quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Celso de Mello*

Essa gravíssima conclamação, se realmente confirmada, revela a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!! O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da constituição e das leis da República!

*Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), nota enviada à imprensa, 26/2/2020

Merval Pereira - Sem limites

- O Globo

Não há possibilidade de uma retomada econômica com um clima de instabilidade política propiciado pelo próprio presidente

Não há explicação possível, além da tentativa de testar os limites da democracia, para o presidente Bolsonaro ter compartilhado um vídeo convocatório de uma manifestação contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) organizada por suas milícias virtuais, que anseiam transformarem-se em reais com incentivos como esse.

Alegar que o compartilhou apenas com um grupo de amigos de WhatsApp só confirma que apoia a convocação, pois se a repudiasse, como fariam líderes democráticos com noção da responsabilidade do cargo, não brincaria com fogo, nem mesmo em privado.

A gravidade seria de outra dimensão se Bolsonaro realmente não entendesse o papel fundamental de um presidente da República num país que luta para sair da recessão econômica, que trouxe o desemprego e o aumento da desigualdade para o centro do debate político radicalizado.

Mas os permanentes movimentos autoritários do presidente e de seus áulicos, especialmente os militares, indicam que o caminho traçado por ele não é o do debate democrático, mas o do enfrentamento permanente com as instituições que lhe limitam os poderes.

Bolsonaro esconde-se atrás da turba que sua irresponsabilidade alimenta, alega que não tem controle sobre as massas que o apoiam nas redes sociais. Desde a campanha presidencial é assim que atua, eximindo-se de responsabilidade sobre atos que estimula através da retórica do ódio.

O trabalho sujo, as milícias fazem. Seus ataques ao Congresso, em especial ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, ao Supremo, à imprensa profissional independente, são repercutidos nas redes e impulsionam a agressividade odienta que ameaça a estabilidade institucional do país.

A disputa política em torno do controle do orçamento, com emendas impositivas dos parlamentares retirando do Executivo a gerência sobre R$ 30 bilhões, é caso para ser resolvido dentro da relação de dois Poderes teoricamente iguais e harmônicos.

Ascânio Seleme - Infâmia pública

- O Globo

Não importa qual o limite, o presidente rompe todos

Existe ato mais grave do que o chefe do Poder Executivo divulgar vídeo convocando seus seguidores para ato de protesto contra o Poder Legislativo? Existe, e atende pelo nome de ruptura democrática.

O presidente Jair Bolsonaro passa todos os dias do limite. Não importa qual o limite, ele rompe todos. No começo do seu mandato, ele ultrapassava apenas as fronteiras do bom gosto e do senso comum. Há um ano, no seu primeiro carnaval, o presidente perdeu a linha ao reproduzir em rede social o famoso “golden shower”, uma brincadeira idiota em que um homem urina sobre outro no meio da folia. Também fez gracinha com um homem de traços orientais, sugerindo que ele tinha um pênis pequeno.

Logo o capitão começou a quebrar as barreiras que separam o estado de direito do estado de força. Sentido-se cada vez mais à vontade, aplaudido por puxa-sacos palacianos, ouvindo claques de apoiadores plantadas onde quer que vá, sempre cercado por seguranças, ele fala, ouve urras e risadas e acha que está mandando bem. E assim vai construindo um círculo vicioso onde diz uma bobagem, sua turma repercute com vivas nas redes, e a repercussão volta a ele, que aumenta o tom.

Nesta terça, o tom foi alto demais. Bolsonaro distribuiu um vídeo chamando para um ato no dia 15 de março em apoio a ele e contra o Congresso Nacional. Embora não faça menção ao Legislativo, a convocação é para o mesmo dia em que apoiadores do presidente marcaram manifestações em todo o país em favor do governo e dos militares (como se eles estivessem ameaçados) e contra o Congresso. Os posts convocatórios para o dia 15 dizem coisas como “Os militares aguardam as ordens do povo”, “Fora Maia e Alcolumbre”, ou “”Foda-se” inscrito sobre uma imagem do general Heleno fardado.

O presidente, que jamais poderia aliar-se a uma manifestação contra um poder da República, foi muito além ao incentivar a sua organização e ao entrar agora na corrente de convocação, mesmo que no WhatsApp entre amigos.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro aposta em estratégia de intimidação

- O Globo

Bolsonaro foi eleito presidente, mas quer governar como ditador. Não aceita as regras da democracia, que estabelecem limites ao exercício do poder

Jair Bolsonaro foi eleito presidente, mas quer governar como ditador. Não aceita as regras da democracia, que estabelecem limites ao exercício do poder.

Ao completar um ano no Planalto, o capitão elevou o tom dos ataques à imprensa. Agora busca insuflar seus seguidores contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

Na semana passada, o general Augusto Heleno disse que era preciso “convocar o povo às ruas”. Foi a senha para os grupos de extrema direita organizarem novas marchas a favor do governo.

Bolsonaro gostou da ideia. Em pleno feriado, compartilhou dois vídeos que incitam as massas a mostrar “a força da família brasileira” e protestar contra os “inimigos do Brasil”.

Míriam Leitão - O presidente mira a democracia

- O Globo

É gravíssimo o fato de o presidente compartilhar vídeos com mensagem antidemocrática e com ameaças a um dos poderes

O presidente Bolsonaro compartilhar vídeos de uma manifestação com o objetivo de atacar um dos poderes é gravíssimo. Tentar reduzir o peso do fato é uma forma de colaborar com o avanço cada vez mais perigoso do atual governo contra as bases da democracia. Um vídeo é pior do que o outro, mas as mensagens são inequívocas, a ideia é acuar o Congresso. Todo o problema da execução do Orçamento foi criado pelo próprio governo quando fechou um acordo inaplicável de que partes das despesas dos ministérios passariam pelo Congresso. E esse acordo pode ser desfeito, mas em vez disso o presidente prefere radicalizar.

A quarta-feira de cinzas já seria difícil no mercado financeiro, portanto, a forte queda de ontem estava dentro do previsto. Como os preços das ações caíram muito nos dias em que a bolsa brasileira ficou fechada, haveria uma correção. O problema não é essa queda, que chegou a 7%. A economia é ameaçada por uma pandemia, mas internamente o risco maior que o Brasil corre é provocado pelo comportamento insano do presidente da República.

