quarta-feira, 6 de maio de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Tomar cuidado ao se opor. O momento não é para acirrar, é para jogar água na fervura. É o momento de conversar uns com os outros, evitar uma ação da qual não se volta.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. O Valor Econômico, 05/05/2020.

Merval Pereira - O autogolpe

- O Globo

Assim como a lei não deixa defender nazismo em praça pública, não se pode defender intervenção militar

O depoimento do ex-ministro Sérgio Moro à Polícia Federal é como aqueles aftershocks, pequenos tremores de terra que acontecem depois de um grande terremoto, que foi o seu pedido de demissão do ministério da Justiça e Segurança Pública.

O terremoto tirou o chão do presidente Bolsonaro, que desde então está desvairado, sem controle de si e dos acontecimentos, que se sucedem sem que se possa saber aonde nos levarão.

Mas o aftershock, se não tiver o poder de provocar uma denúncia contra Bolsonaro, pela pouca disposição aparente do Procurador-Geral da República Augusto Aras, tem força política para desgastá-lo mais ainda.

Evidente a intenção de Bolsonaro de controlar a Polícia Federal do Rio, e seria óbvio que a investigação dos procuradores de Aras fosse na direção desses interesses, num Estado que é a base eleitoral dos Bolsonaro e tem sérios problemas de segurança pública, de crime organizado e milícias, público alvo da família presidencial em termos eleitorais.

Se o ex-ministro Moro não acusou Bolsonaro de crimes em seu depoimento, eles estão tão evidentes que o próprio Procurador-Geral os elencou quando pediu a abertura do inquérito. Caberia a ele investigar um a um para ver se ocorreram: obstrução de justiça, falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, corrupção passiva.

Míriam Leitão - Presidência obcecada

- O Globo

Depoimento de Moro revela um presidente com obsessão em um cargo quando o país inteiro lutava contra a pandemia que ontem matou 600 brasileiros

A frase síntese dita pelo presidente - “você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma” - é reveladora da obsessão de interferência na Polícia Federal, mas não só. Mostra uma Presidência insana. Todos os graves assuntos de Estado para serem enfrentados, mas Jair Bolsonaro tinha uma preocupação. Era março, quando ele disse isso. A pandemia já estava infectando brasileiros. Em abril, quando ela se espalhou como uma grande tragédia humana, Bolsonaro aumentou a intensidade da pressão para nomear, a qualquer custo, o superintendente da PF no Rio de Janeiro.

No relato do ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal, o que impressiona é o conjunto e o contexto. O presidente briga, é capaz de derrubar uma peça-chave de seu governo, para escolher o superintendente da PF no Rio. Enquanto os governadores e prefeitos decidiam pelo isolamento social, construíam hospitais de campanha, ampliavam o número de UTIs, tentavam encontrar respiradores em qualquer lugar do planeta, as empresas doavam, as pessoas se mobilizavam, os profissionais da saúde iam para o campo de batalha, alguns para morrer, o que fazia o presidente do Brasil? Ofendia governadores, fritava o ministro da Saúde, encurralava o ministro da Justiça, participava de manifestações contra a democracia e continuava querendo interferir na Polícia Federal.

As versões do presidente para os fatos não ficam em pé. Ele diz que buscava apenas relatórios de inteligência na Polícia Federal. Ele sabe a esta altura do mandato a diferença de inteligência policial e inteligência estratégica. O presidente tem a Abin que dá informação de inteligência estratégica. Faz parte do SISBIN, Sistema Brasileiro de Informações.

Bernardo Mello Franco - Um carrasco no Planalto

- O Globo

Bolsonaro recebeu o major Curió, símbolo da matança de opositores na ditadura militar. Foi mais uma isca para atiçar os extremistas que apoiam seu projeto autoritário

O Brasil já contava 7.025 mortos pelo coronavírus quando Jair Bolsonaro encontrou tempo para confraternizar com um carrasco da ditadura. Na manhã de segunda-feira, o presidente abriu o gabinete para receber Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió. Ele já foi denunciado seis vezes pela matança promovida pelo Exército na repressão à Guerrilha do Araguaia.

O encontro foi omitido da agenda oficial de Bolsonaro. Só entrou nos registros à noite, depois de revelado pelo blog de Rubens Valente no UOL. Mais tarde, um senador governista divulgou fotos da conversa. Numa delas, o presidente aparece agachado ao lado do visitante, acusado de participar de sequestros e assassinatos.

O próprio Curió forneceu provas do massacre. Em 2009, ele abriu arquivos ao jornal O Estado de S. Paulo e confirmou a execução de 41 militantes presos, que não ofereciam perigo às tropas. Muitos se entregaram maltrapilhos e famintos, após meses de fuga na floresta.

