fundos em qualquer momento do processo legislativo. Falta entre nós, sim, um processo sistematizado de revisão de gastos e vinculações – prática adotada nas democracias civilizadas.

É bom ter claro que a PEC 187 obedece a uma ordem lógica que afronta boas práticas da gestão governamental. Busca-se primeiro extinguir os fundos públicos, inclusive os estaduais e municipais, dando prazo para o Legislativo ratificar ou não a existência de cada um deles. O governo federal teria o direito de gastar os recursos acumulados por estes fundos antes do prazo de ratificação concedido ao Poder Legislativo, que, em muitos casos, validaria “fundos fantasmas” – já sem recursos disponíveis.

Zuenir Ventura - O poder da língua solta

- O Globo

Presidente ultimamente passou a recorrer também aos gestos obscenos

Só há uma explicação para a incontinência verbal que assola com frequência membros do governo: a atração pelo desconhecido. Não se dão bem com as palavras, quase sempre não conhecem seu significado, mas vivem às voltas com elas. A falta de intimidade com a linguagem começa pelo presidente, que ultimamente passou a recorrer também aos gestos obscenos, como a banana. Mas sem abrir mão da sórdida infâmia com que, por exemplo, insultou a jornalista Patrícia Campos Mello e os termos impróprios com que xingou o Greenpeace:

“Quem é essa porcaria? Isso é um lixo”. No seu acesso de fúria, Bolsonaro não sabe ou finge não saber que “essa porcaria” é uma organização não governamental que atua em 55 países e cuja luta em defesa do meio ambiente é reconhecida e respeitada internacionalmente há quase meio século.

Desta vez, porém, o protagonismo ficou com o “Posto Ipiranga”, o ministro Paulo Guedes, que, ao debochar das empregadas domésticas e chamar os funcionários públicos de “parasitas”, virou boneco nos blocos carnavalescos, meme nas redes sociais e manchete de jornal como Caco Antibes, popular personagem humorístico de Miguel Falabella que se orgulhava de detestar pobre.

Ricardo Noblat - O que assombra os Bolsonaro e o que pode derrotá-los

- Blog do Noblat | Veja

Uma família da pesada

O que fez Jair Bolsonaro mudar de opinião? E logo ele que sempre pregou: “Bandido bom é bandido morto”?

O país estava acostumado a ver seu presidente sair em defesa de policial que matasse bandido.

Agora, pela primeira vez, vê-se Bolsonaro preocupado com um bandido que pode ter sido executado pela polícia baiana.

O Natal mudou ou foi Bolsonaro? Estamos diante do que tantos esperavam – a normalização do antes tosco capitão?

Devagar com o andor. Bolsonaro não mudou um tantinho assim. E se mudou foi para pior.

Onde já se viu um presidente da República agredir uma jornalista com grosseiras insinuações sexuais?

Donal Trump, o ídolo de Bolsonaro, foi gravado dizendo baixarias sobre as mulheres e seu órgão genital.

Mas Trump não sabia que fora gravado. A gravação era antiga. Ele não seria louco de dizer o que disse diante de câmeras de TV.

Bernardo Mello Franco - Milagres de Adriano

- O Globo

Premiado pela família Bolsonaro, o miliciano Adriano da Nóbrega começou a produzir milagres. Depois de morto, fez o presidente defender os direitos humanos e criticar a brutalidade policial

Abatido no interior da Bahia, o miliciano Adriano da Nóbrega começou a produzir milagres. Depois de morto, fez Jair Bolsonaro defender os direitos humanos e criticar a brutalidade policial.

O presidente passou a vida repetindo que “bandido bom é bandido morto”. Subitamente, pôs-se a protestar contra o passamento de um pistoleiro de aluguel.

No sábado, ele reclamou que a polícia baiana “não procurou preservar a vida de um foragido, e sim sua provável execução sumária”. O autor da frase é o mesmo político que, anos atrás, subiu à tribuna da Câmara para elogiar um grupo de extermínio da... Bahia.

O capitão também disse que a morte de Adriano “não pode deixar de ser esclarecida”. A polícia do Rio matou 1.810 pessoas no ano passado, mas ele não manifestou interesse em apurar um único caso.

