quinta-feira, 14 de maio de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

• O senhor chegou a pedir nas redes sociais a renúncia de Bolsonaro. Mantém essa posição?

Na política interna, sou duro com ele. Não porque não gosto dele ou porque não é do meu estilo, mas porque ele exagera. Não podemos permitir agressões contra a Suprema Corte, contra o Congresso, que vão contra a democracia. E ter casos em que o presidente participe dessas agressões é grave. Os que têm força política têm que se expressar em defesa da democracia. Neste momento, quando se nota que o Executivo está cambaleante e não tem um rumo definido, o que acontece? Os demais órgãos constitucionais, a Suprema Corte, os Parlamentos, começam a ocupar o vazio de poder, e isso é perigoso.

*Sociólogo, ex-presidente da República. Entrevista. O Estado de S. Paulo, 13/5/2020

Merval Pereira - O quebra-cabeça

- O Globo

A versão de que o presidente se referia à sua segurança pessoal não se sustenta, pois quem cuida dela é o GSI

A novela da reunião ministerial só terá seu fim se o ministro Celso de Mello autorizar a divulgação integral do vídeo. Só assim será possível entender o contexto em que as frases foram ditas.

Além do mais, a disposição do presidente Jair Bolsonaro de distribuir uma versão oficial editada dos melhores momentos contribui para toldar mais ainda o ambiente político.

A versão de que o presidente se referia à sua segurança pessoal não se sustenta, pois quem cuida dela é o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo General Augusto Heleno com homens do Exército e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Se sua insatisfação fosse nesse âmbito, quem deveria ter sido demitido seria o General, não Moro. E o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Abin. Ao contrário, Ramagem foi indicado por Bolsonaro para comandar a Polícia Federal, com vastos elogios.

Essa versão, que surgiu do nada, de repente, após a exibição do vídeo, foi corroborada pelo chefe do Gabinete Civil, General Braga Neto. Mas não casa com o que aconteceu depois da reunião. O então ministro Sergio Moro, logo depois da reclamação do presidente em termos agressivos, deixou a reunião.

Míriam Leitão - Bolsonaro é risco ao investimento

- O Globo

Bolsonaro alimenta a fuga de capitais do Brasil, pela capacidade inesgotável de produzir crises. Real é a moeda que mais perde valor

O presidente Jair Bolsonaro eleva o risco de investir no Brasil. A crise da saúde, as turbulências diárias que ele cria, os ataques às instituições democráticas, tudo tem sido colocado na balança pelo investidor estrangeiro, que sairá desta crise com uma desconfiança ainda maior sobre a economia brasileira. O real é a moeda que mais se desvaloriza este ano e ontem o dólar bateu novo recorde nominal. O grau de investimento ficou mais distante, com a perspectiva negativa na nota de crédito do governo pela agência Fitch. O risco-país saiu de 100 para 350 pontos de dezembro para cá. O que diferencia o Brasil de outros emergentes é a capacidade do presidente Jair Bolsonaro de produzir crises políticas constantes.

O dólar disparou 47% este ano, em relação ao real, saindo de R$ 4,01 no dia 31 de dezembro para R$ 5,90 no fechamento de ontem. Na média, explica a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte, a valorização sobre as moedas de países exportadores de commodities está em torno de 15%. Ou seja, há um fator de risco que diferencia o Brasil de outros emergentes.
— Tem a recessão da pandemia, que é comum a todos. A queda dos juros, também, porque o BC brasileiro reduziu a Selic, mas outros países também baixaram. O que só existe no Brasil é o componente político. É a queda de braço do executivo com o Congresso, do governo federal com estados e municípios. A demissão do Mandetta, agora do Sergio Moro — explica Consorte.

Ascânio Seleme - Arquivador-geral da República

- Globo

Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos

Num passado não muito distante, o Brasil conviveu com um procurador que se destacava por engavetar a maioria dos pedidos de investigação sobre malfeitos federais. Ele era tão eficiente nessa tarefa que ganhou o apelido de Engavetador-Geral da República. Trata-se de Geraldo Brindeiro, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995 e reconduzido ao posto outras três vezes. Nos seus oito anos de mandato, engavetou 242 inquéritos, arquivou outros 217 e aceitou apenas 60 de 626 denúncias a ele oferecidas. Foram beneficiados 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros. Quatro processos contra FHC também foram parar na gaveta de Brindeiro.

Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos. Augusto Aras pode se tornar um Arquivador-Geral no inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal contra o presidente Jair Bolsonaro, embora obviamente possa surpreender. Assim como Brindeiro, Aras não estava na lista tríplice que é oferecida ao presidente como balizadora para a indicação. Quando a lista foi instituída, em 2001, Brindeiro ficou em sétimo lugar na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República, mas mesmo assim foi nomeado por Fernando Henrique. Embora se tratasse de uma recondução, o fato é que a lista não foi respeitada. Aras sequer concorreu para a vaga na eleição e ainda assim foi nomeado por Bolsonaro.

Carlos Alberto Sardenberg - Um problema que o mundo não tem: Bolsonaro

- O Globo

Temos uma sequência de mau comportamento de um presidente inconformado com os limites do poder, assustado com os inquéritos e enraivecido com a imprensa

Talvez não seja a comparação mais adequada, mas vamos em frente: suponha uma pessoa que sente já não ter motivos para viver, mas não toma consciência disso. Essa pessoa não vai tentar o suicídio, mas vai fazer coisas que configuram uma tentativa. Por exemplo: correr como um maluco na moto, beber e dirigir, exagerar nos remédios ou nas drogas.

Essa pessoa estaria “acting out”. A expressão “act out” aparece assim explicada em dicionários especializados, em tradução livre do inglês: comportar-se mal porque você está infeliz ou desconfortável, frequentemente por motivos dos quais você não está consciente.

Em termos psicanalíticos, uma definição de “acting out” é a seguinte: uma mensagem cifrada que os sujeitos endereçam para o Outro, embora o sujeito em si mesmo não é nem consciente do conteúdo desta mensagem, nem mesmo ciente de que suas ações expressam uma mensagem.

Claro, o leitor já imaginou onde queremos chegar: o presidente Bolsonaro tem tudo planejado, age de caso pensado, ou está “acting out”?

Bernardo Mello Franco - A escolha de Teich

- O Globo

É melancólica a situação de Nelson Teich. Antes de completar um mês no governo, o titular da Saúde já se arrasta como um ex-ministro em atividade

É melancólica a situação de Nelson Teich. Antes de completar um mês em Brasília, o oncologista já foi fritado pelo chefe. Agora ele parece se arrastar no cargo como um ex-ministro da Saúde em atividade.

O substituto de Luiz Henrique Mandetta assumiu com jeito de fantoche. Ao ser apresentado, prometeu “alinhamento completo” a Jair Bolsonaro. Depois disso, submergiu para não dizer nada que pudesse contrariar o presidente.

O ministro não teve autonomia nem para escolher seu número dois. O posto foi entregue ao general Eduardo Pazuello, que pendurou outros militares em cadeiras que sempre pertenceram a médicos.
Sem experiência na política, Teich foi triturado no primeiro contato com o Congresso. Sua confissão de que o governo estava “navegando às cegas” reforçou a imagem de uma gestor à deriva.

Luiz Fernando Verissimo - Manhã desnecessária

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Das 5 às onze do dia 11 de novembro de 1918, a Primeira Guerra Mundial continuou, embora não precisasse continuar

Comemorou-se há pouco os 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial e alguns meses antes o armistício que acabou com a Primeira. Representantes dos aliados, vencedores, e dos alemães, derrotados e humilhados, reuniram-se num vagão ferroviário que tinha servido a Napoleão III, perto da cidade de La Capelle, França, para tratar dos termos da rendição. Coube ao marechal Ferdinand Foch, que chefiava a delegação francesa, estabelecer as reparações que seriam exigidas dos alemães. A reunião durou toda a noite e às 5 da madrugada o documento do armistício estava assinado.

Fernando Schüler* - Ruy e a passeata dos insensatos

- Folha de S. Paulo

A liberdade de expressão exige tolerância a ideias que detestamos, mas qual o limite?

Em tempos de fúria, passou um tanto despercebida uma decisão do decano do STF, ministro Celso de Mello, na última semana. Ocorre que um desses grupos muito estranhos que andam por aí, e não é de hoje, marcou uma passeata em Brasília, na qual prometiam "dar cabo à patifaria estabelecida no país e representada pela casa maldita do STF, com seus 11 gângsteres". E por aí afora.

