terça-feira, 26 de maio de 2020

Opinião do dia – Organização Internacional do Trabalho (OIT)* - ‘Utopia realista’

Todos os seres humanos, independentemente de sua raça, credo e sexo, têm o direito de buscar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econômica e em condições favoráveis iguais.

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

*Declaração da OIT, promulgada na Filadélfia em 10 de maio de 1944.

Merval Pereira - O cão de guarda

- O Globo

É da vigilância cidadã da imprensa que fugia Salles, que já havia mentido ao rejeitar as denúncias de ONGs

A mais explícita prova da importância do jornalismo profissional para a saúde da cidadania quem forneceu foi o ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles no seu pronunciamento na reunião ministerial cuja integralidade a Nação, embasbacada, pôde ver e ouvir semana passada, no desdobramento do processo aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a denunciada interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.

A bem da verdade, tenho que ressaltar que Salles foi apenas imprudente e, ao fazer o elogio da esperteza a serviço da imoralidade na ação pública, destacou a importância da suposta “tranquilidade” que a vigilância da imprensa dava ao se concentrar na cobertura da Covid-19 para abrir caminhos a medidas que, em tempos normais, encontrariam obstáculos na reação da opinião pública, e dos sistemas Judiciário e Legislativo, alertados pela imprensa.

Disse ele, como se desse instruções a comparsas sobre como bater a carteira dos desavisados: “ (...) pra isso, precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid-19, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento, simplificando normas. (...) Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”.

É justamente essa a atribuição da imprensa, fazer com que a Nação saiba os projetos e desígnios do Estado, e possa debatê-los. Era isso, exatamente, que o ministro não queria que acontecesse. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.

Carlos Andreazza - Guerra pela mente de Bolsonaro

- O Globo

Weintraub ganharia o troféu Bolsonarinho não houvesse a concorrência do presidente da Caixa

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril consiste numa farândola de bajuladores, entre ressentidos e vitimizados, que disputam o posto daquele cujo extremismo melhor demonstraria fidelidade incondicional ao presidente; isto enquanto, na costura de quatro momentos, Jair Bolsonaro deixa clara a intenção de interferir na PF para proteger os seus, familiares e amigos, de investigações.

De proposta concreta, ao longo daquelas duas horas em que um governo de autocratas se exibiu, houve somente a de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Não para combate à Covid-19, mas para uso da janela de oportunidades escancarada pela gravidade da doença: aproveitar que as atenções da sociedade estariam voltadas ao enfrentamento da peste e fazer passar a boiada. A boiada: demissão de fiscais, anistia a desmatadores etc.

Não deveria haver surpresa ante a inexistência de debate sobre políticas públicas num encontro do conselho de ministros de Bolsonaro. Este governo é narrativo, de modo que, reunidos os seus principais agentes, só se poderia esperar um desfile de versões e jactâncias, em que prevalecem aflições não com o impacto do vírus sobre o povo, mas com o impacto do que seria a exploração do vírus pelos adversários sobre a percepção da sociedade.

Estão lá os homens virtuosos, que são diferentes (talvez do centrão que o chefe coopta) e que se sacrificam pelo mito — que se sacrificou por nós. Abraham Weintraub, em seu esforço — sem agenda própria — por evidenciar as bordoadas e os processos que toma, reconhece estar ainda aquém do presidente: “Fez mais do que eu. Levou uma facada.”

José Casado - O investigado e o investigador

- O Globo

Bolsonaro e Aras ainda ruminam a derrota no Supremo

Jair Bolsonaro fez uma visita surpresa a Augusto Aras, procurador-geral da República. Foi à procuradoria apenas para “apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhoso da PGR”. Recebeu “a alegria de sempre”, segundo Aras.

Teria sido mais um encontro imprevisto, fechado e rápido, se Bolsonaro não fosse um investigado e Aras o seu investigador em inquérito sobre crimes de responsabilidade na Presidência. Esse detalhe deu relevo à cena de ontem, em Brasília.

Ambos ainda ruminam a derrota no Supremo, na divulgação dos registros da reunião ministerial de abril.

