sexta-feira, 1 de maio de 2020

Merval Pereira – Um presidente atordoado

- Globo

A insistência em nomear Ramagem só confirma o que Moro alegou como motivo para sua saída do ministério

O presidente Jair Bolsonaro está dando munição contra ele mesmo para o inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que ele tentou interferir nas ações da Polícia Federal, e por isso demitiu o delegado Maurício Valeixo para nomear Alexandre Ramagem, que foi chefe de sua segurança.

A insistência em nomear Ramagem, mesmo depois de o ministro Alexandre de Moraes ter suspendido sua posse, só confirma o que Moro alegou como motivo para sua saída do Ministério da Justiça.

O presidente Bolsonaro declarou que o caso quase gerou uma crise institucional, indicando que pensara em não respeitar a decisão do Supremo, ou em indicálo novamente, o que seria uma afronta ao Judiciário.

Ao mesmo tempo, duas investidas do presidente em outros órgãos de Estado, como o Exército e a Receita Federal, demonstram que ele não tem noção institucional dos limites que cada Poder tem entre si, e da diferença das políticas de Estado das do governo.

Os órgãos de Estado não são braços da ação política dos governos, são permanentes e devem ser guiados por atuação imparcial do ponto de vista político. Bolsonaro determinou ao secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, uma anistia de dívidas tributárias das igrejas evangélicas devido a autuações pelo não recolhimento de tributos na distribuição de lucros e outras remunerações a seus principais dirigentes.

No Exército, ele determinou a revogação de três portarias sobre rastreamento de balas e munições. Nos dois casos, agiu como presidente da República para favorecer grupos de seguidores políticos, como as igrejas evangélicas e os clubes de tiro, os atiradores e colecionadores de armas.

O que estava ruim só piorou para o presidente Bolsonaro com o confronto que está alimentando com o Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da liminar do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na diretoria-geral da Polícia Federal. “Polícia Federal não é órgão de inteligência da Presidência da República”, ressaltou o ministro do STF em seu despacho concedendo a liminar.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro fez ataque preventivo a Moraes

- O Globo

Como todo aspirante a ditador, Bolsonaro não gosta da ideia de um Judiciário independente. Ontem ele testou uma nova fórmula para intimidar o Supremo

Como todo aspirante a ditador, Jair Bolsonaro não gosta da ideia de um Judiciário independente. Na campanha de 2018, ele anunciou o plano de ampliar o número de vagas no Supremo de 11 para 21. A manobra, inspirada em ato da ditadura militar, lhe daria a chance de indicar dez ministros de uma só vez.

Para facilitar a vida do pai, o deputado Eduardo Bolsonaro propôs uma solução mais ligeira. “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”, disse.

Nos dois episódios, o clã desafiou o Supremo e esperou as reações negativas para fingir arrependimento. O roteiro se repetiu no ano passado, quando o presidente divulgou um vídeo que retratava o tribunal como uma hiena em busca de carniça.

Nelson Motta - Que terço é esse?

- O Globo

Os que votaram nele por ódio ao PT e à esquerda estão decepcionados

Nada mais assusta ou surpreende nos seus coices na razão e nas suas bombas de merda verbais. Nem seu autoritarismo e sua ganância de poder, de ter controle sobre tudo e não dar satisfações a ninguém, afinal, “o presidente sou eu, eu é que mando, talkey?” Seu principal objetivo é livrar os filhos da lei a qualquer preço.

O que assusta é saber que um terço do país (ainda) o apoia incondicionalmente.

Apesar do bombardeio da mídia, do Congresso e do Judiciário, e dos recentes revezes e desgastes, que fizeram 17% de seus eleitores se arrependerem, 33% do país se mantêm fiéis a ele. São cerca de 50 milhões entre os 150 milhões de eleitores. Uma Espanha.

Mas quem é esse terço no Brasil?

Flávia Oliveira - O pior 1º de Maio

- O Globo

Diretamente da ocupação precária para o desemprego

Foi rápido e agudo o efeito da crise sanitária no mercado de trabalho brasileiro. No primeiro resultado da Pnad Contínua após o início do isolamento social em resposta à pandemia, o IBGE apresentou um cenário de intensa deterioração nas vagas ocupadas pelos mais vulneráveis. Nunca foi exagero reivindicar políticas emergenciais de proteção social às trabalhadoras domésticas e aos informais. Eles saíram diretamente da ocupação precária para o desemprego. Nenhum grupo sentiu mais a súbita desaceleração da economia. Nada a comemorar no Primeiro de Maio.