O líder do PT na Câmara dos Deputados acionou o Supremo pedindo que a passeata fosse proibida e os envolvidos presos. O ministro Celso de Mello negou o pedido. Orientou o parlamentar a procurar o Ministério Público, se desejasse, mas o importante veio depois, quando enfrentou o tema delicado do direito de reunião e de expressão em um país marcado pela polarização quase doentia.

A posição do ministro é clara: não cabe a uma República que se dê ao respeito a "proibição estatal do dissenso". Pluralismo político é um valor fundamental na democracia e o direito à livre expressão de ideias é garantido pela Constituição.

Seu raciocínio volta a abril de 1919, quando Ruy Barbosa foi conduzido por uma massa popular até o teatro Politeama, em Salvador, e só pôde fazer o seu comício amparado por um habeas corpus dado pelo STF, relatado por Edmundo Lins.

Maria Hermínia Tavares* - O resgate do respeito

- Folha de S. Paulo

Reconstruir nossa política externa exigirá mais que a volta a princípios consagrados

Na semana passada, os principais jornais brasileiros publicaram importante artigo pedindo a reconstrução da política externa do país. Assinaram o texto todos os ex-ministros de Relações Exteriores desde o governo Sarney, um notável diplomata e um ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Com a cacife de quem conduziu a diplomacia nacional nos últimos 28 anos, o grupo critica implacavelmente a destruição de nossa autoridade além-fronteiras, levada a cabo pelo atual governo. E propõe que a atuação do país volte a se pautar pelos princípios que desde muito cedo vertebraram a conduta e a identidade nacional diante do mundo: autonomia frente às nações poderosas, universalismo, multilateralismo e defesa da solução pacífica de conflitos.

Assim como a Covid-19, mais dia, menos dia, este governo passará —e com ele o chanceler que tão bem o espelha na mediocridade e na fúria descerebrada contra as melhores tradições diplomáticas brasileiras. Mas as circunstâncias sob as quais o país terá de reconquistar o respeito alheio posto abaixo pelo obscurantismo serão provavelmente muito diversas daquelas que favoreceram nossa ascensão internacional nas últimas décadas.

Roberto Dias – Final feliz

- Folha de S. Paulo

Nem o uso de pseudônimos sustenta mais sua narrativa

O personagem Jair Bolsonaro já não dá mais conta do enredo que o roteirista Jair Bolsonaro criou para sua vida.

Para contar essa história inacreditável, é preciso agora recorrer ao Airton, ao Rafael e ao 05. Depois há o trabalho de convencer o espectador e um ministro do STF-- de que os três são mesmo pseudônimos.

Até a pandemia, a fórmula do roteiro vinha se segurando: era tirar da cartola alguma historinha lateral e emendar na anterior. Agora já não funciona. Bolsonaro tentou pautar uma discussão sobre aborto, mas só os espectadores mais atentos de suas redes e alguns militantes do WhatsApp perceberam.

A caneta mágica do filho Carlos, fundamental no caminho até o Planalto, tem menos tinta. A popularidade nas redes dá sinais de queda. Bolsonaro já se repete no vexame de ser um raríssimo chefe de Estado com posts classificados de fake news pelas plataformas. Em perfis onde antes se liam defesas do presidente, hoje se veem pedidos para que não abra a boca.

Até porque cada vez que o faz cria um novo alvo para as edições Tomahawk do Jornal Nacional, que justapõem as falas contraditórias de Bolsonaro em som e imagem claríssimos para um público imenso.

Bruno Boghossian - Moro acobertou Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Ex-juiz agiu como advogado do presidente, mas agora fala em tom autoritário

Sergio Moro dormiu um sono tranquilo por 16 meses. Dias antes de pegar as chaves do Ministério da Justiça, o ex-juiz disse não enxergar “risco de autoritarismo” no governo de Jair Bolsonaro. Agora, ele afirma que a reunião que precedeu sua demissão contém “inquietantes declarações de tom autoritário”.

O ex-ministro demorou a sair do sossego. Moro foi rotineiramente sabotado e humilhado pelo chefe desde a inauguração do mandato. Mesmo assim, agiu como advogado de Bolsonaro e acobertou até as investidas mais perigosas do chefe.

Em agosto de 2019, sob pressão do presidente, Moro trocou o comando da Polícia Federal no Rio. Depois de engolir a mudança, ele espalhou a versão de que tudo era um mal-entendido. No programa Roda Viva, em janeiro, ele quis disfarçar: “Tentaram fraudulentamente colocar o presidente contra a Polícia Federal”.