Aras pediu ao juiz Celso de Mello uma censura muito mais abrangente do que a solicitada pela defesa do presidente. Argumentou que a transparência ao público, reivindicada por outro investigado, o ex-ministro Sergio Moro, daria à oposição chance de “uso político, pré-eleitoral (2022)”, criando “instabilidade” e “querelas”.

Bernardo Mello Franco - O chicote e a cenoura

- O Globo

Bolsonaro escolheu as armas para o inquérito que pode tirá-lo do cargo. Numa mão, ele estala um chicote contra o STF. Na outra, exibe uma cenoura para o procurador-geral

Jair Bolsonaro já escolheu as armas para lidar com o inquérito que pode encurtar seu mandato. Com uma mão, o presidente estala um chicote contra o Supremo Tribunal Federal. Com a outra, exibe uma cenoura para o procurador Augusto Aras.

No domingo, o capitão apontou o açoite na direção do ministro Celso de Mello. Pelas redes sociais, ele insinuou que o decano do Supremo teria cometido uma ilegalidade ao tornar público o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.

Para atiçar seus seguidores, Bolsonaro reproduziu artigo da Lei de Abuso de Autoridade. O texto estabelece pena a quem “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado”.

Míriam Leitão - Tortuosas falas do time econômico

- O Globo

Equipe econômica mostrou aderência aos valores distorcidos e aos maus modos do governo. Não é uma ilha de racionalidade no meio desta crise

A equipe econômica se saiu muito mal na reunião ministerial. O ministro Paulo Guedes colocou a economia a reboque do projeto da reeleição, e os presidentes do Banco do Brasil, Caixa e BNDES fizeram triste figura. Rubem Novaes, totalmente fora do rumo, disse que o pico da pandemia já havia passado, Pedro Guimarães deu um show de servilismo, Gustavo Montezano disse duas vezes que subscrevia as palavras de Ricardo Salles, que havia proposto solapar as leis, aproveitando o foco da imprensa na Covid-19. Roberto Campos mostrou que se sente à vontade em reuniões de governo, que nada têm a ver com o papel do Banco Central.

O mercado ontem comemorou com alta na bolsa e queda do dólar porque avaliou que não houve nada demais na reunião. A visão míope e imediatista dos operadores já é conhecida. Ontem o “Financial Times” trouxe na primeira página uma matéria corrosiva sobre o presidente Jair Bolsonaro e os destinos do Brasil. O “FT” é formador de opinião no mundo dos grandes investidores. Na reunião, a equipe econômica mostrou aderência aos valores distorcidos e aos maus modos do governo. Não é uma ilha de racionalidade. E não sabe como tirar o país da crise.

A reunião era para discutir o plano econômico pós-pandemia, que havia provocado ruídos. Paulo Guedes disse que via nele “as digitais” de Rogério Marinho, que em resposta pediu o abandono dos dogmas. O presidente Jair Bolsonaro passou a palavra a Guedes, logo após a apresentação do ministro Braga Netto, dizendo que ele era “o ministro mais importante nessa missão aí”. Mas não arbitrou o conflito que ficou latente entre Guedes e Marinho. Até porque Bolsonaro foi para lá com uma agenda própria, que não era o plano ali discutido, nem a pandemia do coronavírus.

Ricardo Noblat - Tenha calma, Bolsonaro, pois Augusto Aras não o decepcionará

- Blog do Noblat | Veja

De onde menos se espera é de onde nada sai

Boa a escolha do advogado baiano Augusto Aras para o cargo de Procurador-Geral da República. Boa para o presidente Jair Bolsonaro, naturalmente.

Aras concorre com a Advocacia-Geral da União para ver quem mais defende Bolsonaro nas trapalhadas em que ele se mete – a mais recente, sua tentativa de intervir na Polícia Federal.

A Advocacia pediu ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para que não permitisse a exibição do vídeo da reunião ministerial de abril último. Aras pediu a mesma coisa.
Diante de sinais de que Mello permitiria a divulgação, a Advocacia recuou e pediu que fosse preservado o sigilo de trechos que poderiam abalar as relações entre o Brasil e outros países.

