quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Merval Pereira - Jogo bruto

- O Globo

O ministro Paulo Guedes trava com o presidente Bolsonaro um jogo bruto que se revela na gíria futebolística que ambos usam para dar seus recados. Ontem o presidente anunciou através das redes sociais que daria um cartão vermelho a quem lhe propusesse congelar as aposentadorias e cortar o auxílio a idosos e deficientes para criar o Renda Brasil.

Semanas atrás, fora a vez de Guedes mandar seu recado a Bolsonaro, ao queixar-se de uma crítica feita sobre a proposta de extinção do abono salarial para abrir espaço orçamentário para a ampliação do Bolsa-Família.

Bolsonaro avisou em público que a proposta não seria enviada ao Congresso naqueles termos, pois não tiraria “dos pobres para dar aos paupérrimos”. O próprio Guedes revelou sua conversa com Bolsonaro: “Pô, presidente. Carrinho, entrada perigosa, ainda bem que foi fora da área, senão era pênalti”.

Toda essa linguagem cifrada traduz uma disputa que se desenrola entre dois projetos de poder, a reeleição para Bolsonaro, e o de salvador da economia para Guedes. A reeleição daria mais tempo a Guedes para implantar seu projeto, mas a pandemia tirou o pouco fôlego que a economia tinha para se reerguer, e com ela surgiu o auxílio emergencial, que mudou a história.

Salvo pelo Congresso, que aumentou para R$ 500 a proposta de R$ 200 apresentada pelo governo, Bolsonaro mandou dar R$ 600 e ficou com os louros da popularidade elevada. Recuperou no nordeste o que perdeu nas grandes cidades e capitais devido à sua negligência no combate à Covid-19 e a atitudes antidemocráticas.

Bernardo Mello Franco - Queima Brasil, um projeto de governo

- O Globo

A indústria da devastação é a única a crescer na pandemia. Enquanto o governo reduz o orçamento dos órgãos ambientais, as chamas avançam na Amazônia e no Pantanal. O programa Queima Brasil está em marcha, com a cumplicidade do capitão e de sua tropa.

O fogo já destruiu cerca de 16% do Pantanal, a maior planície alagada do mundo, onde vivem 36 espécies em extinção. Até a semana passada, 23 mil quilômetros quadrados foram reduzidos a cinzas. Uma área maior que a do estado de Sergipe.

Os efeitos para a fauna local ainda não puderam ser calculados. O Parque Encontro das Águas, principal refúgio das onças-pintadas, perdeu mais de 70% de seu território. Mas nem imagens de animais carbonizados foram capazes de sensibilizar o Planalto.

Na semana passada, uma youtuber mirim perguntou à turma do palácio: “Tá pegando fogo no Pantanal?”. O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão responderam com risadas. No domingo, o ministro Ricardo Salles divulgou um vídeo em que passeia num carro de boi. A pecuária está na origem dos incêndios que destroem a região.

Rosângela Bittar - A segunda metade

- O Estado de S.Paulo

Guedes foi tragado pelo confronto do projeto liberal com o projeto populista

Sem rodeios: com a transferência do eixo de poder para a comissão técnica da reeleição, o presidente Jair Bolsonaro completa a erosão política a que vinha submetendo o outrora superministro Paulo Guedes. Ao contrário dos processos de desgaste de outros colaboradores, o do ministro da Economia foge aos costumes. Ele não cai, obrigatoriamente. Sua permanência é facultativa. Por enquanto, a decisão é ficar.

As negociações políticas passaram a ser feitas por um grupo de que fazem parte o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), e os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Com a participação acidental de Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), Braga Netto (Casa Civil) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura).

Alguns ministros continuarão atuando nos seus nichos temáticos: Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Faria (Comunicações) e André Mendonça (Justiça e Polícia). Resguardada a livre intervenção de Bolsonaro nessas áreas. Exemplos, o caso recente do etanol americano e as questões domésticas de Queiroz e companhia.

Os militares continuam avançando. Chegaram à Funarte e assumiram definitivamente a Saúde. Acampam, bivacam e conquistam o terreno. As reformas da Previdência e da administração, bem como outras restrições, não os alcançam.

Tudo guarda coerência com o deslocamento das preocupações do presidente para o vale-tudo da campanha.

