sábado, 1 de agosto de 2020

Merval Pereira - Mau sinal

- O Globo

Nunca a liberdade de expressão foi tão discutida entre nós como nos últimos dias, o que é um mau sinal. Sempre que se tem que reafirmar uma das pedras fundamentais da democracia, significa que ela está em perigo. São muitas as razões para que o tema atual seja esse, e o santo nome da liberdade de expressão é usado em vão com frequência jamais vista. Começando pelo desenrolar do caso das contas que disseminavam notícias fraudulentas bloqueadas por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

O caso acabou destacando uma das muitas possibilidades tecnológicas dos novos meios que podem ser usadas para o bem e para o mal. As contas bloqueadas no Brasil foram transferidas para o exterior para continuar a atacar a democracia e suas instituições, mas o Facebook recusa-se a bloqueá-las novamente, alegando que a legislação brasileira não abrange outros países, e diz que assim está ajudando a manter a liberdade de expressão.

Essa é uma escusa marota, pois caso um pedófilo use o mesmo estratagema para se esconder atrás de um IP estrangeiro para continuar agindo no Brasil, certamente nenhum novo meio digital desses se recusará a auxiliar a Polícia para prendê-lo. Ou se alguém, para superar a legislação de direitos autorais, se registrar no exterior para ver uma série ainda não liberada no Brasil, poderá ser punido. Caso usasse o seu IP do Brasil, seria logo avisado que o vídeo não está disponível naquela região.

Ascânio Seleme - Fascistas e antifascistas

- O Globo

Quando o deputado Eduardo Bolsonaro atacou as manifestações antifascistas de junho passado, chamando seus participantes de terroristas, as pessoas relevaram, embora fosse a palavra do terceiro zero do presidente da República. Tratava-se de mais do mesmo. O personagem já havia demonstrado inúmeras vezes seu desamor à democracia. E, depois, embora fosse filho do homem, não era o homem. Não era o governo, não representava a nação. Levou os pitos habituais e a vida seguiu.

Agora, não. Acabaram as dúvidas daqueles que ainda viam o governo simplesmente como liberal de direita ou dos que o classificavam apenas como conservador. A revelação de que um obscuro departamento do Ministério da Justiça monitora um grupo antifascista formado por servidores públicos da área de segurança e professores universitários críticos ao governo explicitou definitivamente seu caráter extremista. Quem fiscaliza e faz dossiê sobre pessoas e instituições que pregam contra a restrição da liberdade pode ser chamado, no mínimo, de antidemocrático.

Parece piada, mas não é. O repórter Rubens Valente, do UOL, revelou na sexta-feira da semana passada, que uma Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça investiga e já produziu um dossiê sobre o movimento Policiais Antifascismo e sobre professores que se opõem ao governo Bolsonaro. Trata-se na verdade de uma investigação subterrânea, sem objetivo, por não haver crime, e sem acompanhamento do Ministério Público ou de um juiz. Uma investigação ilegal, criminosa.

Ricardo Noblat - Livre expressão de pensamento, desde que a favor do governo

- Blog do Noblat | Veja

Mordaça
O direito à livre expressão de pensamento é sempre invocado pelo presidente Jair Bolsonaro toda vez que seus seguidores nas redes sociais sentem-se ameaçados ou tolhidos. Mas é bom saber que o que ele defende para sua gente não vale para os que possam criticá-lo. Nos últimos dias, acumula-se uma série de fatos de que o negócio é diferente para uso interno do governo.

O Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, segundo o GLOBO, prepara norma que permitirá ao governo processar servidores públicos pelo que eles publicarem nas redes sociais em sua vida privada. Minuta da norma diz que servidores e prestadores de serviços devem compreender “que suas atividades nas redes podem impactar a imagem da organização”.

O servidor público federal poderá ser processado desde que os atos ou comportamentos praticados nas redes guardem “relação direta ou indireta com o cargo que ocupa, com suas atribuições ou com a instituição à qual esteja vinculado”. Na mesma linha, a Controladoria Geral da República baixou uma norma em que defende a punição do servidor que critique o governo nas redes.