Elio Gaspari - As PMs recrutaram os governadores

- O Globo | Folha de S. Paulo

Amotinados foram socorridos por anistias votadas pelas Assembleias Legislativas e pelo Congresso

O manifesto dos 20 governadores dizendo-se confrontados por Jair Bolsonaro porque, entre outras coisas, ele se “antecipou a investigações policiais para atribuir fatos graves à conduta das polícias” foi um monumento à dissimulação da cumplicidade corporativa dos signatários. Os governadores decidiram sentar praça nas suas polícias militares.

Bolsonaro lançou suspeitas sobre a conduta da polícia baiana no episódio da morte do miliciano Adriano da Nóbrega. O presidente não foi a única pessoa a sentir cheiro de queimado naqueles tiros. Ademais, essa não foi a primeira batatada de Bolsonaro, com sua vulgar loquacidade.

O governador Wilson Witzel (Harvard fake '15) assinou o manifesto. Em matéria de “fatos graves”, a PM do Rio tem uma galeria de troféus. O capitão Adriano pertenceu ao seu Bope. Na PM esteve o subtenente Fabrício Queiroz, chevalier servant dos Bolsonaro, que empregou familiares de Adriano nos gabinetes parlamentares da família. Aos dois somam-se o sargento reformado Ronnie Lessa (ex-guarda-costas de bicheiros) e o ex-PM Elcio Queiroz (ex-segurança de cassinos), ambos presos, acusados de terem matado a vereadora Marielle Franco.

Monica De Bolle* - Alegoria sem adornos

- O Estado de S.Paulo

Analisando os dados da Latinobarômetro em anos diversos, constata-se que quando perguntados como avaliam a situação econômica do País em relação ao passado recente, mais de 80% dos entrevistados dizem que está pior

Há poucos dias do Carnaval e pensando em alegorias e desfiles mostrando o que há de melhor e pior no Brasil, retomo tema abordado nesse espaço há 4 meses. Trata-se da alegoria do túnel formulada por Albert O. Hirschman nos anos 70 para descrever as tensões sociais provenientes dos processos de desenvolvimento e mudanças na mobilidade social. Convido os leitores interessados a ler a coluna “Dentro do túnel”, publicada em 20 de novembro de 2019. Nele discuti como fileiras de engarrafamentos dentro de um túnel em que algumas se moviam mais rapidamente do que outras – a alegoria de Hirschman para a mobilidade social e sua tensões – davam uma boa dimensão do que acontece nas sociedades quando parte da população progride, enquanto parte permanece estagnada.

O efeito túnel prevê, entre outras coisas, que a população tende ao otimismo quando percebe o progresso de algum segmento da sociedade, ainda que as condições econômicas em geral não sejam favoráveis – ou percebidas como tal. Tal efeito é mensurável em pesquisas de opinião. Analisando os dados da Latinobarômetro em anos diversos, e em 2018 especialmente, constata-se que quando perguntados como avaliam a situação econômica do País em relação ao passado recente, mais de 80% dos entrevistados dizem que está pior. Contudo, quase 60% afirmam que sua situação econômica pessoal e familiar haverá de melhorar. Embora esses dados se refiram a 2018, em todos os anos é possível observar algo semelhante. Não se trata de um comportamento irracional, mas de um reflexo da previsão de Hirschman de que se alguma parcela da população está se beneficiando mais rapidamente do que outras, em algum momento todos haverão de colher os frutos dessa melhoria. Ou seja, os atores econômicos – trabalhadores, empresários, classe média, classe alta, ou os mais pobres – fazem julgamentos a respeito de sua situação pessoal de modo relativo, não absoluto. Essa simples observação é fonte de enormes tensões sociais esteja o País crescendo muito ou relativamente pouco.

Vinicius Torres Freire - Baderna de Bolsonaro cresce muito mais que o PIB

- Folha de S. Paulo

É tumulto no Congresso, nos modos, nas relações institucionais; PIB fraqueja

O começo do ano no Congresso ficou para depois do Carnaval, para março, na prática. A balbúrdia provocada por Jair Bolsonaro é intensa desde janeiro. Neste mês, o tumulto presidencial continua e desdobra-se em pequenas crises políticas, que dificultam o programa administrativo e parlamentar do governo, é meio ridículo dizer, como se planejamento racional fosse o objetivo do Planalto.

O torvelinho de disparates, a inoperância administrativa e a desarticulação parlamentar obviamente não inspiram confiança. Há indícios ainda incertos, mas preocupantes, sobre a fraquejada da economia. Por uma estimativa do Banco Central, o PIB teria crescido 0,9% em 2019; por outra, do Ibre-FGV, 1,2%.