Aras nem isso fez. Insistiu com o sigilo total do vídeo. Recebeu de volta uma lição de Direito que ocupou muitas páginas do despacho de Mello que liberou o vídeo para ampla divulgação.

Desde 2003 que o Ministério Público Federal apresentava ao presidente a lista com os nomes dos três procuradores mais votados pela categoria. Cabia a ele escolher entre os três.

No ano passado, Bolsonaro avisou que desprezaria a lista. Àquela altura, estava exasperado com o avanço das investigações sobre o dinheiro tomado por sua família a servidores públicos.

Entre os muitos poderes do Procurador-Geral da República está o de denunciar ou não parlamentares, ministros de Estado e o presidente por crimes cometidos no exercício do cargo.

Hélio Schwartsman - Salve-se quem puder

- Folha de S. Paulo

Se o despreparo de autoridades é resultado da democracia, precisamos rever alguns conceitos

Juro que a última coisa que quero são as hemorroidas do Bolsonaro. O que me impressionou no incrível vídeo da reunião ministerial não foram tanto os palavrões nem as posições antirrepublicanas, que já sabíamos que viriam, mas o completo despreparo das autoridades ali presentes.

A desinteligência começa na própria ideia de gravar o vídeo. Desde Richard Nixon, nenhum político com mais de dois neurônios manda imortalizar situações que revelem a intimidade do poder, a menos que esteja obrigado por lei. No caso de reuniões de gabinete, não existe essa obrigação. Mesmo quando os participantes não confessam nenhum crime, acabam mostrando as entranhas dos processos decisórios, que nunca são bonitas de ver.

Alvaro Costa e Silva - Os bocas-sujas

- Folha de S. Paulo

O palavrão se tornou uma coisa engraçada e natural na vida do país; e as pessoas fingem se espantar com ele

Em dezembro do ano passado —só seis meses, e parece uma eternidade—, a atriz Isis Valverde falou um palavrão na novela “Amor de Mãe”: “Você não tem mãe, não? Seu desgraçado! Filho da puta!”. Os sites especializados apressaram-se em repercutir a cena que “chocou os internautas”. Logo estes, que vivem xingando uns aos outros nas redes sociais.

Nelson Rodrigues costumava dizer que o espectador deixava o teatro, depois de assistir a uma peça de sua autoria, com a certeza de ter escutado 300 palavrões, embora não tivesse ouvido nenhum. É que o palavrão estava na cabeça deles, que reconheciam o pecado, o desvio moral, a devassidão, representados no palco, neles próprios. Daí a impressão de sujeira impregnada no corpo e na alma com que voltavam para casa.

Ranier Bragon – Os generais bolsonaristas

- Folha de S. Paulo

Consequências imprevisíveis ocorrerão se o país se curvar a bravateiros de pijama

Devido ao despreparo e ao completo apego à estupidez, Jair Bolsonaro conseguiu a proeza —involuntária, claro— de fazer soar palatável a participação de militares na gestão política do país. Mesmo com a lembrança da nefasta ditadura finda em 1985, em comparação ao Jair Futebol Clube qualquer XV de Piracicaba acaba parecendo um carrossel holandês.

As Forças Armadas não são de Lula, Temer ou Bolsonaro, mas do Estado brasileiro. E têm que se subordinar ao comando civil e ao império da lei.

É isso ou a república de bananas, cuja volta, queremos crer, só é desejada por desmiolados que acham divertido passar vergonha coletiva na rua, fantasiados de verde e amarelo.

Por isso, olhemos a mudez dos generais bolsonaristas na já célebre reunião de 22 de abril.

Pablo Ortellado* - Menor e mais radical

- Folha de S. Paulo

Enquanto bolsonarismo prepara ruptura, instituições respondem com notas de repúdio

Não importa para qual pesquisa olhemos, Datafolha, XP ou Atlas Político, o apoio popular ao presidente Bolsonaro está diminuindo. Desde que a crise do coronavírus despontou, em março, o apoio ao presidente decai, ainda que lentamente, enquanto a oposição a ele aumenta. No mesmo período, porém, o bolsonarismo vai ficando mais extremado, com desafios abertos à ordem constitucional —ou seja, a um só tempo está ficando mais isolado e mais radical.