Zuenir Ventura - Os generais e o capitão

- O Globo

Em relação a Hamilton Mourão, um mistério

Foi muito oportuna a nota do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, declarando que as “Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso”. Não foi uma afirmação gratuita.

Na véspera, o presidente Bolsonaro, cumprindo seu já rotineiro e subversivo programa de fim de semana, participara de mais um ato de ofensas às instituições e de ataques à democracia, incluindo desta vez agressões físicas a jornalistas.

No domingo, em frente ao Palácio do Planalto, como de costume, ele advertia em tom de desafio que chegara ao “limite”, que acabara a “paciência”, que não toleraria mais “interferências”. “Daqui pra frente”, prometia, “não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição” — até porque, pode-se acrescentar, ele já decretou que a Constituição é ele. O mais grave, porém, porque não era verdade, como se vê agora, ele garantia: “Tenho as Forças Armadas ao meu lado”.

Colegas jornalistas já tinham ouvido de militares de altas patentes suas discordâncias em relação aos surtos do capitão. Só que os autores das críticas não permitiam que fossem identificados publicamente.

Luiz Carlos Azedo - Sem chance

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Tanto o Congresso quanto o Supremo, ao contrário do que o presidente da República se queixa, colaboram com o governo no enfrentamento da crise”

No rumo em que vai, o governo Bolsonaro não tem chance de dar certo, isso não significa que o impeachment do presidente da República venha a ocorrer. O problema é que as variáveis de sucesso conspiram para que as coisas deem errado. A primeira delas é o conceito de governo. Bolsonaro fez uma opção por um governo de colisão com os demais poderes e esferas de poder, anda às turras com o Congresso e o Supremo, os governadores e os prefeitos. No lugar do presidencialismo de coalizão, optou por uma estratégia de centralização de poder e confronto. Montou um time de militares para operar a administração, mas não deixa que os generais do Palácio do Planalto façam uma política de conciliação à la Duque de Caxias. Seu estilo está mais para Gastão de Orléans, o Conde d’Eu.

Governança e governabilidade caminham de mãos dadas, Bolsonaro cria instabilidade política permanentemente, força os limites do regime democrático. A segunda variável de sucesso seria um método adequado de governança. Aparentemente, é um assunto com o qual não se preocupa. Confronta permanentemente a elite do serviço público, desestabiliza até as atividades-fins, como aconteceu com a Saúde, num momento decisivo para achatamento da curva da epidemia de coronavírus. Se tivesse colado no então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, estaria usufruindo dos mesmos índices de popularidade que o auxiliar ostentava, mas errou feio. E continua errando, embora aparentemente tenha caído a ficha para o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, de que, neste momento, é loucura relaxar a política de isolamento social.

Vera Magalhães - Xadrez com um pombo

- O Estado de S.Paulo

Moro dá depoimento cirúrgico e calculado, enquanto Bolsonaro vocifera contra si

A internet, com todas as suas contribuições às ciências humanas, também produziu, vejam só, uma teoria “psicológica”. Trata-se do complexo do pombo enxadrista, um fenômeno que tem tudo a ver com o espírito do tempo bolsonarista.

Diz esse conceito, comumente empregado para descrever a inutilidade do debate científico com os negacionismos de todas as espécies, que argumentar com certas pessoas é o mesmo que jogar xadrez com um pombo: ele vai defecar no tabuleiro, sair voando e derrubando todas as peças e ainda alardear que venceu a partida.

A dinâmica entre Sérgio Moro e Jair Bolsonaro desde o pedido de demissão do ex-ministro até o ato da última terça-feira, 5, com a divulgação da íntegra do depoimento de Moro à Polícia Federal, é em tudo idêntica a uma partida de xadrez entre um humano e um pombo.

De forma sucinta e extremamente calculada, Moro tratou de: 1) entregar provas, evidências, testemunhas e caminhos de investigação para todas as suas declarações do dia 24 de abril e 2) evitar dizer que Bolsonaro cometeu algum crime.

Essas duas primeiras estratégias visam evitar que o ex-juiz e ex-ministro: 1) seja acusado de ter praticado denunciação caluniosa e 2) seja acusado de ter prevaricado diante do que sabia serem pedidos ilícitos do então chefe.

Tomado esse cuidado, Moro passou a executar seu outro grande objetivo com o depoimento: enredar o presidente e desenhar para a PF e o Ministério Público Federal o caminho das pedras e do xeque-mate no pombo.

Rosângela Bittar - Jogo de assombrações

- O Estado de S.Paulo

Provocar a cizânia na tropa é o pior dos ataques a um comando militar

Sabe-se, com certeza, apenas que golpe não é. Mas não se conhece o significado real da invocação do presidente Jair Bolsonaro às Forças Armadas, cujo apoio ele alardeia para ameaçar, exatamente, com o golpe.

