sábado, 18 de abril de 2020

Alberto Aggio* - Isso é Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Com recessão à porta, presidente combate as lideranças que ameaçam seu caminho para 2022

É traço comum das análises sobre o Brasil atual buscar entender o que melhor caracterizaria Jair Bolsonaro e seu governo. Bolsonaro é efetivamente um personagem singular, minimamente letrado, um tanto tosco, que numa circunstância especialíssima chegou à Presidência da República. Não estaria errada essa descrição, mesmo reconhecendo sua insuficiência.

Dizer que ele representa os militares seria uma generalização absurda e um desprestígio da categoria. Os militares compõem uma camada intelectual de relevância incontestável para o Estado brasileiro. Como se sabe, Bolsonaro foi afastado do Exército por indisciplina. Tornou-se político profissional com votos da corporação militar por longos 28 anos. Como parlamentar e agora como presidente permanece um defensor das demandas dos militares – vide a reforma da Previdência. É certo que recheou o Ministério com muitos deles, o que não garantiu identidade absoluta entre o presidente e os militares convidados.

Não há novidade também na caracterização de Bolsonaro como representante da extrema direita. Não apenas ele, mas seus filhos – igualmente políticos profissionais, vale ressaltar – não escondem isso de ninguém, até mesmo as ligações internacionais com essa corrente política. Tal posição, distinta de outras correntes e personalidades desse campo, acabou por definir mais precisamente Bolsonaro como expressão de uma facção da direita que tem cultivado um comportamento fascistizante.

Merval Pereira - Instituições funcionam

- O Globo

Constituição prevê o direito ao trabalho e uma série de garantias para a proteção do emprego, o objetivo da MP

Duas das instituições mais atacadas pelo presidente Bolsonaro nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, deram ontem demonstrações de que atuam nesse momento dramático do país sem viés ideológico, ajudando o governo a enfrentar a Covid-19.

O Supremo aprovou por maioria ampla (7 a 3) a permissão de acordos individuais entre empregados e empregadores sem a participação dos sindicatos. O Senado, por sua vez, aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC), que já havia sido aprovada pela Câmara, que institui o chamado “orçamento de guerra”, que dá licença ao governo de gastar verbas não previstas no orçamento-geral da União no combate à Covid-19. Acertos terão que ser feitos, pois o Senado alterou o texto que veio da Câmara, mas nada que a inviabilize,

Bolsonaro, que acusara quinta-feira o presidente da Câmara de conspirar para derrubá-lo, recebeu poderes nunca antes dados a um presidente da República, e por iniciativa do próprio Rodrigo Maia.

Pelo “orçamento de guerra”, o governo não terá as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal, e o Banco Central fica autorizado a comprar e vender títulos públicos nos mercados financeiros de empresas que necessitem ajuda, sem passar pelo mercado bancário. Uma maneira de injetar dinheiro com rapidez nas empresas privadas, sem entraves que a legislação atualmente impõe.

Ricardo Noblat - A chance desperdiçada por Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Onde você estava e o que fez no ano do coronavírus

Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, prestaria um grande favor ao presidente Jair Bolsonaro se aceitasse em breve um dos muitos pedidos de impeachment contra ele que guarda na gaveta. Seria um político amador se o fizesse. E Maia, apesar da juventude, tem se revelado um político ajuizado e esperto.

Por mais que Bolsonaro o pressione e ataque como tem feito, Maia não cairá na armadilha. O deputado diz que está acostumado com pressões desde antes de nascer. No útero da mãe, foi pressionado pela irmã gêmea. Depois de nascido, aprendeu com o pai, Cesar Maia, ex-prefeito do Rio, como lidar com situações difíceis.

A presidência da Câmara por três mandatos consecutivos foi a melhor escola que Maia poderia ter-se matriculado para neste momento encarar com sensatez o presidente mais belicoso que pôs os pés no Palácio do Planalto desde a redemocratização do país em 1985. O temperamento irritado de Maia é coisa do passado.

Se Bolsonaro o desafia dizendo que ele quer derrubá-lo, não é um patriota, nem tem “um coração verde amarelo”, Maia responde: “Enquanto o presidente joga pedras no Congresso, o Congresso lhe manda flores”. Bolsonaro teme a abertura de um processo de impeachment no próximo ano – por isso deseja antecipá-lo.

