terça-feira, 25 de agosto de 2020

Opinião do dia – Celso de Mello*

Declarações como essas constrangem-me e entristecem-me como brasileiro e cidadão livre desta República. O direito ao livre exercício da imprensa é uma condição básica e essencial para o gozo e preservação das liberdades fundamentais em uma sociedade democrática. Uma sociedade desprovida de uma imprensa livre é uma sociedade prisioneira da onipotência do poder e do arbítrio dos governantes.

A grosseria de qualquer Presidente da República, qualquer que seja a vítima de seu gesto incivil, além de constituir censurável falta de compostura, imprópria e indigna de quem exerce tão elevado cargo na hierarquia da República, também revela perigoso desapreço e claro desrespeito pela liberdade de informação e de imprensa, que representa , entre nós, um dos mais luminosos signos que caracterizam e inspiram qualquer sociedade civilizada e democrática.

*O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, O Estado de S. Paulo, 25/8/2020

Merval Pereira - Decadência

- O Globo

O que é mais grave, torcer para que o presidente morra de Covid-19 ou ameaçar alguém fisicamente? “Minha vontade é encher sua boca de porrada”, essa foi a reação do presidente Jair Bolsonaro ao ser perguntado por um repórter do Globo sobre as razões de sua mulher, Michelle, ter recebido R$ 89 mil de Fabricio Queiroz.

Já o colunista Hélio Schwartsnan escreveu um artigo na Folha de S. Paulo cujo título era “Por que torço para que Bolsonaro morra”. Por causa dele, o ministro da Justiça André Mendonça pediu à Polícia Federal que investigue o jornalista com base na Lei de Segurança Nacional, que define como crime “caluniar ou difamar os chefes dos três poderes federativos”.

Só que, pelo Código Penal, desejar a morte de alguém não é crime, nem de calúnia nem de difamação, enquanto a frase de Bolsonaro para o repórter pode ser considerada “crime de ameaça”, previsto no artigo 147 do Código Penal, que consiste no ato de “ameaçar alguém, por palavras, gestos ou outros meios, de lhe causar mal injusto e grave”.

Mas essas considerações são apenas laterais, o que importa mesmo é que Bolsonaro não tem a menor capacitação para ser presidente da República. Em qualquer país do mundo poderia ter sido eleito presidente, casos dos Estados Unidos de Trump, ou primeiro-ministro, da Itália de Silvio Berlusconi, mas nenhum país sério do mundo aceitaria impassível a quebra decoro permanente, por atitudes, palavreado e mentiras, de seu presidente.

Crimes de responsabilidade em série já foram cometidos por esse autoritário, candidato a ditador. Bolsonaro simplesmente acha que o poder do presidente da República é ilimitado, não aguenta manter relações republicanas com as instituições, muito menos com a opinião pública.

Acha que não tem que dar satisfação a ninguém, que é absurdo perguntar a ele qualquer coisa, e que não tem que dar explicação para casos como esse. A pergunta do porquê de sua mulher Michele ter recebido R$ 89 mil do Fabricio Queiroz é absolutamente importante para sabermos o que está acontecendo no Brasil e naquela família, envolvida em falcatruas e corrupção de baixo calão, baixo nível.

Bolsonaro acha que pode dar esse tipo de resposta a uma pergunta totalmente cabível, que não tem nada de oposição. É um fato denunciado pela revista Crusoé e depois confirmado, com aditivos, pela Folha de S. Paulo que D. Michele recebeu R$ 89 mil do Queiroz. Tudo indica que esse dinheiro pode ser fruto da “rachadinha”, da qual ele e os filhos teriam se beneficiado, de acordo com as acusações do Ministério Público.

Míriam Leitão - Palavras torpes e mente autoritária

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro deveria ter se antecipado e prestado contas ao país das muitas dúvidas sobre as finanças da sua família. A nação tem o direito de saber. O jornalista do GLOBO fez a pergunta certa e necessária. A ameaça de “encher a sua boca de porrada” que ele disparou ao repórter é recorrente e reveladora. Ele quer uma imprensa domesticada que o exalte, como todo ditador. Bolsonaro tem um projeto autoritário de poder, já demonstrou inúmeras vezes, verbaliza com frequência, distorce, mente, atropela limites institucionais, e usa as Forças Armadas como escudo para ameaçar os outros brasileiros. As autoridades do Congresso e da Justiça que não querem ver essa realidade, colaboram com esse projeto.