Os comandos militares não atendem ao convite à intervenção consentida. Este é o modelo reclamado nos domingueiros e violentos piqueniques golpistas da Praça dos Três Poderes. As manifestações, animadas pelo presidente, sua família e amigos, descomprometidos com a civilidade, alimentam falsa tensão política.

Desviam, com crueldade, o foco da dura e letal realidade da pandemia que mata brasileiros e brasileiras. Até que ponto não passa de blefe o compromisso incondicional da força militar que o presidente propaga?

Os escalões profissionais das Forças pretendem manter-se no papel constitucional que cumprem, à risca, há décadas. Para o que pretende Bolsonaro, aí está o problema.

Ruy Castro* - Confiante no dispositivo

- Folha de S. Paulo

Antes de Bolsonaro, outro presidente acreditou às cegas nas Forças Armadas

Do alto de seu palanque presidencial, Jair Bolsonaro espuma, impreca, manda calar a boca e, em seguida, faz-se de indignado e urra que "chega", "sua paciência se esgotou" e que as Forças Armadas estão "com o povo" —leia-se, com ele, Bolsonaro. Dá a entender que, a um comando seu, tanques, aviões e navios se porão em marcha e arriarão o peso de suas armas sobre o STF, o Congresso, a imprensa e quem mais discorde dele. Cita a Constituição, as instituições, a liberdade e a democracia, mas deixa implícito que, para garanti-las, será preciso primeiro destruí-las. E, para isso, está escorado pelos militares.

Muita gente já acreditou nisso no passado. Em 1964, outro presidente, João Goulart, foi levado por uma claque palaciana e sindical a tomar atitudes contra sua natureza de homem tíbio e inseguro, como a de propor reformas "na lei ou na marra", permitir a instabilidade política e insuflar a intranqüilidade nos quartéis. E tudo porque o convenceram de que estava protegido por um "dispositivo militar" organizado pelo general Assis Brasil, chefe da sua Casa Militar.

Bruno Boghossian – Pergunte ao presidente

- Folha de S. Paulo

Presidente se recusa a explicar as 4 tentativas de trocar chefe do órgão em seu estado

Jair Bolsonaro saiu descontrolado do Palácio da Alvorada. Esbravejou contra a imprensa e disse que não interferia na Polícia Federal. "Não tenho nada contra o superintendente do Rio", afirmou.

O presidente só não explicou por que, então, tentou forçar a substituição do chefe do órgão no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo o ex-juiz Sergio Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano.

Na quinta tentativa, seus desejos foram atendidos. Ele precisou atropelar o Ministro da Justiça e demitir o diretor-geral da Polícia Federal, mas finalmente conseguiu mexer no órgão em sua base política. A recusa do presidente em explicar os motivos desse lance é reveladora.

Hélio Schwartsman - Fila única

- Folha de S. Paulo

Poderemos piorar em vez de otimizar a oferta de vagas.

Com hospitais públicos lotados, e os privados com vagas ociosas, devemos adotar uma fila única para leitos de UTI? A igualdade de acesso a ventiladores apela a nosso senso de justiça. Constitui um argumento poderoso em favor da fila única, mas talvez ele seja forte demais.

Eu me explico. Há décadas vemos todos os dias pacientes do sistema público morrendo —de câncer, doenças cardíacas e até de infecções em tese fáceis de tratar— por falta de vagas para atendimento, enquanto elas sobram na rede privada. A menos que enxerguemos na Covid-19 uma particularidade metafísica que não exista nas outras moléstias, é difícil sustentar que a regra de acesso igualitário deva valer só durante a epidemia e não sempre.

Monica De Bolle* - Monetizável confusão

- O Estado de S. Paulo

O Brasil está muito próximo de viver algo inédito na sua história, com um futuro quadro de depressão econômica

Monetizável rima com aplicável, inegável, e formidável. Formidável não no sentido de fantástico ou admirável, mas de algo que assumiu proporções excessivas, desnecessariamente. Entende-se que haja confusão, pois economia monetária é um tema árido por excelência, e é inegável que ela acontece no momento. O que não falta nos jornais brasileiros são artigos sobre “monetização” em suas diversas conotações, o que, paradoxalmente, torna a confusão em torno do termo visivelmente monetizável. O leitor, afinal, compra o jornal e lê sobre a confusão. Nos atos de comprar e ler a torna moeda corrente, por assim dizer.