No ano passado, muitos de forma condescendente explicaram o evento de o presidente compartilhar em rede social uma cena grotesca como fruto da sua inexperiência no cargo. Ele não saberia, disseram algumas pessoas, o peso do compartilhamento feito pelo próprio presidente. Mas a essa altura não há mais autoengano possível. Ele sabe o que faz, quer acuar o Congresso, não conhece os limites impostos pelo regime democrático ao exercício do poder do Executivo, quer manipular a ideia de que está sendo impedido de governar pelos políticos e pelo Supremo.

Carlos Alberto Sardenberg - Falta confiança

- O Globo

Única atitude cabível do presidente Bolsonaro seria desautorizar publicamente a campanha pela manifestação de 15 de março, claramente um ataque ao Congresso

Chefes de Estado até podem tentar, mas não têm vida privada. Ou seja, não serve como justificativa, muito menos como desculpa, o presidente Bolsonaro dizer que transmitiu mensagens ofensivas ao Congresso e ao Supremo aos seus grupos privados de WhatsApp.

Também não adianta dizer que não havia referência explícita ao Legislativo e ao Judiciário na mensagem retransmitida. Todo mundo vê a atividade dos grupos ligados a Bolsonaro e a enorme quantidade de mensagens espalhadas com ataques, sim, e ofensas aos demais poderes da República.

As reações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a do decano do STF, Celso de Mello, revelam não apenas preocupação, mas até mesmo uma certa surpresa. Será que é isso mesmo?

Ou seja, a única atitude cabível do presidente Bolsonaro seria desautorizar publicamente a campanha pela manifestação de 15 de março, claramente um ataque ao Congresso. Rodam por aí as mensagens que opõem militares aos “políticos do passado”. Não basta o presidente dizer, em privado, que não tem nada a ver com isso.

O objetivo só pode ser o de tumultuar. Se for para aprovar reformas, como se aprovou a da previdência, então o movimento deveria ser o contrário. Dizem os bolsonaristas que o Congresso só funciona na base do dinheiro — e como o capitão não quer pagar, o que resta?

E está errado. Ou a reforma da previdência foi comprada ou imposta pelas ruas?

E outra: a reforma tributária, essencial para a retomada da economia, está mais adiantada no Congresso do que no Planalto.

Luiz Carlos Azedo - Carnaval em Guarujá

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro não gosta de desfiles de escolas de samba, prefere as paradas militares. O carnaval é a negação de tudo o que ele pensa. Deveria, porém, prestar mais atenção ao recado dos foliões”

Existe um dilema na vida nacional que somente a antropologia social dá conta de percebê-lo na sua dimensão cultural: a contradição entre os aspectos autoritários, hierarquizados e violentos da nossa sociedade e a busca de um mundo harmônico, democrático e não conflitivo. O antropólogo Roberto da Matta captou esse dilema no livro Carnavais, Malandros e Heróis, de 1979, um clássico da interpretação do Brasil. Na época, o carnaval de rua não era ainda a grande manifestação de massas que se registra hoje em praticamente todos os estados, porém, os desfiles de escola de samba no Rio de Janeiro já traduziam a alma de um Brasil mais profundo.

Este comentário de Henrique Brandão, jornalista e um dos fundadores do bloco Simpatia é quase amor, me remeteu das redes sociais para a obra de Da Matta: “O que se viu e ouviu no Sambódromo neste carnaval foram enredos criativos e, uma boa parte, autorreferentes. Mangueira, Tuiuti, Ilha e Tijuca usaram as comunidades de origem para contar suas histórias. Outras, falaram de personalidades com forte identificação com as localidades de onde surgiram as escolas, como Joãozinho da Gomeia (Grande Rio) e Elza Soares (Mocidade). O Salgueiro exaltou o primeiro palhaço negro do Brasil. Os indígenas que habitavam o Rio antes da chegada dos portugueses foram cantados pela Portela. As Ganhadeiras de Itapuã, negras de ganho que compravam suas alforrias em Salvador, foi o tema da Viradouro. A criatividade destes enredos se refletiu nos sambas, com uma safra de alto nível. Enfim, mesmo lutando contra a má vontade do poder público — principalmente do prefeito-bispo que demoniza o carnaval — as escolas saíram de suas zonas de conforto e foram buscar em suas raízes a chave para renovarem seus desfiles. Há muito não via um carnaval tão bom na Sapucaí”.

Ricardo Noblat - Bolsonaro, outra vez, atira no Congresso pelas costas

- Blog do Noblat | Veja

Mais uma crise artificial criada por quem gosta de viver perigosamente

Seria tentador escrever que o presidente Jair Bolsonaro atravessa o momento mais difícil do seu (des)governo desde que ele começou em janeiro do ano passado, mas não seria certo. Houve outros momentos tão difíceis quanto este. E haverá outros certamente até que seu mandato chegue ao fim.

O fim oficial está marcado para 31 de dezembro de 2022. Mas não se descarte que ele possa chegar antes por obra do imprevisível ou dos sucessivos erros que nublam o futuro próximo. Quando nada, é bom que se diga, os militares tentarão sustentá-lo no cargo por até dois anos pelo menos.

Se despencasse antes disso haveria eleição direta para presidente como manda a Constituição. Se despencasse depois, assumiria o vice, o general Hamilton Mourão, para completar o mandato. A depender de Bolsonaro, ele governará quatro anos e mais quatro. Já imaginou se for assim?

A mais recente crise deflagrada por Bolsonaro dificilmente resultará em algo maior do que uma crise, a dissipar-se quando uma nova entrar em cena. Dizia-se que ele poderia ir ao chão caso a investigação sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega acabasse batendo à sua porta, e a da sua família.

Maria Hermínia Tavares* - Pulsão autoritária

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro aparenta acatar regras democráticas, mas estimula quem quer aboli-las

Visto da perspectiva da opinião pública, o país continua dividido em duas porções quase iguais: a dos que gostam do governo (34%) e a dos que o abominam (36%). Neste fevereiro, a pesquisa mensal XP mostra que o grupo simpático ao presidente tem tamanho e solidez razoáveis.

Nada afeta os apoiadores do ex-capitão. Nem os vagares da recuperação econômica, nem os desacertos na educação, nem as ameaças ao meio ambiente. Muito menos a sequência de agressões a jornalistas, autoridades públicas e forças de oposição que Bolsonaro dispara, ao falar de improviso, às portas do Palácio, para delícia de sua patuleia.