Ontem o país ultrapassou os 115 mil mortos pela pandemia. Na cerimônia “Brasil vencendo o Covid-19” — fora do tom e sem propósito — o presidente foi aplaudido de pé dentro do Palácio do Planalto depois de agredir os fatos, a imprensa e o ex-ministro da Saúde. Congratulou seu governo por ter indicado o uso da cloroquina, disse que muitas das 115 mil vidas perdidas poderiam ter sido salvas com o remédio, jogou culpas sobre Luiz Henrique Mandetta, repetiu que o Supremo “o alijou” do combate à pandemia e depois ofendeu de novo os jornalistas.

— Aquela história de atleta... que o pessoal da imprensa vai para o deboche. Mas quando pega num bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor. Só sabe fazer maldade, usam a caneta com maldade.

Bernardo Mello Franco - Não era moderação, era medo da polícia

- O Globo

Jair Bolsonaro voltou a dar chilique ao ser questionado sobre os rolos da família. No domingo, um repórter do GLOBO perguntou por que Fabrício Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da primeira-dama. O presidente fez careta, chamou o jornalista de “safado” e ameaçou silenciá-lo na base da “porrada”. Só não quis explicar a transação suspeita.

Bolsonaro já havia apresentado uma versão capenga para os cheques de Michelle. Em dezembro de 2018, ele disse ter emprestado R$ 40 mil ao ex-PM. O dinheiro teria sido devolvido à primeira-dama porque o capitão, muito ocupado, não tinha tempo de ir ao banco.

No domingo, o presidente foi confrontado com mais uma história mal contada: o valor pingado na conta de Michelle foi mais que o dobro do admitido. Sem resposta, Bolsonaro agrediu o autor da pergunta. Reação típica de quem não consegue se explicar.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro recrudesceu

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O caso Fabrício Queiroz tira o presidente do sério, porque a história da rachadinha chegou ao Palácio da Alvorada. Não pode ser investigado, mas a primeira-dama pode”

No Dicionário Houaiss, o significado de recrudescer é “exacerbar-se”, “agravar-se”, se tornar mais intenso. A palavra ficou famosa durante o regime militar, quando o presidente João Batista Figueiredo, que era grosseiro pra caramba, brandiu o verbo. Outro dia, o cronista da Folha de S.Paulo Ruy Castro, grande biógrafo de Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmem Miranda, além de historiador da bossa nova, na base da gozação, resgatou a frase enigmática do último presidente do regime militar: “Reagindo às tremendas pressões sobre ele, vindas tanto dos civis quanto da linha-dura militar, Figueiredo explodiu: ‘Olha que eu recrudesço!’. O país parou, expectante. Parecia uma ameaça — mas de quê, como e contra quem? No Pasquim, Jaguar botou seus dois calunguinhas para discutir. Um deles pergunta: ‘O que é ‘recrudesço’?’. E o outro: ‘Não sei. Mas tem cru no meio’. Apesar da censura e das prisões, a turma do Pasquim não refrescava o general Figueiredo.

Pois bem, Bolsonaro recrudesceu nas grosserias. Irritado com um repórter do jornal O Globo, que havia lhe feito a pergunta que não quer calar nas redes sociais — “Presidente, por que a sua esposa recebeu R$ 89 mil do Fabricio Queiroz?” —, Bolsonaro partiu para a ignorância: “Vontade de encher sua boca de porrada”, respondeu. Estava em silêncio obsequioso desde quando o tempo fechou no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso, contra sua escalada para intimidar os demais poderes. Na semana passada, porém, voltou a ficar à vontade, fortalecido pela bem-sucedida articulação de sua nova base na Câmara e por pesquisas de opinião que, depois de longo tempo, registram aprovação popular maior do que a desaprovação. O caso Queiroz, porém, é seu calo inflamado. O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho, está cada vez mais enrolado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa e nas movimentações financeiras suspeitas de Queiroz, o amigo do presidente e seu ex-assessor parlamentar, que arrasta o clã para as relações perigosas com o submundo das milícias do Rio de Janeiro.

Carlos Andreazza - O minion dribla-teto

- O Globo

Guedes quer ser o pai do novo Bolsa Família

Bolsonaro opera na ambiguidade. A história do veto presidencial afinal mantido sobre a possibilidade de aumentar salários de servidores públicos é exemplar da maneira propositalmente dúbia como manipula suas relações. No caso, com o que se chama de controle de gastos.

Lembremos.

Ainda em maio, ele autorizara que sua liderança apoiasse um acordo, no Senado, que abriria generosa janela de exceções à regra imposta até dezembro de 2021; arranjo por meio do qual várias categorias — inclusive as forças de segurança pública, que lhe compõem a base — poderiam ter reajustes na remuneração. Uma disposição segundo a qual — conforme já indicara a reforma da Previdência dos militares — alguns grupos seriam privilegiados; o que expunha um rigor fiscal destinado só aos outros.