O governo não adota uma lógica na administração da Economia. Se for preciso alguma solução orçamentária, faz-se o que a política julgar conveniente.

Luiz Carlos Azedo - O cavalo de pau

- Nas entrelinhas – Correio Braziliense

O governo bate cabeça quanto à saída da crise, e isso repercute muito negativamente no Congresso e entre os investidores. Sinaliza que a equipe econômica está perdida num labirinto

O presidente Jair Bolsonaro desistiu de criar o programa Renda Brasil, no valor de R$ 300 para cada beneficiado, no primeiro mandato. Jogou a toalha porque a equipe econômica não consegue fazer o milagre da multiplicação dos pães, ou seja, não existem fontes de receitas suficientes para o programa que pretendia garantir a transferência mensal, como chegou a ser anunciado pelo presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista coletiva. A ficha somente caiu depois que o secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, um craque em Orçamento da União, disse que a fonte de financiamento do auxílio seria o congelamento das aposentadorias por dois anos.

Bolsonaro acordou com a notícia vazada por Waldery nas manchetes de todos os jornais. Decidiu fazer uma live e detonar a proposta, ameaçando dar um cartão vermelho para o seu autor. A cabeça a prêmio é a de Waldery, que seria a nova baixa na equipe de Guedes, mas é muito difícil que um secretário da sua importância defenda publicamente um ponto de vista como esse sem que o assunto seja cogitado pelo próprio ministro. Waldery não é um neófito no setor público, sabe muito bem que a proposta seria polêmica.

Pode ser que a ideia fosse apenas um “bode na sala”, para negociação com o Congresso, como as equipes econômicas costumam fazer quando querem passar uma proposta para aumentar a arrecadação, no caso, o imposto sobre operações eletrônicas, uma espécie de nova CPMF. Mas de boas — e más — intenções o inferno está cheio. A permanência de Waldery na equipe está com as horas contadas, será o “bode expiatório” de uma ideia considerada infeliz pelo presidente Bolsonaro, que repetiu o bordão lançado em Ipatinga (MG) de que não vai tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Convém, porém, não confundir alhos com bugalhos. Bolsonaro não aderiu à política de cortar gastos na própria carne, rejeitou a proposta porque é impopular e nada mais.

Yascha Mounk* - Os afiados instintos de Biden

- Folha de S. Paulo

Ao evitar cair na armadilha de Trump, democrata vem sendo mais inteligente do que seus colegas

Ao longo das primárias Joe Biden foi retratado como um anacronismo, um homem cujo melhor momento ficara uma década ou três no passado. Ao mesmo tempo em que os veículos da grande imprensa publicavam perfis bajuladores de seus principais rivais, descartavam as chances de sucesso dele.

Mas Biden não apenas derrotou uma dúzia de concorrentes para se tornar o candidato indicado do Partido Democrata como também está persistentemente à frente de Donald Trump nas pesquisas de intenção de voto, lidando habilmente com a política extraordinariamente turbulenta de 2020.

A explicação mais simples é que as pessoas gostam de Joe Biden, e gostam dele por uma razão: diferentemente de Trump e de alguns setores do Partido Democrata, Biden de fato expressa o ponto de vista da maioria dos americanos.

Quando protestos de massa desencadeados pelo assassinato de George Floyd se alastraram pelos Estados Unidos, o público americano reagiu de modo muito menos dividido do que talvez sugira um olhar rápido para a paisagem da mídia polarizada.

De acordo com as pesquisas, a maioria dos americanos encara a brutalidade policial como um problema grave e pensa que precisamos fazer mais para combater o racismo. Segundo as mesmas pesquisas, a maioria dos americanos também considera que protestos violentos são ilegítimos e que “desfinanciar a polícia” é má ideia.

Mas esse consenso passou despercebido por muitas elites políticas e da mídia. O pior ofensor é, como sempre, Donald Trump, que parece ser incapaz de exprimir empatia por aqueles que sofrem com a injustiça e ainda parece pensar que pode fortalecer sua posição inflamando as tensões raciais no país.

Algumas pessoas da esquerda, porém, também se desviaram em direção aos extremos. Políticos progressistas abraçaram mensagens profundamente impopulares como “desfinanciar a polícia”. Alguns jornalistas conhecidos fizeram de conta que a turbulência e as depredações não estão ocorrendo em grande escala e que de qualquer jeito, se isso acontecesse, seria perfeitamente justificável. O senador democrata Chris Murphy, de Connecticut, chegou a ir ao Twitter para se desculpar por ter criticado a violência política.