A esta altura, um presidente que jogasse o jogo democrático estaria buscando ampliar seu círculo de apoiadores, acenando para aqueles que declaradamente o reprovam. Ao contrário, quando fala e, sobretudo, quando cala, Bolsonaro se compraz em despejar gasolina na fogueira acesa pelos radicais que, em seu nome, soltam barbaridades nas redes sociais, sem serem desautorizados. Também em seu nome, os filhos tuiteiros papaguearam o apoio do clã ao motim dos PMs do Ceará e às milícias.

Fernando Schüler* - Samba da cartilha

- Folha de S. Paulo

A hiperpolitização do cotidiano se tornou uma marca do nosso tempo

O Cacique de Ramos teve que se explicar. O bloco desfila com fantasias de índio desde 1960, mas agora a coisa complicou. “Os pioneiros do bloco tinham nomes indígenas e eram ligados à umbanda.” Não entendi a relação com a umbanda. Possivelmente era um salvo-conduto.

Alessandra Negrini também não escapou. Teve que se explicar e se saiu bastante bem. “A luta indígena é de todos nós, por isso tive a ousadia de me vestir assim.” Bingo. Em vez de pedir desculpas, um pouco de retórica política. Contra-ataque perfeito.

Curiosa essa invasão da retórica politica sobre a indisciplina e a irreverência que sempre marcou (ao menos é isso que imaginávamos), nosso Carnaval. Não se trata da sátira política (sempre bem-vinda, aliás), mas o seu contrário: o disciplinamento da sátira pela correção política.

O melhor disso foi a cartilha editada por um conselho da Prefeitura de Belo Horizonte com orientações sobre o que os foliões deveriam evitar. Fantasias de índio, enfermeira sexy, a marchinha clássica de Lamartine Babo, touca com tranças, homem vestido de mulher. Esse último item com um requinte: nem de “noiva”.

Talvez tenha sido nosso primeiro Carnaval de cartilha, mas presumo que seja o primeiro de muitos.

Nessas coisas todas, o que me surpreende é o excesso de convicção. A certeza de que alguém tem o direito de mandar na vida dos outros. Antônio Risério chamou isso de “fascismo identitário” em seu livro recente. Fascismo, aqui, é o culto do dogma, a negação do diálogo, a sede de controle. Se o termo é adequado cada um pode julgar.

Bruno Boghossian – Sem Limites

- Folha de S. Paulo

Intimidar Congresso para aprovar medidas integra o terreno do autoritarismo

Um governante que passa o mandato fomentando conflitos com outras instituições não está simplesmente inconformado com as adversidades da política. Os movimentos de Jair Bolsonaro nesse sentido são lances cada vez mais ostensivos para driblar controles democráticos e tentar expandir seus poderes.

Em mensagens disparadas para aliados desde o fim de semana, o presidente endossou, na prática, os protestos contra o Congresso e o STF marcados para o próximo dia 15. Manifestações contra esses órgãos fazem parte do jogo. Avalizadas pelo chefe do Executivo, porém, elas se tornam ferramentas de intimidação.

Bolsonaro jamais escondeu que gostaria de arrasar a estrutura institucional que limita seu poder e fiscaliza sua atuação. Um protesto não é suficiente para romper essas amarras, mas contribui com seu esforço para reduzir a legitimidade das decisões do Legislativo e do Judiciário.

O Congresso e o STF funcionam segundo as regras que Bolsonaro aceitou seguir desde o início de sua longa carreira política. Agora na Presidência, ele finge surpresa com a democracia e percebe que suas vontades nem sempre serão atendidas.

Vinicius Torres Freire - Mundo discute como evitar recessão, Brasil trata de baderna autoritária

- Folha de S. Paulo

Brasil promove gritaria autoritária e mal toma cuidados para evitar recaída ou prevenir contágio

É difícil chamar a atenção do respeitável público para a economia internacional quando o governo incita manifestações de rua contra o Congresso, para dizer o menos. No entanto, senhoras e senhores, a coisa está feia até onde a vista alcança, que não é muito longe, embora o desânimo já seja visível aqui dentro.

Pode ser pior. Esse tombaço da Bolsa é espuma se considerado o problema real no horizonte próximo: redução ainda maior de exportações industriais, baixa de preços de produtos que fazem o grosso da exportação brasileira, medo puro e simples do rolo que pode dar lá fora.

Quem olhar para os números do mercado financeiro americano vai perceber facilmente que, no mínimo, os donos do dinheiro de lá e do mundo esperam que o banco central dos EUA reduza as taxas de juros —no mercado, as taxas já mergulharam para mínimas históricas.

Essa baixa também é também mero sinal de medo genérico, da finança fugindo para seu refúgio habitual. Mas há expectativa razoável de desaceleração no ainda centro econômico do mundo.

Noutras partes importantes do planeta, a coisa vai de fraca a pior. No final do ano passado, a economia europeia cresceu no menor ritmo desde 2013, quando estava em recessão. Então veio a ameaça ou o medo do novo coronavírus.

O alarme é tão alto que o governo habitualmente muquirana e fundamentalista fiscal religioso da Alemanha pensa em gastar mais. Para tanto, vai precisar mudar a Constituição a fim de, pelo menos, suspender o teto de déficit primário, o que não vai ser fácil (um limite de déficit miserável, de 0,35% do PIB).

Roberto Dias - Um país em pânico duplo

- Folha de S. Paulo

Uns se apavoram com o coronavírus, outros com Bolsonaro

O Carnaval deixou pânico no lugar da ressaca. Há gente apavorada com o coronavírus, há gente apavorada com Jair Bolsonaro e há gente apavorada com os dois, discutindo qual pânico deveria ser maior.

No caso do coronavírus, não é nos hospitais que se observam, por ora, os maiores efeitos da doença no Brasil. São mais visíveis na torrente de mensagens apavoradas seguidas por conselhos médicos falsos que circulam pelo WhatsApp e no tombo da Bolsa, jogando sombra numa recuperação que já não era grande coisa.

A infodemia do coronavírus se alastrou bem mais rapidamente do que a doença, que ainda não é classificada como pandemia. Até aqui, as pessoas infectadas pelo coronavírus no mundo são cerca de 81 mil, sendo apenas uma delas no Brasil, até onde se sabe. O que realmente não se sabe ao certo é o número de contaminados pelo golpismo, o elemento por trás do outro pânico —e a incógnita, vale notar, constitui por si só um elemento de terror.