O acordo foi fechado; os privilegiados, definidos. Ocorre, porém, que Paulo Guedes chiou. (Mas sem chamar o acerto apoiado pelo presidente de “criminoso”, né?) Para me valer da imagem formulada pelo ministro na famosa reunião de 22 de abril, ou era granada no bolso de todo servidor (“o inimigo”), ou nada feito. Bolsonaro recuou — e disse, traindo o pactuado, que vetaria o parágrafo cuja inclusão endossara. Vetou. Mas não sem demora. Entre o compromisso verbal com o veto e o veto em si, passaram-se 20 dias. Prazo no curso do qual aumentos para policiais pipocaram Brasil adentro; inclusive aquele que o próprio presidente deu à PM do DF.

E então, só então, passada a boiada, vetou. Difícil imaginar que tenha armado essa farra seletiva sem o aval de Guedes. Afinal, na prática, cumpriu a palavra dada ao ministro. Ficaram todos satisfeitos. Como todos satisfeitos ora estão com o efeito saneador da ação de Rodrigo Maia — a quem foram pedir arrego — para reverter, na Câmara, a rebeldia fiscalmente irresponsável (atitude “criminosa”, segundo o seletivo Guedes) do traído Senado.

Eliane Cantanhêde - 115 mil ‘bundões’?

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro: ‘tem de enfrentar o vírus como homem’ e ‘bundão’ tem mais chance de morrer

Tardou, mas não falhou. O Jairzinho Paz e Amor jogou a toalha e, no domingo, emblematicamente à entrada da Catedral de Brasília, foi o que ele nunca deixou e nunca deixará de ser: Jair Messias Bolsonaro, sempre no ataque, beligerante, grosseiro, despejando sua ira nos repórteres que deixam famílias e amores em casa e enfrentam a covid-19 para cobrir as atividades do presidente-candidato até aos domingos. E ele não deixou barato. Ontem, voltou à carga.

Um repórter fez uma pergunta não só válida, mas obrigatória, e Bolsonaro reagiu à la Bolsonaro: “Vontade de encher a tua boca de porrada”. Pior para ele. A pergunta viralizou, replicada em mais de um milhão de posts em português e outras línguas – “Presidente, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil do Fabrício Queiroz?”. De boca calada, Bolsonaro some das manchetes e sua popularidade sobe. Quando fala, volta às manchetes, choca o País e passa vergonha no mundo.

Apoiadores registraram o golpe e, na tentativa de se contrapor ao tsunami da internet, editaram o vídeo, sem a pergunta do repórter e deturpando a fala de um feirante. Ele convidava Bolsonaro para visitar “a feirinha na catedral”, mas a legenda diz que é para visitar “a filha na cadeia”. Daí a reação do presidente. Feirante, filha, feira, cadeia... Uma lambança. Mas há quem acredite!

Bolsonaro continuou sem explicar os depósitos e não cogitou pedir desculpas ao jornalista, mas poderia ao menos ficar calado. Até ficaria, não fosse Bolsonaro. E, assim, um evento ontem no Planalto virou um festival de vexames. Começa pelo nome: “Vencendo a covid-19”. Vencendo o quê? Com mais de 115 mil mortos e 3,5 milhões contaminados, o Brasil é o segundo País mais atingido pela pandemia no mundo e virou referência de erros, descaso e falta de coordenação federal. Até o “amigão” Donald Trump já disse isso mais de uma vez.

Ricardo Noblat - Não se peça a Bolsonaro o que ele não tem para dar

- Blog do Noblat | Veja

E assim será até o fim

E se tivesse sido o contrário? Se um jornalista, cansado de ouvir o presidente Jair Bolsonaro mandar calar a boca, tivesse respondido: “Minha vontade é encher tua boca na porrada”?

Certamente teria sido preso e acusado pelo crime de desacato à autoridade. E Bolsonaro, 48 horas depois, estaria soterrado por mensagens de solidariedade de meio mundo ou do mundo todo.

Mas foi o contrário. E como reagiram as instituições, as cabeças coroadas da República e as personalidades da área dos negócios sempre tão aflitas com os arroubos presidenciais? Brandamente.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, disse: “Coisas pessoais do presidente, não me compete tecer comentários. Eu não estava junto, não sei… Deixa para lá isso aí”.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, encontrou a quem culpar: os agentes de segurança de Bolsonaro que não o afastaram a tempo dos jornalistas.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, lamentou o episódio, defendeu a liberdade de imprensa, mas foi logo dizendo que não era motivo para abertura de um processo de impeachment.