Levantamentos divulgados nas primeiras semanas de distanciamento já indicavam que o impacto nas condições de vida das famílias à beira da vulnerabilidade seria grande. Em consulta a 1.142 moradores de 262 favelas entre os dias 20 e 22 de março, o Data Favela apurou que mais da metade (54%) temia perder o emprego, e 86% teriam dificuldades para comprar comida em até um mês, se ficassem sem rendimentos. Em meados de abril, o Instituto Locomotiva estimou que 39% das diaristas e 13% das empregadas domésticas mensalistas foram dispensadas sem direito a remuneração.

As estatísticas do IBGE confirmaram a tendência. No primeiro trimestre de 2020, 832 mil assalariados sem carteira assinada, 742 mil conta própria sem CNPJ e 385 mil trabalhadores domésticos ficaram sem ocupação. São justamente os grupamentos profissionais de menor remuneração e com presença maiúscula de mulheres e negros, numa evidência de que a crise socioeconômica oriunda da pandemia tem mesmo gênero e raça.

Míriam Leitão - Sem bússola no olho do furacão

- O Globo

Desemprego pode ser maior, todos os indicadores do IBGE estão ameaçados por impasse que a direção não consegue resolver

Hoje é dia do trabalho e só se viu até agora a ponta do iceberg do que poderá vir a ser o desemprego no Brasil. O país navega sem qualquer visibilidade no meio de uma tempestade. O mercado de trabalho já está em forte deterioração, e a economia corre o risco concreto de ficar sem indicadores para orientar as políticas públicas em qualquer área. O Caged não está sendo divulgado desde dezembro, e o IBGE dificilmente conseguirá trazer o retrato do desemprego ou dos outros índices econômicos.

A ex-presidente do IBGE Wasmália Bivar acha que a direção do Instituto deveria estar se mobilizando, falando com a sociedade brasileira para superar o impasse que se formou:

– É preciso ir ao Supremo, Congresso, trazer a OAB, fazer seminário virtual, falar com a imprensa, enfim, explicar a todos a necessidade de ter acesso a dados que permitam ao IBGE construir uma nova forma de trabalho.

A pandemia fez com que, em todo o mundo, houvesse a suspensão das pesquisas domiciliares. Wasmália acha que o IBGE está corretíssimo em ter também suspendido para proteger as famílias e a equipe de trabalho. O problema é que em seguida o governo baixou a MP determinando que o instituto tivesse acesso aos dados individuais que teriam que ser fornecidos pelas companhias telefônicas. Por ser uma MP, e pela maneira como foi feita, produziu uma onda de reação. Partidos diferentes, a OAB e outras instituições procuraram o STF, e a ministra Rosa Weber suspendeu o repasse de dados das telefônicas.

Rogério L. Furquim Werneck* - Cálculo político revelador

- O Globo | O Estado de S. Paulo

Os benefícios esperados superavam com folga os custos envolvidos na decisão de enfrentar Sergio Moro

Não lhe bastassem a pandemia e a recessão, o presidente decidiu abrir uma terceira frente, ao deflagrar grave crise política que poderá até lhe custar o mandato.

Tendo se permitido incorrer nos custos de destituir Mandetta em meio à pandemia, Bolsonaro não se deu por satisfeito. Três dias depois, aceitou ser protagonista central de grotesca manifestação antidemocrática, em frente ao QG do Exército, em Brasília. E, em seguida, não teve melhor ideia do que armar novo pandemônio político que culminou na renúncia do mais popular de seus ministros.

Diante de tantos despropósitos, é natural que muitos analistas estejam tentados a crer que o presidente já não se pauta por considerações racionais. E é até possível que estejam certos. Mas, por ora, parece mais realista presumir que o presidente continua tentando ser racional, ainda que com objetivos muito estreitos, péssima assessoria e manejo lamentável dos seus recursos políticos. É uma perspectiva analítica mais promissora, porque permite vislumbrar elementos cruciais do cálculo político do Planalto que escapariam a análises baseadas na presunção de irracionalidade.

Já é hora de passar a entender Bolsonaro & Filhos como um grupo político indissociável. Tendo conquistado a Presidência da República nas condições especialíssimas da eleição de 2018, o grupo atravessou 2019 cada vez mais convicto de que o feito poderia ser repetido em outubro de 2022.