Monica De Bolle* - A hipóxia da América Latina

- O Estado de S. Paulo

A economia da região já estava abalada antes da pandemia; Brasil e México estavam com as contas desarranjadas

Na lista de países com o maior número de mortes diárias por milhão de habitantes, vidas ceifadas pela covid-19, os dez primeiros lugares pertencem à América Latina. Na lista de países com o maior número de casos diários por milhão de habitantes, há sete países da região entre os mais afetados. O primeiro lugar não pertence aos Estados Unidos, mas à Argentina. O segundo lugar é da Costa Rica, o quarto lugar é do Peru, o quinto do Panamá, o sexto da Colômbia, o sétimo do Brasil. Os EUA aparecem na nona posição, já que a décima pertence ao Chile.

A pandemia chegou à região em fevereiro de 2020, tendo, assim, dado dois meses para que os governos se preparassem. Poderiam ter usado esse tempo para traçar planos de resgate econômico, estratégias de saúde pública, medidas para proteger as centenas de milhões de pessoas vulneráveis da região. Do desperdício emergiram os pulmões dilacerados da América Latina.

Foram muitos os erros. Lideranças frágeis, instituições em crise permanente, presidentes como Andrés Manuel López Obrador no México e Jair Bolsonaro no Brasil que negaram com veemência a gravidade de um vírus novo e letal sobre o qual pouco se sabia. O caso mexicano surpreende bem mais do que o brasileiro já que López Obrador, apesar de algumas limitações, fez campanha como “defensor dos pobres” e prometeu uma agenda de priorização da proteção social em seu país. Até agora, pouco fez. Bolsonaro…bem, com esse já aprendemos tudo o que não devemos esperar que faça.

Ricardo Noblat - Como cobra, o general troca de pele para melhor servir ao capitão

- Blog do Noblat | Veja

Mourão quer ser vice outra vez. Pegou gosto

Procura-se alguém do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que prioriza a divulgação de dados negativos sobre as queimadas que devastam a Amazônia e o Pantanal. Só nos últimos 14 dias, o número de focos de incêndios na Amazônia superou o total de focos registrados nos 30 dias de setembro do ano passado.

Que alguém é esse que tanto se procura? Vice-presidente da República e comandante do Conselho da Amazônia, o general Hamilton Mourão não faz ideia de quem seja. Ou se faz não quer dizer. Foi ele que falou do alguém que prioriza a divulgação de dados negativos. Mas não apresentou provas de que ele exista.

O provável é que o general tenha posto a circular mais uma teoria conspiratória tão ao gosto do presidente Jair Bolsonaro e dos seus filhos. Porque não é preciso que nenhum alguém divulgue dados negativos ou positivos sobre o meio ambiente. Os dados do instituto, com base em imagens de satélites, estão na internet.

Ruy Castro - Cordial, blasé e decorativo

- Folha de S. Paulo

Mourão deve sentir-se reconfortado por ser só o vice-presidente dessa miséria

Você o vê de vez em quando na televisão —não tanto que dê para saturar, nem tão pouco que não o reconheça. É um homem em trânsito permanente. Quando um repórter o laça para uma pergunta, ele está sempre saindo de um carro ou entrando em outro, subindo ou descendo rampas, cercado de aspones e a caminho de algum lugar. Dir-se-ia ocupadíssimo, mas, como sabe ser de sua obrigação, não deixa de conceder um ou dois minutos para um papo com os rapazes e moças. E, ao fazer isso, exibe toda a sua cordialidade, fleuma e bonomia. É o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República.

Não importa a pergunta. Se o jornalista falar da tragédia ambiental, do fogo na mata, dos animais carbonizados, do desmatamento criminoso, do ataque às nascentes, da destruição da terra ou da expulsão dos indígenas, ele responderá a tudo com seu ar blasé e bonachão. Não pode desmentir as acusações filmadas e documentadas, mas também não vê nada demais nelas. Vamos resolver, sorri. E não o altera que, a cada sorriso benigno que oferece às câmeras, uma ararinha azul ou onça-pintada vire torresmo pela ação ou inação de seus subordinados.

