segunda-feira, 22 de junho de 2020

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques*

O antifascismo consistiu assim numa aliança entre atores diferentes, e até muito diferentes, em razão de um mal maior. Mas se só houvesse diferenças entre eles a aliança se definiria negativamente e teria muito mais dificuldade para se formar. Ainda que de modo parcial e imperfeito, todos os atores aliancistas compartilhavam uma fundamental orientação democrática inerente à modernidade, que lentamente corroía o mundo rigidamente hierárquico, opressivo e “orgânico” de outrora. Por isso se desprendia do campo conservador, e a este acabava por se contrapor ferozmente, uma versão reacionária da modernidade, capaz obviamente de elaborar programas de reerguimento econômico, como no caso do corporativismo italiano ou das políticas nacional-socialistas contra a depressão, mas associados à liquidação radical dos direitos civis e políticos, à uniformização compulsória da vida social e aos mitos mais regressivos do solo e do sangue. Em suma, a grande noite do irracionalismo, a temida temporada do assalto à razão, que deram, por contraste, o cimento essencial para o bloco antifascista.

Com todos os conflitos internos, esse bloco esteve na origem de desenvolvimentos positivos, como, de certo modo, o reformismo rooseveltiano e, seguramente, os “30 anos gloriosos” do capitalismo europeu socialmente regulado. Há décadas tudo isso está sob fogo cerrado não propriamente dos conservadores, que costumam ter uma consciência serena do que merece ser mantido, mas da sua ponta mais extremada e “revolucionária”, a exemplo de Salvini, que, como bem se vê, não é um lobo solitário. Cabe ter esperança na ação de uma esquerda que, desta vez, ao contrário dos avós bolcheviques, assuma a ideia democrática, sem adjetivos, como convicção íntima e incontornável. A alternativa é a barbárie.


*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil. “Fascismo e antifascismo”, O Estado de S. Paulo, 21/6/2020.

Fernando Gabeira - Do tamanho de um cometa

- O Globo

A gigantesca tarefa de evitar um golpe é, infelizmente, apenas uma. Há ainda a tarefa de solidariedade

Ironicamente, um governo machista que cultua armas pode descrever seu maior abalo com um poético símbolo fálico: um pênis do tamanho de um cometa. Foi assim que Fabrício Queiroz descrevia o futuro que esperava o grupo em torno de Bolsonaro.

Ironicamente, Fabrício se escondeu no sítio de um amigo em Atibaia. E a operação que o encontrou foi denominada Operação Anjo, em homenagem ao advogado da família Bolsonaro, acusado, no passado, de bruxaria.

O Brasil é um desafio para os romancistas. A tempestade perfeita acabou se abatendo sobre Bolsonaro: inquéritos sobre fake news e manifestações ilegais, militantes presos, deputados com sigilo bancário quebrado.

E, finalmente, a prisão de Queiroz. Não era o homem mais procurado do país. Mas era o mais solicitado. De todos os cantos brotava a pergunta: onde está Queiroz? Queiroz estava escondido na casa do advogado da família Bolsonaro. Para uma operação no nível de segredo de Estado, é de um amadorismo comovente.

A exposição dessas operações suspeitas de Bolsonaro talvez o enfraqueça nas Forças Armadas, bicho-papão com que ele nos ameaça a cada momento. Os militares têm aceitado tudo. Desde os ataques à República até a necropolítica de Bolsonaro na pandemia de coronavírus. Nos ataques à Proclamação da República pelo menos ficaram calados, não os endossaram. Mas a política de Bolsonaro é executada por um general da ativa que quer nos entupir de cloroquina porque seu líder assim o determinou.

Ricardo Noblat - Dez motivos para culpar Bolsonaro pelas mortes da Covid-19

- Blog do Noblat | Veja

Por que Bolsonaro não compareceu até hoje ao velório de uma única vítima do coronavírus?
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No dia em que o Brasil superou a triste marca de 50.650 mortos e mais de 1 milhão de infectados pelo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro voou de Brasília ao Rio para participar do velório de um militar paraquedista. À tropa ali reunida, Bolsonaro disse que foi grande amigo do general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército durante o governo José Sarney.

