terça-feira, 4 de agosto de 2020

Partido Político – Dicionário de Política - Norberto Bobbio (Final, parte III ao VI)

III. O PARTIDO DE ORGANIZAÇÃO DE MASSA. — Nos decênios que precederam e se seguiram aos fins do século XIX a situação começou a mudar após o desenvolvimento do movimento operário. As transformações econômicas e sociais produzidas pelo processo de industrialização levaram à ribalta política as massas populares cujas reivindicações se expressam inicialmente em movimentos espontâneos de protesto, encontrando depois canais organizativos sempre mais complexos até à criação dos partidos dos trabalhadores. É precisamente com o aparecimento dos partidos socialistas — na Alemanha em 1875, na Itália em 1892, na Inglaterra em 1900 e na França em 1905 — que os partidos assumem conotações completamente novas: um séquito de massa, uma organização difusa, e estável com um corpo de funcionários pagos especialmente para desenvolver uma atividade política e um programa político-sistemático.

Estas características correspondiam a exigências específicas dos partidos dos trabalhadores, quer pelos objetivos políticos que se propunham quer pelas condições sociais e econômicas das massas a que se dirigiam. Os movimentos socialistas haviam surgido com o programa de promover um novo modo de convivência civil, de que seriam artífices as classes subalternas política e socialmente emancipadas. Para tal fim, era necessário educar as massas, torná-las politicamente ativas e conscientes do próprio papel. Para fazer isto não era suficiente uma genérica agitação política por ocasião das eleições nem tinha grande importância a atividade parlamentar. Ao contrário, era essencial que no país se desenvolvesse uma estrutura organizativa estável e articulada, capaz de enfrentar uma ação política contínua que envolvesse o maior número possível de trabalhadores e que atingisse toda a esfera de sua vida social, que acolhesse as suas demandas e exigências específicas e as transformasse num programa geral.

Além disso, era necessário que à atividade de educação e propaganda e ao trabalho organizativo se dedicassem, em tempo integral, pessoas qualificadas e especialmente pagas para isto, não sendo possível que os trabalhadores, com pesados horários de trabalho e baixos salários, dedicassem à atividade política mais do que um pouco do seu escasso tempo livre, nem que abandonassem o trabalho para se dedicarem à política a simples título de honra. Havia, enfim, o problema do financiamento do partido: faltando os "Notáveis" que financiassem a atividade e a organização política foi introduzido o sistema das "quotas", isto é, as contribuições periódicas que cada membro devia pagar ao partido. A estrutura que assim se desenvolveu teve uma configuração de tipo piramidal. Na base havia as uniões locais — círculos ou seções — com a finalidade de enquadrar todos os membros do partido pertencentes a um dado espaço territorial (bairro, cidade, país). As seções tinham reuniões periódicas e discutiam os principais problemas políticos e organizacionais do momento. Ocupavam-se da atividade de propaganda e proselitismo e elegiam os próprios órgãos de direção internos e os seus representantes de nível superior no partido. Por sua vez, as seções estavam organizadas a nível de circunscrição eleitoral ou a nível provincial ou regional, em federações, que constituíam os órgãos intermediários do partido com funções prevalentemente de coordenação. 

Enfim, a cúpula era constituída pela direção central, eleita pelos delegados enviados pelas seções ao Congresso Nacional que era o órgão máximo de deliberação dentro do partido, o qual estabelecia a linha política a que deviam sujeitar-se todas as instâncias do partido, desde as seções até à direção central. Todas as posições de responsabilidade eram de caráter eletivo e era também função das assembleias do partido escolher os candidatos às eleições. Estes últimos, uma vez eleitos, tinham um mandato imperativo e eram obrigados a uma rígida disciplina de partido na sua atividade parlamentar.
Juntamente com a verdadeira estrutura partidária, os partidos socialistas podiam contar com uma densa rede de organizações econômicas, sociais e culturais, sindicatos, cooperativas, organizações de assistência para os trabalhadores e suas famílias, jornais e tipografias — que agiam como instrumentos de integração social e contribuíam para reforçar a identidade política e os valores que o partido propunha. Tais organizações, de um modo geral, tinham nascido antes do partido e haviam contribuído para sua fundação. Apesar de tudo, o partido se preocupava em reforçá-las e em criar outras novas com o fim de ampliar a própria presença social.

A extensão e a complexidade desta rede organizativa indica como os partidos socialistas, pelo menos nos primeiros decênios de sua história, se preocupavam sobretudo com a mobilização permanente dos seguidores e pela conquista de espaços de influência cada vez mais amplos dentro da sociedade civil, na tentativa de aumentar o espaço e a intensidade da adesão ao seu projeto de gestão da sociedade. O momento eleitoral e a conquista de cadeiras no Parlamento era sobretudo importante para a etapa posterior de marcar presença entre as massas e como instrumento para a própria batalha política posterior, mas não constituía o objetivo principal do partido. Bem pelo contrário, muitas vezes o
Parlamento era considerado com uma certa desconfiança e o grupo parlamentar do partido estava sujeito a uma vigilância particular a fim de que seu comportamento correspondesse à linha política decidida pelos congressos nacionais e mandada respeitar pela direção.

Este modelo, denominado "partido de aparelho" ou "partido de organização de massa", se aplica sobretudo ao partido social-democrático alemão no período da sua linha revolucionária, mas caracteriza, de uma certa maneira, também, os partidos socialistas francês e italiano. Este último, embora contando com uma estrutura organizacional espalhada por quase todo o país e com uma série de organizações de sustentação como são as câmaras de trabalho, as cooperativas e as caixas rurais, tinha laços organizativos verticais mais frágeis e o seu grupo parlamentar era dotado de uma notável autonomia.

