terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Fernando Gabeira* (Só uma ampla frente social pode responder a este momento.)

Historicamente, governos isolados abrem caminho para grandes frentes de oposição, com um acordo básico em torno da democracia. O discurso nazista de Roberto Alvim foi um momento especial em que essa possibilidade se mostrou.

Uma tática que me parece adequada diante de governos agressivos que tendem ao isolamento é a inspiração oriental: aproveitar o desequilíbrio de quem se lança ao ataque usando o seu próprio impulso.

Bolsonaro, ao dar banana para a imprensa, acredita que a enfraquece. O mesmo vale quando se refere grosseiramente à repórter Patrícia Campos Mello.

Na verdade, ele se isola mais. Entra aqui um outro elemento tático que é preciso discutir: os eleitores de Bolsonaro não podem ser confundidos com ele.

Os próprios evangélicos, como nos Estados Unidos, podem estar se convencendo aos poucos de que Trump não os representa.

Hoje dá bananas, amanhã põe a língua de fora, não importa, o curso geral é este: o governo escolheu o isolamento e está ensinando o caminho para combatê-lo. Só uma ampla frente social pode responder a este momento. Hoje, o governo Bolsonaro expandiu a presença dos militares no centro das decisões.

É mais um ângulo do seu isolamento. Foi incapaz de construir uma equipe na sociedade. Optou pelos seus guerreiros ideológicos, no caso de Weintraub, um guerreiro contra o português.

*Fernando Gabeira, jornalista. “O governo Bolsonaro escolheu o isolamento”, O Globo, 24/2/2020.

Pablo Ortellado* - A politização da polícia

- Folha de S. Paulo

Policiais estão sendo assediados de todos os lados

Um dos mais perigosos sinais da deterioração das instituições é a politização das polícias. Forças políticas estão doutrinando e disputando a lealdade das polícias para utilizá-las como salvaguarda do poder, ameaçando, no limite, a rotatividade conferida por mecanismos eleitorais. A história dos nossos vizinhos sul-americanos deveria servir de alerta.

Na Venezuela, o controle político dos militares e das forças policiais e a constituição de uma retaguarda civil armada não apenas deram respaldo à progressiva ingerência do Executivo sobre o Judiciário, o Legislativo e a imprensa como impediram a tomada do poder por forças adversárias —de um lado, garantiram o crescente autoritarismo do regime bolivariano, e, de outro, impediram um novo golpe como o que havia acontecido em 2002.

Na Bolívia, uma polícia politizada se aliou à revolta popular contra Evo Morales e garantiu que a insurreição desse posse a um governo de transição de extrema direita que perseguiu os apoiadores do regime anterior e talvez não entregue o poder para o MAS caso ganhe as próximas eleições. Evo, por seu lado, demonstrou arrependimento por não ter seguido os passos de Chávez e armado os movimentos civis que eram seus aliados.

Aqui no Brasil, policiais estão sendo assediados de todos os lados.

Bolsonaro professa uma ideologia abertamente punitivista e a combinou com uma postura corporativista pró-polícia que quer reduzir o controle pelas corregedorias e pela Justiça e conceder reajustes salariais extraordinários, além de conferir privilégios como aposentadorias especiais. Isso tem servido de base para uma ativa cooptação de policiais para seu projeto político.

Cristina Serra - A rebeldia como inspiração

- Folha de S. Paulo

Em 1984, profissionais da imprensa se arriscaram em nome do exercício digno da profissão

Era janeiro de 1984, ainda vivíamos sob ditadura e o presidente era João Figueiredo, que preferia o cheiro de cavalos ao do povo. O general estava aborrecido com os fotógrafos que cobriam o Palácio do Planalto porque os jornais noticiaram uma cena constrangedora entre ele e o então deputado Paulo Maluf, ocorrida no gabinete presidencial.

Naquela época, repórteres de texto não eram autorizados a entrar no gabinete. Os fotógrafos, então, relataram o que presenciaram aos seus colegas. E foi assim que o presidente e seus aspones perceberam que os fotógrafos tinham ouvidos e boca, além de olhos bem atentos.