No infame vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, chama a atenção o motivo que Bolsonaro dá para a usual conclamação à população se armar: não é mais para que os homens de bem se defendam dos bandidos, mas para que se defendam dos candidatos a ditadores, prefeitos e governadores que estariam trancando os cidadãos em suas residências. No dia seguinte à reunião, Sergio Moro assinou portaria efetivamente aumentando a quantidade de munição que quem tem porte ou posse de armas pode comprar.

Joel Pinheiro da Fonseca* – O governo Bolsonaro é liberal?

- Folha de S. Paulo

O Estado é uma potencial ameaça à liberdade, mas não a única; a opinião pública também é

Como no Brasil tudo é possível, não foram poucos os autoproclamados liberais que embarcaram com entusiasmo no bolsonarismo. O casamento de aparências tem durado, mas depois de assistirmos ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, aquele mix insólito de Escolinha do Prof. Raimundo e discurso fascista, alguém ainda acredita que exista amor?

Um a um, cada ministro fazia sua esquete. Desnudou-se a essência do governo: bajulação do líder, arroubos militantes e preocupação única e exclusiva com o projeto de poder. A maior epidemia em cem anos? Importava apenas na medida que colocou governadores como rivais do presidente, e como cortina de fumaça para passar o trator na Amazônia.

Bolsonaro expressou seu desejo de uma população armada para intimidar prefeitos e governadores. Isso caberia num congresso chavista; mas num governo que se diz “liberal”?

Vamos definir os termos. Liberal é quem defende o valor da liberdade individual para a vida em sociedade. Isso começa com um sistema político no qual haja equilíbrio de poderes e limites a seu exercício.

Gideon Rachman - Populismo está levando o Brasil à catástrofe

- Financial Times / Valor Econômico

País está pagando um preço alto pelas travessuras de seu presidente


Em visita ao Brasil no ano passado, conversei com uma destacada financista sobre os paralelos entre Donald Trump e Jair Bolsonaro.

“Eles são muito parecidos”, disse ela, antes de acrescentar: “Mas Bolsonaro é muito mais burro”. Essa resposta me pegou de surpresa, uma vez que o presidente dos Estados Unidos não é tido, de modo geral, como um grande intelecto. Mas minha amiga insistiu. “Veja só”, disse ela. “Trump administrou uma grande empresa. Bolsonaro nunca conseguiu passar de um capitão no Exército.”

A pandemia de coronavírus me recordou essa observação. O presidente do Brasil tomou uma atitude impressionantemente semelhante à de Trump - mas ainda mais irresponsável e perigosa.

Ambos os dirigentes ficaram obcecados com as supostas virtudes curativas do medicamento antimalária hidroxicloroquina. Mas, enquanto Trump simplesmente assume essa defesa por conta própria, Bolsonaro obrigou o Ministério da Saúde brasileiro a emitir novos protocolos, que recomendam o medicamento para pacientes de coronavírus. O presidente dos EUA brigou com seus assessores científicos. Mas Bolsonaro demitiu um ministro da Saúde e levou seu substituto a pedir exoneração. Trump manifestou simpatia por manifestantes anticonfinamento; Bolsonaro participou de suas manifestações.

Pedro Cafardo - Ele poderia pelo menos derramar uma lágrima

- Valor Econômico

O presidente perdeu grande oportunidade de unir o país

Vendo a fatídica reunião ministerial e observando que a pandemia não foi citada pelo presidente da República, fica claro que por arrogância ou mesmo por burrice ele perdeu uma grande oportunidade para se tornar um líder a ser lembrado pelos brasileiros durante gerações.

Em situações de fragilidade política ou econômica, os líderes, muitas vezes por oportunismo, costumam fabricar guerras para unir o povo em torno de um objetivo comum. George W. Bush, por exemplo, declarou “Guerra ao Terror” em 2001, invadiu o Iraque em 2003 e se reelegeu em 2004.