Vinicius Torres Freire - Vendas no varejo caem menos em SP

- Folha de S. Paulo

Tombo no país foi menor do que o esperado, mas bola de neve mal começou a rolar

As vendas no varejo em São Paulo não caíram em março, caso único entre os estados do país. Sim, março é o passado distante e não foi inteiramente contaminado pelo coronavírus. Além do mais, quando se incluem as vendas de veículos e de material de construção, o colapso foi grande e geral, embora o resultado paulista não tenha sido dos piores, ao contrário, e abaixo da média brasileira.

Não é resultado para animar ninguém. Pode ser mais um indício de desigualdade. Com renda mais alta e mais reservas financeiras, talvez os paulistas tenham podido manter parte do consumo, em especial em mercados e farmácias, talvez até fazendo mais estoques. Pode ser ainda que as pessoas tenham mais meios em geral de fazer compras virtuais, pela internet, tendo mais dinheiro e cartões de crédito ou débito.

Em março, as vendas no varejo paulista foram 0,7% superiores a fevereiro e espantosos 5,4% maiores que em março de 2019. Na média brasileira, quedas de 2,5% e 1,2%, respectivamente.
No varejo dito “ampliado”, que inclui vendas de veículos e material de construção, a baixa paulista foi de 11,1% em relação a fevereiro, oitavo pior resultado nacional, mas acima do resultado do Brasil, que foi de queda de 13,7%.

José Serra* - Sobre filas e descompasso na urgência social

- O Estado de S.Paulo

Não é razoável deixar de pagar um benefício emergencial por causa de pendência eleitoral

As filas, enormes e anárquicas, que a população brasileira tem enfrentado para receber um benefício social emergencial contrariam as normas sanitárias e o bom senso. De forma precipitada, mas previsível, o dedo acusador é endereçado ao ente pagador, a Caixa Econômica. O descompasso entre a urgência social (a emergência sanitária) e o martírio dos longos períodos na espera de atendimento – muitas vezes infrutíferos – pode ser manifestação da ineficiência e ineficácia da corporação. Mas também, e mais provavelmente, é a expressão de um desenho legal e institucional inadequado para responder a uma situação que o mundo está vivendo e nos pegou a todos de surpresa. A atual pandemia pode não ser um cisne negro, mas seu tamanho, tal como se mostrou, com extensão e virulência inéditas na História recente da humanidade, era improvável.

No Brasil, o caso específico do pagamento do auxílio emergencial se reproduz, com outras singularidades, nas mais diversas dimensões sociais, políticas, econômicas e mesmo científicas. Os protocolos usuais para criar, testar e aprovar medicamentos parecem estar em conflito com as demandas por respostas sanitárias quase imediatas ao flagelo. Toda a formatação institucional, legal e organizacional, que parecia ser funcional em tempos “normais”, está sendo submetida a um estresse que induz, pela ineficiência que revela neste momento de crise, a desrespeitar o seu cumprimento. Metas fiscais como as contempladas no Tratado de Maastricht, no caso europeu, são abertamente ignoradas. Se alguma vez puderam ser consideradas um arcabouço para disciplinar potenciais irresponsabilidades na gestão da política econômica, hoje parecem completamente disfuncionais.

William Waack - Equilíbrio precário e perigoso

- O Estado de S.Paulo

Uma combinação de fatos não deixa prosperar, por enquanto, ações para derrubar Bolsonaro

A rigor, o que já se sabe do que está no vídeo da reunião ministerial trazido à tona por Sérgio Moro não surge ainda como prova, mas comprova. Criminalistas experientes lembram que até provas materiais do tipo “conclusivo” são, nos procedimentos judiciais, passíveis de “interpretações”. E são poucas aquelas “provas técnicas” que, neste momento, poderiam produzir a “interpretação” necessária para sustentar uma denuncia pelo procurador-geral da República contra o presidente da República.

Do ponto de vista político, porém, o vídeo é uma comprovação didática de que o governo é comandado sem foco e preso ao que o chefe do Executivo acha que lhe é vantajoso dos pontos de vista político de curto prazo e pessoal. Além daquilo que ele vocifera como se comandasse um bando, as vozes mais eloquentes nesse vídeo são de ministros incompetentes, apegados a teorias malucas, dispostos a pronunciar frases de lacração na internet do tipo “prendam ministros do STF”, “prendam governadores”, como se decidissem na mesa de um bar quem brada estupidezes de forma mais contundente.