Tal convicção viria a ser fatalmente abalada pela pandemia e seus complexos desdobramentos econômicos e sociais. E, para o grupo, a brusca reversão de expectativas seria traumática.
Mandetta caiu, em parte, por ter mostrado mais sucesso do que deveria. Mas, primordialmente, por ter insistido numa linha bem fundamentada de combate à epidemia que eliminava qualquer esperança de que a economia pudesse vir a ter, em 2020, desempenho compatível com o projeto de reeleição de Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo - O vírus da paranoia

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro acredita que há uma operação no Congresso para inviabilizar o governo financeiramente, ao barrar projetos do ministro Guedes”

O estresse entre o presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário não é um bom sintoma político para a democracia, porém, continua. Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade, as restrições à Lei de Acesso à Informação previstas em uma medida provisória (MP) editada pelo presidente da República. A MP havia sido editada em março, motivando o pedido da Rede Sustentabilidade para que o STF suspendesse os trechos da lei que restringiam o acesso à informação. Alexandre de Moraes havia atendido ao pedido; o plenário do STF confirmou a decisão, o que foi interpretado como uma espécie de desagravo ao ministro, diante dos ataques que havia sofrido de parte de Bolsonaro, pela manhã.

O presidente da República pretendia suspender prazos de resposta e a necessidade de reiteração de pedidos durante a pandemia do novo coronavírus. A Lei de Acesso à Informação regulamenta o trecho da Constituição que estabelece como direito de qualquer cidadão receber, do poder público, informações de interesse da sociedade. Na mesma linha da decisão do Supremo, a juíza federal Ana Lúcia Petri Betto, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) forneça os laudos de todos os exames feitos pelo presidente Jair Bolsonaro para diagnóstico do coronavírus. A decisão, segundo a juíza, deve ser cumprida em 48 horas, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia.

Segundo a juíza, o documento enviado pelo AGU “não atende, de forma integral, à determinação judicial”. Na verdade, não eram os resultados dos exames – que Bolsonaro se recusa a revelar, o que aumenta os boatos de que teria contraído o coronavírus —, mas um relatório médico da coordenação de saúde da Presidência, com data de 18 de março, mas sem os exames. A magistrada havia determinado a apresentação dos dois exames feitos por Bolsonaro, que teriam resultados negativos, segundo o próprio.

Ricardo Noblat - Avanço do Covid-19 deteriora a situação do país e de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja 

Brasil ultrapassa a China em número de casos e de mortes

Enquanto o presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, pelo terceiro dia consecutivo revela preocupação com o avanço do coronavírus no Brasil, seu admirador de carteirinha, o presidente Jair Bolsonaro, voltou a repetir que não há muito o que fazer – salvo deixar que a doença contamine 70% da população para que depois perca o fôlego. Não há garantia de que perderá.

A Ciência ainda não descobriu se uma pessoa contaminada se torna imune. Algo como 80% dos contaminados sequer se darão conta que contraíram o vírus. Como não foram e nem serão testados, poderão circular certos de que escaparam aos efeitos da pandemia. E assim se tornarem transmissores da doença. Bolsonaro, ao que tudo indica, não entendeu isso.

Mas, se entendeu, pouco está ligando. Em sua live semanal das quintas-feiras no Facebook, no mesmo dia em que o ministro Nelson Teich, da Saúde, admitiu que o número de mortos pelo vírus poderá em breve ultrapassar a marca diária de mil, Bolsonaro, sem apresentar provas, sustentou que o confinamento social de nada adianta. E defendeu novamente a volta ao trabalho.

Uma das razões para que o presidente goste tanto de suas aparições no Facebook é que, ali, ninguém o contesta. Pode contestar nos comentários postados – mas ele não se importa. Ao vivo, só ele e convidados. E nenhum ousa aparteá-lo sequer para dizer que endossa suas opiniões. Só abrem a boca quando ele manda. De preferência, apenas sorriem ou abanam a cabeça.

Hélio Schwartsman - Brasil fracassa na pandemia

- Folha de S. Paulo

Fracassamos no preparo, nos testes e até na contagem mortos

Hesitei muito antes de escrever esta coluna, mas acho que não há mais como adiar: a forma como o Brasil vem enfrentando a Covid-19 só pode ser classificada como um fracasso completo. Para mencionar apenas os pontos mais essenciais, fracassamos no preparo para lidar com a pandemia, fracassamos em testar nos níveis necessários para identificar os doentes e eliminar cadeias de contágio e fracassamos até mesmo em contar os mortos direito e enterrá-los com dignidade.