Aqui, o presidente não precisava inventar nada. Quando já estava sob pressão da recessão em curso, caiu no colo dele uma guerra mundial em que todos estão no mesmo lado e poderia unir o país. A patologia domina tanto seu comportamento que não percebeu que ele não precisaria criar inimigos locais e menores. Tinha um inimigo contra o qual todos lutariam a seu lado.

Imagine-se que, no início da pandemia, ele tivesse logo admitido a autoridade da OMS para o enfrentamento da covid-19 e determinado que seu ministro da Saúde seguisse ipsis litteris todas as orientações da entidade.

Em vez de ficar durante dois meses desdenhando a doença, que chamou de “gripezinha”, poderia ter feito um pronunciamento convocando todos os brasileiros, inclusive os petistas que votaram em Fernando Haddad, para fazer parte de um mutirão nacional para salvar vidas. Diria em discurso que não existe vírus de direita ou de esquerda. Que naquele momento estava esquecendo todas as desavenças eleitorais, a facada de Juiz de Fora e as divergências ideológicas para convocar os brasileiros verde-amarelos ou vermelhos para uma batalha de vida ou morte.

Andrea Jubé - “Eu usaria ‘fake news’ como uma arma”

- Valor Econômico

Senado vota no dia 2 projeto que tenta frear “fake news”

“Fake news” e armas de fogo estão na ordem do dia, no contexto da pandemia e da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o presidente Jair Bolsonaro exclamou que deseja armar a população. “Por isso que eu quero que o povo se arme!”

Parecem temas estranhos entre si, mas são como duas paralelas, que se encontram no infinito, porque o potencial letal das “fake news” equipara-se ao das armas de fogo.

A metáfora é do lobista americano Jack Burkman: “Eu usaria ‘fake news’ como uma arma. Os alemães e os britânicos usam armas químicas, e você vai fazer o quê? Não quer dizer que goste, mas tem que fazer”, explicou o apoiador de Donald Trump, no documentário “Depois da verdade: desinformação e o custo das ‘fake news’”, que estreou recentemente na plataforma de streaming HBO.

“Usei ‘fake news’ (...) existem consequências terríveis potencialmente, mas e daí? É o que eu digo: e daí?”, questionou Burkman, evidenciando o grau de impunidade em torno do tema. (Vê-se que o famigerado “E daí?” não é monopólio da política nacional).

A fala de Burkman abre o filme do diretor Andrew Rossi, vencedor do Emmy, que revela a letalidade da disseminação de conteúdo falso. O caso mais emblemático retratado no filme se deu durante a campanha de Trump em 2016: o Pizzagate, que envolveu um point badalado em Washington, frequentado por políticos, jornalistas, e famílias descoladas.

Rubens Barbosa* - Bom senso acima de tudo

- O Estado de S.Paulo

Acima de partidos e ideologias, o interesse nacional deve ser a tônica na recuperação

Análises e estudos das principais organizações internacionais indicam que a pandemia pode estender-se por um período maior que o antecipado. A vacina contra a covid-19 promete tardar para ser comercializada.

A recessão global vai ser profunda e demorada. As consequências sobre a economia e o comércio internacional poderão ser devastadoras, com grave queda do crescimento e do desemprego global.

A recuperação do Brasil não vai ser rápida, nem o País sairá mais forte, como alguns anunciam. Os efeitos sobre o Brasil hão de perdurar por muito tempo caso medidas drásticas não sejam tomadas. É tempo de repensar nossas vulnerabilidades e aproveitar para passar o Brasil a limpo, de modo a modernizá-lo com menor desigualdade regional e social. E também definir o lugar do Brasil no mundo, como uma das dez maiores economias, inserido de forma competitiva nos fluxos dinâmicos do comércio internacional.

O Executivo – levando em conta o pacto federativo – tem um compromisso inadiável com a aprovação e execução de reformas (sobretudo a tributária e a administrativa) e com medidas regulatórias, simplificação e desburocratização para aumentar a competitividade da economia, tornar mais ágeis as agências reguladoras e tornar efetivas as prometidas desestatizações e vendas de centenas de empresas estatais/paraestatais e concessões de serviços públicos.