O termo “monetização” é aplicável a variadas circunstâncias. Por exemplo: quando o banco central norte-americano – o Fed – compra títulos de longo prazo do Tesouro nos mercados secundários, a operação conhecida como “quantitative easing” (ou afrouxamento quantitativo), ele “monetiza”. O processo se dá da seguinte forma: de um lado, o Fed entra no mercado como comprador; de outro, um banco entra como vendedor. O encerramento da transação se dá com a aquisição de títulos pelo Fed, que se tornam parte do seu ativo, enquanto o depósito do banco no próprio Fed é creditado no montante da compra. Esse depósito faz parte do passivo do Fed, ele constitui as reservas bancárias que, por sua vez, compõem a base monetária. O aumento das reservas bancárias decorrente dessa transação eleva a base monetária, o que significa que houve uma “monetização”. Essa monetização, entretanto, fica circunscrita ao balanço do Fed – não há mais dinheiro circulando na economia em decorrência dela. Portanto, não há risco de inflação proveniente dessa ação, como já está mais do que comprovado. Isso significa que esse tipo de monetização é plenamente compatível com um regime de metas inflacionárias.

Antonio Delfim Netto* - Miopia orçamentária

- Folha de S. Paulo

A pandemia era previsível, mas foi ignorada pelos Estados

A nova pandemia que estamos vivendo era previsível, mas foi ignorada pelos Estados, justamente quem deveria ter a ela se antecipado, construindo um seguro saúde adequado.

Trata-se de mais uma zoonose, doenças que os homens importam dos animais selvagens que domesticaram e de que se alimentaram ao longo da história. São acidentes aleatórios: a experiência diz que vão ocorrer, só não diz quando. Registros históricos mostram que entre o ano de 429 a.C.(quando houve a chamada Praga de Atenas e o mundo tinha em torno de 70 milhões de habitantes) e 2019, quando temos a Covid-19 e população de 7,6 bilhões, eles nos atingiram ao menos 62 vezes.

Temos um dos melhores seguros saúde do mundo --o SUS, universal e pago por todos. Espalhado pelo território nacional, é responsabilidade de todos os níveis de governo. Infelizmente, falhamos na tarefa mais urgente: a de equipá-lo adequadamente, importando, enquanto havia disponibilidade, o que fosse necessário.

Vinicius Torres Freire - Más notícias sobre o tamanho da crise

- Folha de S. Paulo

Indústria cai mais que previsto; ritmo ainda forte da epidemia trava mais o PIB

Aos poucos, as notícias da epidemia caem pelas tabelas. São substituídas pelo conta-gotas dos vazamentos do "caso Moro", pelas ameaças semanais de golpe presidencial e pelas evidências diárias de tutela militar. Sim, tutela, pois os generais soltam comunicados em que pressupõem seu poder moderador e afirmam em público e oficialmente o que entendem ser a justa medida das relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Parece até que a epidemia se tornou uma rotina inevitável de morte e destruição econômica. Foi para escanteio o debate das medidas extras para atenuar a crise. Foi para a lateral a conversa sobre a necessidade de mais UTIs, ventiladores, testes.

A economia afunda? Quanto? Não se sabe bem, e pouca gente parece querer saber. Em março, a produção da indústria caiu mais de 9% ante fevereiro. A estimativa média era de queda de uns 4%. Parece faltar informação sobre o tamanho da desgraça e, portanto, medida razoável da reação necessária para atenuá-la.

Abril deve ter sido pior na indústria, pois foi um mês inteiro de paradão da pandemia. Projeção preliminar de economistas do Bradesco indica uma baixa de outros 6%, sobre março. Despiora? Ressalte-se: é queda sobre queda, cava-se dentro de um buraco.

Elio Gaspari* - Bolsonaro semeia a anarquia militar

- Folha de S. Paulo / O Globo

Para quem vive uma pandemia e uma recessão, essa encrenca não era necessária

Quando Jair Bolsonaro falou que “o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado”, não disse coisa nenhuma.

Foi apenas uma construção astuciosa, mas, como o capitão não consegue parar, acrescentou: “Não tem mais conversa. Daqui para frente, não só exigiremos. Faremos cumprir a Constituição. Será cumprida a qualquer preço”. Logo ele, que se julga “realmente, a Constituição” e se referiu às “minhas Forças Armadas”. Ganha um resfriadinho em Caracas quem não conseguir juntar lé com cré.

Para quem vive uma pandemia com a marca dos 10 mil mortos batendo à porta e uma inédita recessão já instalada na economia, esse tipo de encrenca não era necessária.

O capitão passou mais tempo no baixo clero da Câmara do que no Exército, onde conheceu melhor as sendas da indisciplina do que as normas da corporação. Nelas, também não se enquadrava, por exemplo, o major e ex-deputado Curió do Araguaia. Levado ao Planalto por um sentimento antipetista, Bolsonaro flerta com a anarquia militar.