Isto devia-se ao fato de que o partido socialista italiano era expressão de setores heterogêneos das classes subalternas, faltava-lhe um forte núcleo operário, estando o desenvolvimento capitalista italiano apenas em seus inícios e por consequência nele coexistiam linhas políticas diversas que impediam a construção de uma "máquina" partidária racionalmente organizada e politicamente homogênea.

Nos primeiros decênios do século XX, o partido socialista italiano acentuou as suas características de partido organizativo de massa, mas, na Itália, o modelo mais completo de tal partido surgirá só depois da Segunda Guerra Mundial com o desenvolvimento do partido comunista.

IV. O PARTIDO ELEITORAL DE MASSA. — A introdução do sufrágio universal ou de um sufrágio muito generalizado, a rápida expansão dos partidos operários nos países em que estes estavam radicados e sua parcial ou total integração no sistema político, estava destinada a produzir mudanças graduais até nos partidos da burguesia. No início, os notáveis não se mostraram muito favoráveis à formação dos partidos de massa. Tinha havido progressiva ampliação da participação nos círculos e nos comitês eleitorais, e tinha-se procurado unificar, a nível nacional, o trabalho eleitoral, e potenciá-lo através da admissão de pessoal político remunerado. Todavia, o medo de ver ameaçada a própria posição de preeminência de uma democratização dos seus partidos ou de ver colocada em discussão a própria concepção da política ou os próprios critérios de gestão do poder produziram nos notáveis uma acentuada hostilidade em relação aos partidos de massa. Além disso, tendo em mãos as principais levas do poder político e podendo contar com a ação do exército e da burocracia, os partidos da burguesia puderam impedir, durante um certo período, a integração política dos partidos dos trabalhadores e neutralizar, portanto, a concorrência no mercado político. Só na Inglaterra, onde o Governo trabalhista foi aceito rapidamente como legítimo aspirante ao poder governativo, o partido conservador iniciou, desde o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, a própria transformação em partido com a participação de massa. Na Europa continental, este processo aconteceu, de um modo geral, depois da Segunda Guerra Mundial quando a maior parte dos partidos de comitê foi obrigada a criar um aparelho estável para uma eficaz propaganda, procurando uma clientela de massa e coligações com grupos e associações da sociedade civil capaz de dar ao partido uma base estável de consenso.

Merval Pereira - Conceito mantido

- O Globo

A consequência conceitual da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de revogar a liminar dada pelo ministro Dias Toffoli a favor do compartilhamento de documentos da Operação Lava-Jato com a Procuradoria-Geral da República é a manutenção da estrutura em que as forças-tarefas foram idealizadas e funcionam muito bem em diversos casos, não apenas na Operação Lava-Jato.

Esta é a principal indicação de que o Procurador-Geral Augusto Aras (foto) tem objetivos políticos, e não técnicos, para tomar a iniciativa de querer ter acesso a informações sigilosas, pois não fez o mesmo gesto em relação a outras forças-tarefas.

O conceito de independência e autonomia que baseia o funcionamento do Ministério Público é fundamental para sua atuação desgarrada de pressões políticas. O Procurador-Geral da República é chefe dos procuradores apenas em casos administrativos, mas não pode ter ingerência nas investigações, a não ser que elas abranjam figuras com foro privilegiado.

Neste caso, os indícios e as provas colaterais que surgirem em decorrência de investigações devem ser enviadas para a Procuradoria-Geral da República, que os encaminhará aos tribunais superiores. Mas o ministro Edson Fachin nem entrou no mérito da ação da PGR, por estar baseado em equívoco, e revogou a liminar de Toffoli, “com integral efeito ex tunc”, o que, no juridiquês, é um recado forte a Aras: você não poderá usar nada das provas a que teve acesso.

Luiz Carlos Azedo - Ninguém pode tudo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A decisão de Fachin acirra contradições na Procuradoria-Geral da República, onde há uma rebelião dos subprocuradores contra o procurador-geral, Augusto Aras, por cauda Lava-Jato.

A queda de braço entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e os procuradores das forças-tarefas da Lava-Jato ganhou mais um capítulo ontem. Relator da Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou a decisão liminar (provisória) do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que determinou o compartilhamento de dados da Operação Lava-Jato no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo com a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Toffoli havia atendido a um pedido da PGR, que relatou ter enfrentado “resistência ao compartilhamento” e à “supervisão de informações” por parte dos procuradores da República. A decisão retirava praticamente toda a autonomia das forças-tarefas para gerenciamento dos dados e corroborava a intenção de centralizar as investigações na cúpula da Procuradoria-Geral, extinguindo as forças-tarefas. Pela decisão do presidente do STF, as forças-tarefas deveriam repassar todos os dados à Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do gabinete do procurador-geral da República.

Fachin desfez tudo, em caráter retroativo. Com isso, os dados compartilhados não poderão ser mais acessados pela PGR. Aras já anunciou que recorrerá da decisão, o que deve levar a polêmica para o pleno do Supremo. Fachin questionou a justificativa adotada pela PGR ao pleitear a decisão de Toffoli: “Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante”, escreveu. Fachin também quebrou o sigilo da ação.