Em represália, os fotógrafos foram proibidos de entrar no gabinete. E o Planalto passou a distribuir às Redações as fotos feitas apenas pelo fotógrafo oficial. O material chapa-branca era deixado nos escaninhos que os jornais tinham na sala de imprensa. Os fotógrafos passaram a rasgar as fotos.

Mas eles queriam um protesto de maior impacto e que desse um recado claro ao ditador de que não aceitariam restrições ao seu trabalho. Combinaram, então, que depositariam câmeras e equipamentos no chão quando o general descesse a rampa do palácio.

A única foto conhecida desse protesto —corajoso e inteligente— mostra os profissionais de braços cruzados enquanto o presidente passa por eles com sua carranca habitual.

Gaudêncio Torquato* - O insustentável peso do ser

- Folha de S. Paulo

Será muito difícil caso a liturgia não seja resgatada

Em seu aclamado livro “A Insustentável Leveza do Ser” (1984), o tcheco Milan Kundera mostra que nossas vidas são marcadas pelos signos do peso ou da leveza, condicionantes do modo de ser, que levam uns e outros a ser diferentes nas atitudes em relação ao amor, à compaixão, à solidariedade, às mudanças; enfim, aos valores humanos. A leveza está mais próxima a qualidades positivas, já o peso carrega um viés negativo, nos termos da observação feita pelo filósofo grego Parmênides, citado por Kundera.

Os quatro personagens do romance vivem, cada um a seu modo, o dilema da escolha entre a leveza e o peso. Leitura literária à parte, fiquemos na dualidade peso e leveza para um pequeno exercício de análise política, a começar pela dúvida sobre a pertinência da questão: haveria um insustentável peso do ser? Arriscamo-nos a responder de maneira afirmativa.

O argumento que se pode usar nessa direção é a divisão entre dois territórios da política: um, habitado por valores positivos, abençoados pela deusa da democracia, abrangendo liberdades, direitos, deveres, respeito, cumprimento da norma, obediência ao rito. Entre outros, claro. Outro território é o contraponto, que agrega desrespeito, censura, discriminação, restrição às liberdades e aos direitos, incentivo ao ódio e quebra da liturgia institucional.

Renato Janine Ribeiro* - Governo federal ameaça a autonomia universitária

- Folha de S. Paulo

MP 914 transformará reitores em interventores

A medida provisória 914, baixada na véspera do Natal pelo governo Jair Bolsonaro, é um passo decisivo para a destruição da autonomia do ensino superior federal. Explico seus três pontos mais graves.

Começo pelas 63 universidades federais que temos. A MP 914 introduz um detalhe que as tornará fantoches do governo. Decreta que cada votante, na formação da lista tríplice, terá direito a sufragar apenas um candidato. Ora, a tradição no mundo acadêmico permite a cada votante escolher três nomes, de modo a haver três mais votados que sejam representativos da comunidade científica. A própria USP, a mais resistente opositora à eleição direta de reitores, sempre atuou assim.

Ao limitar cada votante a um nome, o governo induz à formação de listas tríplices nas quais o terceiro nome poderá entrar com 5% ou 10% dos votos. A prática do atual governo indica que é esse o seu objetivo: impor às instituições federais de ensino superior, que incluem a maior parte das melhores universidades brasileiras, nomes sem apoio interno, sem reconhecimento acadêmico, que funcionarão como interventores, o que não se vê há décadas.

Segundo ponto: os reitores assim nomeados escolherão arbitrariamente os diretores de faculdades que componham suas universidades ou institutos. Dentro da universidade ou do instituto federal, todos os dirigentes serão escolhidos sem a participação do corpo docente, para não falar dos alunos e servidores. Nem na ditadura foi assim! Ao contrário do que dizia a promessa de campanha de “mais Brasil e menos Brasília”, haverá só Brasília na escolha dos dirigentes universitários.

Terceiro: a MP 914 acaba com a autonomia dos 38 institutos federais de ciência e tecnologia na escolha de seus dirigentes. Pela lei que os criou, eles elegem diretamente reitor e diretores. Pela MP, passam a se subordinar à lista tríplice, isto é, de novo o presidente da República pode escolher o menos votado para dirigir o instituto.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Fica, Carnaval!