Em um mundo político e econômico menos anormal, essa diferença seria uma insignificância, na verdade. Mas, no mui curtíssimo prazo e nesta balbúrdia, o resultado menor pode suscitar mais desânimo e ainda mais zunzum político.

Dizer que o ministro Paulo Guedes (Economia) “não pediu para sair” tampouco melhora o ambiente. Na tentativa de passar a mensagem de que Guedes fica e, ao mesmo tempo, de se afastar dos “deslizes” do ministro (empregadas na Disney e servidores parasitas), Bolsonaro estimula a fofoca na praça financeira.

Bruno Boghossian – O governo do ódio

- Folha de S. Paulo

Generais estrelados, Paulo Guedes e Sergio Moro são movidos por essa mesma máquina

Não foi o tal gabinete da raiva, a ala ideológica do Planalto, as redes de apoio ao governo ou um aloprado da burocracia palaciana. Mais uma vez, quem distribui ofensas asquerosas e faz manobras desesperadas para obter ganhos políticos é o próprio presidente da República.

É inútil tratar os ataques do bolsonarismo e de suas hordas digitais como desvios impulsivos ou acidentais. O homem que ocupa o posto mais importante do país prova diariamente que o ódio e o jogo sujo irradiam do topo. São o método definitivo do grupo que está no poder.

Jair Bolsonaro não comete nenhum deslize quando desfere suas barbaridades. O insulto baixo e misógino à repórter Patrícia Campos Mello, da Folha, reflete sua inclinação permanente em difamar quem incomoda e desqualificar uma imprensa que vigia seus passos.

O ataque feito aos risos não representa apenas uma degradação da Presidência. A exigência de decoro não é mera frescura. Está inscrita em lei para evitar que os detentores de cargos públicos abusem de suas posições de poder para perseguir críticos e praticar arbítrios.

Míriam Leitão - A Presidência desonrada

- O Globo

O presidente radicalizou, exibe agressividade descontrolada, e os outros poderes se encolheram diante desse extremismo

O presidente Bolsonaro avilta a Presidência da República. Ao caluniar e difamar uma jornalista com uma afirmação machista e uma insinuação sexual, ele não atinge só a Patrícia Campos Mello. Num efeito bumerangue, Bolsonaro desrespeita o próprio cargo que ocupa. A Presidência tem poderes e tem obrigações. O presidente tem usado os seus poderes para descumprir suas obrigações. Diariamente. Ele tem escalado diante dos olhos da nação. Até quando as instituições brasileiras permanecerão tão incapazes de responder a um chefe do Executivo que quebra o decoro da instância máxima da República?

O espetáculo de horror se repete toda manhã. Bolsonaro chega com seus seguranças e sua claque, ofende alguém ou alguma instituição, ataca e debocha dos jornalistas, faz gestos obscenos, manda os repórteres calarem a boca. Diariamente, ele exibe seu mandonismo primitivo. A qualquer momento do dia, em edição extraordinária, pode ser retomado o show de ofensas que é a comunicação presidencial. A lista dos alvos do presidente é imensa: os governadores, os portadores de HIV, os indígenas, os ambientalistas, a primeira-dama da França, os estudantes, Paulo Freire. Jornalistas são uma “raça em extinção”, governadores do Nordeste são os “governadores Paraíba”, o repórter na porta do Palácio tinha uma cara de “homossexual terrível”, ONGs incendiaram a Amazônia e ambientalistas devem ser confinados, os índios “estão evoluindo e cada vez mais são seres humanos como nós”, os portadores de HIV custam caro ao país, Paulo Freire não pode descansar em paz, é o “energúmeno”.

Vera Magalhães - Quebra de decoro

- O Estado de S.Paulo

Ataque de Bolsonaro a jornalista degrada Presidência e revela busca por cortina de fumaça

Diz o artigo 9.º da Lei 1.079/50, que embasou o impeachment de Fernando Collor de Mello e de Dilma Rousseff, que são crimes de responsabilidade contra a probidade na administração várias condutas, entre as quais “proceder contra a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Senadores, deputados, advogados, ministros do Supremo Tribunal Federal, cientistas políticos, jornalistas e cidadãos em geral discutiram nesta terça-feira, 18, pela primeira vez de forma aberta, com enquadramento legal, se Jair Bolsonaro incorreu em crime de responsabilidade no ataque frontal, vil, pusilânime e abjeto que desferiu contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, em coletiva improvisada na frente do Palácio da Alvorada, ao repetir insinuações de cunho misógino, sexista e já desmentidas por documentos.

