sábado, 11 de julho de 2020

Merval Pereira - Caso exemplar

- O Globo

Sistema de escolha dos ministros do STF pode ser deturpado , assim como o do procurador-geral da República

O habeas-corpus dado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otavio Noronha ao Queiroz, amigo dos Bolsonaro, e à sua mulher, foragida da Justiça, não foi surpresa para ninguém, apesar de ele já ter recusado nada menos que sete habeas-corpus anteriormente para presos que argumentavam com o perigo de se contaminarem com a Covid-19, razão alegada para conceder a graça a Queiroz.

Já era consabido que ele está empenhado em se colocar para o presidente Bolsonaro como alternativa confiável à vaga no Supremo Tribunal Federal que se abre em novembro com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello.

Antes, depois que Noronha derrubou uma decisão que obrigava Bolsonaro a apresentar seus exames médicos, o presidente elogiou Noronha em discurso, dizendo que tinha sido “um amor à primeira vista”.

As freqüentes decisões a favor do presidente, a dos exames acabou derrotada no STF, e o habeas-corpus de Queiroz, que causou incômodo entre seus pares, pode ser derrubada pelo relator Felix Fischer, têm uma razão de ser. João Otávio Noronha fará 65 anos em agosto do ano que vem, idade máxima para ser indicado para o Supremo.

Ricardo Noblat - Se Queiroz foi solto pra evitar o vírus, outros presos também deveriam ser

- Blog do Noblat | Veja

Salvo engano, a lei é para todos

Sabe, a Justiça tem lá suas esquisitices. E os juízes, um elenco sempre renovado de motivos para, com base em leis existentes e levando-se em conta as circunstâncias, justificarem suas decisões por mais contraditórias que possam soar aos ouvidos dos cidadãos. Esses, no mais das vezes, a tudo assistem petrificados.

Antes de conceder habeas corpus a Fabrício Queiroz, parceiro de Flávio Bolsonaro em desvio de dinheiro público, porque na prisão ele correria o risco de contrair o coronavírus, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, pelo mesmo motivo, negou 7 outros pedidos de habeas corpus.

Um deles beneficiaria presos do Ceará que estão no grupo de risco da pandemia. Outro, um homem em São Paulo que teria apontado um canivete a um funcionário de uma padaria e saído do local com um energético que custava R$ 5,25. A polícia não encontrou o canivete. O tal homem não tem antecedentes criminais.

Noronha negou-se também a livrar da cadeia um homem acusado de roubo, outro acusado de receptação, um suspeito de tráfico de drogas, um homem acusado de traficar drogas e outro acusado de estupro. Ora, se Estado tem condições de promover o isolamento de presos do grupo de risco, faltou razão para libertar Queiroz.

A concessão do benefício a Queiroz se deu por meio de uma sentença considerada sigilosa, o que é raro. E o mais bizarro: o benefício alcançou Márcia Aguiar, a mulher de Queiroz, que para escapar da prisão fugiu com a ajuda de milicianos do Rio. Noronha aguarda que ela apareça para cuidar do marido.

Julianna Sofia – Caras de pau

- Folha de S. Paulo

E Márcia, a mulher de Queiroz, está foragida

Márcia Aguiar é beneficiária do maior programa emergencial de transferência de renda que o Brasil experimentou em décadas. Os números são superlativos: 65 milhões de brasileiros atendidos e a injeção de R$ 254 bilhões neste ano para mitigar os efeitos devastadores da pandemia na já abissal desigualdade entre ricos e pobres no país.

Trata-se de um escárnio, no entanto. Márcia está foragida. É mulher de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro envolvido no escândalo das rachadinhas, e recebeu duas parcelas do auxílio de R$ 600.

Não foi a única a refestelar-se. Outros 565 mil brasileiros, pelos cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União), receberam indevidamente parcelas do auxílio emergencial. Há na lista mortos, presos, residentes no exterior, servidores aposentados e, como a senhora Queiroz, pessoas com mandados de prisão expedidos pela Justiça.