Oscar Vilhena Vieira* - Geringonça autocrática

- Folha de S. Paulo

Uma estratégia voltada a corroer o Estado de Direito e a Constituição

Nas últimas três décadas, formou-se um certo consenso entre economistas, cientistas políticos e juristas de que as instituições importam para o desenvolvimento econômico e político das sociedades, uma vez que podem contribuir para estabilizar expectativas, incentivar a cooperação entre adversários e restringir o oportunismo e a violência.

Quando bem concebidas são capazes, inclusive, de transformar vícios privados em bem público. É o caso do sistema de freios e contrapesos, onde a ambição e mesmo a vaidade daqueles que ocupam postos no parlamento e nos tribunais contribuem para colocar limites e controlar aqueles que, no governo, têm a espada e a bolsa a seu dispor.

Isso não significa que as pessoas sejam menos importantes, pois, no final do dia, elas é que operam as instituições. Por melhor que seja o desenho de uma determinada instituição, se ela for ocupada por pessoas incompetentes ou avessas às suas funções e finalidades, tendem à inoperância e deterioração.

Impedido pelo jogo institucional de criar um regime autocrático por meio da alteração de leis e dispositivos constitucionais, como ocorreu na Hungria, na Turquia, na Polônia e mesmo na Rússia e na Venezuela, o atual governo tem investido em subverter a ordem constitucional pela nomeação de autoridades incompetentes e/ou dispostas a comprometer e sabotar as instituições sob o seu comando.

Hélio Schwartsman - R$ 200, avanço ou retrocesso?

- Folha de S. Paulo

Seja como for, não é uma surpresa ver, mais uma vez, o Brasil na contramão da história

Ao lançar a nota de 200 reais, o Brasil se coloca na contramão do que vêm fazendo economias mais avançadas, que é abandonar cédulas e moedas em favor de transações digitais ou por cartões.

A tendência de desmonetização é liderada pela Suécia, onde menos de 2% das transações ocorrem com papel-moeda e mais de 50% das agências bancárias já não trabalham com dinheiro vivo. Mas várias outras nações vêm tirando cédulas, principalmente as de alto valor, de circulação. A UE acabou com a nota de 500 euros, passo que já havia sido dado décadas antes nos EUA com a descontinuação das cédulas de 500, 1.000, 5.000, 10.000 e 100.000 dólares.

E nem dá para afirmar que essa seja uma exclusividade de países ricos. A Índia teve uma experiência desastrada com a eliminação de notas de 500 e de 1.000 rúpias em 2016. Mas o Quênia se dá bem com o m-pesa, a moeda digital operada por celulares que ganha espaço em outras nações.

Julianna Sofia - Guedes adere ao vale-tudo para recriar CPMF

- Folha de S. Paulo

Por inabilidade ou dissimulação, a equipe econômica insiste não se tratar de reempacotamento da CPMF

No vale-tudo de Paulo Guedes (Economia) para desinterditar o debate sobre a recriação da CPMF, o ministro usa técnicas de um diversionismo pouco sofisticado para sugestionar a opinião pública, majoritariamente contrária ao novo (antigo) tributo.

Nas investidas mais recentes, o economista de Jair Bolsonaro vincula a instituição do imposto, a um só tempo, à desoneração de 25% da folha de salários das empresas, à ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda e ao financiamento de parte do novo Bolsa Família (Renda Brasil).

Com as finanças públicas exauridas, Guedes não abre mão do dinheiro grosso que poderia amealhar com uma alíquota mínima de 0,2%: R$ 120 bilhões. Há planos por uma taxação de até 0,4%. Joga iscas ao empresariado, à classe média e à população de baixa renda para capturar o mundo político —atmosfera na qual nunca orbitou.