Pela primeira vez em um ano e dois meses de governo, a palavra impeachment começou a ser proferida ao lado do sobrenome Bolsonaro em alto e bom som, e não pela oposição petista, mas por vários partidos e setores da sociedade.

E, de novo, foi um ato deliberado do presidente que gerou uma crise que macula ainda mais sua já dilapidada imagem e degrada e rebaixa a instituição da Presidência da República.

Bolsonaro parece buscar uma cortina de fumaça para o tema que virou obsessão sua e de sua família: o assassinato do capitão Adriano da Nóbrega, ex-policial militar do Rio de Janeiro, que era procurado por ser um dos acusados de participar da morte da vereadora Marielle Franco e apontado como um dos chefes da milícia mais perigosa do Rio, o Escritório do Crime, no último dia 9.

O presidente e o filho Flávio, que empregou familiares do miliciano e cujo gabinete usou suas contas bancárias como intermediárias de inexplicadas transações financeiras entre assessores, demonstram excessivo nervosismo com o desenrolar das investigações a respeito do assassinato e do que a perícia nos vários telefones celulares de Adriano pode revelar.

Luiz Carlos Azedo - A liturgia da Presidência

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O comportamento presidencial é regulamentado pela Lei 1.079 de 1950, que classifica como crime de responsabilidade agir de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro”

O presidente Jair Bolsonaro ultrapassou todos os limites do decoro ao agredir de forma misógina a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, com insinuações sexuais, ao questionar suas apurações sobre o disparo em massa de mensagens na campanha eleitoral. Bolsonaro vem fazendo sucessivos ataques à imprensa e aos jornalistas quando sai do Palácio da Alvorada, sempre que alguém lhe faz uma pergunta incômoda.

“Olha, a jornalista da Folha, tem mais um vídeo dela aí. Eu não vou falar aqui porque tem senhora do meu lado. Ela falando eu sou a ‘tatata’ do PT. Tá certo? E o depoimento do Hans River, foi no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele. Ela queria um furo. Ela queria dar um furo (pausa, pessoas riem) a qualquer preço contra mim. Lá em 2018, ele já dizia que eles chegavam perguntando ‘o Bolsonaro pagou para você divulgar informações por Whatsapp?”, disse o presidente da República.

Hans River do Nascimento, ex-funcionário da empresa de marketing digital Yacows, segundo reportagem de autoria de Patrícia, teria participado de esquema de disparo de mensagens por meio da rede social durante as eleições. Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional, que apura a disseminação de conteúdo falso na internet, Hans River disse que Patrícia “se insinuou” para ele para tentar obter informações sobre disparos de mensagens, o que a jornalista desmente veementemente.

No início da tarde, ao deixar o Palácio da Alvorada após uma reunião com ministros, Bolsonaro voltou a tocar no assunto: “Alguém da ‘Folha de S.Paulo’ aí? Eu agredi sexualmente uma repórter hoje? Parabéns à mídia, aí. Não quero conversa. Parabéns à mídia. Eu agredi, cometi uma violência sexual contra uma repórter hoje?” As declarações de Bolsonaro geraram protestos generalizados e repercutiram no Congresso. A postura de Bolsonaro causa incômodos, inclusive no Palácio do Planalto, pois seu comportamento foge completamente à liturgia do cargo que ocupa.

Quebra de decoro
O cerimonial da Presidência é rigoroso. A coordenação e supervisão das solenidades realizadas no Palácio do Planalto são da Secretaria de Coordenação e Acompanhamento de Assuntos Militares, vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, ou seja, subordinada ao general Augusto Heleno. Antes, era tarefa de diplomatas cedidos pelo Itamaraty e treinados para isso. Os eventos mais formais realizados na Presidência são o hasteamento e arriação da bandeira, a entrega de cartas credenciais a embaixadores, a passagem de guarda e a recepção a chefes de Estado. Nas solenidades de caráter administrativo, o cerimonial obedece normas de um decreto de 1972, ainda em vigor, aprovado durante o governo Garrastazu Médici, com 94 artigos. Tudo é previsto rigorosamente, até mesmo nos funerais.