Mariliz Pereira Jorge - E a oposição?

- Folha de S. Paulo

O que ela tem feito fora do seu mundinho de apoiadores apaixonados?

Não custa perguntar, e a oposição? Ela segue forte nas redes sociais, denuncia os mandos e desmandos do desgoverno Bolsonaro, critica ações e a falta delas. É repúdio daqui, ação dali, reunião de emergência acolá. Um sucesso danado entre os seguidores. Mas o que tem feito a oposição fora do seu mundinho maravilhoso de apoiadores apaixonados? Nada.

E quando faz, faz isto aqui. Nesta quarta (26), o PT convocou protestos "pela democracia e pelos direitos do povo", para os dias 8, 14 e 18 de março. Já no começo, a nota diz que o novo ataque de Bolsonaro às instituições é mais uma etapa da escalada que passou pelo golpe do impeachment e pela prisão de Lula. Com esse discurso quem vai às ruas, além de petistas?

Essa oposição não entendeu que enquanto faz festinha em suas bolhas, o sectarismo bolsonarista planeja, articula, nada de braçada no populismo que a massa de ensandecidos defende e alardeia. Bolsonaro se alimenta da bajulação nas redes sociais, mas é do tipo que se impressiona com o clamor das ruas. E são seus apoiadores os únicos que têm se organizado e feito barulho.

William Waack - Napoleão, traduzido pelo Planalto

- O Estado de S.Paulo

Na desordem institucional, Bolsonaro sente mais oportunidades do que perigos

Não há dúvidas de que Jair Bolsonaro é um personagem político transparente. Goste-se ou não, ele não esconde de ninguém o que percebe como sendo a realidade política à sua volta. O que permite antecipar com razoável segurança como ele vai proceder.

Cada ser humano tem no fundo da sua alma uma pequena história sobre si mesmo, e a que Bolsonaro acalenta está bem condensada no vídeo que – segundo ele – quis compartilhar durante o carnaval apenas com alguns amigos. É a saga do homem que sobreviveu à facada, graças a um milagre produzido para que possa levar o povo a algo como uma terra prometida.

Adversários da sua missão são “os políticos de sempre” (texto que acompanha o tal vídeo). Aqueles que, na percepção que Bolsonaro tem da realidade, se uniram no Congresso não só para chantagear o governo, mas, principalmente, no incansável esforço de levar o desprotegido presidente a cometer erros pelos quais possa ser alvo de impeachment.

Um erro óbvio Bolsonaro tratou de contornar ao dizer que era de natureza exclusivamente privada o compartilhamento do vídeo conclamando o público a participar de uma manifestação convocada por seus seguidores – mas não explicitamente por ele – para atacar o Poder Legislativo. “Oficialmente”, o chefe do Poder Executivo não está chamando ninguém a acuar, atacar ou destruir um outro Poder da ordem constitucional brasileira.

Zeina Latif* - O carnaval acabou

- O Estado de S.Paulo

Passada a aprovação da Previdência, pouco se avançou na agenda econômica

O carnaval terminou antes do esperado para Paulo Guedes. Bolsonaro cobra do ministro o prometido crescimento econômico, não sem alguma razão. As promessas foram muitas e faltaram alertas sobre a fragilidade do País, o que vem desgastando o ministro.

Na campanha eleitoral, o candidato a formulador da política econômica exibia desenvoltura no “palanque”. Guedes exagerou nas promessas, rejeitando a ponderação usual de ministros da área econômica e descuidando do rigor técnico necessário para a boa prática da profissão de economista. Um exemplo foram as estimativas de receita com privatizações e venda de imóveis da União, totalizando cada uma R$ 1 trilhão. Pelo seu discurso, vender imóveis, privatizar, abrir a economia e eliminar os rombos fiscais eram tarefas fáceis; não foram feitas antes devido apenas à inépcia ou a visões equivocadas dos governos anteriores. Minimizou as dificuldades técnicas e políticas para avançar em temas espinhosos que demandam a construção de consensos e capacidade de enfrentamento de grupos organizados.

Não foi muito diferente no governo de transição, quando se esperava a “descida do palanque”. Pouco se avançou no detalhamento do programa da pasta. Vale citar que não se partia do zero, tendo em vista o importante legado do governo Temer. Alguns temas anunciados geraram ruídos, mas nada avançaram, como as medidas na área tributária e no Sistema S.

A grande notícia de 2019, a reforma da Previdência melhor que a esperada, contribuindo para os cortes da taxa de juros pelo Banco Central, foi inicialmente apresentada como propulsora de crescimento econômico robusto, algo entre 3% e 3,5% em 2019.

Eugênio Bucci* - Se não nomear as atitudes do presidente, a imprensa vai desinformar o público

- O Estado de S.Paulo

Convocação indevida de ato público escancarou o prenúncio de uma crise institucional

Está no Gênesis: a incumbência de dar nome aos seres vivos foi transmitida ao homem por ninguém menos que Deus. De lá para cá, a briga não parou mais. Definir como se deve chamar cada uma das coisas deste mundo virou uma disputa interminável. Cientistas concorrem para saber qual deles vai designar a nova estrela ou o novo vírus. Locutores esportivos competem para dar o melhor apelido ao jogador de futebol que brilha na temporada. Marqueteiros duelam nas licitações para ganhar o direito de “criar” as marcas publicitárias dos programas de governo (no nosso tempo, toda política pública tem nome de sabonete, ou quase isso).

No meio dos turbilhões vernaculares para batizar isso e aquilo, o repórter é apenas um a mais – mas esse um a mais não pode faltar. Não se espera dele que saia por aí inventando os substantivos da língua corrente, mas o repórter – como, de resto, toda a imprensa – tem o dever de chamar cada coisa e cada personagem pelo nome devido. Se não fizer isso, vai desinformar a sociedade. Se quiser mesmo noticiar os acontecimentos com clareza e com objetividade, o jornalismo precisa saber nomeá-los.