Para variar, mentiu. Está em livros de história que o general fez tudo para punir Bolsonaro, acusado de ter planejado atentados à bomba a quarteis quando reivindicava melhores salários para soldados como ele. Em troca do título de capitão, Bolsonaro acabou concordando em ser afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, como consta de sua folha corrida.

Por que Bolsonaro não compareceu até hoje ao velório de uma única vítima do coronavírus? Não precisaria deslocar-se para outra cidade. Não se passa um dia sem que novos mortos sejam sepultados em cemitérios de Brasília e das cidades do seu entorno. No Paranoá, a pouca distância do Palácio do Planalto, de cada 100 pessoas testadas, 30 têm o vírus. É onde mais se morre.

O que fez Bolsonaro até agora desde que o primeiro brasileiro perdeu a vida para o Covid-19 no final de março último?

Cacá Diegues - O que somos afinal

- O Globo

Escolha do melhor jogo no Maracanã está se parecendo com o que fizemos do Brasil em 2018

Para comemorar os 70 anos do estádio do Maracanã, a seção de esportes do GLOBO pediu a 70 especialistas de jornal, rádio e televisão que escolhessem os 70 maiores jogos ali realizados. O ranking foi formado e publicado na semana passada. Segundo está no jornal, o primeiro lugar ficou, por decisão unânime dos jurados, com o Maracanazo, aquele jogo entre Brasil e Uruguai, na decisão da Copa do Mundo de 1950. A equipe brasileira vinha de grandes exibições e goleadas contra o México, a Suécia e a Espanha, enquanto os uruguaios chegavam à final às duras penas. O Brasil era o franco favorito, seus jogadores chegaram a tirar fotos com as faixas de campeão e foram previamente tratados como tal pelas autoridades esportivas e políticas.

Quando nosso time entrou em campo, mais de 200 mil torcedores, representando a população brasileira que estava ligada num aparelho de rádio, se preparando para a festa, o saudaram como inevitável campeão. Aos 10 anos de idade, agarrado ao grande rádio da sala, gritei o nome dos jogadores, como se estivesse no Maracanã.

Rosiska Darcy de Oliveira - Realidade e pesadelo

- O Globo

Instituições barram os efeitos dos atos tresloucados

A solidez de uma democracia não se mede pelas ameaças que ela sofre e sim pela capacidade que tem de resistir aos que atentam contra nossas vidas e liberdade.

Mesmo se um bando de extrema direita quer fechar o Congresso ou dispara morteiros contra o Supremo Tribunal Federal, se um ex-ministro dementado quer prender seus juízes e se todos juntos agridem a mídia. Se um presidente inominável incentiva a invasão de hospitais para filmar leitos supostamente vazios. Se um seu apoiador é capaz, com gesto imundo, de arrancar cruzes que na areia de Copacabana lembravam os mortos pelo Covid, como se fosse possível esconder 50 mil mortes, apesar de tudo, crimes e desvarios, a democracia resiste à escalada sem fim de que são capazes a insanidade e a desumanidade.

Marcus André Melo* - Depois de Weintraub

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro se enfraqueceu, mas seu governo poderá sair fortalecido

À saída de Weintraub soma-se o emudecimento gradativo da ala ideológica do governo (Salles, Araújo, Damares). O enfraquecimento dessa ala não implica maior instabilidade sistêmica do governo. Pelo contrário.

Ao rejeitar durante a campanha a barganha com partidos, o presidente havia atado as próprias mãos. O "palanque perpétuo" e a cacofonia eram a estratégia buscada para compensar a falta de base. Sua exacerbação levou ao enfrentamento com o STF, do qual a saída do ministro é consequência.