Se não é quebra de decoro um presidente da República ameaçar encher de porrada a boca de uma pessoa, não importa quem seja, o que é quebra de decoro exigido pelo cargo?

Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo é crime de responsabilidade, segundo a lei do impeachment invocada para derrubar Collor e Dilma.

“Minha vontade é encher tua boca na porrada”, disse Bolsonaro no último domingo em resposta à pergunta por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta da primeira-dama Michelle.

Vera Magalhães - O que fez o presidente se calar o faz explodir

- O Estado de S. Paulo

O mesmo assunto que fez Jair Bolsonaro se calar nos últimos meses foi responsável por sua explosão de violência com um jornalista anteontem. Trata-se do caso Fabrício Queiroz, o calcanhar de aquiles da família Bolsonaro. A pergunta feita ao presidente não foi acessória: o que explica 21 depósitos, no total de R$ 89 mil, da família de Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro?

Não era a única possível concernente ao caso que envolve rachadinha do gabinete do filho Flávio. Por que Queiroz fez depósitos regulares na conta do ex-chefe? Por que os funcionários do gabinete de Flávio depositavam a maior parte de seus salários na conta de Queiroz? Por que Queiroz pagava prestações do patrão?

Nenhuma pergunta autoriza um presidente a responder ameaçando “encher de porrada” a boca do profissional. Esse tipo de arroubo não é exceção. Trata-se do comportamento de Bolsonaro como homem público desde sempre.

Mas a prisão de Queiroz e o cheiro do impeachment o levaram a se recolher e a fingir um republicanismo que não tem nem nunca terá. E a soltura do homem-bomba e sua ligeira subida na pesquisa o deixaram à vontade para voltar a exibir as garras autoritárias.

Tanto que ontem dobrou a aposta, colocando sua milícia para falsear as circunstâncias da agressão e chamando jornalistas de “bundões” numa sinistra cerimônia para “celebrar” a “vitória” contra a covid-19.

Bolsonaro não se moderou, e não o fará a não ser que seja obrigado pelas instituições e pela sociedade. Começou anteontem com uma reação forte e uníssona contra a mais recente barbárie. Mas é preciso mais.

Almir Pazzianotto Pinto* - O mercado de trabalho e a pandemia

- O Estado de S.Paulo

Este ano já é perdido. O governo deve cuidar para a crise não pôr a perder a próxima década

Recebo frequentes convites para participar de reuniões virtuais com o propósito de prever como serão as relações de trabalho em 2021. Prever é profetizar. Profeta, na acepção da palavra, é “alguém por meio de quem se dá a conhecer a vontade e o propósito divinos” (Luc 1:70; At 3:18-21). O Velho Testamento foi revelado a profetas como Moisés, Samuel, Zacarias, Jeremias, Ezequiel. Para os islamitas, Maomé foi o profeta a quem Alá, o único Deus, incumbiu de escrever e difundir o Corão.

A pandemia do coronavírus não foi profetizada. Não tivemos um Moisés a quem Jeová incumbisse de nos alertar sobre a praga destinada a ficar. É impossível dimensionar o tamanho do prejuízo. Sabemos apenas que o número de mortos e de infectados supera as piores estimativas e que a quantidade de empresas quebradas, de empresários falidos, de desempregados, de desocupados e desalentados tende a aumentar.

O mundo ficou mais pobre e o Brasil retrocedeu.

Somos mais de 210 milhões de habitantes de um continente chamado Brasil. O coronavírus cumpriu duplo papel: revelar a verdade oculta por falsas estatísticas e aprofundar a crise cujos primeiros sinais foram emitidos nos anos 1980.

Como ficará o mercado de trabalho após a pandemia? A pergunta exige respostas objetivas e convincentes. Antes que se instalasse já se sabia que a carência de emprego é um dos piores flagelos da humanidade Há mais de 20 anos os dados da Organização Internacional do Trabalho já o denunciavam. Farta literatura europeia examinava o tema em tom pessimista. Não se tratava apenas de problemas de desindustrialização ou de pobreza. Países ricos acusavam elevadas taxas de desemprego atribuídas à globalização, à informatização, à robotização e, mais recentemente, à inteligência artificial.

Como poderemos reencontrar o caminho do desenvolvimento? Como gerar milhões de empregos para jovens, adultos e idosos, brancos, negros e pardos, qualificados ou não qualificados? O primeiro obstáculo é a insegurança jurídica. Não há como ignorar. O temor ao passivo oculto aterroriza o empregador brasileiro. No terreno dos industrializados não estamos entre os exportadores porque os custos finais nos impedem o acesso ao mercado externo.