Um exemplo? Está na mão. O que aconteceria se, em lugar da palavra “motim”, os jornais, as rádios, as emissoras de TV e os sites noticiosos na internet resolvessem usar a palavra “greve” para se referir ao assalto contra a ordem pública que vem sendo perpetrado por policiais cearenses? Aquilo não é uma “greve”. É um motim. Se os jornais começassem a chamar aquele levante armado de “greve” – palavra que aparece na legislação democrática como um direito do trabalhador – desorientariam os leitores, ouvintes e telespectadores. Estes não entenderiam nada de nada e poderiam até achar que os criminosos amotinados, com o rosto coberto por balaclavas, atirando em pessoas desarmadas, não passam de assalariados explorados exercendo seu direito de não trabalhar. Em resumo, se chamasse de “greve” o motim do Ceará, a imprensa prestaria um desserviço à sociedade e faria propaganda, ainda que involuntária, a favor dos amotinados.

Maria Cristina Fernandes - Os confetes da crise

- Valor Econômico

Irresponsabilidade presidencial no compartilhamento de vídeo de afronta ao Congresso vai findar em acordo com os parlamentares

O apoio a motins policiais e a manifestações de afronta ao Congresso tem todos os ingredientes para radicalizar o presente e comprometer o futuro deste governo. Uma adensada reação política à escalada autoritária dificultaria a recomposição com a qual se busca redirecionar as bases deste governo a partir das eleições municipais e, assim, esvaziar as alternativas ao centro. Não há, contudo, indicações de que este virá a ser o desfecho da crise.

As primeiras reações ao vídeo compartilhado pelo presidente de convocação a manifestações contra o Congresso indicavam que Jair Bolsonaro havia cavado sua própria cova. Se as digitais bolsonaristas nos motins policiais deixaram Ciro Gomes na condição de Rei Momo da reação, a convocação bolsonarista adensou-a ao centro com o tuíte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre os riscos em curso (“crise institucional de gravíssimas consequências”) e o repúdio do decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello (“se confirmado, indica um presidente que não está a altura do altíssimo cargo que exerce”).

A amena reação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (“as autoridades da República devem dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional”), porém, indicou o acordo a caminho para derrubar o veto. O governo listaria seus projetos mais importantes e os parlamentares interessados em serem co-patrocinadores dessas obras lhes destinariam recursos de suas emendas. Não seria o primeiro acordo do gênero. O risco, desta vez, é que uma iniciativa dessas pressupõe confiança mútua, mercadoria em falta num governo em que ministros e presidente da República inauguram obras sem a presença de parlamentares que as viabilizaram.

Ainda que a manifestação do dia 15 não leve multidões às ruas, como aquelas que, no Carnaval, fizeram coro contra o presidente da República, o momento é propício ao acordo. Se, de um lado, há indícios de que o presidente ultrapassou os limites da responsabilidade de seu cargo, de outro os parlamentares sabem da impopularidade representada pelos R$ 31 bilhões em emendas parlamentares. O jogo ainda está muito longe daquele que emparedou a ex-presidente Dilma Rousseff.

O Congresso teria uma oportunidade, com as reformas administrativa e tributária, de fazer a lição de casa, mas são os governadores que têm demonstrado mais ousadia. Depois de 20 deles darem a cara a bater na carta inédita em que alertam contra ameaças à democracia, três governadores de partidos diferentes (PSB, PT e PSDB) - Paulo Câmara (PE), Camilo Santana (CE), Eduardo Leite (RS) - e uma vice governadora - Eliane Aquino (SE) - assinaram juntos artigo em ‘O Globo’, no domingo de Carnaval, em que se dizem favoráveis a mudanças no paradigma do serviço público, inspiradas em Cingapura e mais pautadas pela excelência no atendimento à população do que no corporativismo.

O Congresso tende a manter em banho-maria representações contra um senador da República (Flávio Bolsonaro) de longevas relações com milícias ou contra um deputado (Eduardo Bolsonaro) que acusa um senador, baleado por PMs, de ter sido unicamente vitimado pela falta de inteligência.

Os filhos são as balas de prata do esgarçamento institucional. Até lá, tem muita munição a ser gasta. Um alvo é o ministro da Economia. O desvario de Paulo Guedes contra os parasitas e as domésticas é visto como sintoma de equívocos incontornáveis. Ao apostar tudo na queda de juros e no arrocho fiscal vai levar o país a mais um ano de crescimento medíocre. Some-se o impacto do coronavírus na balança comercial e a saída recorde de dólares, o óleo de Guedes chega ao ponto de fritura.

Interessa muito mais ao Congresso substituir Guedes do que o inquilino do Planalto. De um lado, o presidente recuou ao dizer que mensagens de WhatsApp para “algumas dezenas de amigos” têm “cunho pessoal” e mandou sua turma tirar o pé do dia 15. Do outro, o Congresso aperfeiçoou seus meios para tirar proveito de mais esta crise. Vale-se da grande expertise adquirida no tema nos últimos anos e que chega, com a ‘nova política’, ao seu ápice.

Se o bolsonarismo tem método, o Congresso também tem o seu. No dialeto parlamentar, o samba da mangueira (“não tem futuro sem partilha”) se traduz assim: o presidente da República terá futuro se e quando repartir o bom e velho butim.

Congresso e Supremo reagem a Bolsonaro

Políticos e juristas condenam compartilhamento de vídeos que convocam para atos anti-Congresso; decano do STF diz que conduta revela a ‘face sombria’ do presidente

- Amanda Pupo, Felipe Frazão, Luiz Vassallo, Paulo Roberto Netto, Pedro Prata, Pepita Ortega, Rafael Moraes Moura e Vera Magalhães | O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Um dia após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar dois vídeos de convocação de protestos contra o Congresso, autoridades, políticos e juristas reagiram, citando até a possibilidade de que o presidente tenha cometido crime de responsabilidade. Bolsonaro afirmou que se tratou de “troca de mensagens de cunho pessoal”. Uma das reações mais contundentes veio do ministro do STF Celso de Mello, que considerou “gravíssima” a conduta de Bolsonaro.

Um dia após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar dois vídeos de convocação para protestos anti-Congresso, autoridades, políticos e juristas reagiram, citando até a possibilidade de que ele tenha cometido crime de responsabilidade. O governo tentou minimizar a crise. Bolsonaro afirmou que se tratou de “troca de mensagens de cunho pessoal”. Militares que atuam no Planalto alegaram que o presidente não fez críticas diretas aos parlamentares nem foi o responsável pela confecção do vídeo.

O envio das mensagens por Bolsonaro foi revelado anteontem pelo site BR Político. Uma das respostas mais contundentes veio do Judiciário. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, afirmou que considera “gravíssima” a conduta de Bolsonaro e que o envio do vídeo revela a “face sombria de um presidente que desconhece o valor da ordem constitucional”. Para o ministro, Bolsonaro demonstra visão “indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”.