Não se tira presidente em meio a uma pandemia justo quando se pede às pessoas que fiquem em casa. Pode-se tirar depois que a epidemia passe e que as pessoas voltem às ruas. Mesmo assim, a tirá-lo, é preferível que fique onde está sob a tutela do Congresso e da Justiça. Impeachment é sempre um processo traumático.

Eduardo Paes* - Depois da peste

- O Globo

Gerenciamento da recuperação pode mudar o futuro de uma cidade

Temos dois caminhos a escolher: esperar a epidemia passar para pensarmos o que fazer depois — e incorrer nos mesmos erros de falta de planejamento — ou pensar nas saídas para quando a fase mais crítica arrefecer.

O adequado gerenciamento da recuperação de uma crise pode mudar o futuro de uma cidade. Como toda crise é oportunidade, esse processo pode representar o surgimento de soluções para problemas que já vivemos. O caso do Rio é especial. A cidade já vinha atravessando um de seus piores momentos, e a Covid-19 vem torná-los mais desafiadores.

Pandemias tiveram historicamente um impacto muito importante em transformações urbanísticas e econômicas. As pandemias do século XIX ajudaram a acelerar implantação de redes de água e esgotos em diversas cidades do mundo(Alô, Cedae!!!! Estamos no século XXI sem resolver problemas do século XIX!). São Francisco e Chicago se tornaram cidades economicamente mais bem-sucedidas depois de um terremoto e um furacão. Desastres e doenças dão forma a cidades!

Daniel Aarão Reis - A distribuição da dor

- O Globo

Seria viável, sim, lidar melhor com a tragédia, construindo e equipando hospitais, constituindo reservas

Em artigo sobre a atual pandemia, Nick Paumgarten narrou a história de um capitalista que joga na Bolsa de Valores. O homem é esperto e descreveu sua última proeza. Ao perceber o ritmo de expansão do vírus na China, suspendeu as férias numa estação suíça de esqui, investiu firme em ações de uma fábrica de equipamentos médicos nos Estados Unidos, botou dinheiro em empresas cujas ações subiriam com a disseminação universal da doença, e se mandou para sua casa de campo, bem longe da cidade onde mora. No caminho para o autoconfinamento, comprou o que pôde de máscaras cirúrgicas e luvas para si mesmo e para a família — mulher e três filhos — dois bujões de oxigênio e uma sacola de cloroquina. A salvo, comentou que ficaria feliz e em segurança até o próximo mês de outubro, acompanhando pelo computador a valorização dos investimentos. Até o momento, seu lucro era de 2.000%. Tudo na perfeita paz, dentro da ordem, respeitando a lei.

Ainda há quem ouse dizer que estamos no mesmo barco. Como se sabe, há metáforas que iluminam, outras obscurecem. A do barco pertence ao segundo tipo. Flávia Oliveira colocou o dedo na ferida.

Se a tempestade é a mesma, as condições de seu enfrentamento são diversas, havendo barcos de diferentes tipos: dos poderosos navios de casco de ferro aos barquinhos de papel que podem afundar a qualquer momento. Sem contar os que nem barcos têm e boiam no mar revolto, agarrados a pedaços de madeira encontrados ao léu.

Este é o mundo que nos foi concedido viver.

Ascânio Seleme - O negacionismo e a boa notícia

- O Globo

Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro

Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Até porque, como ele próprio fez questão de lembrar na reunião em que foi convidado para o Ministério, estudou em Harvard. Aliás, parece que todo ex-aluno de Harvard precisa dizer nos primeiros dez minutos de conversa com uma pessoa que acaba de conhecer que estudou naquela universidade americana. Por isso, pelo currículo, que além da medicina tem graduações e mestrados em economia, gestão e negócios da saúde, Teich tem tudo para ser um bom ministro da Saúde. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro.

Não é possível se produzir uma boa gestão da epidemia do coronavírus usando o mesmo caminho de Bolsonaro. Ao contrário do que afirma, o presidente tem uma visão reduzida do cenário. Ele nega a importância da crise sanitária em favor da economia. Diz ter uma visão mais ampla do que os ministros que estão focados nas suas pastas enquanto ele pensa no todo. Não é verdade. No caso da saúde, Bolsonaro acha que o coronavírus pode gerar em pessoas como ele apenas uma “gripezinha”, desrespeita regras de distanciamento social de maneira deliberada e insiste em reabrir já a economia.