Rubens Barbosa* - Brasil atropelado

- O Estado de S.Paulo

EUA lançam candidato à presidência do BID, quebrando uma tradição de 60 anos

Com sede em Washington, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi criado em 1959. Embora com participação acionaria majoritária dos EUA, ficou estabelecido que a presidência sempre caberia a um nacional da região e a vice-presidência, a um norte-americano. Nos últimos 60 anos essa regra não escrita (antigamente se dizia acordo de cavalheiros) foi mantida: o BID, um bem-sucedido banco de fomento econômico e social das Américas, foi presidido por chileno, mexicano, uruguaio e colombiano.

Na sucessão do atual presidente havia a expectativa de que Brasil ou Argentina pudessem apresentar candidatos, o que de fato foi feito. O Brasil lançou Ricardo Xavier, de pouco peso político, para a presidência do BID. O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia avisado o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, da apresentação do nome brasileiro, na expectativa de que o Brasil pudesse pela primeira vez eleger o novo presidente. Mnuchin, contudo, com um telefonema acabou com a pretensão do Brasil ao informar que o governo de Washington havia decidido lançar para presidente do BID Mauricio Claver Carone, diretor para assuntos de América Latina no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, quebrando uma tradição de 60 anos. Na contramão do interesse brasileiro, em nota oficial conjunta Ministério da Economia e Itamaraty se alinharam aos EUA, ao afirmarem “ter recebido positivamente o anúncio do firme comprometimento do governo dos Estados Unidos com o futuro do BID por meio da candidatura norte-americana à presidência da instituição”. E completou a nota alinhada ao governo americano: “O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito. O Brasil defende uma nova gestão do BID condizente com esses valores”.

Murillo Camarotto - Relatórios podem ser parados; já os dossiês...

- Valor Econômico

Dados de inteligência ‘stricto sensu’ ficam de fora de relatórios

As autoridades que já tiveram acesso ao relatório de inteligência dedicado a policiais antifascistas foram unânimes nas críticas à forma e ao conteúdo do documento. No Congresso e no Supremo Tribunal Federal, o mais perto que o material chegou de um elogio foi a comparação a um clipping de notícias. Antes, a avaliação não passou de “inútil”, “fofocaiada”, “perda de tempo” ou “desinteligência”.

O anticlímax deveu-se ao fato de que as supostas informações “ultrassecretas” eram, na verdade, apanhados da internet, tecnicamente chamados de “dados abertos”. Segundo explicaram profissionais de inteligência do governo, é esse tipo de informação que costuma ser colocado nos relatórios, especialmente aqueles que circulam entre os vários sistemas de inteligência e que são compartilhados por autoridades de todo o país.

Os dados de inteligência “stricto sensu”, coletados por informantes ou profissionais infiltrados, por exemplo, têm o acesso muito mais limitado. O próprio ministro da Justiça, André Mendonça, admitiu em entrevistas recentes que se o governo federal estivesse, de fato, reunindo informações para fins de perseguição política, esses dados não estariam nos relatórios.

“Se tudo for 100% documentado, então não é inteligência”, resumiu um profissional com anos de experiência na arapongagem federal. Por essa razão, segundo ele, é pouco provável que uma ordem do STF inviabilize totalmente a coleta de informações de inteligência, seja contra policiais antifascistas ou qualquer outro grupo. “Os relatórios podem até parar; a informação eu não garantiria”, ironizou.

Pedro Cafardo - Está na hora de parar com o terrorismo fiscal

- Valor Econômico

Fiscalistas e seus críticos vivem dilema do auxílio emergencial

Um destacado executivo brasileiro fez, dias atrás, uma afirmação interessante, mas controversa. Não é o caso de citar o nome dele, porque não se pretende aqui individualizar uma questão que está longe de ser individual. Por isso, ninguém será citado nominalmente nesta coluna.

A afirmação do executivo foi mais ou menos a seguinte: a âncora fiscal será vista no futuro com a mesma importância que hoje é dada ao controle inflacionário. No passado, discutiu-se se deveríamos ter uma âncora monetária. Hoje esse debate está superado, ninguém questiona mais a relevância e a função social de você ter uma inflação sob controle.

Sim, a afirmação acima é inteligente, mas a comparação não parece muito oportuna. Deixemos de lado a questão da âncora monetária, que passou a ser muita discutida depois que a injeção trilionária de dinheiro na economia não provocou inflação após a grande crise global de 2008. Mas a questão central é que a importância do controle da inflação não foi algo percebido apenas pelos economistas, mas pelos brasileiros no seu dia a dia.