Hélio Schwartsman - Sem lugar para o ódio

- Folha de S. Paulo

Fundamentei minha inclinação com argumentos racionais

Não sei se captei bem a mensagem do tortuoso artigo do secretário Fábio Wajngarten, mas acho que ele me acusa, entre outras coisas, de fomentar o ódio contra Bolsonaro. Eu obviamente não gosto do presidente, mas não chego a odiá-lo. Acho que a única coisa que odeio neste mundo são bananas (a fruta).

Em várias ocasiões, escrevi colunas em que apoiei propostas polêmicas de Bolsonaro ou critiquei decisões judiciais que, a meu ver, tolhiam-lhe indevidamente os poderes. Mais importante, sempre advoguei por seu direito, e o de seus seguidores, à livre expressão, mesmo que seja para enaltecer o AI-5 e outros terrores.

No mais, mesmo que quisesse eu teria dificuldades para montar um discurso de ódio valendo-me do consequencialismo. Um dos problemas com essa escola de pensamento é que ela produz uma ética de planilha, difícil de adaptar às idiossincrasias humanas —embora sirva bem a vulcanos. É que o consequencialismo despe todas as questões dos conteúdos emocionais que possam ter e as trata como um sistema de inequações a ser resolvido com a frieza da aritmética. Se de um lado temos seis vidas e, do outro, uma, vence inapelavelmente o seis.

Demétrio Magnoli* - A vida e a vida de Jair Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Torcida por sua morte esconde desejo de borrar raízes do extremismo de direita

Sempre leio Hélio Schwartsman, concordando e discordando, porque aprecio a qualidade de seu texto e divirto-me com sua férrea lógica consequencialista. Águias também fazem voos rasantes, mas dessa vez ele passou do ponto: “Por que quero que Bolsonaro morra” (Folha, 8 de agosto) é uma traição a meus princípios e, mais importante, uma dupla traição à filosofia do próprio Schwartsman.

O argumento de que a morte de Bolsonaro por Covid-19 salvaria vidas é uma aplicação restritiva, quase infantil, do consequencialismo. Há mais entre o céu e a terra do que a pandemia. O exame especulativo sobre as implicações de hipotético falecimento presidencial não pode se cingir à ótica exclusivista da epidemiologia.

Bolsonaro enfrenta a encruzilhada decisiva de seu (des)governo. Na base social remanescente da extrema direita, que não é insignificante, sua morte súbita teria o condão de salvá-lo da desmoralização, elevando-o a um pedestal inexpugnável. O falso mito se tornaria, então, Mito.

A consequência mais ampla de sua morte biológica seria sua vida política eterna. Em torno da tumba de um Messias de cartolina, se reuniriam novas gerações de extremistas dispostos a assombrar a democracia brasileira.

João Gabriel de Lima - A irmã alemã da Lei das Fake News

- O Estado de S.Paulo

Se no Brasil a preocupação é com fake news, na Alemanha é com discurso de ódio

Os alemães são referência em cerveja, música clássica e carros de luxo. Recentemente, pularam à frente em outro tema: regulação de plataformas digitais. O mundo democrático observa o caso alemão para ver se existe ali um modelo viável. O Brasil especialmente. Grande parte da “Lei das Fake News” se inspira no texto promulgado em Berlim. É como se o PL 2630 tivesse, a exemplo de Chico Buarque, um irmão alemão.

Para entender a lei alemã, e como ela inspirou a lei brasileira, recomenda-se a leitura do livro “Fake News e Regulação”, de Georges Abboud, Nelson Nery Jr. e Ricardo Campos. Campos é advogado, dá aulas na Universidade Goethe, em Frankfurt, e esteve com vários parlamentares envolvidos na discussão brasileira, de Antonio Anastasia (PSD-MG) a Felipe Rigoni (PSB-ES). Ele é o personagem do mini-podcast da semana.

Segundo Campos, a lei alemã tem dois pilares. As grandes plataformas são obrigadas a criar mecanismos de denúncia e defesa contra ilegalidades, e podem retirar conteúdos do ar – algo que em certa medida já fazem, em temas como pornografia infantil. Agora, no entanto, devem publicar relatórios regulares sobre os critérios de remoção – há uma exigência de transparência. O segundo pilar é a “auto-regulação regulada”: uma instituição, fora do âmbito da Justiça, mas sob supervisão dela, para resolver casos nebulosos.