Zeina Latif* - Tiro no pé

- O Estado de S.Paulo

É necessário evitar ações que gerem mais distorções e efeitos colaterais na economia

Somos uma sociedade mais propensa a apontar vilões do que a enfrentar os problemas com base em diagnósticos corretos. A crise atual explicita essa fraqueza.

Há preocupações de todos os lados, mas é necessário evitar ações que poderão gerar mais distorções na economia e efeitos colaterais perversos, sem produzir o benefício desejado.

Os bancos – desde sempre no topo da lista de arqui-inimigos - são acusados de “empoçar” recursos e não liberar crédito a empresas e famílias, e são pressionados a bancar parte da fatura da crise. Enquanto isso, pouco esforço é feito para compreender o funcionamento de um setor essencial ao funcionamento da economia.

Os dados do mercado de crédito em março mostram que as críticas são precipitadas, ainda que haja um descompasso entre o aumento brutal da demanda de crédito e a capacidade de atendimento dos bancos.

A concessão (fluxo) de crédito livre para PJ subiu 60% em março em relação a fevereiro, sendo que quase metade está associada à demanda por capital de giro e antecipação de receitas das empresas.

Na PF, o resultado não foi melhor por conta da natural retração de demanda, como na aquisição de veículos e no cartão de crédito (à vista). Como o endividamento dos indivíduos está nas máximas históricas, acima de 45% da renda anual, o espaço para elevações adicionais é limitado, por conta do risco de inadimplência adiante.

Maria Cristina Fernandes - Um mandato blindado a R$ 600 per capita

- Valor Econômico

Auxílio emergencial intimida parlamentares e contém adesão ao impeachment no Congresso

O futuro do governo Jair Bolsonaro hoje parece passar mais pelo auxílio emergencial do que pelo procurador-geral da República. Por mais que os inquéritos no Supremo Tribunal Federal avancem, nenhum processo contra o presidente poderá ser aberto sem a anuência da Câmara dos Deputados. E lá dificilmente se formará maioria contra Bolsonaro enquanto o governo fizer chegar ao bolso dos mais pobres um dinheiro nunca dantes visto para muitos.

O calendário eleitoral é favorável ao presidente. Parlamentares dispostos a se engajar pelo impeachment ficam acuados frente ao número de beneficiários do auxílio emergencial entre eleitores de vereadores e prefeitos que formam a base para sua recondução em 2022. A qualquer movimento desses parlamentares, os eleitores são bombardeados pelas redes sociais bolsonaristas com a exposição de uma conduta que, ao mirar contra o mandato do presidente, se coloca também como adversária do auxílio emergencial. Como a pandemia deve fazer com que esta campanha eleitoral seja ainda mais digital que as anteriores, a armadilha está posta.

Tome-se, por exemplo, o exemplo de Alagoas, Estado de segundo pior IDH do país. Na convalescença da covid-19, o secretário da Fazenda, George Santoro, se deparou com um impacto do auxílio emergencial sobre a renda das pessoas que nunca havia visto antes. O dinheiro que chega hoje mensalmente ao Estado para o auxílio emergencial equivale a cinco vezes o valor destinado ao Bolsa Família.

Ricardo Noblat - Os três generais patetas e o capitão aloprado

- Blog do Noblat | Veja

Contradições enfraquecem a linha de defesa de Bolsonaro
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O disse não disse sobre o que de fato o presidente Jair Bolsonaro disse na reunião ministerial de 22 de abril último, catapultou para a boca do palco da crise política ora em curso a trinca poderosa de generais ministros que dão expediente no Palácio do Planalto.

Os conselhos que receberam sobre a melhor maneira de se comportarem diante dos inquisidores, as horas gastas vendo e revendo a gravação em vídeo da reunião, o acerto sobre o que cada um diria, nada bastou para que contassem a mesma história.

Braga Neto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) avalizaram a versão de que Bolsonaro se queixou de falhas na sua segurança pessoal no Rio. Nada a ver, pois, com a Polícia Federal.

Mas, em seguida, divergiram em detalhes que põem a versão em dúvida, o que enfraquece a principal linha de defesa do presidente. Ao afirmar que Bolsonaro revelou a intenção de trocar “a segurança” no Rio, Braga Neto entendeu que se tratava da segurança pessoal.