A decisão acirra as contradições dentro da Procuradoria-Geral da República, onde há uma rebelião dos subprocuradores gerais, por causa da forma como Aras pretende conduzir sua gestão, e aprofunda divergências no Supremo Tribunal Federal (STF), onde os métodos da Lava-Jato enfrentam forte oposição. Mas também mostra que ninguém pode tudo nessa questão, ou seja, é preciso chegar a um denominador comum. Uma das acusações contra a Lava-Jato é investigar autoridades da República, como os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sem a devida autorização do STF. Segundo Aras, 38 mil pessoas teriam sido investigadas pela força-tarefa de Curitiba.

José Casado - O pandemônio é de Bolsonaro

- O Globo

Presidente finge que não é com ele

Na terça-feira 18 de junho do ano passado, Jair Bolsonaro pediu ao ministro Luiz Henrique Mandetta “a cabeça” de “esquerdistas” do Ministério da Saúde. À tarde, o deputado Helio Lopes (PSL-RJ) entregou a Mandetta a lista de “suspeitos”. Foi a primeira intervenção presidencial direta na gestão da Saúde.

Nove meses depois, quando o Brasil contava duas centenas de mortos, o ministério havia estabelecido com estados e municípios uma coordenação sobre a pandemia. Mas Bolsonaro decidiu intervir na Saúde.

Na segunda-feira 16 de março, decretou todo o poder à Casa Civil da Presidência na definição das “prioridades” contra o vírus. Nomeou 27 pessoas — ministros (20), presidentes de bancos públicos (4), especialistas da Saúde (2) e advogado (1).

O “Comitê de Crise” do Planalto completará cinco meses na próxima semana, com o país ultrapassando 100 mil mortos num quadro de descontrole da doença. É impossível saber quantas mortes seriam evitáveis. É certo, no entanto, que dois ministros e 80 dias depois de um general no papel de interino, a intervenção de Bolsonaro na Saúde resultou na perda de comando da crise. É evidente a calamidade gerencial no governo.

Carlos Andreazza - Supremo editor e a Constituição lavajatista

- O Globo

Uma bomba se arma, a da mentalidade autoritária

Quero alertar — sobretudo aos que ora celebram atalhos ao estado de direito — que os precedentes arbitrários estabelecidos pelo STF poderão ser, e serão, usados pelos dois (ao menos) ministros do Supremo indicados por Jair Bolsonaro, ambos decerto terrivelmente bolsonaristas; e que um inquérito sem objeto investigado definido, como o chamado das Fake News, amplo a ponto de impor censura, e que ora se move contra aqueles cujo comportamento desprezamos, tende a ser gatilho para que a perigosa combinação de autoritarismo, ressentimento e revanchismo resulte em descontrole e na multiplicação de canetadas, como a que retirou do ar uma reportagem da revista “Crusoé”.

Uma bomba se arma; a da mentalidade autoritária, que nos dirige desde há muito, aplicada — na prática — a uma estrutura em que o togado seja vítima, investigador, acusador e juiz. Que tal? Se não por amor ao estado de direito, que se projete — por medo, por zelo ao próprio escalpo — o futuro desarranjado desses processos excêntricos. Não fica bonito.

Quero alertar — sobretudo aos que cobram provas do autoritarismo do presidente da República — que Bolsonaro, aquele que tem, segundo confessou, um esquema particular de informações e que trabalha, talvez já com êxito, para que a Polícia Federal lhe sirva como polícia política, comanda um Poder em cujo Ministério da Justiça está montado um sistema de investigação e monitoramento contra policiais, professores e intelectuais críticos do governo; e que o titular dessa pasta, André Mendonça, cotadíssimo para uma cadeira no Supremo, é, antes de tudo, terrivelmente bolsonarista.

Bernardo Mello Franco - Fachin antecipou o fim da Era Toffoli

- O Globo

O ministro Edson Fachin cassou a liminar de Dias Toffoli que obrigava a Lava-Jato a enviar informações sigilosas para a Procuradoria-Geral da República. A decisão não influi apenas na guerra interna do Ministério Público Federal. Na prática, também antecipa o fim da Era Toffoli no Supremo Tribunal Federal.

Toffoli assumiu a presidência da Corte em 2018, depois de um período marcado por crises na gestão da ministra Cármen Lúcia. Ele prometeu pacificar o Supremo e reduzir o protagonismo do Judiciário. Não fez uma coisa nem outra. O tribunal continuou dividido, e agora vive em tensão permanente com o governo.

O presidente da Corte buscou se aproximar de Jair Bolsonaro. Não convenceu o Planalto a baixar as armas e ainda se desgastou com parte dos colegas. Os ministros que enfrentaram a ofensiva autoritária tiveram que se defender sozinhos. Enquanto Toffoli frequentava o palácio, eles eram alvejados pelas milícias virtuais.

No mês passado, o presidente do Supremo abriu novas frentes de atrito. Em seu último plantão no cargo, ele concedeu uma série de decisões favoráveis a figurões sob investigação. Soltou Geddel Vieira Lima, barrou uma operação contra José Serra, suspendeu o processo de impeachment contra Wilson Witzel e arquivou inquéritos contra ministros do STJ e do TCU.

Eliane Cantanhêde - ‘Democratice’ e democracia

- O Estado de S.Paulo

Armas não podem ficar em mãos de pessoas perigosas e as redes de fake news são isso: armas

Levante a mão quem nunca teve de desmentir as fake news mais absurdas, até grotescas, em grupos de família, amigos, às vezes até de trabalho? De repente, do nada, aquela pessoa que convive com você há anos, que parece (ou parecia) razoável, antenada e inteligente, passa a compartilhar mentiras tão primárias e sem nexo que qualquer um deveria jogar automaticamente no lixo. É como lavagem cerebral, crença religiosa, negação da verdade. A pessoa perde a racionalidade e entra no vale-tudo a favor do seu mito e contra os adversários desse mito.