Adriana Fernandes - Pressão ambiental

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro chegou ao poder prometendo descomplicar o licenciamento ambiental

O Ministério da Economia minimiza os seguidos e crescentes alertas para o risco de a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro se transformar numa ameaça real à retomada mais rápida da economia brasileira depois da pandemia da covid-19.
Paulo Guedes foi o grande ausente da reunião dessa semana do vice-presidente, Hamilton Mourão, com representantes de 10 grandes fundos internacionais que cobram mudanças na política ambiental do governo para seguirem com novos investimentos no País.

A lista de presentes da reunião, divulgada pelo governo, contava com cinco ministros – Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Faria (Comunicações) e Ricardo Salles (Meio Ambiente)–, mas sem a participação de nenhum dos secretários especiais que estão na linha de frente do superministério de Guedes.

Salvo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que no início do ano fez o primeiro alerta sobre o temor que os fluxos de dólares para o País sejam afetados pela imagem do Brasil na área ambiental, que participou da reunião e tem adotado uma postura independente em relação ao problema ambiental. Em março passado, Campos Neto incluiu o BC brasileiro na NGFS, a rede de BCs para “ecologizar” o sistema financeiro, lançada na Cúpula de Paris “One Planet” de 2017.

Na direção contrária, o Ministério da Economia tem preferido se afastar do problema ao invés de tomar a dianteira do diálogo com os investidores, o que seria o mais natural em se tratando dos interlocutores envolvidos: o mundo financeiro e empresarial. O argumento tem sido mesmo: o assunto é com Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia criado por Bolsonaro.

Ascânio Seleme - É hora de perdoar o PT

- O Globo

Ódio dirigido ao partido não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante

Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.

Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados. Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje, respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.

A gritaria contra a roubalheira já cansou, não porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo. Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos. Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo.

Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.

Daniel Aarão Reis - O choro dos pombos

- O Globo

A derrubada de monumentos foi compreensível

‘É uma campanha impiedosa para acabar com nossa história, apagar nossos valores e doutrinar nossos filhos”. Apoplético e demagógico, o presidente Trump, em momentos recentes, apostrofou os “fascistas de esquerda que tentam profanar nossos monumentos.”

Menos, Trump, menos. O fascismo foi uma invenção — e é um patrimônio — das direitas. Além disso, vossos valores e filhos estão bem defendidos pela força das tradições e do arsenal atômico estadunidense.

Seria razoável recuperar a calma e compreender o que está acontecendo.

O sinal de partida da atual onda contra imagens e estátuas foi dado por manifestantes ingleses em Bristol, que atacaram a estátua do nada venerável Edward Colton, um cruel e infame traficante de escravos. Derrubaram-na do pedestal, arrastaram-na pelas ruas e a jogaram no rio, sem nem indagar se o pobre diabo sabia nadar. A notícia incentivou grupos diversos em várias partes do mundo. De acordo com suas preferências e critérios — ou a arrepio de qualquer critério —, começaram a derrubar, a pichar e a vandalizar mármores e granitos.

Nos Estados Unidos, vários generais e lideranças escravistas foram apeados dos respectivos pedestais. A ira alcançou George Washington e Thomas Jefferson e até mesmo Cristóvão Colombo. Em Londres, quiseram pegar Winston Churchill, protegido — e ocultado — por um tapume de madeira. Em Portugal, sobrou para o padre Antônio Vieira. Na França, Voltaire e Colbert, por motivos bem diferentes, tiveram que se haver com a ira popular.

Trata-se de uma história velha como a Humanidade.

Míriam Leitão - Quando o dinheiro fala é melhor ouvir

- O Globo

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse ao “Financial Times” que está comprometida com a busca de uma economia mais verde. “Eu quero explorar todas as avenidas disponíveis para combater as mudanças climáticas, porque, no fim das contas, o dinheiro fala.” O dinheiro falou alto e claro ao Brasil nos últimos dias sobre a necessidade do fim do desmatamento da Amazônia. Na resposta, o vice-presidente Hamilton Mourão teve uma boa atitude, mas repetiu alguns velhos equívocos.