Ora, quem cuida da segurança pessoal de Bolsonaro, no Rio ou em qualquer outro lugar, é o Gabinete de Segurança Institucional a cargo do general Heleno, e não a Polícia Federal. O ex-ministro Sérgio Moro teria entendido tudo errado e por isso foi embora?

Ribamar Oliveira - Inflação baixa antecipa fim do teto

- Valor Econômico

Cenário mostra que será precisos cortar ainda mais investimentos da União e custeio da máquina

A manutenção do teto de gastos nos próximos anos, tão desejada pelo governo, enfrentará uma dificuldade adicional, que não estava prevista. Com a recessão econômica em curso no Brasil e no mundo, provocada pela pandemia da covid-19, a inflação vai cair muito. E inflação mais baixa significará um teto ainda mais apertado.
A Emenda Constitucional 95/2016, que criou o limite para as despesas da União, determinou que o valor do teto de gastos será corrigido, anualmente, pela inflação. Para 2021, o índice a

Limite para as despesas terá correção abaixo de 2%

Por causa da recessão econômica, o Brasil vive um momento de deflação, ou seja, os preços estão caindo, em vez de subindo. Em abril, o IPCA caiu 0,31%. Para maio, o mercado projeta nova deflação, de 0,35%. Para junho, a taxa esperada é próxima de zero. Se as previsões se confirmarem, o índice em 12 meses acumulado até junho ficará abaixo de 2%.

Uma estimativa feita pelo Tesouro Nacional, que consta do anexo de riscos fiscais ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) para 2021, estima que o desvio de 0,1 ponto percentual do IPCA provoca uma variação de R$ 1,455 bilhão no limite de despesa. Para uma variação de 1% do IPCA, o impacto no teto será de R$ 14,55 bilhões

No anexo, o governo projeta um valor de R$ 1,502 trilhão para o limite das despesas no próximo ano. O valor foi estimado com base em uma inflação de julho de 2019 a junho de 2020 de 3,23%. Com isso, o espaço para gastos no próximo ano subiria R$ 47 bilhões, em comparação com o teto fixado para 2020.

Jorge Arbache* - E os indicadores sociais?

- Valor Econômico

Desigualdade de renda tende a piorar bastante mais durante períodos de desaceleração do que a melhorar durante períodos de aceleração do crescimento

A taxa de crescimento econômico da América Latina é caracterizada por ser altamente volátil em torno de uma média baixa e por períodos de fortes acelerações e colapsos. O problema é que essas características não são neutras e têm implicações perversas. Isto porque a combinação de baixa persistência com alta descontinuidade do crescimento está associada à maior aversão ao risco, que estimula a especulação e encoraja as empresas a investirem em projetos de menor risco, mas de baixo retorno social. Ademais, pobreza, desigualdade e outros indicadores sociais são bastante sensíveis àquelas características.

De fato, evidências empíricas sugerem que os indicadores sociais melhoram durante períodos de aceleração e pioram durante períodos de desaceleração do crescimento. Ou seja, eles são pro-cíclicos. Mas ainda mais relevante é a reação assimétrica dos indicadores sociais ao ciclo econômico. Indicadores de desigualdade de renda tendem a piorar bastante mais durante períodos de desaceleração do que a melhorar durante períodos de aceleração do crescimento. Condição qualitativamente semelhante ocorre com desemprego, pobreza, miséria, participação do jovem no mercado de trabalho, dentre outros indicadores.

Dani Rodrik* - Um mundo pós-pandêmico melhor

- Valor Econômico

É possível um modelo de globalização mais inclusivo e sustentável

A economia mundial será remodelada nos próximos anos por três tendências. A relação entre mercados e Estado vai ser reequilibrada, em favor do último. Isso virá acompanhado de um reequilíbrio entre a hiperglobalização e a autonomia nacional, também em favor da última. E precisaremos encolher nossas ambições de crescimento.

Não há nada como uma pandemia para colocar em evidência tanto as imperfeições dos mercados diante de problemas de atitudes coletivas quanto a importância da capacidade do Estado de reagir a crises e proteger a população. A crise da covid-19 ampliou as fileiras dos que defendem uma cobertura de saúde universal, mais proteção ao mercado de trabalho (inclusive para os trabalhadores “gig”, temporários) e a importância das cadeias de produção locais para equipamentos médicos cruciais. Isso tem levado os países a priorizar a resiliência e a garantia de fornecimento em detrimento da eficiência e das economias de custo permitidas pela terceirização global. E os custos econômicos das medidas de confinamento aumentarão com o tempo, já que o choque maciço de oferta causado pela desestabilização da produção doméstica e das cadeias de valor globais também vão pressionar para baixo a demanda agregada.