Essa anarquia, resultante de divisões dentro das Forças Armadas, se fez sentir na política brasileira do século passado, até que perdeu ímpeto em 1977 e desapareceu com a redemocratização.
Na crise que Bolsonaro incentiva, misturam-se ingredientes tóxicos. O primeiro deles é a influência de sua família no governo.

O que restava do prestígio militar do marechal Henrique Lott, poderoso ministro da Guerra de 1954 a 1959, esvaiu-se em 1962, quando sua filha Edna elegeu-se deputada estadual. Com 3 dos 5 presidentes-generais (Castello Branco, Emílio Médici e Ernesto Geisel), a história foi outra, e seus familiares não se metiam no governo. Castello demitiu um irmão porque aceitou um presente e não moveu um dedo quando a Marinha negou ao seu filho a promoção a almirante.

Ricardo Noblat - Justiça põe a nu o governo Bolsonaro. E o que se vê é muito feio

- Blog do Noblat | Veja

Aperta-se o cerco

Diz a lei que ninguém é obrigado a produzir provas que o incriminem. Ou o presidente Jair Bolsonaro não conhece a lei ou decidiu contrariá-la para ajudar a esclarecer o que de fato houve quando ele tentou intervir na Polícia Federal, provocando por tabela a saída do governo do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

De volta do expediente no Palácio do Planalto, no cercadinho à entrada do Palácio da Alvorada onde costuma confraternizar com seus devotos e mandar jornalistas calarem a boca, Bolsonaro sacou do seu celular e mostrou um fragmento de mensagens trocadas por ele e Moro. Ocorre que o que ele mostrou dá razão ao ex-juiz.

Moro disse em depoimento à Polícia Federal que Bolsonaro lhe enviara notícia publicada sobre um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal para apurar malfeitos de um grupo de deputados aliados dele. E ao comentar a notícia, escreveu que era por isso que chegara a hora de trocar o diretor-geral da Polícia Federal.

Por que Bolsonaro assinou embaixo da acusação que, se provada, poderá servir para que o Procurador-Geral da República o denuncie pelos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva? Sabe-se lá! Bolsonaro é seu maior inimigo.

Entrevista | José Murilo de Carvalho: “Militares que embarcaram no governo Bolsonaro se veem em um dilema”

Para o historiador José Murilo de Carvalho, tutela do Exército pode ser usada contra o presidente

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - A tutela do Exército pode ser usada contra o presidente Jair Bolsonaro “caso ele leve o país a situação de grave instabilidade”, avalia o historiador José Murilo de Carvalho, em entrevista ao Valor. Observador atento do papel das Forças Militares na república brasileira e em especial na conjuntura atual, José Murilo concordou em responder a perguntas por e-mail, sua forma recorrente de comunicação, mesmo antes da quarentena.

“Imagino que os militares que embarcaram na canoa furada do governo se veem em um dilema: ou caem fora, ou arriscam fazer as Forças Armadas pagarem o custo dos erros do presidente”, enfatizou, numa resposta enviada dias antes de o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, divulgar, na segunda-feira, o documento que enfatiza exatamente o papel constitucional dos militares, como reflete o historiador. “Não creio que a corporação militar esteja disposta a pôr em perigo sua reputação entre a população para defender um presidente que não está à altura do cargo”, disse ao Valor.

Na reedição revista e ampliada de seu livro “Forças Armadas e política no Brasil”, da Editora Todavia, José Murilo já enfatizava ter uma “nova, e mais pessimista, interpretação do papel das Forças Armadas na história de nossa República e na construção de nossa ainda claudicante democracia”. A atuação dos militares, explica ele, merece seu olhar atento desde os tempos em que o jovem universitário, militante da Ação Popular, assistiu perplexo ao golpe de 1964. Nesta revisão, José Murilo dedicou um capítulo exclusivo a 2019, intitulado “Uma república tutelada”.

Além de relembrar o histórico tuíte de abril de 2018, do general Eduardo Villas Bôas - que o historiador classifica como agressão à Constituição pelo fato de pressionar um outro Poder, o Supremo Tribunal Federal, a rejeitar o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - José Murilo escreve que já havia “nuvens políticas turvando os céus bem antes”. Em 2015, pontua, o general que comandava a Secretaria de Economia e Finanças do Exército, Hamilton Mourão, já dava fortes declarações sem a usual contenção de militares para se meter em assuntos políticos.

“Não se pode deduzir do fato da inédita presença de militares no governo [Bolsonaro] a existência de um governo militar que se pareça com o que vigeu entre 1964 e 1985”, explica o historiador em seu livro. Mais explicitamente, os militares do governo Bolsonaro não representam as corporações e em uma eventual militarização do governo Bolsonaro, o presidente não teria adesão total das três Forças.