A boa atitude é receber os investidores e os empresários e se comprometer com resultados e até, como disse ontem, adotar metas de redução de desmatamento. Isso, se virar realidade, será uma mudança radical na atitude do governo. Será preciso abandonar teses antiquadas.

Não leva a lugar algum repetir o argumento de que a pressão vem de competidores comerciais do Brasil. Sim, o Brasil é um fenômeno agrícola. Deu saltos de produtividade, desenvolveu novas tecnologias, tem água, terra, conhecimento. Sempre haverá competidores rondando. O problema é por que um país com imensas possibilidades facilita tanto a vida dos competidores como faz o governo Bolsonaro? Segunda dúvida: por que destruir exatamente esse patrimônio que nos dá vantagens competitivas?

Entrevista - Momento atual é como no macarthismo dos anos 1950, afirma historiadora

Para historiadora Joan Scott, EUA sob Trump vive como na era do macarthismo

Por Helena Celestino | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Quando Donald Trump foi eleito, a historiadora Joan Scott começou a sentir-se ansiosa, com medo de ameaça indeterminada, ao acompanhar medidas do novo governo dos EUA. “Era, de alguma maneira, o retorno do que estava reprimido, não só para mim, mas para o país inteiro”, escreve ela em artigo sobre como a direita fez da liberdade de expressão uma arma.

Era como se o macarthismo (1950-1957) tivesse voltado: naquela época, quando ela tinha 10 anos, seu pai, professor orgulhoso do seu trabalho, foi demitido por recusar-se a dizer se era ou não comunista, em nome da defesa da liberdade acadêmica. Passaram-se sete décadas até professores voltarem a entrar na mira da extrema-direita americana. “A expertise do conhecimento está sob ataque”, diz.

Historiadora, professora de Princeton, autora de livros, Joan Scott, de 78 anos, é uma feminista aclamada como uma das criadoras do conceito de gênero.

Valor: A senhora diz, em artigo, que a direita transformou em arma a liberdade de expressão. Como isso vem acontecendo?

Joan Scott: A Primeira Emenda impede punição ao discurso de ódio, mas a definição da liberdade de expressão foi muito ampliada, é sem limite. Se falo sobre a Revolução Francesa ou sobre a teoria de gênero, em um curso, um estudante pode dizer: “Não, acho que a hierarquia entre os sexos foi feita por Deus”. Ele tem o direito, mas se dou uma nota baixa por causa disso, limito o seu direito de livre expressão. Ou seja, a verdade não é mais levada em conta nessa ideia de “free speech”. A liberdade de expressão é boa, mas a Constituição diz que é o Estado que não pode negar esse direito aos cidadãos, é uma relação entre o Estado e os cidadãos. Num curso, isso não pode contar. Sou a autoridade.

Valor: No artigo, a senhora descreve como Trump mirou intelectuais e professores para reduzir a liberdade na academia. Ao fim do governo, o que ocorre com as universidades?

Joan: A expertise do conhecimento está sob ataque. A competência dos professores para ensinar está sob ataque, a ideia é que as salas de aula são instrumentos politizados por professores e alunos. No começo, o descrédito era para as ciências sociais e humanas, para cursos de literatura ou de estudos sobre a mulher. A briga era sobre se esses cursos só expressam a opinião dos professores e não são científicos. Agora, mesmo medicina e biologia são contestados: se os cientistas dizem que a cloroquina não é boa para a saúde, não são levados a sério. Bom, Trump já mandou usar água sanitária contra o coronavírus. Na vida cotidiana, as pessoas que atacam a ciência têm mais legitimidade. As aulas de justiça social, com olhar para as estruturas de discriminação da sociedade, são chamadas de propaganda. São deslegitimadas.

Marcus Pestana - Redes sociais, política e fakenews

O surgimento da Internet e das redes sociais promoveu uma verdadeira revolução na vida econômica, social e política do mundo contemporâneo.

Na política o impacto foi devastador. Muito da crise da democracia representativa clássica se explica pela expansão da Internet e das redes sociais, que limitou o papel intermediador dos partidos políticos, sindicatos e instituições, ao propiciar a comunicação direta e horizontal entre os cidadãos e dar vazão a multiplicidade de interesses presentes na sociedade. A combinação do potencial participativo das redes com as estruturas tradicionais de poder é uma obra em construção, já que as redes sociais podem até derrubar ou eleger governos, mas não são aptas a governar.