Por inabilidade ou dissimulação, a equipe econômica insiste não se tratar de reempacotamento da CPMF, pois o novo tributo incidiria sobre pagamentos, sobretudo compras no e-commerce. Das falas desencontradas e dos vazamentos seletivos de informações, conclui-se, porém, que a intenção vai além de criar um “imposto do Rappi”, restrito ao ambiente digital, de cunho moderno e elitizado.

Demétrio Magnoli* - Não antes da abolição do papado

- Folha de S. Paulo

Um ano sem aula cobrará preço devastador em vidas intelectuais e profissionais amputadas

Vejo, melancólico, as fotos de Adriano Vizoni, das escolas públicas fechadas (Folha, 27.jul). Lembro das primeiras escolas em que dei aulas, em Carapicuíba e Caucaia do Alto, nos idos de 1978. A placidez com que o Brasil encara a interrupção eterna do ano escolar é um retrato em preto e branco do desprezo nacional pelos pobres —e pela educação.

Cito os estudos científicos sobre as escolas básicas suecas, que nunca fecharam, e alemãs, reabertas em maio? Eles mostram o risco irrisório do retorno parcial às aulas, sob os conhecidos protocolos sanitários, durante o declínio das infecções. Menciono a orientação do Centro de Controle de Doenças dos EUA —são médicos, não agentes de Trump— de próximo retorno às aulas (bit.ly/30ac7AZ)? Melhor não.

"Você quer matar as crianças, os professores, os pais e os avôs!"; "arauto da necropolítica!"; "genocida!". As réplicas rituais surgem, aos gritos, de quem jamais lerá estudo algum —mas não cansa de empregar a palavra "ciência".

Falar em escolas já produziu até uma nova especialidade acadêmica. Um matemático da FGV criou um modelo profético que garantia a morte de milhares de crianças em poucas semanas de aulas. Depois, voltou atrás, alegando "empolgação", reconhecendo equívocos de comunicação e estratosféricas incertezas estatísticas. Com o vírus, ao lado da Matemática Pura e da Aplicada, nasceu a Matemática Empolgada.

Miguel Reale Júnior* - Os súditos do presidente

- O Estado de S.Paulo

Há nexo de causalidade entre o mau exemplo de cima e a prepotência sobre o uso de máscara

A pandemia faz aflorar a sensação plena de nossas contingências e fragilidades. Integramos agora, independentemente de nossa origem, cor, condição social, sexo, religião ou time de futebol, uma mesma categoria: potenciais vítimas da covid-19.

Tal importa em visitar e praticar o valor solidariedade social, fruto da consciência viva de dependermos cada qual do outro. Assim, cooperamos com o nosso próximo, esperando que ele também colabore conosco, para, em irmandade, juntos, superarmos o inimigo comum.

A noção de planetário pertencimento à nova categoria de potenciais vítimas do vírus desfaz eventual sensação de ser o outro um inimigo, uma fonte de desgraça, pois todos somos, sem o querer, concomitantemente, destinatários ou transmissores do mal. Esta recém-experimentada condição, que nos retira de nossas atividades habituais, impõe a humildade de reconhecer que se deve aos demais a atenção de cuidados para protegê-los.

O pertencimento a uma situação geral perigosa deve unir, e não confrontar, fazendo surgir espírito comunitário, a ser vivido na rua, no prédio de moradia, no supermercado, nos ônibus, consistente no respeito à vida de todos, mesmo porque a proteção dos circunstantes também significa a defesa de si mesmo.

Todavia não é o que se está a verificar em parcela da nossa sociedade, ao negar o valor da solidariedade e se arvorar imune à peste, para por comodidade ou arrogância desrespeitar a vida alheia e não colaborar com o bem comum.

João Gabriel de Lima - Cartas para navegar o Brasil

- O Estado de S.Paulo

Dado que nossos problemas já estão mapeados, seria vergonhoso bater no iceberg

“Near, far, wherever you are, I believe that the heart does go oooooooonnnnnnn...”