“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”, afirmou o decano. A Lei 1.079/50 prevê, como um dos crimes de responsabilidade do presidente, atentar contra “o livre exercício” dos outros Poderes, o que pode levar a um pedido de impeachment.

Setores da sociedade também relacionaram o ato de Bolsonaro a uma possível conduta criminosa. O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Joel Portella, disse que a Igreja Católica poderá questionar judicialmente a responsabilidade de Bolsonaro. A atuação do presidente no episódio “ultrapassa os limites da legalidade”, na avaliação da presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Rita Cortez.

Generais do governo minimizam crise

Mourão e Ramos defendem Bolsonaro e afirmam que vídeo enviado pelo presidente não contém ataques ao Congresso e ao Judiciário

Tânia Monteiro, Julia Lindner / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Dois generais do governo tentaram minimizar ontem a polêmica provocada pelo presidente Jair Bolsonaro, que compartilhou vídeos sobre os atos anti-Congresso marcados para o dia 15 de março. “Não foi ele (Bolsonaro) que fez os vídeos, não foi ele que distribuiu, ele não fez qualquer crítica aos parlamentares”, disse o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, ao Estado. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, também defendeu Bolsonaro e afirmou que “estão fazendo tempestade em copo d’água”.

De acordo com Ramos, o presidente decidiu compartilhar o vídeo com amigos após ficar sensibilizado com a peça, que inclui cenas de quando ele sofreu uma facada, durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora (MG). “O vídeo não fala do Congresso. É um vídeo de apoio ao governo que ele recebeu e, pelo tom emotivo, apenas repassou para uma lista reservada de pessoas. Só no privado”, afirmou Ramos.

O titular da Secretaria de Governo passou o carnaval com Bolsonaro, no Guarujá, no litoral de São Paulo. “Qual é a responsabilidade dele de terem divulgado isso nas redes abertas? Nenhuma. Zero. Não é culpa dele. Foram apoiadores que divulgaram”, disse o ministro.

Mourão falou ainda em “colocar o incidente em seu devido lugar”. “(O vídeo) não foi veiculado publicamente e, principalmente, não contém ataques ao Congresso e ao Judiciário”, afirmou o vice-presidente.

Foto. O vice também se manifestou sobre o uso de sua imagem em um cartaz de convocação para os atos do dia 15. “Não autorizei o uso de minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia”, declarou Mourão.

Após repúdio de líderes, Bolsonaro muda o tom

Envio de vídeo era de ‘cunho pessoal’, diz presidente

- Amanda Almeida, Carolina Brígido, Daniel Gullino, Gustavo Maia, Naira Trindade e Thais Arbex | O Globo

Diante das críticas dos presidentes dos demais Poderes e do decano do STF, Celso de Mello, que considerou indigna do cargo sua atitude de divulgar vídeos de apoio a ato convocado contra o Congresso e o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as mensagens eram de “cunho pessoal’’ e pediu a ministros que evitem o tema.

Do ‘ZAP’ ao freio de dois Poderes

Ministros do STF, Maia e políticos reagem s vídeo de Bolsonaro, que muda de tom

O envio de um vídeo de WhatsApp pelo presidente Jair Bolsonaro, relacionado a protestos que têm como alvo o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), provocou reação dos Poderes contra o apoio a manifestações que questionam o equilíbrio institucional do país. O presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmou que “o Brasil não pode conviver um clima de disputa permanente”, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou que “criar tensão institucional não ajuda o país”.

Os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes e parlamentares de diversos partidos também reagiram. Bolsonaro afirmou que as mensagens eram de “cunho pessoal” e também pediu aos seus ministros que não falem mais sobre o tema. Após a repercussão, o primeiro escalão do governo não deve comparecer aos atos.

O vídeo encaminhado pelo presidente tem um minuto e meio e não faz menção direta ao Congresso ou ao Supremo. São exibidas imagens de protestos em Brasília na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Com o hino nacional ao fundo, um narrador pergunta logo no início: “Por que esperar pelo futuro se não tomarmos de volta o nosso Brasil?”.

A narração segue com imagens da posse de Bolsonaro, do momento da facada, durante a campanha eleitoral, em Juiz de Fora (MG), e de suas passagens pelo hospital. “Basta”, diz o narrador em outro trecho. “O Brasil só pode contar com você. O que você pode fazer pelo Brasil? O poder emana do povo. Vamos resgatar o nosso poder. Vamos resgatar o Brasil.”

VISÃO “INDIGNA”
Embora não haja referência direta aos outros Poderes da República, a peça deixa explícita a chamada para os atos que têm sido convocados como protesto contra as duas instituições.

O presidente e os golpistas – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não se pode dizer que surpreende a nova estocada do bolsonarismo contra o Congresso

O presidente Jair Bolsonaro precisa esclarecer, sem meios termos, que não apoia a convocação de uma manifestação em sua defesa e contra o Congresso Nacional, feita por seus apoiadores. Os cidadãos são livres para se manifestar contra quem bem entenderem, mas um presidente da República não é um cidadão comum e não pode permitir que seu nome seja usado para alimentar um protesto contra os demais Poderes constituídos. Se aceitar essa associação, ou, pior, se incentivá-la mesmo indiretamente, Bolsonaro estará corroborando as violentas críticas que esses apoiadores, em claro movimento golpista, estão fazendo contra o Congresso, tratado nas redes sociais bolsonaristas como “inimigo do Brasil”.

Ao distribuir a seus contatos no WhatsApp uma das virulentas peças de propaganda da manifestação convocada para o próximo dia 15 de março, o presidente ajudou a disseminar a mensagem, o que equivale a chancelá-la. Bolsonaro disse que apenas distribuiu a mensagem a “algumas dezenas de amigos, de forma reservada”, como se o caso pudesse ser resumido a uma comunicação de caráter pessoal. Mas tudo o que diz um presidente da República, em razão de sua proeminência política, tem enorme poder de influenciar os rumos do País, razão pela qual seu apoio tácito a um protesto contra o Congresso, mesmo que manifestado apenas a um punhado de simpatizantes, configura óbvio abuso de poder, pois incita ilegítima pressão popular sobre o Legislativo.