O principal indicador da mudança ocorrida é espacial, geográfico: "Até abril", segundo o ministro da Secretaria de Governo, "nunca tinha conseguido reunir todos os líderes de partidos no Palácio do Planalto. Eles se encontravam na casa do Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Agora mudou". A barganha ganhou sede presidencial.

Celso Rocha de Barros* - O debate do centrão

- Folha de S. Paulo

A instabilidade atual também é obra dos senhores

Na semana passada o deputado Arthur Lira (PP-AL) escreveu um artigo nesta Folha defendendo o centrão. É um texto muito bem argumentado. Lira lembrou que o centrão votou a favor de diversas reformas da Previdência, que foi um fator de estabilidade em diferentes governos, que moderou as propostas e organizou os acordos.

Lembrou que Bolsonaro foi do PP por muitos anos e que hoje o PP vota com o governo em 90% das votações. Criticou a Lava Jato por criminalizar a política, mas proclamou que a corrupção sistêmica está morta e enterrada. Defendeu a legitimidade do casamento entre centrão e Bolsonaro, e viu nisso uma reconciliação entre Bolsonaro, as instituições, e, se entendi direito, a democracia.

Muita coisa no manifesto de Lira é verdade. A criminalização da política nos últimos anos foi mesmo um problema. Partidos aliados que votam medidas impopulares têm mesmo o direito de participar do governo e beneficiar-se de sua eventual popularidade.

De fato, faltou conservadorismo, no sentido estrito, ao Brasil nos últimos anos, faltou lembrar que instituições e partidos são fáceis de destruir, difíceis de reconstruir. Isso tudo é verdade, o centrão tem razão nisso.

Leandro Colon - O governo Bolsonaro esfarela

- Folha de S. Paulo

Vendo o precipício se aproximando, o presidente se segura no centrão

O governo de Jair Bolsonaro acelera cada vez mais o passo para um esgotamento político irreversível. Fica a questão sobre até quando o país suportará essa sangria.

Sem ministros efetivos na Educação e na Saúde, o governo é negligente e omisso no combate a uma pandemia que já matou 50 mil e atingiu 1 milhão de pessoas em três meses.

O presidente foi encurralado pelo escândalo do ex-assessor do filho, o agora senador investigado no esquema de desvio de salário de assessores nos tempos de Assembleia no Rio.

Empresários e políticos aliados do Planalto são personagens principais dos inquéritos no STF que apuram atos antidemocráticos e disseminação de notícias falsas, as fake news.

Acuado, o governo lança mão de subterfúgios diplomáticos para facilitar a saída do país de um ministro demissionário para os Estados Unidos.

Ruy Castro* - Estantes no vídeo

- Folha de S. Paulo

Ninguém dá entrevistas online na frente da geladeira ou do armário das panelas

Aldir Blanc, uma das grandes perdas impostas pela Covid, não podia ver uma foto em jornal de alguém diante de uma estante. Saía de lupa a ampliar a foto para ler os títulos nas lombadas dos livros. Aldir queria saber o que aquela pessoa gostava de ler e se tinha livros que ele ainda não tivesse e talvez precisasse ter. Lia dia e noite, sem parar. As fotos o mostravam em seu apartamento, na Muda da Tijuca, quase soterrado por eles. Se Aldir não tivesse sucumbido ao coronavírus, estaria hoje dando entrevistas online cercado por seu mundo de livros. Não seria exibicionismo e nem ele teria escolha. Eles tomavam os aposentos.

Transmissões online abundam agora na programação, e todo mundo aparece com uma estante ao fundo razoavelmente suprida de livros. Ou as pessoas lêem mais do que imaginávamos ou descobriu-se que a estante é o móvel mais nobre da casa, donde ser o cenário ideal. Não vi até agora ninguém se postar na frente da geladeira ou do armário das panelas. Não que não sejam também móveis da maior dignidade --- mas talvez uma parede com caçarolas não tenha o mesmo appeal de uma prateleira de livros.