Elio Gaspari - A demofobia da ekipekonômika

- O Globo | Folha de S. Paulo

Bolsonaro recolocou Waldery no seu quadrado

Em menos de 24 horas Jair Bolsonaro impôs mais um vexame aos çábios de sua ekipekonômika.

Na segunda-feira o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, saiu-se com mais um lance de demofobia. Ele queria congelar por dois anos as aposentadorias e benefícios da Previdência Social e defendia a ideia com um argumento que poderia ter saído de um camelódromo:

“A desindexação que apoiamos diretamente é a dos benefícios previdenciários para quem ganha um salário mínimo e acima de um salário mínimo. (...) O benefício hoje sendo de R$ 1.300, no ano que vem, ao invés de ser corrigido pelo INPC, ele seria mantido em R$ 1.300. Não haveria redução, haveria manutenção.”

Na manhã de terça Bolsonaro recolocou-o no seu quadrado: “Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos. Quem porventura vier propor a mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa”.

Na essência, Bolsonaro lida com um velho problema da condução da política econômica. Os çábios pensam que mandam e tentam atropelar o Planalto com entrevistas capazes de criar fatos consumados. Foi assim com o vazamento do primeiro plano do Renda Brasil, mandado ao lixo pelo capitão. O doutor Waldery repetiu a receita e deu-se mal.

Hélio Schwartsman - Jardim das delícias tributário

- Folha de S. Paulo

É difícil justificar é que a fé seja imune a impostos enquanto setores mais essenciais à vida são onerados

Depois da pejotização, a religiosização. Se a bancada da Bíblia e o presidente Jair Bolsonaro, agora atuando como um quinta-coluna contra o Ministério da Economia, tiverem êxito em seu intento de prover ainda mais vantagens tributárias a igrejas, poderemos assistir a um movimento de transformação de empresas em organizações religiosas, parecido com aquele que levou celetistas a se tornarem empresários.

Criar uma religião é um procedimento cartorial simples e barato. Como confessei aqui ainda outro dia, eu próprio já montei a minha, consubstanciada na Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, com a qual tive acesso ao jardim das delícias tributário.

Dado que meu intuito era apenas mostrar quão fácil é a religiosização, limitei-me a fazer uma aplicação financeira de valor simbólico sem pagar impostos. Mas, se desse o salto de fé completo, poderia ter me livrado de IRPJ, ISS, IPVA, IPTU e, em alguns estados, até do ICMS embutido nas contas de luz, telefone e TV a cabo.

Bruno Boghossian – Entre pobres e paupérrimos

- Folha de S. Paulo

Presidente reconhece que projeto político é incompatível com parte da agenda de Guedes

Jair Bolsonaro tinha gostado da ideia de turbinar o Bolsa Família e pegar carona no auxílio emergencial do coronavírus. A decisão de abater a proposta do Renda Brasil mostra que, embora seduzido pelo plano de cimentar sua popularidade entre famílias de baixa renda, ele não está disposto a perder apoio em outros segmentos.

O slogan involuntário da política econômica do presidente resume a lógica. Nas últimas semanas, ele disse duas vezes que não pretendia “tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”. A frase tem peso político, mas falha na matemática, já que o governo nunca demonstrou interesse em cobrar essa conta dos mais ricos.

Atrás de recursos para o Renda Brasil, a equipe do ministro Paulo Guedes quis cortar o abono salarial, endurecer as regras de benefícios para idosos miseráveis e congelar aposentadorias. Bolsonaro enxergou o risco de se tornar vilão para ao menos 50 milhões de pessoas que são atendidas por esses programas.

Vinicius Torres Freire - Sem fura-teto, miseráveis vão à breca

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro cancelou debate que permitiria estender auxílio sem derrubar teto de gastos

Jair Bolsonaro não quer “tirar nada dos pobres para dar aos paupérrimos” nem diminuir salários dos servidores públicos. Ainda que quisesse e que o Congresso aprovasse tais planos, algum dinheiro para aumentar o Bolsa Família ou coisa que o valha começaria a aparecer apenas em meados do ano que vem.

Logo, a alternativa prática para estender o efeito do auxílio emergencial é uma gambiarra que burle o teto de gastos federais. Se não houver prorrogação do auxílio ou um esquema qualquer a fim de engordar o Bolsa Família e leva-lo a mais gente, milhões voltarão à miséria total a partir de janeiro.