Não se sabe a forma que um Estado mais ativo assumirá. Não se pode descartar a volta ao velho estilo dirigista, de pesado controle central. Mas afastar-se do fundamentalismo de mercado poderia trazer uma forma inclusiva, empenhada na economia verde

Embora a covid-19 reforce e enraíze essas tendências, ela não é a força primária por trás delas. Todas as três - ações governamentais mais fortes, recuo no hiperglobalismo e taxas de crescimento menores - precedem a pandemia. E, embora possam ser vistas como riscos significativos para a prosperidade humana, também é possível que sejam precursoras de uma economia mundial mais sustentável e inclusiva.

Vejamos o papel do Estado. O consenso neoliberal no fundamentalismo de mercado está enfraquecendo-se já há algum tempo. Criar um papel maior para que o governo possa lidar com a desigualdade e a insegurança econômica agora se tornou prioridade central tanto para economistas quanto para os políticos. Embora a ala progressista do Partido Democrata nos Estados Unidos não tenha chegado a conquistar a indicação presidencial da legenda, conseguiu ditar, em grande medida, os termos do debate.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Bolsonaro desdenha vídeo que pode comprometê-lo – Editorial | Valor Econômico

O presidente está isolado e inimizou-se com os demais Poderes

Só a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, ou um pronunciamento do ministro Celso de Mello, é capaz de deixar claro o que exatamente nela disse o presidente Jair Bolsonaro. Há diversas nuances sobre seu teor e poucas sobre o que aconteceu no encontro - um espetáculo de baixarias, ao qual o presidente e muitos de seus ministros se entregam com volúpia. Bolsonaro vem acumulando ilegalidades, o Supremo Tribunal Federal já tem três inquéritos que podem comprometê-lo, a seus filhos ou todos. O mais recente, sobre a saída de Sergio Moro e a troca do comando da Polícia Federal poderá ou não pôr fim a sua carreira no Executivo.

Os espectadores que viram no vídeo evidências devastadoras contra Bolsonaro, atribuem a ele o desejo, expresso com toda as letras, de proteger sua família de eventuais embaraços com a Polícia Federal. “Não vou esperar foderem com alguém da minha família”, teria dito o presidente, em um dos pontos áureos de um discurso no qual cobrou acesso a relatórios da inteligência da PF para não ser “surpreendido” por investigações. O presidente também ameaçou de demissão quem se colocasse em seu caminho, inclusive ministros.

Poesia | Joaquim Cardozo -Território entre o gesto e a palavra

Entre o gesto e a palavra: território escondido dentro de mim
Marcas de mortas visões; tentativas, indecisões, regozijos,
Entre o gesto e a palavra. Território:
Um silêncio, um gemido, um esforço imaturo
Possibilidade de um grito, modulação de uma dor.
— Ritmos mais doces que os das águas,
— Ternuras mais íntimas que as do amor
Entre o gesto e a palavra. Território
Onde as idéias se ocultam e os pensamentos se perdem
Os conceitos se escondem, os problemas se dissolvem
Entre o gesto e a palavra. Território.
— Os problemas da escolha, os princípios;
Transcendências: transparências, mediante
Uma luz que não se acende, existem
No território contido entre o gesto e a palavra.
— Um axioma, um lema, um versículo, um fonema,
Uma ameaça, uma tolice, o som velar, o eco,
Talvez a estátua de uma atitude.
Estão no campo depois do gesto
E antes da palavra.
Também estás para mim, amiga, entre esses dois expressivos
Entre alguma coisa de mímico ou de sonoro
Alguma coisa que é aceno ou que é voz:
Entre o de mim e o de ti: Tu estou
Tu vivo
Tu falo
Tu choro
Estás, mesmo que entre nós dois não exista
Um aparato gramático — uma sentença verdadeira
— ou uma síntese poética
Ilusória expressão com que se conformam os ingênuos —
Mesmo que a palavra se reduza a simples gesto verbal
Entre o gesto e este gesto há um infinito real.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.207-208. Poema integrante da série Mundos Paralelos