O problema é que qualquer inovação pode servir ao bem ou ao mal. Esta semana o Facebook, pressionado por mais de 900 anunciantes que suspenderam suas publicidades, desencadeou uma operação de combate às fakenews e à promoção do ódio em doze países, inclusive no Brasil. Aqui, foram removidos 88 contas, páginas e grupos ligados à base de apoio bolsonarista e ao já tristemente famoso “Gabinete do Ódio”, com dois milhões de seguidores Também foram suspensas 10 contas de WhatsApp ligadas ao PT por disparo maciço de mensagens.

Hoje, tornou-se vital debater como conciliar a liberdade de expressão e proteção à privacidade com o combate à desinformação deliberada através das fakenews e o uso das redes para manipular a opinião pública por instrumentos ilegítimos. Não é trivial construir boas políticas públicas em relação ao tema.

O inferno são os outros – Editorial | O Estado de S. Paulo

Só depende do governo transformar toda a pressão relacionada ao meio ambiente em cooperação, mas isso não deve acontecer

O governo está pressionado por todos os lados pela questão ambiental. Governantes ameaçam bloquear tratados, investidores ameaçam boicotes, empresários pedem medidas urgentes, cientistas denunciam a degradação do bioma, ex-ministros do Meio Ambiente reprovam o desmonte da pasta e manifestantes em todo o mundo acusam o Brasil de se tornar um pária ambiental. O surpreendente é que só depende do governo “virar a chave” e catalisar essa energia em cooperação. Mas, a julgar pela reunião do Conselho da Amazônia com investidores internacionais, isso não acontecerá.

Em coletiva após o encontro, a principal mensagem do líder do Conselho, o vice-presidente Hamilton Mourão, foi que as críticas refletem interesses comerciais e disputas geopolíticas, por causa da força do agronegócio. Há algo de verdade nisso. De fato, interessa aos produtores internacionais boicotar a agropecuária nacional e manter medidas protecionistas; de fato, interessa aos demagogos aliciar eleitores, sobretudo jovens, utilizando o Brasil como bode expiatório. Mas essa é só uma meia-verdade. Os recordes de desmatamento comprovam que as críticas têm fundamento. E mesmo a verdade que há nessas alegações é corrompida quando utilizada para camuflar as omissões do governo.

Agruras da esquerda – Editorial | Folha de S. Paulo

Siglas concorrem com menos prefeitos e sem capitalizar desgaste de Bolsonaro

As eleições municipais deste ano representarão o primeiro encontro dos partidos de esquerda com as urnas depois do tsunami político que, em 2016 e 2018, impôs ao então dominante PT e a seus aliados uma sucessão de derrotas.

Além de saudável, a alternância no poder faz parte do jogo democrático. Nesse sentido, nada haveria de propriamente traumático nos reveses experimentados pelo petismo —fora, claro, o impeachment de Dilma Rousseff e as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva.

Chama a atenção, no entanto, que tais reveses —reflexos de uma onda conservadora que não se limitou ao Brasil— continuem provocando estragos para as forças mais identificadas com a esquerda.

É o que se observa, por exemplo, nas trocas de legenda por parte de prefeitos preocupados com a reeleição ou em fazer o sucessor.

Levantamento realizado pela Folha apontou que, entre 2017 e 2020, PT, PC do B, PDT, PSB e PSOL amargaram baixas no comando das prefeituras do país, de 1.084 para 907.

Enquanto isso, agremiações mais ao centro e à direita, casos de DEM, PSD e PP, registraram aumento, de 1.307 para 1.760, no número de prefeitos em seus quadros.