- Folha de S. Paulo

Ter quatro dias distantes das preocupações econômicas e da briga política deveria ser direito humano básico

Nestes tempos, ter quatro dias distantes das preocupações econômicas e da briga política deveria ser um direito humano básico. Confesso que senti um certo prazer de ver as notícias na segunda-feira (24), constatar que as bolsas do mundo todo estão em queda livre graças à epidemia do coronavírus e, mesmo assim, sentir que aquilo não me diz respeito; pelo menos até quarta-feira (26).

A civilização exige a limitação dos prazeres e a organização para objetivos de longo prazo. Mas qual é o sentido de se viver num mundo em que apenas a lógica da produção e do planejamento importam, e em que as paixões sejam cada vez mais domadas? A vida também precisa ser aproveitada, e de preferência antes da distante aposentadoria.

De uns anos para cá, como forma de compensar os custos da civilização, vimos dando vazão justo ao lado mais sombrio de nossas paixões: ao desejo de morte e dominação, entregando cada vez mais espaço de nossas almas à mentalidade de guerra, da distinção amigo-inimigo, que é a lógica que leva ao totalitarismo. O real antídoto da violência de extrema direita, contudo, não é a polarização para a esquerda, e sim a subversão dessa lógica: a possibilidade da convivência alegre e despreocupada entre todos, independentemente da identidade de cada um. Em suma, um pouco de Carnaval.

É claro que, num mundo que força a politizar todo e qualquer ato (da escolha da roupa ao filme a que assistimos), cavar um espaço para a convivência e para o prazer sem sentido político direto é, no final das contas, também um ato político. Note aí o “também”: a política entra como acidente, jamais como motivação principal.

Ricardo Noblat - Recado do general Santos Cruz aos seus colegas e a quem interesse

- Blog do Noblat | Veja

Sobre o papel do Exército

Ex-chefe da Secretaria de Governo da presidência da República, demitido por Jair Bolsonaro a pedido dos seus filhos, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, criticou, ontem, o uso do Exército para uma convocação de atos de rua contra o Congresso.

Circula nas redes sociais de bolsonaristas um cartaz com a foto de quatro militares do governo e a frase: “Fora Maia e Alcolumbre”. Maia é Rodrigo (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. Alcolumbre, David (DEM-AP), o presidente do Senado.

Embaixo da foto, onde aparecem, entre outros, os generais Hamilton Mourão, o vice, e Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, está escrito: “Vamos às ruas em massa. Os generais aguardam as ordens do povo”.

Como os retratados e ninguém pelo Exército se pronunciaram sobre o cartaz assinado pelos Movimentos Patriotas e Conservadores do Brasil”, Santos Cruz decidiu fazê-lo. E ensinou na sua conta no Twitter a quem interessar, possa:

“IRRESPONSABILIDADE Exército Brasileiro – instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Confundir o Exército com alguns assuntos temporários de governo, partidos políticos e pessoas é usar de má fé, mentir, enganar a população.”

Duas horas depois, trocou a mensagem anterior por esta:

MONTAGEM IRRESPONSÁVEL Exército – instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não confundir o Exército com alguns assuntos temporários. O uso de imagens de generais é grotesco. Manifestações dentro da lei são válidas.”

O que se passou entre uma mensagem e outra, só Santos Cruz sabe.

Míriam Leitão - Dia de susto no meio do carnaval

- O Globo

Casos de coronavírus na Itália e na Coreia do Sul derrubam as bolsas e aumentam risco de desaceleração da economia mundial

O mercado financeiro global vai entendendo por espasmos o impacto da crise do coronavírus na economia, o que deveria estar claro desde o início, porque a China é o país mais inserido na globalização. Segunda-feira de carnaval foi um destes dias de compreensão do grau de risco em que todos os países estão. No mar das quedas abruptas de ontem, as cotações de produtos que exportamos e as ações de empresas brasileiras foram afetadas. Desta vez, o susto veio da Itália, com cidades isoladas e o carnaval de Veneza suspenso, e do aumento de casos na Coreia do Sul e no Irã.

A China é o hub global. O mundo quase todo importa de lá ou vende para o país. Ela produz milhões de peças para todo o tipo de indústria, eletrônica, digital. O Japão não produz sem a China. A Coreia do Sul proclamou alerta máximo e pôs sete mil soldados em quarentena. Diante dos 43 casos no Irã, com 12 mortes, Turquia, Jordânia, Paquistão e Afeganistão fecharam as fronteiras ou restringiram as viagens com destino ou origem no país. O turismo, a indústria de aviação, a farmacêutica, tudo depende da potência asiática, é o que alertam observadores que acompanham de forma mais atenta a economia chinesa.