Não ignoro que a dificuldade é global. Faltam insumos no mundo inteiro. A carência atinge desde os sempre lembrados ventiladores até reagentes para os testes e itens de proteção pessoal como máscaras e viseiras. Faltam também produtos menos óbvios, como o swab, o "cotonete" usado nos exames moleculares.

Onde estão o governo e os engenheiros de produção? Por que o poder público não negociou com setores da indústria que estão ociosos a conversão de suas linhas para a produção emergencial de alguns desses itens?

Bruno Boghossian – Chiadeira seletiva

- Folha de S. Paulo

Presidente não reclamou do STF quando ministros decidiram a favor de Flávio e do governo

Não houve chiadeira no Palácio da Alvorada quando Luiz Fux aproveitou o recesso do STF e decidiu, sozinho, suspender as investigações do caso Fabrício Queiroz, no início do ano passado. Ninguém saiu à portaria para dizer que aquele era um juízo político ou que o ministro abusava do poder de sua caneta.

Seria ingenuidade esperar coerência de Jair Bolsonaro. O presidente bateu palmas quando o Supremo tomou decisões que beneficiavam sua família e o governo. Agora, força uma confusão com a corte para encobrir sua tentativa escancarada de interferir na Polícia Federal.

Depois que Alexandre de Moraes barrou a nomeação de seu escolhido para o comando do órgão, o presidente disse que o ministro impedira a posse só porque Alexandre Ramagem era seu amigo: "Por que não posso prestigiar uma pessoa que eu conhecia com essa profundidade?".

Não era nada daquilo. Bolsonaro foi impedido de trocar a chefia da PF porque demonstrou interesse em intervir politicamente em investigações que rondam seus filhos e aliados. As relações com Ramagem surgiram apenas como agravantes.

Reinaldo Azevedo - É preciso cultivar nosso jardim

- Folha de S. Paulo

Estamos esmagados sob a égide de espíritos homicidas, mas nem tudo está perdido

Sinto desconforto ao ter de escrever sobre certas vigarices políticas quando o caos da Covid-19 já engolfou Manaus e Belém, avizinha-se de Fortaleza e São Luís, preparando-se para tragar Rio e São Paulo. Desconforto e sensação de impotência. Como todo mundo. Nada disso está bem. É preciso, então, cultivar nosso jardim. Volto ao ponto mais adiante, depois de tratar do fim de uma quimera, de que o triunfo da morte é parte.

Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça ambicionando o papel de mocinho no duelo com Jair Bolsonaro. Um completo ausente em tempos de coronavírus, demitiu-se cinco dias antes de o Monitor da Violência apontar nova escalada de homicídios. O índice cresceu 8% no país —22% no Nordeste— em janeiro e fevereiro na comparação com igual período do ano passado. A incompetência é apanágio da mistificação.

Saiu atirando contra o chefe, com quem formalizou uma aliança de pornografia política explícita há meros 17 meses. O rompimento foi didático. Expôs sem filtro a natureza da Lava Jato e o seu poder de corromper instituições sob o pretexto de caçar corruptos. Foi aquele serpentário que nos relegou às trevas.

A aliança informal da operação com a extrema direita antecedia em muito o novembro de 2018, quando o então presidente eleito convidou o juiz para o cargo. No ministério, Moro condescendeu com o obscurantismo armamentista de Bolsonaro —e o resultado, tudo indica, já se traduz em corpos—, fez a defesa esganiçada e cruenta da licença para matar e se opôs ao juiz de garantias.

Vinicius Torres Freire – Guedes e a ‘impressão de dinheiro’

- Folha de S. Paulo

Ministro disse que pode acontecer, mas é hipótese teórica ou o governo já pensa em agir?

Paulo Guedes afirmou que o governo pode “imprimir dinheiro”, maneira “pop” de dizer que o Banco Central pode criar moeda do nada a fim de comprar títulos públicos. Isto é, emprestar dinheiro para o governo. Na prática, grosso modo, o endividamento extra seria financiado com dinheiro criado do nada, para ir no popular.

O troço é mais enrolado, mas a questão mais importante nem é explicar a aparente mágica.

As perguntas são:

1. Guedes apenas mencionou uma hipótese teórica de uma política extraordinária, adotada no Japão dos anos 1990, nos EUA e na Europa depois da crise de 2008 e agora outra vez, por causa da ruína da epidemia?