Se Teich seguir este caminho e sair por aí abraçando pessoas, cobrando de prefeitos e governadores a reabertura do comércio e debochando do vírus, o colapso hospitalar será inevitável. Claro que ele não chegará a este ponto, apesar do anunciado alinhamento total com Bolsonaro. Até porque, para seu constrangimento, o próprio presidente lhe pediu que seja um meio-termo entre ele e o demitido Luiz Henrique Mandetta, como se dissesse “nem tanto ao mar, Teich”.

Míriam Leitão - O ministro ainda não se explicou

- O Globo

O novo ministro da Saúde tem que dizer a que veio, o que pensa e qual é a sua estratégia para não virar um joguete político

O ministro da Saúde, Nelson Teich, foi genérico. No seu discurso de posse, nem falou a expressão “distanciamento social”. Tentou contornar o incontornável. O assunto está no centro das atenções, e o presidente Jair Bolsonaro não fugiu dele. Disse, logo em seguida, ao explicar as razões de ter trocado o ministro, que quer “essa briga de começar a abrir o comércio”. O presidente sabe que não poderá decidir isso, já que o STF foi claro sobre as competências dos governadores e prefeitos, mas continua jogando politicamente. O novo ministro, se não quiser ser um joguete na mão do presidente, terá que marcar o território sendo mais claro sobre o que pensa e sobre qual é a sua estratégia.

Teich falou sobre a importância de termos mais informações sobre o coronavírus. Isso é óbvio. Todos querem no mundo inteiro mais informações sobre o vírus e isso só se conseguirá com aposta maior na ciência, coisa que seu antecessor defendia. O presidente, contudo, é um negacionista da ciência em todas as áreas. Teich disse que é preciso a integração as várias pastas do governo. Claro. É isso que o chefe da Casa Civil, Braga Neto, tem tentado demonstrar que já existe com aquelas entrevistas no Palácio do Planalto em que diariamente se alternam os ministros de diversas áreas. O novo ministro disse que precisa montar seu time. Certo. É isso mesmo que fazem todos os que chegam aos seus postos. Ou seja, ele assume falando platitudes e sem dizer qual será a sua estratégia. Não fez referência à cloroquina, mas falou de um antiviral como promissor. Essa notícia animou as bolsas há dois dias, mas é dessas informações que vêm e somem ao sabor das cotações. Há uma corrida dos laboratórios por remédios e vacinas e, claro, a torcida geral é para que logo se chegue ao bom resultado, mas o que temos até agora é nada.

Hélio Schwartsman - Dá para ignorar o presidente?

- Folha de S. Paulo

Não é simples para a imprensa aderir à estratégia de tornar Bolsonaro insignificante

Respondo hoje à provocação do leitor Jean Claude Villari: “Está muito claro que nosso presidente não é capaz de fazer leituras de cenários, por mais simples que sejam. Comete erros muito graves e inadmissíveis. A minha pergunta é por que a imprensa cede tanto espaço a essa figura?”.

Villari está entre os que acham que a mídia deveria somar-se a forças como Congresso, STF e até parte dos ministros que promovem uma espécie de boicote informal da Presidência, fazendo gestões para minorar os estragos que o voluntarismo irresponsável de Bolsonaro produz.

A causa é justa, mas receio que o papel institucional da imprensa seja um pouco diferente do das outras forças citadas. Não é tão simples para os meios de comunicação aderir à estratégia de tornar o presidente insignificante.

Julianna Sofia - Dez anos na UTI

- Folha de S. Paulo

Guedes entregará ao próximo presidente eleito um rombo

Há um rombo errante nas contas públicas federais neste ano. Segundo cálculos oficiais, já está em R$ 600 bilhões e com tendência a se aprofundar. Frente à catástrofe generalizada provocada pela pandemia na vida das famílias e nas empresas, é mais que aceitável romper os limites fiscais, mesmo com o custo elevado que será apresentado à sociedade brasileira nos anos que se seguirão.

Diante das incertezas sobre o impacto da crise, o governo de Jair Bolsonaro foi obrigado a abandonar uma meta fixa para o resultado primário em 2021 (sem os encargos da dívida). A impossibilidade de projetar o comportamento da arrecadação levou a equipe econômica a ancorar sua política fiscal no teto de gastos --dispositivo que limita o avanço das despesas à inflação.

Espera-se um déficit de R$ 127,5 bilhões para 2022, último ano do mandato de Jair Bolsonaro. Nada mais irônico para um ministro da Economia, de orientação ultraliberal e que chegou a prever zerar o déficit público já no primeiro ano da gestão bolsonarista, não conhecer o azul de perto.