Bolsonaro atenta contra a Constituição – Editorial | O Globo

Cabe ao Congresso, à Justiça, ao conjunto de poderes republicanos impedir o avanço do Executivo

Jair Bolsonaro tem biografia conhecida, construída em 28 anos de mandatos exercidos como representante corporativo de militares e policiais, com um perfil de extrema direita. Foi beneficiado em 2018 por uma conjunção feliz para ele, em que a debacle da esquerda, desestabilizada pelo desastre ético lulopetista e pela teimosia do ex-presidente Lula em continuar dono do PT, somada à falta de nomes para ocupar espaços no centro, permitiu a sua eleição, com a ajuda de muitos que usaram o voto para punir o PT.

À medida que o ex-capitão foi revelando toda a face de extremista, e não apenas na política, boa parte destes eleitores se afastou. Bolsonaro tornou-se, então, um presidente de baixa popularidade, sustentado por milícias digitais e claques de porta de Palácio. E passou cada vez mais a dirigir-se a estes bolsões, o que o foi afastando da maior parcela da sociedade.

Se não era um político desconhecido, Bolsonaro vem demonstrando uma faceta temerária menos previsível: de esticar a corda em seu comportamento de extremista, sem qualquer preocupação com a importância e o decoro do cargo de presidente da República, agindo como chefe de facção radical, de bando, ultrapassando todos os limites do convívio democrático. Desconsidera a divisão de poderes feita pela Constituição, ameaça o Congresso, o Judiciário e, logo, sua Corte Suprema.

A adesão pelo presidente, por meio de vídeo, na terça-feira, a uma convocação bolsonarista para atos de rua em 15 de março, contra o Congresso e o STF, representou mais uma elevação de tom de Bolsonaro na sua escalada de mau comportamento e de desrespeito.

Limite a Bolsonaro - Editorial | Folha de S. Paulo

Talvez só o temor de um processo de impeachment possa deter a perigosa aventura

Deram em nada as expectativas de que o presidente Jair Bolsonaro usaria o feriado para, em benefício do próprio governo, investir na distensão. O mandatário pôs fogo na fervura de movimentos extremistas que planejam manifestar-se no próximo dia 15.

Na tentativa de promover o ato, a escória do bolsonarismo difunde mensagens de ataque e insulto ao Congresso Nacional e de exaltação a oficiais militares, um apelo a sua intervenção. Trata-se de golpismo de extrema direita, francamente minoritário no país.

Os aloprados foram atiçados pelo ministro Augusto Heleno, que acusou congressistas de chantagem. A imagem do titular da Segurança Institucional, general da reserva, e o vitupério que endereçou ao Parlamento estampam um dos panfletos da manifestação.

Nesta terça (25) soube-se que o presidente da República em pessoa promoveu, em rede de troca de mensagens, conclamações à participação nos protestos. O argumento de que se trata de interações privadas não o exime da responsabilidade a que o cargo o obriga.

Cidadania repudia apoio de Bolsonaro a manifestação antidemocrática

- Portal Cidadania

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, e os líderes no Senado Federal, Eliziane Gama (MA), e na Câmara dos Deputados, Arnaldo Jardim (SP), divulgaram nota conjunta (veja abaixo), nesta quarta-feira (26), criticando Jair Bolsonaro por endossar vídeo que chama a sociedade brasileira para manifestação em defesa do presidente da República e contra as instituições democráticas, como o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal (veja aqui).

No documento, os dirigentes salientam que Bolsonaro atenta contra a liturgia do cargo que ocupa, além de sua atitude ser uma clara afronta contra a democracia brasileira. O Cidadania também expressa defensa incondicional da Constituição, da democracia e da liberdade.

“EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E DA DEMOCRACIA
Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro atenta contra a Constituição e afronta as instituições democráticas, além da própria liturgia do cargo. Seu endosso às manifestações convocadas para o dia 15 de março, cujos organizadores defendem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que por meio de redes privadas de WhatsApp, é inaceitável e merece o repúdio de todos os democratas e das nossas instituições republicanas. Trata-se de ato claramente antidemocrático, de setores de extrema direita que abertamente defendem a instauração de um regime autocrático no país.

O Cidadania soma-se àqueles que defendem a democracia e não aceitam rupturas da ordem institucional vigente a partir da Constituição de 1988. O Estado de direito democrático é uma conquista civilizatória de nosso povo e garante a todos os brasileiros, independentemente de suas diferenças étnicas, políticas, ideológicas e religiosas, a plena representação política no Congresso e o exercício livre dos seus respectivos direitos civis. Defender a democracia é um dever dos cidadãos, dos partidos, das instituições e dos Poderes, inclusive a Presidência da República.

Nesse sentindo, saudamos a pronta reação da sociedade civil e de nossas instituições – tão forte que inclusive, provocou desde logo, um certo recuo do Planalto – ao inaceitável gesto de Bolsonaro, que vem revelando reiterada falta de compromisso com a democracia, ainda que tenha jurado defendê-la ao tomar posse no cargo de presidente da República.

A unidade alcançada pelas forças democráticas da sociedade e especialmente pela altivez das nossas instituições republicanas — só foi possível pela defesa da Constituição, da Democracia e da Liberdade.

E unidos na defesa da Constituição, Democracia e Liberdade devemos permanecer.

Roberto Freire – Presidente do Cidadania
Eliziane Gama – Líder do Cidadania no Senado Federal
Arnaldo Jardim – Líder na Câmara dos Deputados

Centrais Sindicais: Exigimos providências para resguardar o Estado de Direito

Centrais sindicais defendem democracia contra ataques de Bolsonaro ao Congresso e Supremo

Na noite desta terça-feira de Carnaval, 25 de fevereiro, a sociedade brasileira recebeu com espanto a notícia de que o presidente da República, eleito democraticamente pelo voto em outubro de 2018, assim como governadores, deputados e senadores, disparou por meio do seu Whatsapp convocatória para uma manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, a ser realizada em todo país em 15 de março próximo.

Com esse ato, mais uma vez, o presidente ignora a responsabilidade do cargo que ocupa pelo voto e age, deliberadamente, de má-fé, apostando em um golpe contra a democracia, a liberdade, a Constituição, a Nação e as Instituições.

Não há atitude banal, descuidada e de “cunho pessoal” de um presidente da República. Seus atos devem sempre representar a Nação e, se assim não o fazem, comete crime de responsabilidade com suas consequências.

Ressaltamos que, segundo o Art. 85 da Constituição Federal:

“São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.