Antonio Pedro Pellegrino* - Pedras na Geni

- O Globo

Há privilégios que precisam ser extintos no funcionalismo, mas prerrogativas, que de privilégio nada têm, precisam subsistir

No Brasil de hoje, quando se fala em serviço público, nos deparamos com um verdadeiro festival de barbaridades. Se, num dia, assistimos boquiabertos a um procurador de Justiça esbravejar contra o seu “miserê” de 24 mil mensais, noutro, os salvadores da pátria de plantão não deixam o nosso espanto esmorecer: o funcionalismo público é parasitário, proclama-se em alto e bom som. Essas duas manifestações representam bem o embate no qual o Brasil está imerso. De um lado, os funcionários públicos, esses marajás que ganham muito e trabalham pouco — vociferam alguns; de outro, uma parcela significativa da sociedade que, debaixo de discursos como o da eficiência, escondem um ódio capaz de fazer quem o sente perder as estribeiras. É justamente a origem desse ódio que pretendo investigar nas próximas linhas.

Antes de prosseguir, diga-se o óbvio: no meio do funcionalismo, realmente, há privilégios que precisam ser extintos, como também, por outro lado, há prerrogativas institucionais que de privilégio não têm nada, e que, portanto, precisam subsistir. Contudo, não é objetivo deste artigo analisar se isso ou aquilo deve ser mantido ou não. Foquemos, pois, no que interessa.

Eis o meu argumento: a Constituição de 88, na medida em que exigiu concurso para o provimento de cargos públicos, constituiu para grande parcela da sociedade brasileira uma brusca ruptura, já que abalou a tradição brasileira de ver no Estado uma extensão da família. A propósito, veja-se que, já no Império, Joaquim Nabuco via no funcionalismo o asilo das antigas famílias ricas e fidalgas.

Com a República, a ocupação do espaço público por apadrinhados, ao contrário do que se poderia supor, não diminuiu, bastando tomar como exemplo as famílias que, por gerações e gerações, tiravam suas fortunas de cartórios, os quais lhes eram, não raro, presenteados pelos políticos da ocasião. Porém, com a Constituição de 88, a farra acabou, passando-se a exigir concurso público para o exercício da atividade cartorária.

Carlos Andreazza - Retroescavadeira e bala

- O Globo

É onde estamos: a truculência que se pretende manifestação política

Retroescavadeira e bala. Essa — a do aterramento, do excludente de ilicitude moral — é a linguagem brasileira corrente. O próprio espírito do tempo. Retroescavadeira e bala. Remover entulho — para a nova ocupação de espaços de poder outrora políticos — e atirar, a imposição de um modo de comunicar instigador de violências e que não se acanha ante a possibilidade de matar.

É onde estamos: a truculência que se pretende manifestação política; que despertou — que anima — a alma ressentida dos que dão corpo à febre reacionária; que faz sentido, vende transgressão, a uma juventude desesperançada em busca de formas para existir.

Retroescavadeira e bala. As forças de destruição que materializam a percepção da democracia como empecilho. O próprio espírito do tempo. O Zeitgeist que autoriza — não pense que sem encadeamento, leitor — jornalista a dar na cara de entrevistado; que legitima parlamentar a se valer de calúnia para disseminar a misoginia característica do reacionarismo que capturou o imaginário nacional; que endossa o investimento do presidente da República contra a imprensa, difamando uma mulher, como se o ofício fosse prostituição; que impulsiona o chefe do Executivo federal a desafiar governadores; que estimula um general do Exército — chefe da inteligência institucional do governo — a apostar na instrumentalização do povo nas ruas para emparedar o Poder Legislativo; que fundamenta o sentimento da elite financeira que visita a China e volta encantada com aquele tipo de sistema em que tudo se ergue com rapidez, no que vai contida, embora não declarada, a ideia de que a vida seria mais fácil sem essas chatices de democracia representativa e de estado de direito.