Alvaro Costa e Silva - Destino: rua do Jogo da Bola

- Folha de S. Paulo

A literatura de Rubem Fonseca é um mapa geográfico e humano do Rio

Ao fim da pandemia, eu quero ser o Epifânio. É o personagem esquisitão do conto “A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro”, com que Rubem Fonseca —o Prêmio Camões que morreu na quarta-feira (15), aos 94 anos— atualiza o clássico “Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro”, de Joaquim Manuel de Macedo, e do qual tira a epígrafe terrível e atual: “Em uma palavra, a desmoralização era geral”.

Epifânio mora num sobrado, em cima de uma chapelaria feminina, na rua Sete de Setembro, no velho Centro, e anda nas ruas o dia inteiro e parte da noite. Acredita que ao caminhar pensa melhor e encontra soluções para seus problemas. Olha com atenção tudo o que pode ser visto: fachadas, telhados, portas, janelas, latas de lixo, bueiros, passarinhos bebendo água nas poças, o cinema que é ocupado pela igreja Jesus Salvador das Almas —como a fixar uma cidade que por milagre ainda existe, mas vai desaparecendo, ou se transformando em outra.

Visionário, o personagem ensina o caminho das pedras: você segue até o largo de Santa Rita, onde termina e começa a Marechal Floriano, vai até a rua dos Andradas, entra na Júlia Lopes de Almeida, segue até chegar à Senador Pompeu, entra pela direita numa travessa e, pronto, chega à rua do Jogo da Bola.

Na rua do Teatro, ele para e fica olhando para o último andar de um edifício. Logo outras pessoas se juntam em torno dele, ficam também olhando para o alto e perguntam: “Que foi? Ele já pulou?”. Nesse momento é como se Epifânio, por vontade própria, se transmudasse para outro relato do escritor, “A Força Humana”, no qual uma pequena multidão se posta em frente a uma loja de discos para ver um homem sambar. A literatura de Rubem Fonseca é um mapa geográfico e humano do Rio.

O bater pernas de Epifânio termina na rua do Ouvidor, direção do mar. Aonde também eu quero chegar, assim que puder. De longe, já dá para sentir o cheiro.

Demétrio Magnoli* - O médico e o monstro

- Folha de S. Paulo

Polarização política no Brasil e nos EUA destila polêmica estúpida, mas não é assim na Alemanha

Nos EUA, é Anthony Fauci; no Brasil, Mandetta. Os dois médicos ocuparam o centro dos palcos, ofuscando Trump e Bolsonaro. O presidente americano resiste prudentemente ao perigoso instinto de demitir o diretor dos Institutos Nacionais de Saúde. O brasileiro, comandado por sua própria seita de sicários de redes sociais, acaba de dispensar o ministro da Saúde.

Lá, como aqui, ainda que em tons menos primitivos, a polarização política destila uma polêmica estúpida que contrapõe saúde pública e economia. Não é assim na Alemanha, onde ninguém discute que os dois elementos pertencem à mesma equação.

A pandemia oferece um curso inteiro sobre os efeitos do populismo. Trump e Bolsonaro falaram numa "gripezinha". As sociedades reagiram, atemorizadas pelos monstros, entregando sua sorte aos médicos.

Nesse passo, enquanto a direita populista agrupava-se atrás do estandarte da "economia", todos os demais constituíam uma frente ampla em defesa da "vida". A quarentena converteu-se em programa político e, quanto mais à esquerda, mais radical é a convocação ao isolamento social.

Há uma certa lógica na atração da esquerda pela quarentena. A China fez a mais completa delas. Quarentenas reforçam o poder estatal, em detrimento das liberdades públicas e individuais. É a hora da polícia: a emergência propicia o controle da informação, a mordaça à imprensa. A paralisia econômica demanda agressivas políticas de distribuição de fundos públicos. A "mão invisível" do mercado cede lugar à mão bem visível do Estado. O fechamento de fronteiras promove desglobalização.

Ligia Bahia* - Aumentar a escala da rede

- Folha de S. Paulo

Medida pode salvar vidas e nos tornar menos desiguais

O novo coronavírus é repentino, devastador e universal. Já houve crises sanitárias mais letais, mas a maioria permaneceu territorialmente circunscrita, e registram-se aquelas disseminadas, porém, quase sempre, com menores taxas de mortalidade.

A surpreendente ameaça à saúde vem sendo respondida com medidas também inusitadas. Estratégias de distanciamento social se conjugaram com a reorganização de recursos assistenciais.