As redes de fake news atingiram uma audácia inaceitável, apesar de não terem começado com os Bolsonaros – porque o PT também era craque nisso no poder – nem serem exclusivas do Brasil – porque a eleição de Donald Trump nos EUA e a vitória do Brexit no Reino Unido são exemplos de como a internet é usada para transformar mentira em verdade. Se impacta tão decisivamente a vida, o voto e as eleições, pode mudar o mundo. E para pior. Depende de quem tenha mais dinheiro, recursos tecnológicos e falta de escrúpulos.

Assim como é fundamental distinguir “democratice” de democracia, é preciso evitar a confusão entre liberdade de expressão e de opinião, de um lado, e agressão e mentira, de outro. Não uma mentirinha inocente, mas uma arma feroz contra a verdade e a realidade, para propaganda enganosa, destruição de biografias e até ameaça à segurança física de cidadãos e autoridades. Armas, de qualquer espécie, não podem ficar em mãos de pessoas perigosas, de instinto criminoso.

Ricardo Noblat - Ações policiais do governo remetem à época do regime militar

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro cria mais um órgão de segurança
E assim se passaram os últimos 10 dias. No primeiro, quando Rubens Valente, colunista do UOL, informou que o Ministério da Justiça pusera em prática desde junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e três professores universitários, o que fez André Mendonça?

O ministro da Justiça limitou-se a responder com uma nota onde disse ao que se presta a Secretaria de Operações Integradas, uma das cinco subordinadas diretamente a ele. Sobre a ação sigilosa posta em prática pela Secretaria e que dera origem a um relatório, nem uma palavra. Na semana passada, com o assunto ainda quente, Mendonça afirmou que desconhecia qualquer relatório.

Anteontem, ao ser perguntado sobre o assunto em entrevista, o ministro disse que nem confirmava, nem desmentia a existência de um relatório sobre servidores que em suas redes sociais tivessem se manifestados como antifascistas. Mas, que mandara abrir uma sindicância para apurar tudo, uma vez que numa democracia a livre manifestação de pensamento é assegurada.

Ontem, antes do início dos trabalhos da comissão de sindicância formada só por representantes do governo, Mendonça anunciou que decidira substituir o chefe da Diretoria de Inteligência da tal secretaria, Gilson Libório Mendes, coronel reformado, designado por ele para o cargo há dois meses, e autor do relatório. Dá para acreditar que Mendonça não soubesse de nada?

Francisco Góes - O domínio das milícias na pandemia no Rio

- Valor Econômico

Grupos são governos autônomos que regulam territórios

O coronavírus voltou a colocar em evidência um dos principais problemas da segurança pública do Rio: o domínio das milícias sobre determinadas regiões. Em abril, circularam denúncias sobre a atuação de grupos paramilitares mandando reabrir o comércio na zona oeste do município e na região metropolitana. “A cobrança das taxas pelas milícias não parou na pandemia. As milícias têm obrigado os comerciantes a abrirem as portas e os moradores a pagarem as taxas de proteção”, diz a antropóloga Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O Painel Rio Covid-19, da prefeitura, mostra que os bairros de Campo Grande, Bangu, Realengo e Santa Cruz, na zona oeste do município, estão entre os primeiros colocados nas estatísticas do coronavírus. Integram a lista dos dez primeiros bairros do Rio em casos confirmados e em mortes causadas pela covid. O primeiro em óbitos é Campo Grande, seguido de Bangu e só em terceiro lugar aparece Copacabana, na zona sul. Depois vêm Realengo, Tijuca e Santa Cruz.

Campo Grande e Santa Cruz são bairros com muitas favelas, dominados pelas milícias, onde o poder público tem pouco poder de fiscalização e as forças policiais, especialmente a Polícia Militar (PM), praticamente não fazem incursões, dizem promotores. Haveria “acordo tácito” do Estado para a polícia não entrar nessas localidades, afirmam. O “policiamento” nessas regiões é feito pelos próprios milicianos.

Hélio Schwartsman - Estupro jurisdicional

- Folha de S. Paulo

É fácil ver que o caminho escolhido por Alexandre de Moraes, no caso das fake news, não passa no teste kantiano da universalização da regra

É preocupante a pretensão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de fazer com que suas decisões no chamado inquérito das fake news valham não apenas para a operação brasileira de empresas como Facebook e Twitter mas também para a internacional. Aqui, o ministro extrapola sua jurisdição e o faz com um viés autoritário.

É fácil ver que o caminho escolhido por Moraes não passa no teste kantiano da universalização da regra.

Em vários países da África e do Oriente Médio, a homossexualidade é crime. Se juízes dessas nações podem estender sua jurisdição para aplicativos sediados no exterior, então teríamos de aceitar como legítima a ordem de um magistrado da Arábia Saudita para derrubar sites americanos de pornografia e de encontros. A moral prevalecente na internet seria a da mais retrógrada das nações.

Cristina Serra - Aras e o aparelhamento do MPF

- Folha de S. Paulo

O procurador-geral da República e Deltan Dallagnol são faces do aparelhamento político das instituições de Estado

O procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e a hipertrofia dos procuradores federais comandados por Deltan Dallagnol na “República de Curitiba”. Aras e Dallagnol, no entanto, são faces da mesma moeda: a do aparelhamento político das instituições de Estado.