A Nação brasileira deve repudiar a enorme insegurança política que fere a liberdade, os direitos dos cidadãos, que trava a retomada do crescimento e, por consequência, alimenta o desemprego e a pobreza.

Precisamos ultrapassar essa fase de bate-bocas nas redes sociais e de manifestações oficiais de repúdio aos descalabros do presidente da República.

Não podemos deixar que os recorrentes ataques à nossa democracia e à estabilidade social conquistadas após o fim da ditadura militar e, sobretudo, desde a Constituição Cidadã de 1988, tornem-se a nova normalidade.

Diante desse escandaloso fato, as Centrais Sindicais consideram urgente que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional se posicionem e encaminhem as providências legais e necessárias, antes que seja tarde demais.

Do mesmo modo, conclamamos a máxima unidade de todas as forças sociais na defesa intransigente da liberdade, das instituições e do Estado Democrático de Direito.

São Paulo, 26 de fevereiro de 2020

Sergio Nobre, presidente da CUT (Central única dos Trabalhadores)
Miguel Torres, presidente da Força Sindical
Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores)
Adilson Araújo, presidente da CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)
José Calixto Ramos, presidente da NCST (Nova Central de Sindical de Trabalhadores)
Antonio Neto, presidente da CSB (Central de Sindicatos do Brasil)

Com repercussão negativa, Bolsonaro orienta equipe ministerial a evitar endosso a protesto

A ordem é para que auxiliares presidenciais não compareçam a manifestação de março, evitando desgaste

Gustavo Uribe | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro orientou a sua equipe de governo a evitar endossar publicamente a manifestação marcada para o dia 15 contra o Congresso Nacional.

O pedido foi feito após a repercussão negativa com o informação de que o próprio Bolsonaro compartilhou pelo WhatsApp um vídeo de apoio ao ato.

Em conversas na manhã desta quarta-feira (26), o presidente disse a aliados e a auxiliares que não está incentivando o protesto e que apenas reencaminhou em um grupo privado um conteúdo que lhe foi enviado.

O vídeo convoca a população a ir às ruas para defendê-lo. Além da pauta em defesa do governo, os organizadores do protesto têm levantado bandeiras contra o Congresso.

Segundo relatos feitos à Folha, o presidente avaliou que o fato de ele ter compartilhado o conteúdo não é algo grave e considerou que tem havido um exagero na repercussão do episódio.

Para evitar novas críticas, no entanto, a ordem repassada pelo Palácio do Planalto é para que a equipe ministerial não compareça à manifestação de março para evitar um desgaste desnecessário com o Legislativo e o Judiciário.

Além disso, auxiliares palacianos têm defendido que Bolsonaro entre em contato com os presidentes do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, para esclarecer o ocorrido.

A manifestação do dia 15 é uma reação à fala do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, que chamou o Legislativo de "chantagista" na semana passada.

O ato estava previsto desde o final de janeiro, mas acabou mudando de pauta para apoio a Bolsonaro e encorpando insinuações autoritárias após Heleno atacar o Legislativo.

Nesta quarta, Bolsonaro chamou de "tentativas rasteiras de tumultuar a República" as interpretações sobre ele ter compartilhado o vídeo.

Maia pede 'respeito às instituições democráticas' e diz que tensão não ajuda país

Autoridades precisam dar exemplo, afirma presidente da Câmara após Bolsonaro divulgar vídeo

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu nesta quarta (26) respeito às instituições democráticas após a revelação de que o presidente Jair Bolsonaro divulgou a amigos vídeo em apoio à manifestação do dia 15, contrária ao Congresso.

"Só a democracia é capaz de absorver sem violência as diferenças da sociedade e unir a nação pelo diálogo. Acima de tudo e de todos está o respeito às instituições democráticas", afirmou.

"Criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir", escreveu Maia em rede social.

O protesto contra o Congresso é motivado por fala do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que na semana passada disse a colegas que o governo estava sendo chantageado por congressistas.

Bolsonaro compartilhou no WhatsApp na terça-feira (25) vídeo de convocação para esses atos.

Na manhã desta quarta, o presidente não negou ter enviado a amigos por WhatsApp essa peça.

"No WhatsApp tenho algumas poucas dezenas de amigos onde, de forma reservada, trocamos mensagens de cunho pessoal", afirmou Bolsonaro.

Líderes políticos como os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso e o presidente nacional da OAB já haviam manifestado repúdio na noite de terça-feira à iniciativa de Bolsonaro de compartilhar vídeos que convocam manifestações.

No Congresso, também houve uma série de declarações críticas à iniciativa do presidente.

Embora tenha sido eleito para comandar a Casa com o apoio do partido do presidente à época, o PSL, Maia e Bolsonaro tiveram um histórico de rusgas ao longo da legislatura.

Em março do ano passado, o deputado disse que o presidente estava "brincando de presidir o país". Em dezembro, Maia afirmou que a relação com o Planalto havia melhorado no segundo semestre.

A Câmara despontou como o principal contraponto a medidas polêmicas adotadas pelo Palácio do Planalto, já tendo articulado, por exemplo, freios a pontos do pacote anticrime e do recém-enviado projeto que permite mineração em terras indígenas.

Instituições devem ser honradas, diz Gilmar após Bolsonaro divulgar vídeo de apoio a ato

Ministro do STF publicou mensagem defendendo respeito mútuo entre os Poderes após presidente endossar manifestação contra o Congresso

Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), publicou nas redes sociais nesta quarta-feira (26) uma mensagem em defesa das instituições e da separação dos Poderes.

A manifestação vem no dia seguinte à divulgação da informação de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enviou a seus contatos, por WhatsApp, um vídeo que conclama seus apoiadores a participarem de manifestação pró-governo e contra o Congresso em 15 de março.

"A CF88 [Constituição Federal de 1988] garantiu o nosso maior período de estabilidade democrática. A harmonia e o respeito mútuo entre os Poderes são pilares do Estado de Direito, independentemente dos governantes de hoje ou de amanhã. Nossas instituições devem ser honradas por aqueles aos quais incumbe guardá-las", escreveu Gilmar no Twitter.

O ministro não cita, na declaração, o nome do presidente Bolsonaro nem a manifestação marcada para o mês que vem.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, comentou mais cedo o episódio, em nota enviada à coluna Mônica Bergamo.

Poesia | Fernando Pessoa - O Tejo é mais belo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus. O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.