Paulo Ghiraldelli Jr.* - O grande ataque do bolsovírus

- Folha de S. Paulo

Caos da pandemia ajuda o presidente a deteriorar os poderes republicanos

O responsável pelos heróis da Marvel, Stan Lee, faleceu em 2018. Caso estivesse vivo, então poderíamos ter o melhor relato da pandemia atual no Brasil. Minha avó dizia que psicografava, e se eu tivesse aprendido o ofício poderia receber a mensagem de Stan Lee a respeito do que estamos vivendo.

A mensagem diria que Wuhan, na China, recebeu um alienígena de um paraíso capitalista de um planeta distante. Seu ímpeto de consumir energias era como o de Galactus, o senhor do Surfista Prateado, e que se parece bem com o modo de agir da vontade de potência de Nietzsche. Por onde passou, deixou um rastro de morte. Mas, uma vez no Brasil, encontrou alguém estruturalmente semelhante.

Um vírus nem é um ser vivo, pois não tem DNA. Tem só RNA. Em geral, precisa de uma bactéria para se reproduzir. Uma vez aqui, viu no presidente da República uma estrutura corporal e mental com afinidades para os seus propósitos. A Covid-19 e Jair Bolsonaro se fundiram.

Mathias Alencastro* - Jair Bolsonaro é um Viktor Orbán da série B

- Folha de S. Paulo

Analogias entre brasileiro e autocratas mais bem-sucedidos parecem cada vez mais desproporcionais

Depois de mais uma semana de acontecimentos tirados de um episódio de "Família Soprano", a aura de Jair Bolsonaro, que tanto intimidava no começo do mandato, nunca esteve tão abalada.

Declarar que o presidente será lembrado como uma gripezinha da democracia brasileira seria completamente prematuro. Mas as analogias entre Bolsonaro e os autocratas mais bem-sucedidos da nossa era parecem cada vez mais desproporcionais.

Tome-se por exemplo o caso do húngaro Viktor Orbán, idolatrado por Ernesto Araújo. Objeto de fascínio dos analistas políticos, o seu regime iliberal é frequentemente apontado como o destino natural do governo Bolsonaro.

Bruno Carazza* - Delírios e delícias

- Valor Econômico

Congresso está à mercê do populismo e do oportunismo

“Como será o amanhã?”, perguntava o refrão do samba-enredo da União da Ilha no carnaval carioca de 1978. Apesar de a escola da Ilha do Governador ter ficado apenas com o quarto lugar naquele ano, sua canção caiu no gosto popular, principalmente após o grande sucesso da gravação feita por Simone, cinco anos depois, no disco “Delírios, Delícias”.

“O Amanhã” foi composta por Didi, autor de mais de 20 sambas-enredo. Compositor de vida dupla, durante o dia ele se apresentava como o procurador federal Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves. “No meu trabalho eu era muito sério, muito chato mesmo”, declarou a “O Globo” numa entrevista pouco antes de morrer, em 1987. Encerrado o expediente, o procurador tirava o paletó, afrouxava a gravata e se entregava à boemia. Tanto que, em 1991, a União da Ilha o homenageou com outro clássico: “hoje eu vou tomar um porre, não me socorre, eu tô feliz”.

“Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante”... nem assim conseguimos pistas sobre como vai ser o nosso destino nos próximos meses ou anos. Condenados a um abre-e-fecha de atividades diante de uma gestão descoordenada da crise, sujeitos a uma segunda onda de contaminação global e sem saber quando poderemos respirar aliviados com uma vacina contra a covid-19, qualquer prognóstico sobre nosso futuro não passa de mera especulação ou “wishful thinking”.

A depender das previsões do mercado colhidas pelo boletim Focus, do Banco Central, somente em meados de 2023 alcançaremos o mesmo nível do PIB de 2019. A mediana da expectativa está se estabilizando em torno de -6,50% neste ano, mas quase ninguém ousa revisar as projeções para 2021 e além.