Bolsonaro faz insulto a repórter; entidades reagem

Presidente reitera acusações contra repórter feitas por testemunha em CPMI, desmentidas pelo jornal ‘Folha de S. Paulo’. Associações de jornalismo, parlamentares e partidos repudiam agressão de cunho sexual

Daniel Gullino | O Globo

BRASÍLIA - O presidente Bolsonaro insultou a repórter Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo", ao reiterar depoimento de Hans River à CPMI das Fake News em que disse que a jornalista se insinuara sexualmente em busca de notícias. Diálogos revelados desmentiram o relato. Entidades reagiram à fala do presidente.

O presidente Jair Bolsonaro insultou ontem a repórter do jornal “Folha de S. Paulo” Patrícia Campos Mello com uma insinuação sexual sobre o seu trabalho. Bolsonaro fez referência ao depoimento à CPMI das Fake News de Hans River do Nascimento, ex-funcionário de uma empresa que fez disparos em massa pelo WhatsApp nas eleições de 2018.

Hans River atacou Patrícia afirmando que a repórter “se insinuou” e queria “sair” com ele, o que foi desmentido pelo jornal com a publicação de troca de mensagens entre os dois. A declaração do presidente foi criticada por associações de jornalismo, partidos e parlamentares. O jornal “Folha de S. Paulo” declarou, em nota, que a atitude de Bolsonaro agride a repórter e todo o jornalismo profissional.

— Olha a jornalista da “Folha de S. Paulo”. Tem mais um vídeo dela aí. Eu não vou falar aqui que tem senhora aqui do lado, ela falando: “Eu sou a tatatata do PT”. Está certo? E o depoimento do River, foi no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele, ela queria um furo, ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim —disse Bolsonaro, rindo, diante de uma claque, no Palácio da Alvorada, antes de uma cerimônia de hasteamento de bandeira.

Bolsonaro ofende jornalista da ‘Folha’

Presidente faz insinuações de cunho sexual sobre Patricia Campos Mello; entidades reagem

Julia Lindner / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro fez ontem insinuações de cunho sexual sobre o trabalho da jornalista Patricia Campos Mello, repórter do jornal Folha de S.Paulo. “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada.

Patricia é autora de reportagens que atribuem a bolsonaristas o uso irregular do WhatsApp para disparos em massa durante a campanha eleitoral.

Bolsonaro atacou a jornalista ao comentar o depoimento de um ex-funcionário da Yacows, agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp, na CPI das Fake News no Congresso. Na semana passada, Hans River do Rio Nascimento ofendeu a jornalista ao dizer que ela havia se insinuado para ele em troca de uma reportagem. Suas declarações na comissão foram contestadas pela Folha, que divulgou mensagens de texto e áudios e acusou Hans River de mentir. Bolsonaro, porém, endossou a versão e citou outro depoimento de River.

Sob ataque, aos 99- Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro reincide na ofensiva ao jornalismo; alvo é o edifício constitucional

Ao completar 99 anos de fundação, esta Folha está mais uma vez sob ataque de um presidente da República. Jair Bolsonaro atiça as falanges governistas contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final não é um veículo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifício constitucional da democracia brasileira.

Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevação do deputado à suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hábitos para o bom exercício do cargo. É a Presidência que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorância entranhada, do machismo abjeto e do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário.

O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças.

Há método na ofensiva. Os atores agredidos integram o aparato que evita a penetração do veneno do despotismo no organismo institucional. Bolsonaro não tem força no Congresso nem sequer dispõe de um partido. Testemunha a redução de prerrogativas da Presidência, arriscada agora até de perder o pouco que lhe resta de comando orçamentário.

Em nota, Folha diz que insulto de Bolsonaro a repórter agride todo o jornalismo profissional

Nesta terça-feira, presidente atacou jornalista da Folha com insinuação sexual

SÃO PAULO - A Folha divulgou nesta terça-feira (18) a seguinte nota sobre o insulto do presidente Jair Bolsonaro, com insinuação sexual, à repórter Patrícia Campos Mello: "O presidente da República agride a repórter Patrícia Campos Mello e todo o jornalismo profissional com a sua atitude. Vilipendia também a dignidade, a honra e o decoro que a lei exige do exercício da Presidência".