Impossível ouvir a canção brega de Celine Dion sem se lembrar de destroços espalhados pelo mar, Kate Winslet tiritando sobre um bloco de gelo e, ao fundo, o que restou do Titanic – navio que, por inabilidade de seus comandantes, bateu num iceberg matando mais de 1.500 pessoas.

Países, como navios, têm cartas de navegação. Elas precisam ser renovadas de tempos em tempos para evitar os icebergs do caminho. Dois desses mapas acabam de chegar ao debate público. Um deles se chama “Unidos pelo Brasil”, e foi elaborado no âmbito do Centro de Liderança Pública, organização suprapartidária dirigida pelo cientista político Luiz Felipe d’Ávila. O outro, “Uma agenda econômica pós-pandemia”, foi escrito por professores do Insper, sob a coordenação de Marcos Lisboa, presidente da escola.

Vale conhecer os projetos em detalhe. O texto do CLP traz um diagnóstico do momento atual e propõe uma agenda de curto prazo: 28 pautas prioritárias no Congresso, focadas em combate à desigualdade, crescimento sustentável e reformas estruturais. O documento do Insper se aprofunda sobre o que o Estado brasileiro tem de disfuncional. Na primeira parte já concluída – haverá outras – o texto propõe medidas concretas em áreas como proteção social e tributação. Lisboa e d’Ávila, coordenadores dos dois estudos, são personagens dos minipodcasts da semana.

Adriana Fernandes - Chaminé no teto

- O Estado de S.Paulo

Gogó em torno da defesa do teto de gastos não está mais adiantando no Congresso

No seu quarto ano de aniversário, o teto de gastos está sob pressão porque falhou em um dos principais argumentos vendidos pelo governo Michel Temer para a sua aprovação.

Até agora, não deu certo a premissa de que a regra fiscal que trava o controle das despesas comprimiria o Orçamento e levaria o Congresso e o Executivo a terem de escolher as mais urgentes prioridades da população, como saúde e educação, para irrigar os recursos.

Ao longo desses anos, também não prosperou a tão propalada revisão dos chamados gastos tributários com incentivos fiscais, que no Brasil consomem 4,2% do PIB. O corte desses benefícios foi engavetado pelo governo e pelo Congresso.

A tal escolha das prioridades não funcionou e tem encorajado de forma legítima a sociedade, por meio de organizações que representam essas áreas, a buscar o seu quinhão para que os seus recursos não sejam contraídos num ambiente de recessão econômica e de vigência de uma regra fiscal muito restritiva, como o teto.

Na disputa pelo espaço apertado do Orçamento, o limite do teto foi ao longo do tempo sendo capturado por setores da sociedade apadrinhados pelos grupos de poder instalados no Palácio do Planalto. Quem grita mais leva.

Míriam Leitão - Economia global em escombros

- O Globo

De Genebra, o embaixador Roberto Azevêdo me disse ontem que o comércio no mundo vai cair 13% em 2020. Em volume, o comércio encolheu 18% no segundo trimestre e ele acha que a recuperação será modesta nos próximos meses. Ao final, o mundo terá no ano uma crise maior do que a de 2008/2009. Ficou claro esta semana o tamanho do tombo. O número americano parece cataclísmico, mas o 32,9% é anualizado. O PIB americano diminuiu, na verdade, 9,5% em relação ao trimestre anterior, no indicador a que estamos acostumados.

A Alemanha caiu 10,1%, ou seja, um pouco mais do que os 9,5% dos Estados Unidos. Nos EUA, a maneira de apresentar o número é pegar o resultado do trimestre e extrapolá-lo para o ano inteiro, como se aquele resultado fosse se repetir por quatro trimestres. Aí deu esse fim de mundo. Mas a queda, mesmo vista na comparação com o trimestre anterior, já assusta. O PIB americano havia encolhido no começo do ano. A dúvida é se as tensões entre os Estados Unidos e a China vão aprofundar ainda mais a recessão.