Retroescavadeira existe — Cid Gomes sabe — para limpar terreno; esvaziá-lo do indesejado. Avaliemos, pois, a mensagem difundida por seu uso contra pessoas. Avaliemos a mensagem disseminada por seu uso — nas mãos de uma autoridade, contra cidadãos — como ferramenta de ação política. Ou alguém duvidará de que o recurso empregado pelo senador — ex-governador — contra os policiais cearenses fora pensado como um gesto político para efeito midiático? Decerto calculou que sairia do teatro como um corajoso herói em nome do povo. Esse é o lugar autoritário em que a razão se acoelhou: o do trator como expressão do discurso político.

No Ceará, Moro afirma que não há ‘desordem’

- Qualquer instituição fardada, seja ela das Forças Armadas ou da Polícia Militar, é baseada na hierarquia e na disciplina. É vedado o direito de greve e de associações com fins políticos. Essa é a lei —disse o ministro da Defesa

Número de assassinatos desde o início de motim chega a 147; ministro visitou o estado com Azevedo e Silva, da Defesa

Marco Grillo | O Globo

BRASÍLIA - Ministro da Justiça esteve em Fortaleza, ontem, para acompanhar ação de tropas federais. Número de assassinatos no estado desde quarta-feira chegou a 147.

Oministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou que não há “situação de absoluta desordem nas ruas” do Ceará, durante visita ao estado, ontem. O número de crimes violentos letais intencionais — homicídios, latrocínios, feminicídios e lesões corporais seguidas de morte — registrados no Ceará chegou a 147 desde o início do motim dos policiais militares, na quarta-feira passada. Moro esteve acompanhado do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.

— Existe um indicativo de aumento de alguns crimes mais violentos, mas a situação não é, vamos dizer assim, não há situação de absoluta desordem nas ruas. As pessoas estão circulando nas ruas, não existem saques em estabelecimentos comerciais. A situação está sob controle, claro que dentro de um contexto relativamente difícil, em que parte da polícia estadual está paralisada — disse o ministro da Justiça, em entrevista coletiva em Fortaleza.

Azevedo e Silva informou que o governo federal enviou cerca de três mil agentes de segurança ao Ceará em função da paralisação. O efetivo tem 2.600 homens das Forças Armadas, além de integrantes da Força Nacional de Segurança, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal. Para o ministro da Defesa, o contingente é suficiente para dar “proteção” para a população. O presidente Jair Bolsonaro decretou na semana passada uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Segundo o decreto, as Forças Armadas ficam no estado até sexta-feira.

Eliane Cantanhêde - Ceará, caso exemplar

- O Estado de S.Paulo

Presidente não pode calar nem governador ceder, para evitar ideia de que motim vale a pena

Se foi rápido no gatilho para falar do capitão Adriano, um dos maiores líderes de milícias do Rio de Janeiro, morto num cerco policial na Bahia, o presidente Jair Bolsonaro até ontem não havia dito uma só palavra sobre os policiais militares que fazem motim no Ceará, aquartelados, armados, encapuzados e atacando carros da própria polícia.


Pode-se pensar que Bolsonaro fala de um caso e ignora o outro em defesa das polícias, mas não se trata disso. Se ele chamasse de “heróis” e defendesse os policiais honestos que têm uma missão difícil, trabalham em condições adversas e arriscam suas vidas em prol da segurança, seria louvável. Mas o foco dele, na fala e no silêncio, é a banda podre, que faz milícia, faz motim, comete crime militar.

Isso é absurdo para um presidente da República, mas condiz com a história de Jair Bolsonaro, acusado e processado por ter planos e croquis para bombardear quartéis militares. Depois, conquistou mandato de deputado com votos de policiais e evangélicos e desperdiçou 28 anos na Câmara com questões corporativistas.

Num dos maiores motins policiais do País, em 2017, no Espírito Santo, Bolsonaro não se limitava a defender os amotinados. Reportagem do Estado de 25 de fevereiro daquele ano, sob o título “Rede de Bolsonaro na teia do motim”, mostra que o grupo do então deputado estava por trás da grande rede de divulgação do movimento. Num vídeo visualizado por dois milhões de pessoas, ele defende os revoltosos e fala da possibilidade de o movimento se espalhar para outros Estados.