Denis Lerrer Rosenfield* - Modos sobrevivência e governabilidade

- O Estado de S.Paulo

O presidente não foi eleito para cuidar dos filhos, mas para orientar um projeto nacional

O presidente Bolsonaro entrou no modo sobrevivência, que deve ser distinguido do modo governabilidade. Conforme o primeiro, ele orienta todas as suas ações para se manter no poder, sem nenhuma preocupação com o Brasil, procurando apenas conservar o mandato. Pelo segundo, ele teria de ter projetos, ideias e meios de execução, o que implicaria um governo moderado, sem conflitos e provocações, voltado para a articulação política.

A parceria com o Centrão, por exemplo, se faz sob o modo sobrevivência, mediante a distribuição de cargos em órgãos e empresas estatais, em flagrante contradição, aliás, com sua própria narrativa. Não importa, visto que necessita em torno de 200 deputados para evitar o processo de impeachment e sempre pode haver desfalques. Entre o mandato e a narrativa, o presidente já fez a sua opção, com evidentes prejuízos perante a sua rede de apoiadores digitais.

Daí não se segue, porém, que ele adquira governabilidade, pois isso significaria a capacidade de aprovar projetos de lei e emendas constitucionais, tendo, por sua vez, como condição a existência de ideias a serem apresentadas. Até agora, só tivemos ideias ao léu. E não se recorra à pandemia como justificativa, pois a inércia governamental é anterior a ela. O projeto de privatização e concessões apresentado com grande fanfarra mostrou-se raquítico. Também não foi apresentado nenhum projeto de reforma tributária, administrativa ou política. De novo, só falas e mais falas sem consequência, senão a demagógica.

Entrevista | Jason Stanley: ‘Populismo não define Trump e Bolsonaro’

Para professor e filósofo de Yale, é preciso encontrar outro termo para descrever o anti-intelectualismo de alguns líderes

Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo

Acabar com a legitimidade da oposição, elaborar um discurso de vítima do sistema, eleger culpados para problemas estruturais e criticar o intelectualismo: a fórmula é a mesma, mas se repete em países tão distintos quanto Índia, Hungria, Polônia, Estados Unidos e Brasil. A avaliação é do filósofo Jason Stanley, autor de Como Funciona o Fascismo – A Política do ‘Nós e Eles’, para quem o termo populista não serve para designar o comportamento de líderes como o indiano Narendra Modi, o americano Donald Trump e o presidente Jair Bolsonaro.

• Muitas pessoas perderam confiança nas democracias para garantir serviços fundamentais como educação, saúde e segurança. O estudo Democracias sob Tensão, conduzido pela Fondapol, mostrou que 77% das pessoas no Brasil entendem que a democracia aqui não funciona bem. Em todo o mundo, a média de satisfação com o sistema é de 51%. Como restaurar a confiança?

Para que a democracia seja protegida, os jornalistas devem ser capazes de fazer seu trabalho sem assédio de políticos e os sistemas públicos de educação devem ser fortes e estar disponíveis para todos, assim os cidadãos podem participar da formação das políticas pelas quais são governados. Deve haver um caminho visível para reduzir a desigualdade entre os cidadãos para que o ideal de igualdade política democrática não seja visto como vazio e hipócrita. A democracia promete liberdade aos cidadãos, mas quando eles são esmagados por dívidas e trabalho sem fim, sem esperança de que seus filhos terão uma vida mais digna, eles podem ser manipulados por demagogos a jogar a culpa de seus problemas em fontes que não são as responsáveis por eles: os pobres, os homossexuais, os liberais, os ateus, os imigrantes, os negros e outros grupos que não são responsáveis pelas disparidades de riqueza e oportunidade.

Entrevista | Carlos Pereira, cientista político: ‘Prisão de Queiroz é mais do que um sinal amarelo’

Em entrevista ao GLOBO, Pereira avalia que iniciativa do governo de se aproximar dos partidos do Centrão pode não ser suficiente diante do impacto causado pela prisão de Queiroz

Henrique Gomes Batista | O Globo (21/6/2020)

SÃO PAULO - A iniciativa do governo de tentar construir uma barreira de proteção ao se aproximar dos partidos do centrão pode não ser suficiente para segurar um naufrágio diante do impacto causado pela prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Esta é a opinião do cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas.