O sempre necessário e importante combate ao crime encontrou na vocação messiânica e na agenda política dos procuradores e do juiz Sérgio Moro terreno fértil para distorções, abusos e excessos da operação que pretendia acabar com a corrupção no país.

Não acabou. E deixou vasto legado de desrespeito a marcos legais. Moro divulgou ilegalmente um grampo telefônico envolvendo a então presidente Dilma, o que mereceu apenas uma reprimenda do STF ao juiz.

Este pediu “escusas” e ficou por isso mesmo. A Vaza Jato, do site The Intercept, mostrou como o juiz orientou os procuradores, tornando-se parte da acusação e violando seu compromisso ético e legal de imparcialidade.

Pablo Ortellado* - Politização da vacina pode comprometer imunização

- Folha de S. Paulo

Pesquisas têm mostrado correlação entre posicionamento político e disposição a tomar vacina contra Covid

Se tudo der certo, entre dezembro e janeiro, o Brasil poderá começar a imunizar a população, seja com a vacina de Oxford e da AstraZeneca, em parceria com a Fiocruz, seja com a vacina da Sinovac, em parceria com o Instituto Butantã.

Para que as vacinas nos tirem da crise, porém, não será necessário apenas que elas se mostrem eficazes na terceira fase dos testes clínicos, será necessário também que uma população politicamente polarizada se disponha a ser vacinada.

Depois de meses de uma extenuante política de distanciamento social, seria de se esperar uma população ansiosa para se vacinar e retomar a normalidade. Mas não é isso o que mostram estudos em diferentes países.

Uma pesquisa coordenada pela Universidade de Hamburgo mostrou que a disposição a se vacinar contra a Covid na Alemanha caiu de 70% em abril para 61% em junho (com um preocupante índice de 52% na região da Bavária). Nos Estados Unidos, pesquisa do YouGov realizada em julho mostrou que 25% dos americanos não tomariam a vacina e 28% não tinham certeza se tomariam.

Joel Pinheiro da Fonseca* - As redes sociais revelam o pior lado da natureza humana

- Folha de S. Paulo

Indivíduos que se organizam para promover discurso de ódio ameaçam a democracia

O que há em comum entre as milícias digitais investigadas no inquérito das fake news e a cultura do cancelamento que ameaça empregos e reputações por pequenas transgressões do discurso? Ambos são fenômenos das redes sociais, e isso não é coincidência.

Tudo nas redes convida ao pensamento de rebanho, à polarização e à perseguição de "infratores". E não por culpa de algum algoritmo insidioso criado pela ganância empresarial que poderia ser facilmente mudado.

O buraco é mais embaixo: são tendências da própria natureza humana que encontram nas redes espaço para se desenvolver.

Infelizmente, ao contrário do que os otimistas acreditavam, a internet não produziu uma maravilhosa ágora universal de debate racional que nos leva à verdade.

E isso porque a mente humana não busca a verdade; ou não apenas a verdade.

Ela trabalha incansavelmente para confirmar aquilo em que acreditamos e negar o que lhe contraria. Se nos oferecem uma abundância de dados e fatos —é o que a internet fez— isso não nos leva a atualizar nossas crenças e corrigir erros. Essa abundância permite que, com muita facilidade, selecionemos os pedaços de informação mais convenientes para reforçar nossas crenças prévias.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A macroeconomia dos fluxos e estoques

- Valor Econômico

Na retração da economia, as decisões “racionais” de cada empresa delineam efeitos negativos ao conjunto

Ao observar as relações que constituem “a economia como um todo”, os economistas Wynne Godley e Marc Lavoie partem da matriz keynesiana para construir um modelo dinâmico no qual os “fluxos de gasto e renda” promovem mudanças na composição dos estoques de riqueza.

Consideremos que em um determinado momento um conjunto de empresas já exerceu a demanda de financiamento e realiza gastos de investimento. Este conjunto de empresas está a realizar um “déficit” financiado pelos bancos. Ao mesmo tempo, um outro conjunto está colhendo os resultados de suas decisões anteriores de investimento, isto é, realizam um superávit, um “surplus”. É a obtenção deste superávit corrente que permite simultaneamente: a) servir às dívidas contraídas para o financiamento dos ativos formados no passado, e b) acumular fundos líquidos dos quais se nutre o sistema bancário enquanto gestor do estoque de riqueza financeira - dívidas e direitos de propriedade.

Desnecessário dizer que a acumulação de recursos líquidos favorece a situação patrimonial das empresas e as torna mais atraentes para a concessão de novos créditos, o que confere um caráter procíclico ao endividamento. Em uma conjuntura favorável, o processo de aumento do investimento e do endividamento gera um fluxo de renda que permite servir à dívida passada.

Isto significa que a economia “em seu conjunto” deve gerar dívida no presente para que a dívida passada possa ser servida. O movimento vai da concessão de crédito novo destinado a financiar os gastos de investimento e de consumo para a geração da renda, com a consequente acumulação de ativos e passivos nos balanços dos agentes.

Paulo Hartung* - Visões, possibilidades e tendências do pós-pandemia

- O Estado de S.Paulo

Mostra-se plausível que o trio saúde, sanidade e sustentabilidade se estabeleça de vez

O amanhã sempre ocupa a mente humana, ainda mais em tempos de crises angustiantes e desestabilizadoras. Nesse sentido, mesmo que ainda envolvidos numa longa travessia dramática, o cenário atual da pandemia pauta cada vez mais os nossos olhares e pensamentos para o que virá.