Países como a Austrália, Irlanda, Espanha, Reino Unido procuraram reunir de forma coordenada insumos estratégicos. Barreiras de natureza jurídica foram rompidas pela celebração de acordos para uso comum de estabelecimentos privados durante a pandemia.

A maior parte dos termos de cessão de uso prevê o pagamento de valores compatíveis com a manutenção dos hospitais, deduzindo o lucro. É vantajoso para ambas as partes porque evita a ociosidade decorrente das recomendações de adiamento de exames e internações eletivas e permite a necessária expansão de leitos por preços justos. O uso compartilhado de leitos, acrescido com a montagem de hospitais de campanha, conforma uma escala adequada para a magnitude da pandemia.

Adriana Fernandes - Quem paga a conta?

- O Estado de S. Paulo

Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro

A coluna do dia 4 de abril alertou para o risco de a falta de uma coordenação nacional nas medidas de combate ao coronavírus provocar um rombo irreversível no chamado pacto federativo brasileiro.

De lá para cá, avançamos a passos largos na direção de um racha que coloca em lados opostos 25 governadores, centenas de prefeitos de todo o País e lideranças parlamentares contra o governo Jair Bolsonaro.

Não dá mais para fazer vista grossa ao problema.

A crise federativa está no centro da velocidade de reação do Brasil à pandemia da covid-19 e pode ter consequências ainda mais graves no combate da disseminação do vírus mortal (sim, é preciso repetir mais um vez: não se trata de uma gripezinha) nas próximas semanas no País, mas também na fase que se seguir ao fim da quarentena.

É no pós-crise que o Congresso poderá votar projetos importantes alterando a ordem das coisas e desmanchando o modelo atual de distribuição do bolo dos tributos cobrados da sociedade que baliza o pacto federativo. Propostas não faltam nas duas Casas – Câmara e Senado. Tudo isso sem nenhuma articulação e debate aprofundado. Na base mesmo da retaliação.

Sem dúvida, o trauma da disputa com os governadores traz mais confusão à vista quando o que se deveria esperar é uma agenda de recuperação nacional após o baque da recessão economia já contratada pela covid-19.

Marcus Pestana - Crise e intervenção estatal

A crise que estamos vivendo – sanitária e econômica – recoloca um debate recorrente ao longo da história do capitalismo: o papel do Estado na economia e na sociedade. Qual seria o nível ideal de intervenção estatal para assegurar os objetivos nem sempre convergentes de crescimento econômico, estabilidade interna e externa, desenvolvimento social e fortalecimento da democracia?

Nas eleições presidenciais de 2018 houve uma escolha que anunciava um programa ultraliberal, na medida em que o presidente eleito deu carta branca a seu ministro da economia, Paulo Guedes, materializada na figura do “posto Ipiranga”. A partir do diagnóstico da crise herdada dos governos do PT, previam-se reformas estruturais, amplo programa de privatizações, enxugamento da máquina estatal, austeridade fiscal, abertura externa e a liberalização radical da economia de mercado. Paulo Guedes, um economista com sólida formação teórica e experiência empresarial no mercado financeiro, se coloca alinhado com a tradição de economistas liberais como Eugênio Gudin, Otávio Bulhões e Roberto Campos, que nunca tiveram muito sucesso político na implantação de suas ideias no Brasil. Com grande protagonismo e cooperação do Congresso Nacional, avanços importantíssimos foram feitos desde 2017. A agenda de reformas foi abruptamente interrompida pela pandemia do coronavírus.

Cabe registrar que o agigantamento do Estado brasileiro não é obra de governos socialdemocratas e de esquerda. A construção do intervencionismo estatal pós-1930 passou por Vargas, JK, mas teve momentos expressivos nos governos militares, sobretudo no 2o. PND de Geisel, e, posteriormente, nos governos do PT. Muito ao contrário, os governos socialdemocratas de Itamar Franco e FHC privatizaram a EMBRAER, as telecomunicações e a Vale do Rio Doce e estabilizaram a economia com o Plano Real e a introdução da responsabilidade fiscal, do câmbio flutuante e da autonomia da política monetária.

Senado barra minirreforma trabalhista de Bolsonaro

Texto caduca na segunda-feira e proposta da equipe econômica volta à estaca zero

Iara Lemos – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Os líderes partidários do Senado fecharam acordo na manhã desta sexta-feira (17) para não votar a medida provisória do Emprego Verde e Amarelo, que reduz encargos para patrões que contratarem jovens no primeiro emprego e pessoas acima de 55 anos que estavam fora do mercado formal.