Essa é a primeira consequência prática fundamental do faniquito presidencial da manhã desta terça-feira (15), preparado e gravado —não foi uma daquelas explosões de saidinha do Alvorada. Como se sabe, Bolsonaro ameaçou expulsar do governo aqueles que queiram congelar o valor de aposentadorias e do salário mínimo ou arrochar outros benefícios sociais. Congelar: não reajustar nem pela inflação. Quer dizer: reduzir, em termos reais.

Além do veto à transferência de renda de “pobres para paupérrimos” e do enterro provisório do Renda Brasil, Bolsonaro disse ao ministro Paulo Guedes (Economia) que quer um programa de criação rápida de empregos. Para Guedes, isso significa reduzir impostos sobre a folha de pagamentos das empresas, o que em tese exige a criação de uma CPMF.

Logo, a segunda consequência prática do veto de Bolsonaro ao Renda Brasil é a volta da discussão prática dessa CPMF de Guedes.

Míriam Leitão - Antes do próximo cartão vermelho

- O Globo

O ministro Paulo Guedes atacou a imprensa, ou seres incorpóreos, pela confusão que ele mesmo criou. Como sempre, deu uma interpretação do comportamento do presidente que o absolve de tudo e culpa outros. Falou de fatos que ninguém está discutindo. “Você, com 51 milhões de desempregados, quer dar aumento de 20%, 30% do salário mínimo?” perguntou Guedes sem ninguém entender a que ele se referia. Disse que o cartão vermelho não é para ele. Aí quem ficou com a cabeça pendurada foi o secretário Waldery Rodrigues. Esse é o método Paulo Guedes de fugir da frigideira: terceiriza a culpa, apresenta uma interpretação própria dos eventos, faz uma declaração sem sentido, apresenta um número absurdo.

Os fatos: desde que a equipe econômica decidiu criar o Renda Brasil, os economistas do governo saíram à procura de receita para a proposta. Anunciaram o programa antes de formatá-lo. Depois saíram enfileirando ideias. Algumas, muito ruins. O que não está na mesa do Ministério já foi despachado para o Congresso para ver se cola nos relatórios que o senador Márcio Bittar (MDB-AC) está preparando. O grande problema é que tudo é falado como se o plano estivesse consolidado, e a discussão, amadurecida internamente. Várias vezes pessoas da equipe disseram que uma das propostas era usar o dinheiro do abono salarial. Depois que Bolsonaro fulminou a tese, dizendo que não se pode “tirar dos pobres para dar para os paupérrimos”, não apareceu o pai da ideia.

Vera Magalhães - Segundo cartão amarelo

- O Estado de S.Paulo

Guedes diz que cartão vermelho não foi para ele, mas está ‘pendurado’

Se o governo Jair Bolsonaro fosse uma partida de futebol seria uma pelada de várzea. Dito isso, vamos explorar a metáfora futebolística (nem para isso a imaginação pobre desse presidente incidental consegue superar o lulismo que disse que iria sepultar) usada pelo presidente.

Bolsonaro mais uma vez preferiu causar nas redes a governar. Em vez de reunir Paulo Guedes e seus subordinados na equipe econômica, cobrar um posicionamento a respeito dos estudos para o Renda Brasil, dizer o que aceita e o que não permite, pedir prazos e metas, algo que seria o mínimo que qualquer gestor com noção do próprio trabalho faria, Bolsonaro resolveu gravar um vídeo, uma das poucas coisas que sabe fazer (e ainda assim com a ajuda do filho 02, Carluxo, ou algum assessor do gabinete do ódio).

Estava na versão pistola, não naquele simulacro de paz e amor que andou encenando nos últimos tempos. Disse que não aceitava tirar dinheiro dos paupérrimos para dar aos pobres, que não permitiria a crueldade de se congelar pensões e aposentadorias e que se alguém insistisse nisso levaria um cartão vermelho.

Capitão do time da equipe econômica – que Bolsonaro fez questão de escalar como uma espécie de adversário do que chamou de “governo”, e não integrantes do mesmo escrete –, Paulo Guedes fez que não era com ele para não levar o tal cartão.