2. O ministro choveu no molhado, porque o BC já admitiu que pode em tese recorrer a tal política, faz mais de três semanas? Aliás, o instrumento que permite ao BC comprar títulos do Tesouro foi negociado com o Congresso faz um mês;

3. Os economistas do governo já pensam em partir para a ação (embora a decisão, oficialmente, caiba ao BC)?

Fernando Gabeira* - Pergunte ao coronavírus

- O Estado de S.Paulo

O Brasil politizou o vírus. O governo mergulhou na cegueira ideológica

Num momento de ansiedade e incertezas, multiplicam-se as previsões e os cenários sobre o mundo pós-pandemia. Mas todos esses cenários, creio, dependem da evolução da mesma variável que nos pôs nesta situação tão difícil: o coronavírus.

Uma das minhas referências nas previsões sobre o coronavírus é Bill Gates. Ele dedica parte de sua fortuna ao financiamento de projetos de saúde pública. Precisa ser bem informado, no mínimo, para não jogar dinheiro fora. Em curto artigo sobre as perspectivas, Gates acha que uma vacina eficaz contra o coronavírus estará pronta até 2021. Os caminhos da pesquisa indicam duas direções. Uma delas é a vacina tradicional, que utiliza um vírus desativado. A outra, aproveitando os avanços da genética, poderia informar as células para que bloqueiem o vírus.

Existe uma possibilidade mais rápida, anunciada pelos cientistas de Oxford no jornal The New York Times. Eles acham que conseguem lançar sua vacina ainda em setembro de 2020. Fizeram experiências com seis macacos e foram bem-sucedidos. Pretendem agora experimentá-la em 5 mil pessoas e obter a licença.

Eliane Cantanhêde - Tiro no STF e no pé

- O Estado de S.Paulo

Há margem para discutir a decisão do STF, mas Bolsonaro trabalhou contra ele próprio

O presidente Jair Bolsonaro deu uma de Jair Bolsonaro: fingiu que foi, mas não foi. Moldado pelos generais e pela assessoria direta não ligada ao “gabinete do ódio”, ele reagiu com moderação e rapidamente ao revogar a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, que havia sido suspensa pelo Supremo, mas, à tarde, mandou recados sobre a independência entre Poderes e no fim da quarta-feira já avisava que mudaria tudo. Por quê? “Quem manda sou eu.”

Antes de embarcar para Porto Alegre, para mais uma solenidade militar, Bolsonaro admitiu na quinta-feira, 30: “Quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco”. Ou seja, o presidente pensou seriamente em desobedecer uma decisão do Supremo, descartando a regra de que “decisão judicial não se discute, cumpre-se” – e, se for o caso, recorre-se.

Se o presidente agora não pensa em outra coisa senão em nomear Ramagem como diretor-geral da PF, o mundo político parecia se dividir. A primeira reação, assim que Alexandre de Moraes suspendeu a posse, foi de amplo apoio à decisão do ministro do Supremo. Na quinta, começaram as ressalvas. Pelo twitter, o ex-presidente Fernando Henrique disse que “os choques entre poderes não ajudam a democracia” e opinou: “Acho que cabe ao PR (presidente) nomear o diretor da PF”.

Ignácio de Loyola Brandão - E daí, Presidente Morte?

- O Estado de S.Paulo

Não significamos nada para este senhor Jair. Ele tem por nós desdém, desprezo, desapego, desinteresse. Acima de tudo, desamor

Quando ouvi o presidente exclamar “E daí?” diante das mortes provocadas pelo covid 19, tive ânsia de vômito. Em seguida, pensei: é um monstro. Um homem sem aquilo que minha mãe chamava de misericórdia. Na mesma hora, me veio a ordem do governador geral da Polônia, em janeiro de 1942, pouco antes da reunião em Wannsee, Berlim, que determinou a aceleração da Solução Final (nem Bolso nem o chancelar Arruda acreditam nela), destinada a exterminar todos os judeus, todos os inimigos do nazismo. O resultado, 6 milhões de mortos em fornos crematórios, fuzilamentos, e tudo o mais.

Sabemos hoje alguns nomes daqueles que comandaram a operação. Inesquecíveis Himmler, Heydrich, Adolf Eichmann e Josef Mengele, este chamado de o Doutor Morte, pela frieza com que executou as mais perversas “pesquisas” em nome da ciência.

E dai? Daí que me veio acachapante sensação, que não foi de repulsa ante a frieza e a indiferença com os milhões de habitantes do Brasil. Não foi de raiva, nem de ódio. Foi de uma tristeza imensa diante de tal desumanidade e desrespeito à dor alheia, à dor de uma nação. Não significamos nada para este senhor Jair. Ele tem por nós desdém, desprezo, desapego, desinteresse. Acima de tudo, desamor. Fiquei deprimido. Não sou ninguém, minha família nada é, meus amigos nada são, nenhum brasileiro tem qualquer significado, nenhum ser humano tem direito à vida. Nosso presidente não liga um pingo para nós, para nossas existências. Nem pelas vidas daqueles que votaram nele. Porque, se as mortes continuarem nessa progressão, onde vão parar? Se é que vão.