Se não for votada, a medida perde a validade na próxima segunda-feira (20). Sendo assim, caberá ao Congresso definir, por meio de projeto de decreto legislativo, as regras para os atos ocorridos na vigência da medida, que tem prazo de 120 dias.

Há um clima de rebelião no Senado na manhã desta sexta fruto principalmente dos ataques feitos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“O MDB apoia a democracia. O presidente da República não pode fazer acusações sem provas”, disse o líder do MDB, Eduardo Braga (AM).

A PEC do orçamento de guerra, que tem segundo turno previsto para essa sexta-feira, também teve a votação questionada pelos senadores, mas acabou sendo colocada em apreciação no final da manhã.

Bandeira do governo neste período de pandemia, a MP já chegou no Senado sob polêmica dos líderes, que questionam o fato de ela alterar regras trabalhistas na esteira do estado de calamidade decretado pela pandemia causada pelo coronavírus.

Os líderes também criticam o tempo para a apreciação da medida, já que foi votada na terça-feira (14) pela Câmara e logo encaminhada para apreciação no Senado, sem que os parlamentares tivessem tempo para análise.

Após Bolsonaro criticar Maia, Senado retira da pauta MP Verde Amarelo e medida deve perder validade

Comentário do presidente depois de troca no Ministério da Saúde desagradou o Congresso; projeto do governo para estimular a contratação de jovens e de pessoas com mais de 55 anos pode caducar se não for votado a próxima segunda-feira

Daniel Weterman | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Em resposta ao presidente Jair Bolsonaro, o Senado decidiu não votar nesta sexta-feira, 17, a medida provisória do contrato Verde Amarelo, que reduz impostos às empresas na contratação de jovens de 18 a 29 anos e pessoas acima de 55 anos. O texto perderá a validade se não for aprovado pelos senadores até segunda-feira, 20. As bancadas ainda vão discutir se a medida será votada, mas a tendência é a MP caducar.

Na quinta-feira, 16, Bolsonaro oficializou a demissão de Luiz Henrique Mandetta (DEM) do Ministério da Saúde. A saída desagradou congressistas e fez os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), divulgarem uma nota conjunta pela primeira vez.

Além disso, o chefe do Planalto atacou Maia e disse ser alvo uma suposta ação para tirá-lo da presidência da República. O comportamento azedou ainda mais o clima no Congresso.

Tentando reverter o cenário, o governo fez um apelo para que a votação ocorra na segunda. "Não vou dar garantia que estará pautada na segunda", afirmou o presidente do Senado ao retirar a MP da sessão desta sexta.

Nesta sexta, o plenário do Senado votou em segundo turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do "orçamento de guerra". O texto fio aprovado e terá de voltar para a Câmara, por que o relator Antonio Anastasia (PSD-MG) fez mudanças no conteúdo do projeto.

Alcolumbre tentou fatiar a MP do Verde Amarelo para encaminhar à sanção apenas o texto consensual entre Senado e Câmara, entregando a relatoria para o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), fazer alterações e devolver modificações aos deputados federais. A estratégia, porém, foi rejeitada pelo presidente da Câmara.

Se a MP caducar ou for rejeitada, o governo não poderá reeditar uma medida provisória sobre o mesma tema este ano. Uma alternativa para a equipe econômica, se ainda quiser insistir no programa, é reeditar uma medida provisória até segunda-feira, 20.

Reação
O texto era uma aposta da equipe econômica para criar empregos entre os jovens e deixar o programa pronto para o período após a pandemia do novo coronavírus. "Talvez essa MP seja a de maior impacto neste mandato em que sua não aprovação vai direto na falta de emprego e microcrédito", afirmou o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).

Após demitir Mandetta, Bolsonaro confrontou Maia. Disse, em entrevista à rede de TV CNN, que sua atuação é “péssima” e insinuou que o parlamentar trama contra o seu governo. Em resposta, o presidente da Câmara afirmou que lançaria "flores" ao Planalto.

"Uma acusação sem apresentação de provas acende um alerta laranja para a democracia brasileira. O Senado precisa estar atento e tomar providência para que se esclareça essas declarações", disse o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM).

Na sessão desta sexta, a líder do Cidadania, Eliziane Gama (MA), propôs um voto de aplauso ao ex-ministro Mandetta, ato que deve ser encaminhado nos próximos dias.