O executivo que fez a comparação entre as âncoras fiscal e monetária talvez não tenha muita memória sobre o que aconteceu no Brasil nos anos 1980 e no início dos anos 1990, até o Plano Real, em 1994. Ele ainda usava calças curtas quanto a inflação brasileira atingiu 82,4% em um único mês, março de 1990. Ou quando foi a 2.477% em um ano, o de 1993.

Pablo Ortellado* - A hora de Paulo Guedes

- Folha de S. Paulo

Se o bolsonarismo sobreviveu a uma ruptura com o lavajatismo, tudo indica que pode sobreviver a um rompimento com o liberalismo de Paulo Guedes

O bolsonarismo foi um movimento político concebido em 2018 a partir da articulação do conservadorismo moral, sobretudo aquele de orientação religiosa, com o lavajatismo e o liberalismo econômico.

Os dois primeiros tinham uma base social mobilizada sobre a qual se construiu a campanha eleitoral. Apesar de afinidades internas, a aliança se desfez com a saída do governo do ex-ministro Sergio Moro. Será que a aliança com o liberalismo, que é de conveniência, consegue resistir às pressões sobre Paulo Guedes?

A força de mobilização do lavajatismo vinha da grande popularidade da Operação Lava Jato e da vitoriosa campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff. A força do conservadorismo moral, por sua vez, vinha do punitivismo penal, que é muito popular, e da campanha das igrejas cristãs contra a ideologia de gênero.

Já o terceiro componente, o liberalismo, não tinha base social significativa. Mas era fundamental porque conferia a um projeto político insurgente legitimidade junto às elites econômicas.

A aliança do conservadorismo com o liberalismo de Guedes não está ancorada em afinidades doutrinárias —como as que existiam com o lavajatismo com quem compartilhava uma inclinação punitivista. Além disso, não dispõe dos laços históricos de compromisso que conservadorismo e liberalismo econômico desenvolveram nos Estados Unidos.

Hélio Schwartsman - Os Lusíadas

- Folha de S. Paulo

Não precisarei socorrer-me de Camões ao lidar com a intimidação que o governo Bolsonaro tenta fazer contra mim

As armas e os Barões assinalados/ Que da Ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana.

É brincadeira, gente. Não precisarei socorrer-me de Camões nem de receitas de bolo —recursos utilizados pelos jornais durante a ditadura, para indicar que estavam sob censura— ao lidar com a intimidação que o governo Bolsonaro tenta fazer contra mim em particular e contra a imprensa em geral, que inventou um inquérito, com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), para me investigar por ter escrito uma coluna em que afirmava torcer pela morte do capitão reformado.

Enquanto tiver um computador e espaço para publicar, não vou deixar de dizer o que penso da atual administração, a mais desastrosa e funesta da breve história da democracia brasileira.

Cristina Serra - O tumor Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

As instituições, até a imprensa, absorveram Bolsonaro como corpo doente se acostuma a hospedar tumor, que um dia mata o hospedeiro

Não sou ombudsman, mas me permito usar este espaço para algumas reflexões. No sábado, o editorial desta Folha trouxe o título “Jair Rousseff”. O texto se refere ao desequilíbrio das contas públicas no governo da ex-presidente e à tentação do atual fazer o mesmo.

A fusão dos dois nomes é um ultraje à ex-presidente. O título chamativo não poderia ter prevalecido sobre o simples bom senso ou o respeito à história de Dilma Rousseff. Na aprovação do impeachment na Câmara, Bolsonaro votou em homenagem ao torturador Brilhante Ustra, algoz da ex-presidente quando de sua militância contra a ditadura. “O pavor de Dilma Rousseff”, tripudiou o então deputado.

Bolsonaro deveria ter saído preso da Câmara naquele dia por apologia à tortura, crime de lesa-humanidade. E, no entanto, aquele foi o ato inaugural de sua ascensão ao poder. Que fizeram as instituições? Câmara? Supremo? Ministério Público? Funcionaram “normalmente”.

Mas a assimilação de Bolsonaro como algo natural pelas instituições começou muito antes. No fim dos anos 1980, o Superior Tribunal Militar ignorou as provas de que o então capitão participara de um plano para explodir bombas em quarteis e o absolveu. 

Joel Pinheiro da Fonseca* - O calcanhar de Aquiles de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

O Brasil precisa saber por que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de Michelle

Ao dizer que tem vontade de "encher tua boca com porrada" a um repórter, o presidente nos transportou de volta no tempo para longínquos seis meses atrás. Era esse tipo de reação que esperávamos quase diariamente da grosseria presidencial: xingando jornalistas, brigando com deputados, atacando o Supremo, ofendendo nações aliadas. E agora? Acabou o "Jairzinho paz e amor"? Uma resposta pôs a perder o esforço de meses de reorientar o governo? Não tão rápido.