Manutenção de empregos depende da desoneração – Editorial | O Globo

Veto à prorrogação do prazo do alívio tributário nas folhas de salário reforça efeito da recessão

O veto presidencial à prorrogação até 2021 da desoneração da folha de salários de diversos setores, incluída na MP 936 pelo seu relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), deverá ser derrubado pelo Congresso, prevê o próprio presidente Bolsonaro. A resistência política à supressão desse incentivo à manutenção do emprego se deve ao entendimento lógico de que retirar este alívio numa profunda recessão significa tirar o chão de centenas de milhares de trabalhadores. É grande o risco de os empregadores retomarem as demissões, diante de todas as incertezas que persistirão.

As últimas informações do IBGE sobre o mercado de trabalho, referentes ao trimestre encerrado em maio, indicaram a existência de 12,7 milhões de pessoas sem emprego, uma taxa de 12,9%. Mas o índice ainda não refletia toda a dimensão da crise no mercado de trabalho. O que acontecerá nas próximas pesquisas. Já havia, porém, 5,4 milhões de “desalentados”, aqueles que desistiram de procurar emprego, que, pela metodologia universal usada nesses levantamentos, deixam de ser contabilizados como desempregados. Mas são atores de todo esse drama. Este grupo aumentou 15,3%, e crescerá por certo nos levantamentos posteriores.

Ex-deputado Alfredo Sirkis morre em acidente de carro, em Nova Iguaçu (RJ)

O veículo capotou no Arco Metropolitano; jornalista viajava para Vassouras para visitar a mãe

Felipe Grinberg | O Globo

RIO — O jornalista e ex-deputado federal Alfredo Sirkis morreu nesta sexta-feira, aos 69 anos, em acidente de carro, no Arco Metropolitano, em Nova Iguaçu (RJ). Sirkis estava a caminho do sítio da família, em Morro Azul, em Vassouras. Sirkis foi um dos fundadores do Partido Verde no Brasil, em 1986, e um dos pioneiros na militância ambiental no país.

O acidente ocorreu no início da tarde, próximo ao quilômetro 74. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, Sirkis estava sozinho no veículo, um Volkswagem Polo, e seguia em direção à Via Dutra. O carro saiu da pista, colidiu com um poste e capotou. A Polícia Civil fez uma perícia no local para determinar as causas do acidente, que será investigado pela 58ª DP (Posse). Informações preliminares da perícia apontam que Sirkis perdeu a direção do carro.

Filho único, Sirkis viajava para visitar a mãe, Lila, de 96 anos, em isolamento social por causa da pandemia. Segundo amigos, ele costumava fazer o trajeto com frequência. Além disso, ele também iria rever o filho Guilherme, que terminou o mestrado recentemente nos Estados Unidos e está com a avó. O ex-deputado também deixa uma filha, que mora nos EUA.

Muito emocionado ao telefone, o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) demonstrou toda a sua surpresa pela morte do colega.

— Não quero acreditar nisso. Há três dias estávamos conversando sobre o novo livro dele que ia chegar por esses dias.

O jornalista lançou este mês o livro “Descarbonário”, quase quatro décadas depois do lançamento de “Os carbonários”, livro sobre sua militância estudantil e na luta armada durante a ditadura militar, que lhe rendeu um prêmio Jabuti em 1981.

O prefeito Marcelo Crivella lembrou, em nota, o trabalho de Sirkis "por um Rio mais humano e solidário".

“Alfredo Sirkis era um militante apaixonado por todas as causas que abraçava. Como secretário de Urbanismo e de Meio Ambiente da nossa cidade, sempre trabalhou por um Rio mais humano e solidário. Sua luta mais recente era contra as mudanças climáticas que tanto ameaçam nosso planeta. Tinha ainda muito a contribuir com sua experiência e dedicação. Neste momento de grande dor, peço a Deus que conforte sua família, amigos e admiradores”, disse o prefeito.

O jornalista foi secretário de Meio Ambiente e, depois, de urbanismo, da Prefeitura do Rio no governo do ex-prefeito Cesar Maia, que também lamentou a morte do ambientalista.

“Uma perda enorme. Um quadro de formação múltipla: ambientalista, político, escritor, gestor, nesse momento estava se relançando com novo livro de superação do Carbonário”, disse Cesar Maia.

Como secretário municipal, Sirkis foi responsável pelo replantio de grande área desmatada e pela implementação das ciclovias na cidade do Rio.

Poesia | Vinícius de Moraes - A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.