• Qual o impacto da prisão de Queiroz no governo Bolsonaro?

O sistema político brasileiro é muito virtuoso na sua capacidade de se livrar de corpos estranhos, de atores que não entendem como o presidencialismo partidário funciona. Isso ocorreu com o governo Collor e com o governo Dilma. Acho que está acontecendo o mesmo processo com o governo Bolsonaro. Há um mosaico de instituições, como Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, mídia independente, sendo ativado. Essa prisão do Queiroz foi mais que um sinal amarelo para o governo Bolsonaro na questão de governabilidade. A sustentação política do governo está muito fragilizada. Nem mesmo a iniciativa de construir uma suposta barreira de proteção com o centrão pode ser suficiente agora, após a prisão do Queiroz. Os partidos do centrão vão começar a avaliar se vale a pena continuar. Agora as chances do impeachment do presidente se tornam bem reais.

• O tesoureiro Paulo César Farias, no governo Collor, pagava despesas da família e essa descoberta abriu caminho para o impeachment. Agora, as investigações sugerem que um dos filhos de Bolsonaro teve despesas pagas por Queiroz.

Ele (Queiroz) já é uma espécie de PC Farias. Ele já era a pessoa de confiança do presidente antes de ser a pessoa de confiança do filho dele. Já há evidências de R$ 2 milhões que passaram de forma suspeita pelas contas do Queiroz. Parentes do Queiroz atuavam no gabinete do presidente. As conexões são muito grandes, não resta dúvida que o Queiroz é um capa preta da família Bolsonaro. Até a coalização com o centrão fica muito fragilizada, os deputados vão começar a questionar o custo. Bolsonaro começará a ter uma dimensão tóxica.

Da ‘gripezinha’ às 50 mil mortes pela Covid-19 – Editorial | O Globo

É inequívoca a contribuição de Bolsonaro para ampliar tragédia sanitária sem precedentes

O Brasil ultrapassou no sábado a marca fatídica dos 50 mil mortos pela Covid-19, doença a que o presidente Jair Bolsonaro se referiu em março como uma “gripezinha”. Não é um número estático, pois, considerando a marcha insana do novo coronavírus pelos rincões do país, trata-se de uma tragédia inacabada, e que, portanto, ainda nos reserva altas doses de horror. É como se, entre 16 de março, quando o país registrou o primeiro óbito, e anteontem, desaparecesse uma cidade pouco maior que Paraty (43.165 moradores), município na Costa Verde fluminense que sedia a Feira Literária Internacional (Flip). Ou, para ficar no campo das tragédias, sofrêssemos quase 200 desastres como o da Barragem de Brumadinho (259 mortos). Ou ainda 50 dilúvios como o que devastou a Região Serrana do Rio em 2011, matando quase mil pessoas.

Sim, o Brasil é um país de dimensões continentais, com uma população que já passa dos 211 milhões. Pode-se alegar que o dado é coerente com a demografia — não demorarão a aparecer cálculos para mostrar que, na relação mortes por habitante, não estamos tão mal. Balela. Berço da epidemia, a China, com 1,4 bilhão de habitantes, soma menos de 5 mil mortos, número inferior aos óbitos registrados apenas na cidade do Rio. A Índia, com população de 1,3 bilhão, tem cerca de 13 mil baixas.

Os jovens e a pandemia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Além de expor velhas fragilidades do sistema de ensino brasileiro, a pandemia do novo coronavírus agregou novos desafios às crianças e adolescentes. Segundo estimativa da Unicef, 35 milhões de jovens no País estão fora das salas de aula em razão das restrições de circulação de pessoas impostas para diminuir a taxa de expansão do novo coronavírus. Ainda que seja uma empreitada difícil, dadas as limitações de diversas ordens, é uma exigência de justiça com o País, muito especialmente com as novas gerações, assegurar, nas atuais condições de isolamento social, um mínimo de continuidade ao processo educativo desses jovens, em seus respectivos níveis de ensino.