— O impacto da pandemia, com a virtual paralisia das principais economias, é tão expressivo que o efeito das tensões entre Estados Unidos e China, ainda que importante, fica apequenado. A redução das tensões entre as duas potências terá um papel bem mais importante durante a etapa de recuperação econômica. Uma distensão entre os dois países ajudaria a economia global a crescer mais fortemente no pós-pandemia — diz Azevêdo.

Luiz Otavio Cavalcanti - 100 anos de Celso Furtado. Ou a peregrinação do homem-nação –

- Revista Será? (PE)

O Brasil tem três intérpretes. Sérgio Buarque de Holanda, o homem cordial. Do latim cor, cordis, coração. Homem de paixão. Gilberto Freyre, a tri raça. Mescla de índios, brancos e negros. Portugal com açúcar. Homem misturado. Antônio Cândido, a língua. A pátria na sintaxe da palavra. Homem brasileiro.

Faltou alguém?

Sim. Celso Furtado. O quarto homem. O quarto intérprete. Talvez mais completo que os outros três. Não em tamanho contributivo. Ou latitude intelectual. Mas na escala do pensar e do fazer. Homem que sabia formular. E também agir. Como Malraux. Como Vargas Llosa. Estirpe de poucos. Que carregam a dor do conhecimento das coisas. E, ao mesmo tempo, a disposição para enfrentar a realidade nos seus limites.

A realidade e seus limites. Que impõe silêncios, subtrai recursos, desafia talentos. E, na arena do espaço público, semeia o discurso da construção. Permitindo que o intelectual, inconformado, se agigante. E tome, na palma da mão, a colher de Pedro Pedreiro. Para atuar na prática da gestão. No ofício da política. Assim foi Celso Furtado. Penso que esta será sido sua primeira característica.

A segunda de suas características foi o senso da reforma. Quando alguns imaginavam que revolução seria solução, ele pregava a sensatez: o caminho dos reformadores. O diálogo era sua instância preferencial. O convencimento era seu argumento final. A grande vantagem do reformador sobre o revolucionário é que este não deixa vítimas. O acordo vem sempre mais forte. Porque vestido em alianças. Duplicando energias.

Marcus Pestana* - Eleições em meio à pandemia

Entre tantos desafios que o país tem pela frente diante da pandemia da COVID-19, que já nos levou mais de noventa mil vidas brasileiras, temos programadas eleições municipais em 2020.

Numa atitude sensata, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional adiando o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo para 29 de novembro, confiante que até lá a curva de contaminação e óbitos tenha cedido substancialmente.

Sempre achei que o poder local é o mais importante na determinação da qualidade das políticas públicas. Acesso à saúde, qualidade do ensino, habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, desenvolvimento social são tarefas que se definem no concreto na instância municipal. O governo federal induz políticas, cuida de questões gerais como política econômica, defesa nacional e relações exteriores, mas aquilo que interessa às pessoas é bem ou mal executado no plano municipal. Os governos estaduais concentram a política de segurança pública, apoiam os municípios, mas a interface direta com os cidadãos é feita na esfera municipal.

O poder local é o mais próximo da população e o controle social sobre a ação pública é muito maior. A centralidade do poder local foi realçada ao extremo na gestão do combate à pandemia.

A eleição de 2020 será completamente diferente de todas as outras. Tudo indica que a onda devastadora do “novo pelo novo” contra a “velha política” perderá força. Atributos clássicos que sempre foram importantes – experiência, competência, capacidade de formar e liderar equipes, conhecimento sobre políticas públicas – tendem a ser revalorizados.

O SUS precisa ser cuidado – Editorial | O Estado de S. Paulo

A saúde tem evidente dimensão humana, mas a verdade é que custa dinheiro tratar das pessoas, não bastam os espíritos abnegados

A sociedade brasileira, por meio de seus representantes constituintes, decidiu ter um sistema de saúde universal e gratuito. Deste anseio nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), inspirado no britânico Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês). Mais de três décadas após seu advento, com o modelo já consolidado, é difícil imaginar o País sem o SUS.