Matheus Leitão - Ameaça de Bolsonaro de “crise institucional” gera mais desconforto no STF

- Revista Veja

Declaração do presidente é o fato político do dia, avalia ministro. Fala pode confundir, mas não tirará os olhos da corte das denúncias feitas por Moro

Apesar de aconselhado por assessores a não aumentar o fosso cada vez maior entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro amanheceu o dia atacando diretamente o ministro Alexandre de Moraes. E revelou que, nesta quarta-feira (29), o país esteve perto de uma crise institucional. “Por pouco não teve uma crise institucional ontem, por muito pouco”, disse ao sair do Palácio da Alvorada.

A “crise institucional” a que se refere Bolsonaro é uma reação dele à acertada decisão de Moraes de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da Polícia Federal, após as graves denúncias de possível interferência política na corporação feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Na entrevista, raivosa como o usual, Bolsonaro chegou a falar na eventualidade de vir a nomear Ramagem apesar da ordem judicial. E essa é a crise que quase houve.

O país parece já estar acostumado com impropérios matinais do presidente. Mas a tentativa de Bolsonaro de esticar a corda com o STF, após seus incentivos às manifestações populares contra a corte, ampliou ainda mais o desconforto no Supremo. “Essa frase é o fato político do dia”, avaliou um ministro à coluna, mostrando que ela não deve ficar no vazio. Não fosse a pandemia, a resposta seria dada por desagravos no plenário pelos ministros ao colega de toga.

Além dessa frase de que “quase houve uma crise institucional”, o presidente fez os ataques diretos ao ministro Alexandre de Moraes, exigindo rapidez em decisões e afirmando que ele só foi escolhido ministro pela amizade com o ex-presidente Michel Temer. Criticar Alexandre de Moraes, como Bolsonaro fez, acaba por ferir todos os outros ministros da corte por tabela.

Dora Kramer - Hora marcada

- Revista Veja

Determinante para definir o destino do presidente será a comprovação, ou não, da ocorrência de crime de responsabilidade

Rodrigo Maia tem usado a palavra-chave do manual do bem-fazer política de Tancredo Neves: paciência. Personagem de um dos diversos episódios dramáticos da história de presidentes brasileiros, Tancredo era “capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos”, na definição do também mineiro e adversário José Bonifácio de Andrada e Silva (um dos descendentes do patriarca).

O presidente da Câmara recorre ao ensinamento ao falar sobre a possibilidade de dar prosseguimento a um processo de impedimento de Jair Bolsonaro, que já se acumulam às três dezenas no setor de protocolos da Casa. Rodrigo de imediato calou-se e só se manifestou três dias depois da saída-bomba de Sergio Moro do Ministério da Justiça, numa sexta-feira frenética em que o tema do impeachment dominou a República, quando invocou a lição da paciência como virtude política.

Falou também em “equilíbrio”, duas características que Bolsonaro não tem e que serão imprescindíveis para atravessar os próximos meses. De um lado o combate à crise sanitária, de outro o transcorrer das investigações que podem resultar no enquadramento do presidente em crime de responsabilidade e os filhos dele em uma ou mais ações penais.

A palavra da ordem, portanto, está com o Supremo Tribunal Federal, com a Procuradoria-Geral da República e com a Polícia Federal. Não sendo ainda a hora de o Congresso entrar em cena, Rodrigo Maia deve ter feito a conta simples de que o ideal seria um recuo tático.

Raul Jungmann* - Presidencialismo de colisão

- Capital Político 30.4.2020

Com a fragmentação partidária atual, mais de 25 legendas com assento no parlamento, nenhum Presidente da República pode governar sem lançar mão do chamado presidencialismo de coalizão. O atual presidente decidiu não governar com ele. Resultado, vivemos um presidencialismo de colisão.

Vitorioso em uma eleição crítica, em que os parâmetros das anteriores foram superados ou mitigados e cavalgando a onda da anti-política, o Presidente julgou poder governar com as redes sociais e para os segmentos que o apoiam. Ocorre que, se a sua eleição foi fruto de uma ruptura, a política e o sistema de governo diferentemente não o são, mas de continuidade.