Só não se deu conta de que o expediente é inútil, o enfraquece ainda mais e tira dele a aura de craque que tinha na fase de preparação do campeonato, antes de começar essa pelada de quinta categoria que é este governo. Se não levou vermelho, ainda, Guedes já acumula dois amarelos em pouco tempo do árbitro Bolsonaro, e não adianta pedir VAR (com a escusa do meu amigo Octávio Guedes para fazer menção à sua comparação de ontem na TV).

Pedro Cafardo - Cartão vermelho é ameaça a fiscalistas

- Valor Econômico

Com compaixão, técnicos poderiam ser mais criativos

Antes de o presidente Jair Bolsonaro ameaçar tirar do bolso seu cartão vermelho populista e interromper o debate sobre a criação do programa Renda Brasil, a ideia do Ministério da Economia de congelar os benefícios da Previdência fazia sucesso no Congresso.

Para manter a gentileza, vamos considerar apenas que o senador Márcio Bittar, do MDB do Acre, escorregou ao dizer que “a indexação é algo de viés esquerdista, daqueles que acham que o Estado tem que interferir nesse nível”.

A história da indexação no Brasil é relativamente recente, bastante interessante e sua criação nada tem a ver com a esquerda. Ao contrário, derrubado o esquerdista João Goulart, pelo golpe militar de 1964, os ministros do Planejamento, Roberto Campos, e da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões, instituíram a correção monetária no Brasil.

À dupla Campos-Bulhões nem de longe se pode atribuir algum viés esquerdista. Mas foram eles que, naquele ano fatídico, logo após o golpe, criaram a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN).

Bulhões (1906-1990) foi sem dúvida um gênio de sua geração. Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) também, embora muito mais controverso. Ambos, porém, eram liberais convictos e o segundo sempre foi odiado pela esquerda. Foram eles que introduziram no Brasil uma experiência que já havia sido testada em alguns países no combate à inflação, o câncer econômico do terceiro mundo na segunda metade do século 20.

Sem política fiscal crível, risco afeta juro e câmbio e leva à inflação, diz Pastore

Ex-presidente do Banco Central considera fundamental manter o teto de gastos e encaminhar reformas que garantam a sustentabilidade das contas públicas

Por Anaïs Fernandes | Valor Econômico

SÃO PAULO - Sem arrumar o cenário fiscal, o que inclui a manutenção do teto de gastos e o encaminhamento de reformas estruturais, o Brasil terá de conviver com juros longos mais altos, câmbio mais depreciado e, futuramente, risco inflacionário maior, alerta o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, sócio da A.C. Pastore & Associados. Apesar do aperto nas contas, ele disse ontem, em Live do Valor, ver espaço para um novo programa de transferência de renda que, remanejando benefícios atuais, seja fiscalmente sustentável e evite condições de pobreza. Pastore recomendou que o governo olhe para saídas do tipo e sugeriu que a sociedade faça pressão por isso.

O economista reforçou que o país foi “pego” pela pandemia em uma situação fiscal bastante vulnerável e, ainda assim, precisou aumentar gastos. Relativizando a importância da discussão sobre uma retomada econômica em “V”, Pastore, que é coordenador do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), afirmou que a atual recessão é a mais profunda da história do Brasil, mas também deverá ser muito curta, com dois trimestres, assim como na crise financeira de 2008-2009.

O auxílio emergencial foi muito importante para evitar uma queda ainda maior no consumo das famílias, o que beneficiou sobretudo o comércio - a trajetória dos serviços ainda gera incertezas, segundo ele. “Quando terminar a ajuda, se não tiver algo que a substitua, vai ter um problema no consumo”, disse. Ao mesmo tempo, Pastore considera que o programa tem um desenho “torto”, englobando mais do que aqueles de fato em situação de emergência e, assim, produzindo déficits maiores do que o necessário.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro joga para substituir o PT e isolar ministro da Economia

- Valor Econômico

Não se trata mais de mitigar o benefício que ele criou por conta da pandemia, mas de manter o programa petista, de preferência com um aumento no valor ou um alargamento da base de beneficiários

Ao rifar o Renda Brasil, dizer que vai manter o Bolsa Família e descartar o congelamento de aposentadorias ou salário mínimo, o presidente da República, numa jogada, deslocou dois de seus obstáculos. Goste-se ou não, marcou em cima do lance. O primeiro é o desgaste advindo da redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 até janeiro e de quanto mais ainda não se sabe a partir de janeiro. Ao manter o Bolsa Família, Jair Bolsonaro dribla essa redução.