Nesta terça-feira (18), o insulto do presidente à jornalista foi uma referência ao depoimento de um ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp, dado na semana passada à CPMI das Fake News no Congresso.

O depoimento à comissão foi de Hans River do Rio Nascimento, que trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.

Sem apresentar provas, Hans afirmou que Patrícia queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”, declaração reproduzida em seguida por Eduardo Bolsonaro nas redes sociais.

Em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro falou sobre o caso. "Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim [risos dele e dos demais]. Lá em 2018 ele [Hans] já dizia que ele chegava e ia perguntando:

'O Bolsonaro pagou pra você divulgar pelo Whatsapp informações?' E outra, se você fez fake news contra o PT, menos com menos dá mais na matemática, se eu for mentir contra o PT, eu tô falando bem, porque o PT só fez besteira."

Entidades de jornalismo e OAB dizem que insulto de Bolsonaro a repórter é ataque à democracia

Nesta terça-feira, presidente insultou jornalista da Folha com insinuação sexual

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Entidades de jornalismo repudiaram e classificam como um ataque aos jornalistas e à democracia o insulto do presidente Jair Bolsonaro, com insinuação sexual, à repórter Patrícia Campos Mello, da Folha.

Para a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e o Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a fala de Bolsonaro desrespeita a imprensa e o seu trabalho essencial na democracia.

A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) chamou a agressão de "covarde" e pediu à PGR (Procuradoria-Geral da República) que denuncie a quebra de decoro de Bolsonaro.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo afirma que a fala do presidente pode ser classificada como injúria e é passível de responsabilização criminal. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalista), em nota assinada pela Comissão Nacional de Mulheres, diz que o episódio foi de "machismo, sexismo e misoginia".

"As insinuações do presidente buscam desqualificar o livre e exercício do jornalismo e confundir a opinião pública. Como infelizmente tem acontecido reiteradas vezes, o presidente se aproveita da presença de uma claque para atacar jornalistas, cujo trabalho é essencial para a sociedade e a preservação da democracia", afirma a ANJ.

"O desrespeito pela imprensa se revela no ataque a jornalistas no exercício de sua profissão. [...] Com sua mais recente declaração, Bolsonaro repete as alegações que a Folha já demonstrou serem falsas. Na mesma entrevista, Bolsonaro chegou a dizer aos repórteres que deveriam aprender a interpretar textos, assim ofendendo todos os profissionais brasileiros, não apenas a repórter da Folha", afirmam Abraji e OAB.

"Os ataques aos jornalistas empreendidos pelo presidente são incompatíveis com os princípios da democracia, cuja saúde depende da livre circulação de informações e da fiscalização das autoridades pelos cidadãos. As agressões cotidianas aos repórteres que buscam esclarecer os fatos em nome da sociedade são incompatíveis com o equilíbrio esperado de um presidente", conclui o texto.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, avalia que o insulto de Bolsonaro à repórter da Folha configura uma "clara tentativa de intimidação" e demonstração de "mau-caratismo institucional".

Cidadania critica declarações sexistas de Bolsonaro contra repórter da Folha de S. Paulo

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, e os líderes do partido no Senado, Eliziane Gama, e na Câmara, Arnaldo Jardim, criticaram veementemente em nota pública (veja abaixo) as declarações misóginas e de cunho sexual do presidente da República, Jair Bolsonaro, contra a repórter do jornal Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello.

“O desatino de um presidente
O presidente da República, Jair Bolsonaro, ao agredir com ironias grosseiras a jornalista Patrícia Campos Mello, hoje pela manhã, mais uma vez demonstra o seu desrespeito à liturgia do cargo, às mulheres, às famílias e aos direitos consagrados na Constituição de 1988, sem esquecer as recorrentes afrontas a imprensa livre do nosso país. Com sua atitude, rasga o senso e usa o mandato para alimentar o ódio e conflitos desnecessários entre os cidadãos.

Por estar no vértice do poder republicano, a presidência deve ser referência moral e comportamental para toda a sociedade e não trincheira ideológica para aprofundar desarmonias sociais, de gênero e de brasilidade.

Com a suas declarações, além do mais, o presidente confronta a luta histórica e a conquista de direitos pelas mulheres, afirmando posturas sexistas e misóginas, não mais toleráveis em nossa democracia.