As redes sociais são eficazes para chegar ao poder ou até para derrubá-lo, porém são imprestáveis para governar. Ou seja, não há como projetar a lógica das eleições sobre o modo de governar. Sem a ferramenta do presidencialismo de coalizão, restou-lhe a política plebiscitária de apelar às massas ou à espada, multiplicando conflitos que se espraiam pelos demais poderes e órgãos de controle.

Essa prática deteriora o clima institucional e paralisa seu governo. O que tem levado a sucessivas rodadas de choques e conflitos, numa espiral ascendente. Surgem então as narrativas conspiratórias e auto-justificantes. A última, atribui ao Presidente da Câmara a articulação de um complô, juntamente com governadores e integrantes do STF, para adotar medidas que sangrem o Tesouro Federal e transfiram recursos para os Estados, visando o pleito de 2022.

Nesse quadro, um fator complicador é o vírus privado e familiar no coração da presidência, a influir em decisões de interesse da Nação sob a ótica doméstica, o que tende a promover ondas de desordem, conflitos e uma instabilidade permanente.

No plano simbólico, a saída do ministro Sérgio Moro, vestal do combate à corrupção, e a aproximação com o Centrão, deve levar ao divórcio dos lava-jatistas de sua base de apoio, em nome de uma coalizão parlamentar para enfrentar a hora crítica que se aproxima: a quem caberá o espólio do Covid-19 e da inédita recessão.

É bom lembrar, nessa hora, que crises entre o Parlamento e o Executivo em nossa história, de Deodoro da Fonseca a Dilma Rousseff, levaram à queda do presidente ou ao fechamento do Congresso. Ambos fora do radar e, assim espero, permanecerão.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Falta trabalho para 27,6 milhões de pessoas em todo o país

Taxa de desemprego subiu de 11% em dezembro para 12,2% em março. Total de ocupados cai 2,5%, maior queda desde 2012

Pedro Capetti | O Globo

RIO E BRASÍLIA - Falta trabalho para 27,6 milhões de pessoas no país, entre desempregados e trabalhadores que estão subocupados. Além dos 12,9 milhões que buscaram uma vaga nas semanas do primeiro trimestre do ano pesquisadas pelo IBGE, 6,4 milhões trabalham menos de 40 horas semanais e gostariam de ter jornada maior, patamar semelhante ao do início do ano passado.

Outros 8,3 milhões de pessoas se encaixam no que o IBGE classifica como força potencial de trabalho: quem buscou uma vaga, mas não ficou disponível para trabalhar por algum motivo —como cuidar de um parente doente, por exemplo — ou é desalentado, aquele que tem disponibilidade, mas desistiu de procurar.

As demissões habituais em começo de ano e os efeitos da pandemia na economia fizeram com que a taxa de desemprego referente aos três primeiros meses do ano ficasse em 12,2%, acrescentando 1,2 milhão ao contingente em busca de uma oportunidade. A taxa é menor que a registrada no mesmo período de 2019 (12,7%), mas 1,2 ponto percentual acima dos 11% apurados em dezembro.

INFORMAIS PERDEM MAIS
Em março, as consequências econômicas das medidas para conter o coronavírus foram sentidas em todos os dez setores econômicos pesquisados pelo IBGE. Em nove houve redução de vagas e em um, o de informática, os postos de trabalho ficaram estáveis. Áreas como comércio, alimentação e alojamento, serviços domésticos e outros serviços, como os de cabeleireiro e manicure, tiveram retração recorde.

Crise muda economia, mas não modo de vida, dizem Lara Resende, Yang e Izabella

Economista, ativista e ex-ministra criticam ações do governo no combate à crise

Por Gabriel Vasconcelos | Valor Econômico

RIO - A crise econômica causada pela pandemia vai afetar a conformação do comércio e indústria mundiais, mas nem tanto o estilo de vida das pessoas. Esse foi o consenso de debate on-line, ontem, entre o economista André Lara Resende, o ex-diplomata e ativista urbano Philip Yang e a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Lara Resende afirmou que, embora ainda não esteja clara a duração da pandemia, é certo que a crise econômica a reboque será longa. De imediato, afirma, levará a um freio na “hiperglobalização” das cadeias produtivas e uma reversão da produção “just in time” que, nos últimos tempos, vinha forçando as empresas a trabalhar com estoques cada vez menores.

Isso significa a nacionalização de cadeias inteiras e partes específicas ou, ainda, seu encurtamento, ou seja, a redução do o atual grau de fragmentação da produção por país ou região.