Muitos cidadãos não fazem ideia de quão precário era o atendimento médico para quem tinha pouco ou nenhum dinheiro no Brasil até o início da década de 1990. Aos que não podiam pagar por um plano de saúde ou não estavam empregados “com carteira assinada”, quando adoeciam, só restava a inestimável caridade das Santas Casas e de outros hospitais filantrópicos ou os escassos hospitais públicos de seus Estados e municípios. Em boa hora, este descaso quase darwinista com o bem-estar de milhões de pessoas foi substituído por uma nova política de saúde pública mais humana e abrangente. Mas isto custa muito caro.

Em que pese o incontestável aprimoramento da cidadania a partir da criação do SUS, há problemas renitentes que precisam ser superados para que, além de universal e gratuito, o sistema também seja reconhecido pela qualidade dos serviços que presta à população. E para tanto o SUS precisa ser bem financiado. A bem da verdade, nunca foi.

O SUS demanda muito dinheiro, seja para custeio, seja para investimentos em pesquisa, melhorias e aumento da capacidade de atendimento. Há muitos anos lida com a iminência de um colapso financeiro. A última atualização da tabela de procedimentos cobertos pelo SUS ocorreu em outubro de 2007. De lá para cá, aumentou tanto o número de atendimentos prestados como o grau de complexidade dos procedimentos. No entanto, a remuneração dos hospitais não acompanhou essa evolução. Resultado: hospitais fechados, funcionando precariamente ou endividados. As Santas Casas que o digam.

As poções do mascate – Editorial | O Estado de S. Paulo

Paulo Guedes mascateia a CPMF como se fosse uma cloroquina para a economia

Com manhas de mascate, o ministro da Economia, Paulo Guedes, aparece a cada dia com uma nova conversa para vender sua CPMF, reformulada e ajustada às novas tecnologias. A conversa pode mudar, mas nenhum processo eletrônico elimina os defeitos do velho imposto do cheque, enterrado sem honras pelo Congresso Nacional em 2007. Agora ele promete, em troca da aprovação de seu monstrinho tributário, elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), hoje válida para quem ganha até R$ 1.903,98 por mês.

Nenhuma conversa desse tipo seria necessária, se a CPMF recauchutada fosse boa. Além disso, ninguém pode levar a sério essa promessa, quando nem a isenção do IRPF tem sido corrigida pela inflação. Houve poucas correções desde 1996. Em maio deste ano, uma defasagem acumulada de 95,46% foi apontada por um estudo do Sindifisco, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal.

Ainda em maio, o presidente Jair Bolsonaro disse ter recomendado ao ministro Paulo Guedes a atualização da tabela com base na inflação deste ano. Mas nem a sugestão presidencial ecoa no Ministério da Economia. Com a pandemia, o desarranjo financeiro do governo aumentou, o conserto será demorado e técnicos da área econômica esconjuram qualquer discussão sobre alívios fiscais. O déficit primário do governo central, projetado em R$ 124 bilhões antes da nova crise, poderá passar de R$ 600 bilhões neste ano. Isso foi lembrado, por exemplo, quando se falou de estender até o fim de 2021 a desoneração da folha salarial de 17 setores para preservar, segundo se argumentou, entre 6 milhões e 8 milhões de empregos.

Por baixo e leviano – Editorial | Folha de S. Paulo

Trump defende adiar eleições; eventual vitória de Biden pode mudar economia

A três meses da eleição presidencial americana, o ambiente é desfavorável a Donald Trump. A insensatez com que conduziu o país durante a pandemia e a postura de confronto que adotou diante dos protestos nacionais contra o racismo se mostraram desastrosas para sua popularidade.

A crise sanitária também abalou o principal pilar de sustentação do presidente americano —a economia. A contração do Produto Interno Bruto no segundo trimestre, de 9,5% ante o anterior, foi a maior da série histórica e levou a um aumento dramático do desemprego.