As declarações desastradas do presidente tornam-se também condenáveis se levarmos em consideração que estamos às vésperas das comemorações do Dia Internacional da Mulher, no próximo 8 de março.

O Cidadania manifesta a sua solidariedade à jornalista vilipendiada a todas às mulheres e também a família brasileira.

Roberto Freire – Presidente do Cidadania
Eliziane Gama – Líder do Cidadania no Senado Federal
Arnaldo Jardim – Líder do Cidadania da Câmara dos Deputados

Maia, Alcolumbre, Toffoli e Aras silenciam sobre insulto de Bolsonaro a repórter

Chefes de Poder não comentam declaração do presidente com insinuação sexual

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Os presidentes dos demais Poderes silenciaram sobre insulto proferido nesta terça-feira (18) pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com insinuação sexual, contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha.

Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, foram procurados por meio de suas assessorias de imprensa. No entanto, até o início da noite desta terça, nenhum deles se manifestou.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, também não se posicionou sobre a declaração do presidente.

"Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim [risos dele e dos demais]", disse Bolsonaro nesta terça, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes na frente do Palácio da Alvorada.

A declaração do presidente foi uma referência ao depoimento de um ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp, dado na semana passada à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News no Congresso.

Hans River do Rio Nascimento, que trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, mentiu a deputados e senadores.

Em dezembro de 2018, reportagem da Folha, baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos do depoente Hans, mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nome e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Já na CPMI, ele deu informações falsas e insultou Patrícia, uma das autoras de reportagem.

Sem apresentar provas, Hans afirmou que Patrícia queria "um determinado tipo de matéria a troco de sexo".

Ao longo do dia, Maia se negou a comentar a declaração de Bolsonaro duas vezes, uma em São Paulo, onde participou de evento de um banco, e outra em Brasília.

No Congresso, durante entrevista coletiva, disse que só poderia falar sobre o episódio após assistir às declarações de Bolsonaro. A resposta foi a mesma dada pela manhã, na capital paulista.

"Não vi ainda. Só vou falar mais tarde. Não vou falar do que não vi. Só vi a repercussão", afirmou o presidente da Câmara.

Alcolumbre foi procurado pela Folha ainda na semana passada, quando a jornalista foi insultada pela primeira vez, mas não se manifestou.

Na segunda-feira (17), quando ele e seu pai foram alvos de comentários machistas, homofóbicos e antissemitas por causa de um vídeo em que aparecem dançando, o presidente do Senado foi às redes sociais.

"Uma crescente onda de intolerância, preconceito e desrespeito toma conta das redes sociais. É inacreditável que algumas pessoas sejam tão desrespeitosas que se sintam no direito de agredirem, sem mais nem menos, a imagem de um pai feliz em um momento de descontração com o filho", escreveu Alcolumbre.

Nesta terça, após a declaração de Bolsonaro, a assessoria de Alcolumbre foi procurada pela Folha, mas não respondeu.

Entrevista / Antonio Risério: “identitários lidam com caricaturas de pessoas”

- Eliana de Castro | FAUSTO MAG

No Brasil é raro pensadores de esquerda criticarem abertamente as próprias bandeiras. Não é o caso, sem dúvida, do antropólogo Antonio Risério, quem vem assiduamente chamando a atenção para os excessos dos chamados identitários. “Lugar de fala”, conceito da moda, vem perdendo a eficiência em nosso cada vez mais acuado campo democrático tornando-se por sua vez perigosa arma autoritária. É quando chega, hoje, à literatura. Mais especificamente ao modus operandi dos escritores, ditando regras sobre quem pode ou não escrever o quê. Com exclusividade para a FAUSTO, o também poeta que atuou como redator das campanhas presidenciais de Lula, autor de Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia identitária, convida a razão para ocupar o devido lugar neste debate.

FAUSTO – Em primeiríssimo lugar, reconhece como importante o conceito “lugar de fala”?

Antonio Risério: No sentido “clássico” da sociologia e da filosofia, sim – na perspectiva autoritária e rasa do “identitarismo”, não. O que quero dizer, quando falo em sentido “clássico”, é simples. A sociologia, a antropologia, etc., sempre nos mostraram que, ao refletir sobre as ideias e os discursos que ouvimos, temos que investigar o lugar do emissor dessas mensagens tanto na estrutura social quando no seu universo de cultura. Agora, há várias formas de você examinar isso.