O nevoeiro das dúvidas ainda é denso, mas pelo que já se vivia antes da covid-19, e também em função dos comportamentos que estamos experimentando ou incrementando neste momento absolutamente desafiante, já se pode vislumbrar um quadro de possibilidades e tendências para o pós-crise.

A pandemia acabou por evidenciar nossas mazelas e fragilidades socioeconômicas, adicionando ainda mais dor e desamparo a este tempo horrendo. Assim, mais que uma tendência, as reformas estruturantes colocam-se como um dever de casa cívico e institucional do qual não podemos abrir mão se quisermos constituir um Brasil verdadeiramente civilizado.

O Estado precisa se digitalizar, modernizar seu arcabouço legal e se libertar do sequestro secular operado por grupos de interesse instalados dentro e ao redor das máquinas governativas. É urgente melhorar o sistema tributário, atualmente um obstáculo ao crescimento do País.

Ana Carla Abrão* - Legalidade x moralidade

- O Estado de S.Paulo

Estamos nos acostumando com a desigualdade social, a exclusão e o clientelismo

As manchetes não surpreendem mais, infelizmente. É possível que já estejamos acostumados. Mas ainda assim vale trazer algumas delas à tona, só para fazer o ponto. Numa rápida pesquisa, encontrei alguns exemplos nas primeiras páginas do Estadão, da Folha de S. Paulo e do Valor Econômico: “Mais de 8.000 juízes receberam acima de R$ 100 mil mensais ao menos uma vez desde 2017”; “Militar quer ‘suas’ estatais fora do teto”; “Penduricalho a militares custará R$ 26,5 bilhões em cinco anos”; “Metade das isenções fiscais é feita à custa de menores receitas para a Previdência”; “Sancionada lei que isenta templos religiosos de ICMS até 2032”; “Pobre paga mais imposto que rico”; “Centrão mira orçamento de R$ 78,1 bi com cargos; “TCU alerta para a falta de transparência na concessão de isenções fiscais”; “Bolsonaro pressiona Receita Federal a perdoar dívidas de igreja evangélica”; “Aposentados da Alesp têm bônus por desempenho”; “Vale-refeição de juízes supera salário mínimo em 24 Estados”; Catorze Estados estouram o limite de gastos de pessoal”; “Reajustes nas contas de água bancam alta de salários”; “65% dos juízes recebem mais do que o teto, diz pesquisa”; “Assembleia de SP tenta criar ‘auxilio veículo’”.

Há tantas outras manchetes que daria para encher o espaço da coluna, mas não é esse o intuito. O objetivo aqui é o de chamar a atenção para o resultado do conflito distributivo que opera há décadas no Brasil e que pende, invariavelmente, em favor de uns poucos e em detrimento de muitos.

Sem entrar no mérito da legitimidade ou não dos pleitos individuais, o que falta é colocá-los todos em perspectiva e avaliá-los à luz da nossa realidade. Afinal, a base que se estabeleceu para o atendimento dos pleitos mais ou menos legítimos (quando não mais ou menos republicanos) se assenta na divisão do orçamento público e, portanto, nas escolhas políticas que são feitas pelos nossos governantes. Desde há muito, mas em particular a partir da Constituição de 1988, o clientelismo se juntou à força do corporativismo público e privado e vêm juntos definindo a apropriação de parcelas crescentes dos orçamentos por parte de grupos organizados.

Míriam Leitão - Sinais de melhora no mundo em crise

- O Globo

Há cinco semanas tem melhorado a previsão da recessão deste ano, no Boletim Focus do Banco Central, e o tamanho da queda ficou quase um ponto percentual menor. A mediana era uma retração de 6,5%, agora é de 5,6%. A confiança empresarial subiu. A bolsa acumula alta de mais de 60% desde o seu piso em março. O que significa tudo isso? O país está vivendo a maior crise da sua história, os ativos variáveis sobem por falta de opção de rentabilidade, mas a economia tem tido pequenos alívios. Está, contudo, muito longe do fim desse túnel no qual entrou com a pandemia. O mundo todo está com uma recuperação muito desigual e volátil.

A alta das bolsas dá a falsa impressão de que a economia voltará rapidamente ao que era antes da crise, até porque as ações costumam antecipar os movimentos futuros da conjuntura. Mas o que está acontecendo tem a ver com outro fenômeno. É resultado de uma injeção de recursos nunca vista por parte dos bancos centrais mundo afora. Para se ter uma ideia, na crise de 2008, o banco central americano demorou cinco anos para elevar em 8,2 pontos percentuais o seu balanço monetário. Desta vez, em apenas quatro meses o volume de dólares despejados pelo Fed na economia chegou a 13,7 pontos do PIB dos EUA. É essa montanha de dinheiro, que foge dos juros baixos em todo o mundo, que corre em direção às bolsas. E também ao ouro — considerado um ativo de proteção — que na semana passada bateu novo recorde. No Brasil, a bolsa já subiu 61% desde o seu pior momento em 23 de março, mas ainda está 16% abaixo do que estava em 23 de janeiro.

Entrevista | Monica de Bolle: ‘Países com controle do vírus terão investimento'

Para professora da Universidade Johns Hopkins, países como EUA e Brasil, que não conseguiram conter pandemia, serão mais afetados na economia

Henrique Gomes Batista | O Globo

SÃO PAULO - Professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, Monica de Bolle, avalia que os resultado econômicos pelo mundo começam a mostrar que é falsa a dicotomia entre salvar vidas ou a economia.