Não se trata mais de mitigar o benefício que ele criou por causa da pandemia, mas de manter o programa petista, de preferência com um aumento no valor ou um alargamento de sua base de beneficiários. Hoje o valor médio pago ao Bolsa Família é de R$ 190, um programa melhor e mais bem desenhado que o Renda Brasil. Mantê-lo, portanto, é uma decisão acertada. Ao tomá-la, o presidente converge com recomendações insuspeitas como a da Frente Brasileira pela Renda Básica. Mas ao manter o programa Bolsonaro vai além.

Tudo pela reeleição – Opinião | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro, como se sabe, não governa - não só por sua patente incapacidade, mas também, como está ficando a cada dia mais claro, por cálculo político.

Quem governa deve necessariamente assumir responsabilidades, e muitas vezes, em razão disso, acaba por indispor-se com seu eleitorado, pois muitas decisões duras devem ser tomadas mesmo que acarretem impopularidade e risco eleitoral. Assim agem os estadistas.

Já Bolsonaro, que só pensa em reeleição e jamais desceu do palanque, tudo faz para se livrar do fardo político que lhe foi designado na eleição de 2018. Sempre que vê seu projeto pessoal ameaçado, não titubeia: atribui a terceiros as consequências muitas vezes nefastas de seu modo caótico de administrar o País - e não raro esses terceiros fazem parte de seu próprio governo. É espantoso.

O último episódio dessa série já constrangedora de pusilanimidade foi a repreensão pública de Bolsonaro à sua equipe econômica em razão da informação, divulgada pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, de que o governo cogitava da hipótese de congelar por dois anos o reajuste das aposentadorias para financiar o Renda Brasil, programa com o qual o presidente pretendia deixar sua marca na área social, no lugar do Bolsa Família.

“Acordei hoje surpreendido por manchetes em todos os jornais”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado ontem. Em seu já conhecido linguajar trôpego, discursou: “Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. Quem porventura propor uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem o mínimo de coração, não tem o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil”.

A indignação de Bolsonaro contra gente de seu próprio governo é o ponto alto de sua ofensiva para se dissociar de tudo o que possa ameaçar sua reeleição. Já havia sido assim no auge da pandemia de covid-19, em que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, aos governadores de Estado e a dois ministros da Saúde que se recusaram a receitar cloroquina a responsabilidade pela escalada da crise econômica e das mortes.

Política da fé – Opinião | Folha de S. Paulo

Com muitas igrejas virando negócio, é crucial elevar sua transparência financeira

Desde 1946, a Constituição brasileira garante a imunidade de igrejas e templos para impostos. O dispositivo, que se manteve inabalável nas Cartas seguintes, tem como objetivo assegurar a liberdade de culto e impedir a criação de tributos que onerem minorias religiosas.

Essa garantia, cujo anacronismo talvez merecesse um debate maduro, impede que União, estados e municípios possam cobrar taxas que incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços promovidos por centros religiosos. No que depender do Congresso e do presidente Jair Bolsonaro, essa lista de privilégios deve crescer ainda mais.

Um projeto de lei aprovado recentemente pela Câmara, originalmente sobre acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores, veio turbinado por uma emenda do deputado David Soares (DEM-SP).

A proposta estabelece que as igrejas não só deixem de pagar contribuições, caso da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e da previdenciária, como as anistia de dívidas tributárias de cerca de R$ 1 bilhão —um despautério em condições normais e injustificável na atual situação.

Os débitos referem-se a cobranças feitas pela Receita Federal, que nos últimos anos identificou manobras de templos para distribuir lucros e remuneração variável a funcionários sem o devido pagamento desses tributos.

Ideb revela a melhora no ensino médio e o desafio da pandemia – Opinião | O Globo

A persistente omissão do MEC comprova que a Educação não tem mesmo importância para o governo

A melhor notícia no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgado ontem é que, em 2019, o ensino médio, motivo de preocupação e dor de cabeça para governantes e educadores, registrou a maior evolução desde que o indicador foi criado, em 2007. A nota média dos estudantes desse segmento no ensino público, o mais problemático, subiu de 3,5 para 3,9. É pouco, longe da meta de 4,8. Mas o resultado deixa para trás um longo período de estagnação.
O Ideb dá o tamanho do desafio que têm escolas públicas e privadas para compensar os estragos pedagógicos causados pela pandemia. Será lamentável se houver um recuo significativo no ensino médio público, como resultado da falta de empenho e de competência nos governos para planejar e executar estratégias capazes de recuperar o tempo sem aulas.