• Qual é o problema do identitarismo?

O problema do identitarismo é que ele faz de conta que classes e grupos sociais não existem. O que conta, para essa turma multiculral-identitária pós-moderna, é, fundamentalmente, a realidade física da pessoa, sua situação étnica ou sexual. Nesse sentido, o identitarismo é um retrocesso, um “retorno” ao cientificismo oitocentista de um Destutt de Tracy, por exemplo, que interpretava as atividades mentais como produtos de causas fisiológicas. O identitarismo é uma volta a isso, no sentido de que fecha os olhos ao movimento real da vida social e só vê a situação física do indivíduo, seja a pigmentação da pele ou o que é mesmo que a pessoa tem nas entrepernas – e isso “explica” tudo, num mundo mecânica e drasticamente dividido entre “opressores” e “oprimidos”, onde não há lugar para posições e desempenhos individuais com relação ao conjunto da sociedade, já que tudo está dado de antemão. A diferença, portanto, é que o identitarismo é ainda mais estreito, em consequência de suas obsessões cromáticas e genitais.

Então, ao abolir as classes sociais, eles não têm como analisar uma situação em que se defrontam um senhor negro e um escravo negro. Ou o caso de uma mulher que possui escravas mulheres, todas da mesma cor, todas pretas, como se viu na África com Ginga, a rainha de Matamba, por exemplo. E eu ainda prefiro pensar com Marx, Durkheim e Lévi-Strauss do que a partir da patafísica racialista dos seguidores de Abdias do Nascimento, digamos.

• A interferência do “lugar de fala” no modus operandi da escrita literária não é exatamente o oposto de um dos mais poderosos efeitos da literatura, que é o aprender a ser outros?

Sim – e ainda podemos ir adiante. Não foi Rimbaud quem disse “je suis um autre”? Os “beatmiks” também diziam isso. Jerome Rothenberg – o autor de Symposium of the Whole e Shaking the Pumpkin, entre outros – fala categoricamente: o poeta é o outro. Nós somos os “ethnoi”, os bárbaros. Mas essa coisa do “lugar de fala”, levada a extremos no neofeminismo norte-americano e no racialismo neonegro, aponta para o fim de boa parte da criação verbal da humanidade. Sei que Robinson Crusoe – naquela ilha deserta onde ele naufraga depois de sair da Bahia – Sim: pouca gente lê, de fato: sempre que falo que Defoe fez de Robinson um senhor escravista no Recôncavo Baiano, as pessoas ficam completamente surpresas, mas está lá no romance, é só ler – se queixa de não ter um escravo, até achar o pobre do Friday, mas nunca se queixa de não ter uma mulher.

Mas isso não é bem a regra. Vamos agora, em obediência ao esquerdismo identitário, ter romances que se passem apenas entre homens, se o romancista for homem, ou exclusivamente entre mulheres, se a romancista for mulher? Vamos jogar Madame Bovary no lixo? Jogar no lixo a esplendorosa fala final de Molly Bloom no Ulysses de Joyce? Acho que é mais ou menos para essa direção que acabam apontando. E não é só literatura, claro. Um historiador do sexo masculino, que for escrever a história do sul da França entre os séculos XII e XIII, a história da Occitânia ou Languedócio, não pode dissertar sobre a realidade das mulheres naquela região, quando elas tinham autonomia econômica, algumas eram ricas e poderosas e chegavam a financiar trovadores? Não vai poder falar de Eleonora de Aquitânia ou da Condessa de Dia? Isso é absurdo, puro e simples absurdo.

• Se vinga essa interferência, o primeiro a perder o pescoço seria Chico Buarque? Quem melhor escreve sobre os sentimentos de uma mulher?

O que a mídia pensa – Editoriais

Sob ataque, aos 99 – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro reincide na ofensiva ao jornalismo; alvo é o edifício constitucional

Ao completar 99 anos de fundação, esta Folha está mais uma vez sob ataque de um presidente da República. Jair Bolsonaro atiça as falanges governistas contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final não é um veículo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifício constitucional da democracia brasileira.

Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevação do deputado à suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hábitos para o bom exercício do cargo. É a Presidência que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorância entranhada, do machismo abjeto e do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário.

O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças.

Poesia | Fernando Pessoa - Não me importo com as rimas

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior
Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural corno o levantar-se vento...