A pandemia serviu para ressaltar dramaticamente o problema de nossa desigualdade social”

Em outro ponto de reflexão que não poderia estar mais atual, José Murilo já salientava em sua obra que a Constituição de 88 manteve o papel de poder moderador das Forças Armadas, no seu artigo 142 (como na Constituição de 1824). É sintomático, continua ele, que não tenha havido “sequer uma tentativa de mudança em 39 anos de governos civis”, como se a república brasileira precisasse dessa bengala para sobreviver. “Cria-se, desse modo, um círculo vicioso: as Forças Armadas intervêm em nome da garantia da estabilidade do sistema político; as intervenções, por sua vez, dificultam a consolidação das práticas democráticas”, escreveu.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor já havia feito análises minuciosas sobre o papel político dos militares do Brasil, antes e depois da ditadura. Considerando a noção de “intervencionismo tutelar” das Forças Armadas, no Estado Novo, o senhor considera que a tutela militar ainda é característica preponderante do governo Bolsonaro agora, neste atual cenário de política agravada pela pandemia da covid-19?

Fernando Exman - Pandemia no país das guerras de narrativa

- Valor Econômico

PT vê necessidade de aliança tática com DEM e PSDB

A pandemia de covid-19 avança a cada dia sobre o território nacional, interioriza-se e atinge as periferias. De tragédia anunciada, vai também tomando a forma de crise política para os administradores que reagiram de forma questionável a um desafio que já estava colocado com clareza em vários países. Esta já é uma realidade, por exemplo, no Amazonas. E a aposta da oposição é que inevitavelmente o presidente Jair Bolsonaro precisará prestar contas sobre seu desempenho.

O problema da oposição é que um ambiente de desorganização do Estado, fomentado pela disputa política entre os Poderes e os entes federativos, é o ambiente ideal para a disseminação da doença. Ou seja, a despeito dos esforços de alguns governadores e prefeitos para a sua contenção, haverá sempre quem diga que, na verdade, as medidas de isolamento nunca funcionaram e acabaram por prejudicar a economia.

Cabe à oposição decidir se tenta construir uma estratégia mais ampla para o enfrentamento da crise ou aceita cair na armadilha que reduz qualquer discussão a mais uma disputa de narrativas.

Esta última opção é tudo o que o presidente da República parece querer. Bolsonaro tem sua plateia cativa e continuará apostando que este percentual do eleitorado será suficiente para lhe garantir um lugar no segundo turno na eleição de 2022.

A tática do presidente é dissuasória e visa sua própria blindagem eleitoral. A cada aparição pública, entrevista, ato político ou transmissão ao vivo nas redes sociais, lá vai ele repetindo o discurso de que sempre defendeu a vida e o emprego, apesar da resistência de prefeitos e governadores. Usa uma falsa dialética de economia versus saúde pública, para afastar-se da responsabilidade do que já vem acontecendo e do que pode ocorrer no país.

Em grande parte do mundo, a estratégia sanitária é amparada pelas medidas econômicas e as duas áreas trabalham em conjunto. No Brasil, entretanto, mesmo diante da perspectiva de que a crise não será solucionada a curto prazo, o presidente agora sinaliza que a ajuda emergencial pode não ser estendida para além dos três meses previstos inicialmente. Seu objetivo, conforme demonstra diariamente em conversas com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, é induzir a população a pressionar os governantes locais por uma rápida flexibilização das regras de distanciamento social.

Tiago Cavalcanti* - Lições de uma pandemia

- Valor Econômico

No curto prazo, pelo menos, não parece existir o ‘tradeoff’ entre saúde e economia

Na minha mais recente coluna deste Valor, no mês de abril, escrevi sobre a história e os desafios de uma pandemia. Naquele momento, eram 800 mil casos e cerca de 40 mil mortes confirmadas provocadas pela covid-19 no mundo. Hoje, o número de casos no globo já passa de 3,6 milhões, enquanto o número de mortes está acima de 250 mil.
O Brasil atualmente tem aproximadamente 110 mil casos e 7,4 mil mortes confirmadas por conta do coronavírus. Enquanto em vários países o topo da curva de mortes já ficou para trás, no Brasil essa mesma curva continua com tendência ascendente. Sem falar nas subnotificações, que devem ser elevadas e os números reais bem superiores aos dados oficiais.

Evidências indicam que o argumento de que o não isolamento irá salvar a economia parece, sim, falacioso

De Manaus talvez venham as imagens mais chocantes da covid-19 no país, onde os mortos estão sendo enterrados em valas coletivas. Na cidade que fica no coração da Amazônia, desde o início da pandemia, há 2.200 mortes acima do padrão de óbitos verificados em anos anteriores para a mesma época do ano e, no entanto, há 350 óbitos registrados oficialmente em decorrência da covid-19.