Países que controlaram melhor a pandemia, como os europeus, estão se saindo melhor que EUA, Brasil ou o México. E a incerteza não afeta apenas comércio e serviços neste momento, tende a piorar o investimento e as contas públicas.

• Já é possível dizer que os países que controlaram melhor a pandemia estão em melhor situação econômica?

Com os dados do segundo trimestre de 2020 vimos que, no período, tanto os países europeus como os Estados Unidos tiveram quedas muito expressivas. Os resultados foram praticamente iguais, por exemplo, olhando a queda do PIB da Alemanha ou dos Estados Unidos.

Mas o que diferencia a Alemanha dos EUA, olhando dois países maduros, é que na Alemanha a situação hoje está sob controle e a vida está voltando ao normal há algum tempo. Nos EUA, como a epidemia continua em expansão e fora de controle, a gente vai ver efeitos ainda muito pronunciados na economia.

• O terceiro trimestre irá refletir esta diferença?

Sim. Temos que levar em conta que a Europa, nesta época, pode ser muito afetada pela redução da atividade do turismo, há uma questão sazonal importante. Mas há indicadores na Europa, de uma maneira geral, mostrando esta retomada. Nos EUA já está sendo discutido um novo pacote fiscal, o terceiro. Na Europa ninguém está fazendo isso.

Nos EUA os pedidos de seguro-desemprego voltaram a crescer. E há outro problema: seguro-desemprego é por pouco tempo, o governo tinha feito um ajuste para pagar um adicional de US$ 600 semanais até o fim de julho, isso acabou, e agora há 30 milhões de desempregados que vão parar de receber estes cheques.

Há uma disputa política pela prorrogação deste seguro-desemprego. Os pequenos negócios estão reabrindo, mas as vendas não estão bem. Se os EUA tivessem feito um lockdown mais consistente, com regras e comunicação claras, talvez estivesse reabrindo como na Europa.

Mario Vargas Llosa - A função da crítica

- O Estado de S.Paulo

É também seu papel detectar as relações entre as fabulações literárias e a realidade social

Descobri Edmund Wilson em 1966, quando deixei Paris e fui morar em Londres. As aulas, primeiro na Queen Mary College e, depois, na King’s College, não tomavam muito do meu tempo, e podia passar várias tardes por semana lendo no belíssimo Reading Room da British Library, na época ainda situada dentro do Museu Britânico. Havia dois críticos de leitura indispensável aos domingos: Cyril Connolly, autor de Enemies of Promise e The Unquiet Grave, cuja coluna versava às vezes a respeito da literatura, mas mais frequentemente a respeito da pintura e da política, e as críticas teatrais de Kenneth Tynan, uma maravilha repleta de graça, ideias, insolências e cultura em geral.

O caso de Tynan é muito apropriado para denunciar a hipocrisia da Grã-Bretanha da época (que desapareceu naqueles mesmos anos). Tynan era imensamente popular até circular a suposição de que seria masoquista e que, de acordo com uma sádica, tinha alugado com ela um quarto no centro de Londres, onde ela o chicoteava uma ou duas vezes por semana (e aplicava também a arnica, imagino). O que faziam não importa tanto; mas o fato de isso chegar a conhecimento público já é outra história. Tynan desapareceu dos jornais após o sucesso de Oh! Calcutta! (ele dizia que se tratava de uma tradução inglesa do francês: Oh! Quel cul tu as! (Oh! Que bunda você tem) e deixou-se de falar nele. Partiu rumo aos Estados Unidos, onde morreu, esquecido por todos. Mas suas inesquecíveis críticas teatrais ainda estão por aí, à espera de um editor corajoso que as publique.

Política como exercício de rejeição – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em vez do debate de propostas e projetos, as eleições se tornam palco para cada candidato se opor a outros grupos ideológicos

Faltam pouco mais de três meses para o primeiro turno das eleições municipais – que, em razão da pandemia, será no dia 15 de novembro – e delineia-se o agravamento de um cenário especialmente ruim para o eleitor e para o País: a escolha de prefeitos e vereadores centrada em critérios negativos. Em vez de ser uma oportunidade para debater propostas e projetos para cada município, as eleições se tornam um palco no qual a tarefa primordial de cada candidato é se opor a outros grupos ideológicos. Tal quadro é especialmente grave porque suas consequências não se limitam às eleições de 2020. O resultado das urnas deste ano moldará de forma especialmente acentuada a disputa de 2022.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, há neste momento 11 pré-candidatos declarados ao cargo de prefeito. Em tese, o número parece sintoma do que poderia ser um debate democrático pujante, com pluralidade de propostas para o mais populoso município do País. No entanto, a realidade é muito diferente. O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, avalia, por exemplo, que a campanha em São Paulo neste ano deverá ser marcada pela “antipolaridade”: de um lado, o antipetismo e, de outro, o antibolsonarismo.

Pelo saneamento – Editorial | Folha de S. Paulo

A melhor versão da nova lei para o setor é a atual, com veto de Bolsonaro

Não resta dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro agiu de modo politicamente desastrado ao vetar, sem diálogo prévio com o Congresso, 11 dispositivos do novo marco do saneamento básico.

Afinal, a legislação aprovada em julho foi obra de uma ampla articulação parlamentar, incluindo partidos governistas e independentes, para superar resistências corporativistas e ideológicas à abertura do setor a empresas privadas.

Na derradeira votação, o Senado aprovou o projeto de lei por 65 votos a 13, e apenas três vetos presidenciais eram esperados.