Rubens Barbosa* - Novos ventos no Planalto

- O Estado de S. Paulo

A recomposição do equilíbrio de poder enfraquece a influência do grupo ideológico

Os ventos no Palácio do Planalto poderão mudar com a nomeação do general Braga Netto para a chefia da Casa Civil e do almirante Flávio Rocha para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).

A Casa Civil, que deve coordenar todas as ações do governo federal, sai fortalecida e tem o potencial de transformar a maneira como o Executivo lida com o Legislativo e o Judiciário. Com uma reviravolta nas atribuições ministeriais, a SAE passa a ter a responsabilidade da elaboração de subsídios para a formulação do planejamento estratégico e de ações externas de governo.

Agora vinculada diretamente ao presidente da República, a SAE foi significativamente fortalecida. As atribuições da Assessoria Internacional passam para a SAE, que deverá assistir o presidente da República no desempenho de suas atribuições e, especialmente, na realização de estudos e contatos por ele determinados em assuntos que subsidiem a coordenação de ações com organizações estrangeiras; assistir o presidente da República, em articulação com o gabinete pessoal do presidente, na preparação de material de informação e de apoio, de encontros e audiências com autoridades e personalidades estrangeiras; preparar a correspondência do presidente com autoridades e personalidades estrangeiras; participar, em articulação com os demais órgãos competentes, do planejamento, da preparação e da execução das viagens presidenciais internacionais; e encaminhar e processar as proposições e os expedientes da área diplomática, em tramitação na Presidência. O assessor internacional, Felipe Martins, passa a ser subordinado do chefe da SAE, o almirante Flávio Rocha.

A recomposição do equilíbrio de poder no Planalto enfraquece a influência do grupo ideológico e familiar. Será interessante acompanhar a reação do núcleo olavista palaciano à decisão presidencial. A mudança de cadeiras tem o potencial de facilitar a busca de maior racionalidade e de resultados para as iniciativas na área internacional, além do relacionamento com o Congresso e o Judiciário, sujeitos a fortes turbulências na semana passada.

O que a mídia pensa – Editoriais

O lado externo da mediocridade – Editorial | O Estado de S. Paulo

Com mais um tombo da exportação e déficit comercial de US$ 2,56 bilhões, o ano começou mal para as contas externas. Com reservas de US$ 359,39 bilhões, o País continuou capaz de pagar suas contas sem dificuldade, mas o sinal amarelo nas transações correntes ficou mais forte. Janeiro terminou com um déficit mensal de US$ 11,88 bilhões nessa conta. Em 12 meses o resultado negativo chegou a US$ 52,28 bilhões, valor correspondente a 2,85% do Produto Interno Bruto (PIB). O buraco ainda foi coberto facilmente, nesse período, com o ingresso líquido de US$ 78,35 bilhões de investimento estrangeiro direto. Mas o tamanho do rombo começará a chamar a atenção dos analistas, se o balanço externo do Brasil continuar piorando. Não há ponto preciso onde o alerta se torne assustador, mas um déficit acima de 3% do PIB é com frequência considerado motivo de séria preocupação.

Poesia | Carlos Drumm0nd de Andrade - Poema-orelha

Esta é a orelha do livro
por onde o poeta escuta
se dele falam mal
ou se o amam.
Uma orelha ou uma boca
sequiosa de palavras?
São oito livros velhos
e mais um livro novo
de um poeta ainda mais velho
que a vida que viveu
e contudo o provoca
a viver sempre e nunca.
Oito livros que o tempo
empurrou para longe
de mim
mais um livro sem tempo
em que o poeta se contempla
e se diz boa-tarde
(ensaio de boa-noite,
variante de bom-dia,
que tudo é o vasto dia
em seus compartimentos
nem sempre respiráveis
e todos habitados
enfim.)
Não me leias se buscas
flamante novidade
ou sopro de Camões.
Aquilo que revelo
e o mais que segue oculto
em vítreos alçapões
são notícias humanas,
simples estar-no-mundo,
e brincos de palavra,
um não-estar-estando,
mas de tal jeito urdidos
o jogo e a confissão
que nem distingo eu mesmo
o vivido e o inventado.
Tudo vivido? nada.
Nada vivido? Tudo.
A orelha pouco explica
de cuidados terrenos;
e a poesia mais rica
é um sinal de menos.