Também há dificuldades nas escolas particulares. Pela primeira vez em 15 anos, o Ideb da rede privada ficou estagnado nos anos iniciais do ensino fundamental, em 7,1, ainda abaixo da meta de 7,4. O ensino público, em compensação, registrou 5,7, ultrapassando o objetivo de 5,5.

O impacto fiscal da redução do funcionalismo – Opinião | O Globo

Congelamento salarial em vigor e reposição menor de aposentadorias trariam fôlego expressivo, diz Ipea

O último relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgado ontem, levantou o alerta para o que todos já suspeitavam: será estreitíssimo o espaço para cumprir em 2021 o teto de gastos, única âncora fiscal em vigor no país. Ao analisar a proposta orçamentária encaminhada ao Congresso, a IFI verificou que faltaria cortar R$ 20,4 bilhões para cumprir o teto, estipulado em R$ 1,49 trilhão. É esse aperto orçamentário o motivo para o presidente Bolsonaro já ter torpedeado o programa Renda Brasil. Simplesmente não há espaço para delírios, por mais bem intencionados que sejam. A IFI fala até em paralisia da máquina pública caso o teto seja rompido.

O risco decorre do pouco caso do Congresso com as emendas que autorizariam medidas de redução de gastos, como o corte preventivo de jornadas e salários. Pela lei, é necessário que o teto seja rompido para que tais gatilhos possam ser acionados. A PEC Emergencial permite antecipá-los. O próprio nome não deixa dúvida: a aprovação é urgente, para desfazer os males da decisão do Supremo que declarou inconstitucionais os mecanismos de corte previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Se essa é a arma no curto prazo, o governo dispõe de arsenal mais amplo num prazo mais extenso. A principal artilharia é a reforma administrativa, como comprova uma oportuna nota técnica do Ipea que avalia o impacto da redução das despesas com pessoal. De acordo com estimativas do governo, a proposta enviada ao Congresso resultaria em economia de R$ 300 bilhões em dez anos. O Ipea eleva a possibilidade a até R$ 816 bilhões.

Bolsonaro fulmina propostas de Guedes para Renda Brasil – Opinião | Valor Econômico

Bolsonaro opera em modo eleição e discorda de quaisquer programas que possam lhe subtrair votos

Bem a seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou em público as ideias que vinham pululando ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e fulminou de vez o Renda Brasil, natimorto substituto do Bolsa Família.

Concentrado na reeleição desde seu primeiro dia no cargo, Bolsonaro ficou estarrecido com a engenharia financeira da equipe econômica para obter dinheiro para o programa de renda básica bolsonarista: congelamento das aposentadorias e do salário mínimo por dois anos e revisão dos benefícios de prestação continuada (idosos miseráveis e carentes com deficiências).

“Até 2022, no meu governo, está proibida a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família. E ponto final”, esbravejou Bolsonaro, ao vislumbrar o naufrágio de sua popularidade caso fossem aplicadas as fórmulas do “laboratório do doutor Silvana” da Economia. Não há recursos para o Renda Brasil, e o ministro Paulo Guedes tenta colocá-lo de pé com recursos de outros programas sociais.

No primeiro esboço de Guedes, ceifavam-se o abono salarial, o seguro defeso e a Farmácia Popular. Em 25 de agosto, o presidente, irritado, declarou que o Renda Brasil estava “suspenso” porque ele não queria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. A bronca em público levou Guedes a dizer que levara um “carrinho” do presidente - uma entrada muito dura. Ontem, o presidente disse que às pessoas que pensam em congelar a renda dos aposentados ele só poderia “dar um cartão vermelho” - a expulsão. Guedes tentou tirar de letra e afirmou que o cartão não era para ele. “A resposta do presidente foi política, correta”, disse. Mas o desgaste é evidente.

Poesia – Mario Quintana - A canção da vida

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio…
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí…
como um salso chorando
na beira do rio…
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

– Mario Quintana, do livro “Esconderijos do tempo”, 1980.