Quais são as lições que podemos tirar da pandemia até o momento? Sem dúvida nenhuma essa pandemia é acima de tudo uma crise sanitária e humanitária. O isolamento social não é apenas uma resposta às restrições de movimentação impostas pelos governos, mas também uma reação das pessoas ao perigo do contágio com consequências heterogêneas na saúde dos indivíduos, com os idosos sofrendo o maior risco de complicações e óbitos.

Depender apenas das decisões individuais em relação ao isolamento social é uma estratégia arriscada. As pessoas não internalizam os riscos da transmissão do vírus, gerando, o que chamamos em economia, um efeito externo no contágio, justificando de forma clara a intervenção governamental. Além disso, não é preciso existir uma fração grande de pessoas descumprindo as regras de isolamento para que o número de casos venha a subir.

Cristiano Romero - A economia Frankenstein

- Valor Econômico

Modelo brasileiro é aberração por não superar passado

O longo período de instabilidade entre meados das décadas de 1970 e 1990, seguido de tentativas frustradas (ou incompletas) de implantação aqui de uma economia competitiva, equilibrada do ponto de vista fiscal e menos desigual no que diz respeito à distribuição da renda, criou no Brasil uma espécie de Frankenstein. No fundo, o país nunca superou modelos que, aparentemente, sucederam num determinado momento, mas, em outros, tornaram-se uma das principais razões do fracasso do nosso Produto Interno Bruto (PIB) em crescer de forma mais rápida.

A longa batalha contra a superinflação nos fez pensar apenas no dia de hoje. O planejamento de longo prazo, uma característica presente nas nações ricas e marcante nas economias asiáticas de crescimento acelerado, perdeu relevância na Ilha de Vera Cruz desde a crise da dívida, em 1982.

Parece mentira, mas, no início daquela década, o governo tinha órgãos públicos para avaliar permanentemente, por exemplo, a qualidade de rodovias federais construídas na década anterior. O objetivo era verificar se o impacto do aumento do tráfego ao longo do tempo não estava diminuindo a eficiência daquela estrada, elevando os custos dos produtores de grãos e de bens industriais. Na ocasião, um engenheiro brasileiro desenvolveu, para facilitar essa tarefa, um software que se tornou referência no mundo.

A urgência do combate à inflação turvou a visão de empresários, consumidores e formuladores de políticas públicas. Nada era mais importante do que domar o processo inflacionário, que, desde a primeira crise global do petróleo, em 1973, tornou-se uma preocupação, uma vez que o Gigante do Atlântico Sul era fortemente dependente de importação de óleo bruto.

A coexistência de mecanismos distintos usados não só nos planos de estabilização, mas também em modelos de desenvolvimento, forjou contradições que atolam esta enorme economia numa espécie de areia movediça. Daí, a referência ao famoso personagem da escritora Mary Shelley.

Cristovam Buarque* - O apelo do mundo

- Correio Braziliense – 05/05/2020

Graças ao esforço do casal Lélia e Sebastião Salgado, o Correio Braziliense publicou no domingo um apelo assinado por dezenas de personalidades mundiais, pedindo por nossos indígenas. Alertam para que não sejamos cúmplices do genocídio que está sendo cometido por madeireiros, grileiros, garimpeiros, latifundiários com apoio do presidente da República, usando o coronavírus como arma.

Nós já despertamos para o risco do genocídio urbano se não respeitarem o isolamento social necessário para vencer a pandemia. Mas não despertamos ainda para o genocídio que está sendo perpetrado contra povos indígenas. A ciência mostra que a epidemia só será enfrentada se forem tomadas medidas para isolar pessoas. Qualquer desincentivo ao isolamento provoca aumento de mortes, além de ampliar o sofrimento dos infectados, mesmo que não cheguem à morte. O desrespeito ao que diz a ciência é gesto genocida.

O efeito do isolamento sobre a economia deve ser mitigado por medidas econômicas, não antissanitárias. Negar cuidado a quem ficou sem dinheiro e sem emprego é crime social que deve ser evitado por transferência de renda e outros meios. Esse crime social vem sendo cometido há séculos no Brasil, negando-se água, esgoto, emprego e renda à metade de nossa população. Jogar a culpa da desigualdade e da pobreza sobre o coronavírus é querer esconder o crime social secular cometido pelos governos, de direita e esquerda, que dominam o poder no país, ignorando necessidades e direitos dos pobres.