As bancadas também cobraram de Alcolumbre um questionamento oficial ao presidente da República sobre suas declarações contra o Câmara e o Supremo Tribunal Federal (STF). "Esta democracia do presidente da República não é a nossa democracia", declarou o líder do PSD, Otto Alencar (BA).

Em disputa com Maia, governo Bolsonaro acena com cargos ao centrão para formar base

Presidente oferece espaços no 2º escalão para diminuir seu distanciamento com Congresso

Julia Chaib , Danielle Brant , Renato Onofre e Talita Fernandes – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Enquanto intensifica ataques ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tratado como seu adversário, o presidente Jair Bolsonaro tem feito acenos e oferecido espaços no segundo escalão do governo para atrair o chamado centrão e diminuir o seu distanciamento com o Congresso.

Nesta sexta (17), o ministro Walter Braga Netto (Casa Civil) recebeu três líderes do bloco no Planalto. O gesto político ocorreu um dia após Bolsonaro atacar Maia e dizer que o presidente da Câmara quer tirá-lo do poder.

Oficialmente, o líder do Republicanos, Jonathan de Jesus (RR), o líder do PL, Wellington Roberto (PB), e o do PP, Arthur Lira (AL), foram recebidos pelo militar e também pelo presidente com a justificativa de apresentar a eles o centro de comando das ações de combate ao coronavírus.

Contudo, a visita faz parte da estratégia do Planalto de minar a força de Maia e tentar trazer para a base do governo esses partidos, que somam apoios importantes no Parlamento —só PP, PL e PSD têm 116 dos 501 deputados em exercício.

Segundo a Casa Civil, também foram à visita parlamentares do PSL, como Carla Zambelli (SP) e Sanderson (RS).

O centrão é formado por DEM, PP, PL, Republicanos, Solidariedade, PSD e outros partidos e foi fundamental na eleição de Maia no ano passado. O grupo controla a pauta legislativa da Câmara e, até então, dava ao presidente da Casa apoio integral para ser um contrapeso a Bolsonaro.

Na quinta (16), Bolsonaro acusou o presidente da Câmara de conspirar para tirá-lo do posto e qualificou como péssima a atuação do deputado.

"Parece que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que esteja equivocado", disse Bolsonaro, em entrevista à CNN Brasil, ao comentar a aprovação pela Câmara de um projeto de socorro aos estados.

Pouco depois, Maia rebateu as acusações e afirmou que Bolsonaro usou “um velho truque da política” de trocar a pauta para tentar desviar a atenção da demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde.

A ida de líderes do centrão ao Planalto nesta sexta foi interpretada por aliados de Maia como um gesto de que esses parlamentares estão tentados a ceder ao apelo do governo.

Aliados de Bolsonaro, por exemplo, já teriam colocado à disposição de alguns partidos espaços importantes. Segundo parlamentares, o PSD poderia indicar nomes para a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e o PP, para o FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação).

A escalada de ataques contra Maia só teria sido decidida depois que Bolsonaro teve um aceno mais forte dos líderes de PP, PSD e PL de que ajudariam a compor sua base no Parlamento.

O presidente precisava dessa sinalização como um contrapeso ao provável desembarque do DEM de seu governo.

Congresso vê afronta em ataques de Bolsonaro a Maia

Câmara e Senado reagiram à fala do presidente da República em entrevista a TV

Bruno Góes, Amanda Almeida e Isabella Macedo | O Globo

BRASÍLIA — O ataque de Jair Bolsonaro ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), provocou uma reação suprapartidária em defesa do Congresso Nacional. Em entrevista à CNN Brasil na quinta-feira, Bolsonaro acusou Maia de conduzir "o Brasil para o caos" e de "conspirar" contra o governo.

Recebida como uma agressão ao Legislativo, a fala aprofundou o desgaste entre Palácio Planalto e parlamentares. Além disso, contribuiu para uma resposta imediata: o Senado desistiu de votar nesta sexta-feira uma minireforma trabalhista proposta pela equipe econômica. Trata-se da Medida Provisória do contrato Verde e Amarelo, que perde validade na segunda-feira caso não haja deliberação pelos senadores.

As declarações de Bolsonaro contra o presidente da Câmara foram interpretadas como uma afronta ao Congresso. No Senado, parlamentares expuseram publicamente o desconforto com a postura do presidente da República.