Na geopolítica, Lara aposta no aprofundamento de um mundo multipolar, com renúncia cada vez maior da liderança americana somada ao crescimento econômico contínuo da China. “Essa pandemia acelerou processos em curso.”

Yang disse que a regionalização crescente do comércio global, “marca do século XXI pós-globalização”, vai se intensificar ainda mais. “Cerca de 70% do comércio da Europa é intra-europeu, os maiores parceiros dos EUA são Canadá e México, e a China repete o padrão com o Sudeste Asiático”, lembra.

“Performance de Bolsonaro é horrível”

Para Steven Levitsky, populistas perdem legitimidade na crise e o mesmo deve ocorrer no Brasil

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - “A resposta do Brasil no combate à covid-19 é horrorosa”, “a performance de Trump e Bolsonaro está entre ruim e terrível” e a “crise política no Brasil parece muito mais séria do que a dos Estados Unidos”. Essas são algumas constatações do cientista político americano Steven Levitsky, autor de “Como as democracias morrem”, que participou ontem de webinar organizado pela Fundação Getulio Vargas (Escola de Políticas e Governo) para debater os desafios das democracias no enfrentamento à pandemia.

Para Levitsky, o quadro do Brasil “não é bom”, e a covid-19 pode provocar efeito devastador na América Latina. Ao analisar o comportamento de parlamentos e de líderes populistas no combate à pandemia, ele enfatizou que presidentes com as características de Jair Bolsonaro e Donald Trump, claramente populistas, têm dado respostas administrativas extremamente lentas no combate à doença pelo fato de ignorarem recomendações científicas e por terem passado semanas, como o brasileiro, negando a gravidade da doença.

“Como resultado, a performance deles está entre ruim e terrível”, afirmou. Levitsky não necessariamente relaciona esse tipo de governo populista como um dano à democracia. Ao contrário. Segundo o cientista político, esse tipo de liderança pode ter a sua legitimidade e o apoio popular minados antes de concluírem os respectivos mandatos.

Elizabeth Drew* - O mês mais cruel para Trump

- Valor Econômico

Com a economia escapando ao controle e com previsões de afundar para profundezas nunca vistas desde a década de 1930, as pesquisas de opinião sugeriram que Trump seria derrotado na eleição de novembro pelo seu adversário democrata, Joe Biden

T.S. Eliot qualificou celebremente o mês de abril como “o mês mais cruel”. Se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não se destaca especialmente como um aficionado da poesia, fosse sincero consigo mesmo, concordaria que este mês transformou sua gestão em terra arrasada.

No dia 28, os EUA encabeçavam o mundo com quase 57 mil mortes por covid-19 e mais de 1 milhão de casos confirmados de contaminação por coronavirus. Recente análise da Faculdade de Saúde Pública de Yale indica que o número de mortes relacionadas à pandemia ocorridas nos primeiros meses de 2020 ultrapassou, de longe, as estimativas públicas oficiais.

Outra marca alcançada no fim deste mês foi a de que Trump tinha perdido a confiança de boa parte de seu próprio partido no que se refere ao problema mais importante que o país enfrenta.

De acordo com pesquisa de opinião da AP divulgada no dia 23 de abril, apenas 47% dos republicanos acreditavam “em grau relativamente elevado” nas afirmações de Trump sobre os avanços no combate ao vírus. E apenas 23% dos consultados manifestaram elevado grau de confiança nele.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Epidemia aponta para o Planalto – Editorial | O Globo

Pregação do presidente contra o isolamento contribui para mais contaminações e mortes

Em um momento de grande hiperatividade, no qual se choca com o Supremo depois de haver empurrado para fora do governo o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, o presidente Bolsonaro reativa o seu front de combate com os governadores. Já não considerasse haver motivos político-eleitorais para colocar em seu estande de tiros João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, por vê-los como ameaça ao seu projeto de reeleição em 2022, Bolsonaro tem nos dois, e não só neles, opositores ao seu descaso com o isolamento social, a mais eficaz ação para conter o alastramento da epidemia de coronavírus, na falta de vacina e medicamentos seguros contra o Sars-CoV-2.

Na terça, Bolsonaro deu de ombros quando lhe foi perguntado sobre a marca de 5 mil mortos atingida pela epidemia no Brasil — “e daí?” — e, na quarta, também na saída do Alvorada, o presidente voltou a criticar governadores e prefeitos que tomam medidas para evitar a disseminação do vírus, com o fechamento de parte do comércio e outras ações que levem as pessoas a ficar em casa.