As pesquisas hoje apontam o favoritismo do candidato democrata, Joe Biden, com 50% das intenções de voto, 9 pontos à frente do republicano na média das sondagens. No sistema americano, é fato, os números nacionais não são em si definidores. A vitória depende da maioria no colégio eleitoral, o que remete aos resultados estaduais.

Mas também aí a situação de Trump se complica. Estados tradicionalmente republicanos, como o Texas e o Arizona, parecem pender para Biden. O mandatário ainda perde terreno em estados pêndulo que foram fundamentais para sua vitória em 2016, casos de Flórida, Pensilvânia e Michigan.

Não surpreende, assim, que o presidente populista venha atuando para deslegitimar o pleito. Sua leviandade fica escancarada quando defende adiamento da eleição —o que está além de seu poder, fora ser desnecessário— e afirma que a votação por correio abrirá espaço para fraudes.

Dossiê obscuro – Editorial | Folha de S. Paulo

Ministério da Justiça deve explicar por que monitora policiais antifascistas

Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha deixado nas últimas semanas a prática de ataques públicos a instituições e adversários políticos, amplos setores de seu governo prosseguem no fomento da polarização e do conflito ideológico.

Assim o exemplifica a revelação do UOL de que o Ministério da Justiça deflagrou, no mês de junho, ação sigilosa para monitorar um grupo de 579 servidores federais e estaduais da área de segurança identificados como participantes de um “movimento antifascista”.

Além desses funcionários, o dossiê inclui quatro acadêmicos, entre eles o ex-secretário de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro, desde 2011 presidente da comissão internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada à República Árabe da Síria.

A produção de um dossiê com nomes, endereços em redes sociais e, em alguns casos, fotografias coube à Secretaria de Operações Integradas (Seopi), uma das cinco secretarias subordinadas ao ministro André Mendonça.

Diplomacia exótica de Bolsonaro atinge interesse nacional – Editorial | O Globo

A possível mudança no comando da Casa Branca já torna palpável o prejuízo econômico ao país

Jair Bolsonaro passou ano e meio se esforçando para garantir lugar na galeria do exotismo nas relações internacionais, ao lado de outros ativistas da diplomacia de terra arrasada, nomes como Kim Jong-un, da Coreia do Norte, Nicolás Maduro, da Venezuela, ou Gourbangouly Berdymukhamedov, do Turcomenistão — trio até folclórico, para quem não vive sob seus regimes autoritários.

Bolsonaro já atacou líderes da Alemanha, da França, da Noruega, da ONU e da OMS. Vazou rancor contra o presidente de Argentina. Solapou as relações com países árabes e com a China, cliente de 25% das exportações brasileiras. Substituiu a ambiguidade, força vital da diplomacia, por um rosário de insultos. Submeteu-se, subserviente, ao presidente americano Donald Trump, a quem procura mimetizar, até no estilo malcriado, na execução de um projeto só distinguível pelo extremismo.

Com auxílio dos filhos — os “zero” como a eles se refere —, e do chanceler Ernesto Araújo, passou a cultivar o confronto com o Partido Democrata, cujo candidato tem chance real de se eleger presidente e tende a manter o controle da Câmara. Não surpreende, portanto, o repúdio do deputado Eliot Engel, democrata de Nova York e presidente da Comissão de Relações Exteriores, à “vergonhosa e inaceitável” propaganda de Trump difundida pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Poesia | Graziela Melo – Rua vazia

Entre
as estrelas
e a lua
transitam
nuvens
inquietas

Há muito
se escondeu
o sol
atrás
das sombras
da terra!!!

ruminando
um certo
desejo
que consome
minha alma

e do meu sono
tripudia,

olho pela janela
e vejo
a rua
vazia!!!

E apenas
olhar
para o mundo,
era só
o que
eu queria!!!