— Não vamos tapar o sol com a peneira: a fala de ontem, infeliz, do presidente da República expôs todos nós, expôs de forma indevida. (...) Nunca vi, nesses seis anos de mandato e acompanhando os dois mandatos do meu pai, que foi senador da República, tanta união entre oposição e situação no Congresso a favor do povo brasileiro. Então, neste momento em que estamos fazendo um esforço para aprovar medidas relevantes para o país, a fala do presidente foi indevida e enseja, para todos nós, o Congresso como um todo, espera um pedido de desculpas neste momento — disse a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet (MDB-MS).

Ao responder à acusação no mesmo dia, Maia afirmou que Bolsonaro "taca pedras", mas o parlamento "responde com flores" em momento de crise. Para o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), a reação do presidente da Câmara deve guiar a manifestação de deputados. Ele argumenta que é preciso ter cautela, pois o Brasil passa por duas crises: econômica e sanitária. Caso seja estimulada a crise política, haveria a "tempestade perfeita" e o "caos institucional". Ele reconhece que o ato de Bolsonaro, no entanto, uniu o parlamento.

— Ele (Bolsonaro) conseguiu unir o Congresso, desde a oposição ao centro e todos os partidos condenaram sua fala.

'Cadê Regina Duarte?': artistas cobram ações de secretária da Cultura para conter crise no setor

Em vídeo, grupo questiona ausência de medidas práticas e pede liberação do Fundo Nacional da Cultura

- O Globo

RIO - Foi divulgado nesta sexta-feira (17) um vídeo, com participação de cerca de 20 artistas, em que Regina Duarte, secretária especial da Cultura, é questionada sobre ações práticas para enfrentar a crise do setor, agravada pela causa da pandemia do novo coronavírus. Entre as cobranças, está a liberação do Fundo Nacional da Cultura (FNC), principal mecanismo governamental de apoio direto a projetos artísticos do país.

Na gravação, promovida pelo grupos Artigo 5º e ATAC (Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena pela Democracia e Liberdade), aparecem nomes como o ator Renato Borghi, os diretores Elias Andreato e Ruy Cortez, e o jornalista Celso Curi.

"Cadê Regina? Cadê Regina Duarte? Acorda, Regina! Cadê o Fundo Nacional da Cultura? Alguém por aí viu a Regina? Ninguém sabe, ninguém, viu!", repetem os artistas durante o vídeo, que em determinados momentos tem a marcha fúnebre como trilha sonora. 

Heber Trigueiro: os desafios que o novo secretário do Audiovisual terá pela frente

"No mundo todo a cultura é responsável por 6% da economia, gerando cerca de 30 milhões de empregos por ano. Em função do isolamento, os artistas também ficaram sem fontes de renda para sustentar suas famílias e precisam urgentemente de apoio do governo. Verba para isso existe. Queremos saber da secretária especial da Cultura, Regina Duarte, o que ela está esperando para agir", questiona o grupo, ao final do vídeo.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Falta um plano para o fim do isolamento – Editorial | O Globo

A volta do país à normalidade, desejo de todos, não pode ser feita sem fundamentação técnica

Uma dedução lógica indica que, se Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta por discordar do isolamento social, Nelson Teich, o substituto, foi nomeado para executar o desejo presidencial. A realidade, no entanto, pode abalar este raciocínio no que ele tem de inflexível. À margem deste conflito, em que política se mistura com saúde pública, a vida real segue sua marcha junto com o avanço da epidemia do coronavírus, responsável até ontem pela morte de mais de 2 mil pessoas no país, marca alcançada no dia da posse de Teich. O Exército, sugestivamente, pede informações a prefeituras fluminenses sobre a capacidade de seus cemitérios.

Menos tenso que na véspera ao anunciar a saída de Mandetta e sua troca pelo oncologista Nelson Teich, o presidente, na posse do novo ministro, explicitou sua preocupação prioritária com os estragos provocados pelo isolamento na economia. Sem circulação de pessoas, o comércio é estrangulado. E abrir o comércio é um risco que o presidente disse que correrá. Voltou a falar da sua preocupação com o desemprego, afirmando que deseja evitar que o custo da terapia, o isolamento, seja maior que o prejuízo da doença.

Poesia | Ascenso Ferreira - Filosofia*

(A José Pereira de Araújo - "Doutorzinho de Escada")

Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

*In: FERREIRA, Ascenso. Poemas: Catimbó, Cana Caiana, Xenhenhém. Il. por 20 artistas plásticos pernambucanos. Recife: Nordestal, 1988