A decisão de maior impacto de Bolsonaro foi derrubar o artigo que permitia às prefeituras renovar, por 30 anos e sem licitação, os contratos hoje vigentes com empresas estatais estaduais para a prestação dos serviços de água e esgoto.

O trecho atendia a pressões de governadores, que temem a desvalorização das companhias estaduais de saneamento, e ajudara a vencer resistências de deputados e senadores. Não por acaso, lideranças do Congresso mobilizaram-se pela derrubada do veto.

STF prioriza tributação na volta do recesso – Editorial | Valor Econômico

Dados conspiram contra a competitividade do país e influenciam negativamente em sua capacidade de atrair investimentos

Na volta do recesso, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem na agenda das duas próximas semanas o julgamento de nada menos que dez ações tributárias de grande impacto. As dez causas podem resultar em perdas superiores a R$ 100 bilhões aos cofres públicos, apurou o Valor (29/7), em um momento em que o governo federal ainda tenta formatar a reforma tributária.

Seis deles envolvem cobranças de tributos federais. Já está programada para amanhã a conclusão de julgamento de caso que discute a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade. Se a tributação for considerada improcedente, a União deixará de arrecadar R$ 1,2 bilhão por ano, com os quais contava a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O impacto será ainda pior se a União tiver que devolver o que foi pago nos últimos cinco anos, R$ 6 bilhões. Iniciado antes do recesso, este julgamento tem placar desfavorável ao governo, em cinco a três contra a tributação.

A semana termina com outros dois julgamentos importantes, na sexta-feira, envolvendo mais de R$ 30 bilhões. Ambos se referem à tributação sobre a folha de salários. Um deles discute a cobrança da contribuição de 0,6% destinada ao Sebrae, à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). No outro, o desconto é destinado ao Incra. Os casos são antigos e o tempo transcorrido ajuda a inflar os valores. Na mesma sexta-feira, será ainda julgada ação sobre a constitucionalidade da cobrança adicional de 10% do FTGS nos casos de demissão sem justa causa, cobrado do empregador junto com a multa de 40% destinada ao empregado, que ia para a conta da União. A cobrança foi extinta em dezembro e os contribuintes reclamam os valores pagos.

Recriar CPMF continua a ser má ideia – Editorial | O Globo

Para o governo, é um imposto fácil de cobrar. Para a sociedade, impõe carga maior e pune os mais pobres

Parecia já ter ficado claro no ano passado, com a saída do economista Marcos Cintra da Secretaria da Receita Federal, que era má ideia tentar recriar um imposto sobre transações financeiras. A iniciativa não tinha a menor chance de prosperar entre os parlamentares, tamanha a impopularidade do finado “imposto do cheque”, e foi torpedeada por economistas de todas as linhagens, dos liberais convictos aos keynesianos renitentes. Em que pese o retrospecto, a ideia ressurgiu.

O presidente Jair Bolsonaro disse ter dado sinal verde ao ministro Paulo Guedes para estudar o assunto, desde que promova redução noutros tributos. Ninguém sabe dizer ao certo o significado preciso da declaração. O demônio de toda mudança tributária costuma estar nos detalhes. Não se conhecem o formato nem a alíquota do novo imposto, nem que tipo de corte haveria noutros para compensá-lo. No plano da fantasia, é sempre possível que um economista do governo tenha alguma ideia genial jamais testada.

No plano da realidade, Bolsonaro só contribuiu para semear ainda mais dúvida a respeito do já conturbado projeto de reforma tributária elaborado pelo Executivo. As vantagens da nova CPMF para um governo às voltas com uma crise fiscal sem paralelo são óbvias: é um imposto fácil de cobrar e difícil de sonegar. Para a sociedade, em compensação, os argumentos contrários são bem mais fortes — e continuam os mesmos.

Poesia | Nicolás Guillén - Um poema de amor

Não sei. Ignoro.
Desconheço o tempo que andei
sem novamente encontrá-la.
Talvez um século? Acaso.
Talvez um pouco menos: noventa e nove anos?
Ou um mês? Poderia ser. De qualquer forma,
um tempo enorme, enorme, enorme.
Ao fim como uma rosa súbita,
repentina campânula trêmula,
a notícia.
Saber logo
que iria vê-la outra vez, que lá teria
perto, tangível, real, como nos sonhos.
Que trovão surdo
rodando-me nas veias,
estalando acima
em meu sangue, em uma
noturna tempestade!
E o achado, em seguida? E a maneira
que ninguém compreendera
ser nossa própria maneira?
Um toque apenas, um contato elétrico,
um aperto conspirativo, uma visão,
um palpitar de coração
gritando, gritando com silenciosa voz.
Depois
(Sabes mesmo desde teus quinze anos)
esse tatear de palavras presas,
palavras de olhos caídos,
penitenciais,
entre testemunhas e inimigos,
todavia
um amor de “te amo”
de “você”, de “bem quisera,
mas é impossível…” De “não podemos,
não, pense melhor…”
É um amor assim,
é um amor de abismo em primavera,
cortês, cordial, feliz, fatal.
A despedida, logo,
genérica,
na tempestade de amigos.
Vê-la partir e amá-la como nunca;
segui-la com os olhos,
e já sem olhos seguir vendo-a longe,
bem longe, e ainda segui-la
mais longe todavia,
feito a noite,
de mordidas, beijos, insônia,
veneno, êxtase, convulsões,
suspiro, sangue, morte…
Feita
dessa matéria conhecida
com que amassamos uma estrela.