Ana Carla Abrão* - Temporariedade

- O Estado de S. Paulo

Há agora uma chance de avançarmos na direção de flexibilizações também nas contratações do setor público

Nunca tudo foi tão temporário. Mesmo antes da covid-19, transitoriedade, agilidade e flexibilidade já eram temas recorrentes nas análises do mercado de trabalho que vinha se mostrando em franca transformação. Atividades ganharam outro ritmo com os avanços tecnológicos e a digitalização. Projetos se tornaram mais frequentes e o modo de trabalho ágil se transformou na nova forma de acelerar entregas. Nesse novo mundo, também novas necessidades e competências emergiram fruto de demandas urgentes, de mudança nas prioridades, de alternância nos problemas e de crescente rapidez na busca de soluções.

O mercado de trabalho precisou se adaptar e a reforma trabalhista foi nessa direção, garantindo ao setor privado maior flexibilidade. O setor público, mais uma vez, ficou para trás. A forma de contratação continua a mesma, os contratos de trabalho continuam sendo quase que vitalícios e a gestão de pessoas se vê comprometida por estruturas de carreiras que em nada valorizam o mérito e tampouco alavancam competências. Mas há agora uma chance de avançarmos na direção de flexibilizações também lá. Não é uma reforma administrativa como a que precisaremos enfrentar mais cedo, antes do que mais tarde. Mas já é um primeiro passo nessa longa jornada que nos espera.

Pedro Fernando Nery* - O Brasil de Jajá

- O Estado de S. Paulo

‘Política econômica também é política’, resume incoerências que Jailison apontava

Perdemos o (muito) jovem economista Jailison Silveira. Auditor do Tesouro Nacional, ocupou cargos importantes no Ministério da Economia. Era vice-presidente da Associação dos Servidores do Tesouro Nacional (ASTN), de que foi um dos fundadores. Com sua liderança, a associação rapidamente se diferenciou das demais organizações do funcionalismo. Parecia menos pautada pelo simples corporativismo e mais pelo debate propositivo, em que pregava o ajuste fiscal coerente.

A entidade que Jailison criou questionava a reforma da Previdência: não por ser contrária a ela, mas porque deveria ser igualmente abrangente com os militares. Questionava o ajuste fiscal, não por negar sua necessidade, mas pela sua ênfase unicamente nas despesas, ignorando frequentemente privilégios concedidos que deterioram a arrecadação. As tais incoerências.

O Brasil de Jailison está bem presente, entre outras documentos, na publicação que elaborou junto com outros auditores do Tesouro para as eleições de 18. Chamado 18 diretrizes para um ajuste fiscal coerente, a contribuição se fundamentava na noção de que falta conhecimento da sociedade sobre as políticas públicas que financia.

A necessidade de avaliação permanente dos subsídios concedidos pela União, da ordem de 5% do PIB em 2017 – a maior parte em “gastos tributários” (a faculdade de pagar menos imposto, normalmente de forma permanente, dada a certos grupos). O imperativo de reformar a Previdência, mas incluindo de verdade os militares. As distorções nos salários do funcionalismo.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Bolsonaro tem de explicar o projeto armamentista – Editorial | O Globo

Afirmações gravadas no vídeo da reunião ministerial requerem esclarecimentos do presidente

Do execrável conjunto da obra exposta pelo vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, liberado pelo ministro do STF Celso de Mello, há muitas cenas que falam por si, e outras que merecem mais atenção e alertas pelas graves implicações para a estabilidade e a paz no país. Bolsonaro sempre defendeu a liberalização de armas e colocou o tema em destaque na sua campanha. Não engana ninguém, portanto, quando trabalha para cumprir sua promessa.

Se seguisse os devidos trâmites para despejar mais armas e munições nas ruas e residências, os embates em torno de sua plataforma armamentista ocorreriam normalmente no Legislativo, e os conflitos seriam mediados na Justiça. Mas Bolsonaro não deixa mais dúvidas de que deseja desmantelar os freios e contrapesos necessários para conter excessos de cada um dos Poderes, sendo que o Executivo brasileiro já é muito forte. Com um presidente ideologicamente espaçoso, vive-se em tensão, no limite de crises institucionais.