Não foi à toa que Bolsonaro mudou de orientação alguns meses atrás. Foi por uma necessidade básica de sobrevivência. Em menos de um ano e meio de mandato, já se discutia abertamente a possibilidade impeachment.

Irresponsabilidade completa na pandemia, investigações sobre seu passado no Rio e sobre o gabinete do ódio, declarações golpistas e desonrosas que, por si só, já poderiam ser interpretadas como crime de responsabilidade.

Tudo isso passou quando Bolsonaro abraçou o centrão. As falas para a imprensa se tornaram mais protocolares. O ministro militante da Educação foi demitido. Nomeou-se um novo ministro da Comunicação. Abandonou-se qualquer aparência de combate à corrupção. Cargos de segundo escalão foram dados a membros das legendas aliadas.

Sr. presidente, por que sua mulher recebeu R$ 89 mil do Queiroz? – Editorial | O Globo

A pergunta do GLOBO foi pertinente. A agressão de Bolsonaro não é resposta

Bolsonaro voltou no domingo a ser o que é. Depois de dois meses cumprindo a liturgia do cargo, agrediu um repórter do GLOBO ao ser questionado, dentro das estritas prerrogativas e da missão do jornalismo profissional, sobre um assunto de interesse público — a razão de a primeira-dama Michelle ter recebido, do casal Fabrício Queiroz e Márcia Aguiar, cheques num total de R$ 89 mil.

O presidente reagiu com palavras dignas daquele personagem do “Casseta & Planeta”, o Maçaranduba, que queria resolver tudo “na porrada”. Os ares de valentão ginasiano podem pegar bem com o extremista que faz o gesto de arminha com a mão. Mas voltar a agredir a imprensa cobra um preço alto nas faixas da classe média e do eleitorado mais instruído, que voltaram a dar apoio a Bolsonaro, não por coincidência nestes pouco mais de dois meses em que mudou de tom.

A onda de críticas que recebeu nas redes sociais — uma enxurrada de perguntas sobre a razão de R$ 89 mil terem sido depositados em favor de Michelle — confirma que Bolsonaro erra ao deixar emergir sua face autoritária, incapaz de entender que, numa democracia, é papel da imprensa fazer perguntas incômodas. É hora de ele compreender que parcela relevante da sociedade não aceita esse tipo de postura. Se não quer ou não sabe responder, que se cale. É inadmissível agredir um repórter que faz seu trabalho.

Pacote é peça de propaganda de olho na reeleição – Editorial | O Globo

Só a lógica eleitoral explica um balaio de propostas tão díspares. O risco é o ‘big bang’ virar um gemido

É previsível como o movimento dos corpos celestes. Basta haver pressão na economia — e ela se tornou insuportável na pandemia —, e lá vem o governo com mais um pacote. O que será apresentado pelo ministro Paulo Guedes tem a pretensão de ser um “big bang”, uma explosão criadora. Pelo que veio a público nos últimos dias, ficará longe disso. A ideia é reunir sob um mesmo slogan, Pró-Brasil, um emaranhado de propostas capazes de dar ao presidente Jair Bolsonaro uma nova bandeira eleitoral, de olho na reeleição. Antes de programa para a economia, portanto, o que vem aí é mais uma peça de propaganda.

Só a lógica eleitoral explica reunir num mesmo balaio propostas tão díspares quanto a desoneração de impostos para eletrodomésticos, a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda, a recriação da CPMF, um programa de obras de infraestrutura, a revisão do pacto federativo e a ampliação do Bolsa Família, rebatizado Renda Brasil. Se o nexo econômico ficou em segundo plano, tais medidas são perfeitamente compreensíveis quando analisadas sob o prisma da política. Cada uma satisfaz a interesses de um público específico, de relevância eleitoral inegável.

O efeito na realidade é mais complicado. Como financiar o Renda Brasil, com benefícios mensais mínimos de R$ 250? Se atender a 30% dos brasileiros, como o atual auxílio emergencial, custaria quase o dobro dos atuais R$ 33 bilhões gastos com o Bolsa Família, segundo uma análise do economista Marcos Mendes. De onde viria o resto do dinheiro? O governo fala em acabar com abono salarial, seguro-defeso e salário-família. Os três somam menos de R$ 25 bilhões. Só aí estaria aberto um buraco de R$ 10 bilhões. E os R$ 5 bilhões previstos para infraestrutura? E as isenções de IR, IPI de eletrodomésticos ou a desoneração da folha para salários de até um mínimo?