Mas o coronavírus agrava esse crime social cometido por nossos dirigentes, com apoio da minoria privilegiada, contra nossos índios, negros e pobres. Não é decente hierarquizar a barbárie entre diferentes genocídios, comparar a maldade dos campos de concentração e câmaras de nazistas, com os navios negreiros e a venda de pessoas na escravidão. São formas brutalmente desumanas, independentemente do número de vítimas e do tempo que durar a prática genocida.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Desconstrução de memória da gestão Mandetta é ameaça ao SUS

Um debate promovido pela Globo News, na noite do último dia 02.05, mostrou que senta praça na discussão sobre as crises sanitária e política uma desconstrução da imagem positiva que a atuação do Ministério da Saúde contra a pandemia conquistou, junto à opinião pública mais informada e à população em geral, enquanto durou a gestão do ex-ministro Luiz Mandetta. Essa desconstrução política de uma experiência exitosa não é propriamente uma conspiração. Se repararmos nas vozes que a difundem, ou permitem, veremos que a coisa vai além do discurso bolsonarista. Aliás, parece que, para esse polo autoritário, o assunto é página virada, desde que o presidente exonerou o ministro, no qual farejava um concorrente eleitoral. Vozes que atualmente desqualificam, sempre de passagem, nunca frontalmente aquela experiência ocupam posições distintas, algumas até opostas entre si, como ficou claro no referido debate.

A desconstrução começa com uma pergunta de uma jornalista da emissora ao líder do governo na Câmara. Aqui não importa se foi politicamente intencionada ou se apenas superficial e desatenta. Muito menos a resposta dada pelo deputado. Importa reparar no raciocínio que levou à pergunta: o presidente - disse - exonerou o ministro Mandetta no meio da pandemia por discordar do isolamento social que o ministro defendia. O sucessor passaria a praticar outra política. Duas semanas depois, Nelson Teich reafirma que o MS defende o isolamento social. Então, se era para seguir a mesma política, por que Bolsonaro demitiu o ministro? Sem entender de política sanitária ou de gestão de saúde pública, como cidadão e na expectativa de que vozes mais abalizadas que a minha se debrucem sobre esse assunto, pergunto eu, agora:

Mesma política? A frase cínica de Teich revoga a realidade do contraste brutal entre o que era e o que passou a ser a política do ministério? Aonde foi parar aquela ênfase engajada no isolamento como conduta prudente e solidária diante dos fatos de não haver vacina e do vírus ser desconhecido? É a mesma coisa dizer que o isolamento é necessário, mas se calar diante da imprudência, ou mesmo flertar com ela, dizendo que ele deve ser compatibilizado, sob igual prioridade, com os requerimentos imediatos da economia? E por onde anda agora aquela articulação federativa que gerava sintonia fina entre o MS e os governadores? E aquela articulação com o Congresso, para opinar sobre o conteúdo das medidas de combate direto e de mitigação dos efeitos sociais da pandemia? Coincidem com ela a atual lassidão federal face à velocidade da crise sanitária que deve enfrentar e a indiferença do ministro à dimensão política dessa crise? O que significa a secretaria executiva do ministério ter sido desconectada da área de saúde e assumida por um militar interventor? Nada nos diz o simbolismo do principal quadro responsável pela área técnica e todos os que falam pela política de saúde do MS serem obrigados a se despir do colete do SUS, para se sintonizarem com o novo ministro e o interventor? São só mudanças de estilo, ou decretam uma malévola tensão do governo com a gestão do sistema público de saúde e com os vínculos dessa gestão com a sociedade civil?

O que a mídia pensa - Editoriais

• Um mau militar – Editorial | O Estado de S. Paulo

As Forças Armadas desfrutam do merecido apreço da maioria dos brasileiros, como há tempos atestam pesquisas de opinião. Merecido porque, desde a redemocratização do Brasil, souberam manter-se à margem do desgastante processo político, limitando-se às suas elevadas funções constitucionais. “Se a política entra pela porta da frente de um quartel, a disciplina e a hierarquia saem pela porta dos fundos”, disse, com razão, o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, ao comentar o movimento grevista da Polícia Militar do Ceará, em março passado.

O comportamento do presidente Jair Bolsonaro, contudo, vem impondo um complexo desafio para as Forças Armadas. O presidente Bolsonaro, ele mesmo um oriundo dos quadros do Exército, cercou-se de militares em seu gabinete, alguns inclusive na ativa – como o ministro da Secretaria-Geral de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.

Tornou-se inevitável, assim, uma associação entre a imagem das Forças Armadas e a do governo, mesmo que a maioria dos militares que hoje servem ao presidente seja da reserva e mesmo que a cúpula das Forças reafirme constantemente seu distanciamento da cozinha política do Palácio do Planalto. Mais do que isso: em muitos momentos, Bolsonaro se refere às Forças Armadas como “as nossas Forças”, modo nada sutil de indicar uma unidade de pensamento e ação entre ele e os quartéis.