Faz um mês estamos imersos em intensa discussão sobre a COVID-19, sob a ótica dos infectologistas e epidemiologistas, o que foi importantíssimo para aprendermos como lidar com a moléstia e sua propagação – não obstante as inevitáveis tolices, como a da ineficácia das máscaras para a proteção individual e coletiva. Aprendida a lição, cuja divulgação não pode cessar, é chegada a hora de abrirmos o leque da discussão sobre a pandemia, sobretudo em relação a seus efeitos de médio e longo-prazos.
Tornada pública em dezembro de 2019 pelas autoridades chinesas – depois de três semanas de abafamento por meio de prisões e censura –, a epidemia está provocando, além de muitas mortes, um colapso nas economias, em escala mundial, cujos desdobramentos políticos ainda são incertos. O consenso é que sérias consequências sociais advirão do esforço de contenção da doença, embora se esteja longe de qualquer convergência programática de como lidar com o problema.
A crença ingênua de que a emergência faria cessar a disputa entre indivíduos e povos pela supremacia não resiste à simples observação da vida cotidiana. Ao contrário, o medo e as incertezas se constituem em ingredientes ainda mais picantes em meio aos dilemas e desafios políticos e econômicos que o mundo e o Brasil já vinham enfrentando, onde as fraturas entre sociedade e Estado apresentam cenários potencialmente explosivos de solução.
No caso brasileiro, o Governo Bolsonaro saiu em desvantagem ao menosprezar os sinais vindos do exterior e tentar minimizar os riscos e custos locais da epidemia – mesmo sendo observador privilegiado do erro dos governos europeus, enredados em querelas ideológicas sobre a globalização –, deixando seu Ministério sem rumo e o terreno aberto aos opositores acantonados nos Governos estaduais e no Congresso.
Já em fevereiro, a evolução da COVID-19 no Irã e na Itália chamavam atenção pelo crescimento rápido dos casos e mortes, e, embora o intercâmbio turístico entre Brasil e Itália fosse intenso, o Governo, por meio do Ministério da Saúde, se limitou a alterar a definição de casos suspeitos, incluindo pacientes provenientes destes países – no mesmo dia, o primeiro caso, importado da Itália, foi identificado em São Paulo –, deixando abertos portos e aeroportos sem qualquer alerta ou triagem sanitária, possibilitando a penetração livre do vírus no país.
A medida capital para frear o início da doença, em todos os países depois da China – e tempo, nesses casos, é vida, como se viu no bem sucedido caso alemão –, seria o confinamento temporário dos viajantes e/ou o fechamentos das fronteiras, o que, àquela altura, parecia inconcebível pelo perfil do público afetado (turistas e negociantes) e pelas políticas abusivas das empresas aéreas e hoteleiras, resistentes ao cancelamento/adiamento das viagens. A resistência também vinha dos devotos da globalização, que tachavam a medida de xenófoba e inócua, como fez o comentarista Demétrio Magnoli, na GloboNews, às vésperas do fechamento das fronteiras europeias, críticando os líderes da extrema-direita europeia nos seguintes termos: “o vírus não tem nação”.