Responda, presidente – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro ataca imprensa, mas não explica R$ 89 mil de Queiroz na conta da mulher

Ninguém se iluda com a conduta relativamente branda adotada pelo presidente Jair Bolsonaro desde que lhe ficou patente, pelo anteparo firme das instituições democráticas, a impossibilidade da via autoritária. Era atenuar os modos ou marchar para o impeachment.

O arroubo de incivilidade lançado no domingo (23) contra repórter do jornal O Globo indica que a mudança não passa de adaptação epidérmica, resultante momentânea do choque imposto pela inércia constitucional sobre a atormentada personalidade presidencial.

“A vontade é encher a tua boca de porrada”, reagiu o mandatário ao ser indagado sobre os repasses de R$ 89 mil feitos à sua mulher, Michelle Bolsonaro, por Fabrício Queiroz, investigado sob suspeita de integrar esquema de distribuição ilegal de recursos públicos no gabinete do então deputado estadual fluminense Flávio Bolsonaro.

O destampatório anti-imprensa pelo visto rompeu o fim de semana. Nesta segunda (24), quando promovia mais um folguedo em torno da hidroxicloroquina, o presidente afirmou que jornalista “só sabe fazer maldade, usar caneta com maldade” e soltou mais uma provocação com palavra chula.

A pergunta que aborrece o presidente – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se tivesse uma boa explicação para seus negócios esquisitos, Jair Bolsonaro certamente já a teria dado, sem recorrer à selvageria

Não é nada fácil ser moderado quando se é Jair Bolsonaro. Para quem fez carreira política na base da ofensa explícita a adversários e ao decoro, interpretar um personagem discreto e ponderado como o que o presidente incorporou nas últimas semanas deve demandar um esforço quase sobre-humano. Mas a natureza, cedo ou tarde, se manifesta, e o presidente Bolsonaro voltou a ser quem sempre foi, ao dizer a um jornalista, no domingo passado, que estava com “vontade de encher a tua boca com uma porrada”. Tudo porque o repórter lhe havia feito uma pergunta incômoda.

Que pergunta foi essa, afinal, que causou reação tão truculenta de um presidente que, conforme a crônica política de Brasília, havia se metamorfoseado em democrata de uns dias para cá? O repórter, do jornal O Globo, perguntara a Bolsonaro que explicação ele tinha para os depósitos de R$ 89 mil em cheques na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, feitos por Fabrício Queiroz e pela mulher deste, Marta Aguiar.

Fabrício Queiroz, como se sabe, é o pivô do escândalo da “rachadinha”. Conforme investigações do Ministério Público que abrangem fatos de 2007 a 2018, funcionários do gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente e na época deputado estadual no Rio de Janeiro, devolviam parte do salário que recebiam. Quem recolhia o dinheiro era Fabrício Queiroz, também assessor de Flávio Bolsonaro e amigo de décadas da família do presidente.

Tesouro necessita de uma ajuda providencial do BC – Editorial | Valor Econômico

Necessidade da transferência de recursos é um poderoso sinal de alerta sobre os rumos da política fiscal

Na reta final para a definição do Orçamento de 2021, há uma indefinição básica sobre a política fiscal - a sobrevivência do teto de gastos. A falta de consenso entre as diversas áreas do governo a respeito da obediência a ele acabou influenciando a dinâmica da dívida mobiliária, que tornou-se mais desfavorável após o forte aumento das despesas para o enfrentamento da pandemia e da instabilidade dos mercados.

Com o “colchão de liquidez” em patamar muito próximo do nível mínimo de segurança para a gestão da dívida pública, o Tesouro Nacional deposita agora praticamente todas as suas fichas na expectativa de que o Conselho Monetário Nacional aprove a transferência de boa parte dos lucros do Banco Central (BC) com o câmbio para seu cofre para fazer frente às necessidades de resgate de títulos. A intenção é transferir para o Tesouro R$ 400 bilhões do lucro cambial acumulado em R$ 521,1 bilhões no primeiro semestre pelo BC.

A tensão começou em julho, quando houve um vencimento elevado de cerca de R$ 220 bilhões que não foi totalmente renovado dadas as condições de mercado, e se acentuou no início deste mês, quando o debate a respeito do teto de gastos ganhou espaço. Diante da pressão do mercado por juros mais altos, o Tesouro optou por encurtar os prazos dos papéis. Ainda assim, os prêmios chegaram a quadruplicar em comparação com o praticado no início do ano.

Poesia | Ferreira Gullar - O que se foi

O que se foi se foi.
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.

Se o que se foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.

Portanto, o que se foi,
se volta, é feito morte.
Então por que me faz
o coração bater tão forte?