Recente estudo do Fórum Econômico Mundial observa que “a pandemia é uma oportunidade para nos relembrar das habilidades que os estudantes precisam nesse mundo imprevisível, como decisões embasadas, solução criativa de problemas e, talvez, acima de tudo, adaptabilidade”. Além disso, como especialistas têm ressaltado, ensino a distância não é sinônimo de aula online, devendo incluir também vários modos de estimular a aprendizagem remota e a construção colaborativa do conhecimento.

Além da interrupção das aulas presenciais, a pandemia do novo coronavírus expôs desigualdades sociais e econômicas que, em situação normal, já afetavam as condições de ensino e, no contexto causado pela covid-19, são ainda mais deletérias. Segundo dados da pesquisa TIC Kids Online 2019 do Cetic.br/NIC.br, divulgados pela Unicef, 4,8 milhões de estudantes vivem em famílias que não têm acesso à internet.

Hora do saneamento – Editorial | Folha de S. Paulo

Projeto para o setor deve ser enfim aprovado, a despeito de tabus ideológicos

Finalmente parece avizinhar-se a aprovação do projeto de lei que moderniza a regulação dos serviços de saneamento básico. Depois de mais de dois anos de tramitação, a derradeira votação no Senado poderá ocorrer nesta semana.

O parecer do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) mantém os dispositivos essenciais aprovados pela Câmara dos Deputados, que pretendem levar à universalização do fornecimento de água e da coleta de esgoto até 2033 —ou até 2040 em casos excepcionais.

Estima-se que o novo marco regulatório vá abrir espaço para R$ 700 bilhões em novos investimentos nesse período. Nada menos que 100 milhões de brasileiros hoje expostos ao esgoto a céu aberto dependem desses investimentos, que se tornam ainda mais essenciais após a pandemia.

O ponto mais polêmico do texto, a abertura do mercado para empresas privadas, é na verdade um avanço de grandes proporções. No lugar dos chamados contratos de programa atuais, celebrados em sua maior parte pelas prefeituras com empresas estatais sem metas ou referências técnicas, surge o regime de concessão, com licitação.

Plano para ambiente precisa de ações rápidas e contundentes – Editorial | Valor Econômico

Descrédito absoluto do governo na área exige ações claras, corretas e contundentes

Cerca de um ano e meio depois do início do mandato iniciado em primeiro de janeiro de 2019, o governo de Jair Bolsonaro, execrado pela comunidade internacional pelo seu desprezo pela preservação da Amazônia, tenta produzir boas notícias na área ambiental. Trata-se do novo Plano de Combate ao Desmatamento Ilegal, que entrará em vigor a partir de julho e vigorará até meados de 2023. Tempo suficiente, portanto, para comprovar ser mais do que boas intenções apresentadas ao público doméstico e à comunidade internacional.

O plano traz um mapa completo de como o Estado brasileiro deve passar a agir para enfrentar um problema crônico - um diagnóstico recomendado por 10 entre 10 grupos ambientalistas brasileiros e em parte praticado por governos anteriores, que se preocupavam realmente com a questão. O programa tem coerência e se diz voltado a combater ilegalidades, impulsionar iniciativas capazes de promover o desenvolvimento sustentável e reduzir os danos provocados à imagem do Brasil no exterior.

Poesia | Bertold Brecht - A Morte voluntária do fugitivo W(alter) B(enjamin)

Ouvir dizer que levantaste a mão contra ti mesmo
antecipando o carniceiro.
Oito anos banido, o olho no triunfo do inimigo,
impelido afinal a uma fronteira intraspassável
passaste, como se diz, o passo traspassável.

Ruem os reinos. Chefes de quadrilha
acodem em compasso de estadistas. Os povos
somem da vista, toldados pelas armas.

O futuro no escuro. Frágeis
os poderes benignos. E vias tudo isso
quando destruíste o corpo torturável.
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