*Giuseppe Vacca, Modernidades
alternativas. O século XX de Antonio Gramsci, Brasília/ Rio de Janeiro:
FAP/ Contraponto, 2016, p. 267
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
Opinião do dia - Giuseppe Vacca*
Merval Pereira - O paradoxo do auxílio emergencial
Bernardo Mello Franco – O bispo, o tribunal e a urna
Marcelo Crivella se candidatou a prefeito, mas governa o Rio como bispo. Desde que tomou posse, ele serve aos interesses da Igreja Universal, fundada por seu tio. A cidade que se julgava cosmopolita virou laboratório de um projeto que mistura política e religião.
Neste modelo de governo, as crenças do pastor falam
mais alto que as obrigações do gestor. Crivella boicota o carnaval, festa mais
importante da cidade, porque sua igreja associa a folia ao pecado. A atitude
prejudica o turismo e a indústria do samba, que gera milhares de empregos
durante todo o ano.
Em 2019, o prefeito mandou apreender um gibi por
causa de um beijo entre dois homens. A censura foi derrubada pela Justiça, mas tumultuou
a Bienal do Livro. Há quatro meses, ele mandou instalar um tomógrafo no
estacionamento do templo da Universal na Rocinha. O aparelho deveria ter sido
montado na UPA, onde os moradores são atendidos sem discriminação religiosa.
Flávia Oliveira - A fobia é ao axé, presidente
Em lugar algum
da Constituição está escrito que uma só fé define a nação
Em religiões de matriz africana, Tempo é divindade. Pois só intervenção
divina, não coincidência, explica que mais de um século de sequestro de peças
sagradas de religiões de matriz africana tenha chegado ao fim na véspera do
discurso em que o presidente da República exortaria o mundo a combater a
cristofobia e apresentaria o Brasil à ONU como país cristão e conservador. Foi
na segunda, 21 de setembro, que o caminhão com 72 caixas retiradas do antigo
prédio do Dops — órgão de repressão tanto do Estado Novo quanto da ditadura
militar — estacionou no Museu da República, novo endereço da Coleção Magia
Negra, já rebatizada de Acervo Sagrado Afro-Brasileiro. O sentido pejorativo da
denominação por autoridades policiais é evidência da perseguição histórica
sofrida por terreiros de umbanda e candomblé. A fobia é ao axé.
Jair Bolsonaro acenou a grupos religiosos que formam sua base de apoio
político-eleitoral e deu as costas à Carta que jurou respeitar. No parágrafo VI
do Artigo 5º, a Constituição Federal estabelece que “é inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias”. O Brasil fez uma escolha conservadora nas urnas em 2018. É um
país com muitos cristãos — católicos, protestantes e neopentecostais são
maioria —, mas em lugar algum está escrito que uma só fé define a nação.
Luiz Carlos Azedo - Derrota do racismo estrutural
O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em memorável decisão, definiu,
ontem, por medida liminar, os critérios para destinação de recursos do fundo
eleitoral aos candidatos negros nas eleições municipais deste ano, com validade
imediata, cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definir outros
critérios, se assim entender. Como o presidente do TSE, ministro Luís Roberto
Barroso, tem feito críticas duras ao racismo estrutural e questionado a
sub-representação da população negra nos partidos e casas legislativas, muito
dificilmente a decisão será revertida na sua essência, ainda que os partidos
aleguem falta de tempo para se ajustar aos novos critérios.
A liminar de Lewandowski é
coerente com decisões anteriores sobre o mesmo tema, bem como a jurisprudência
que vem sendo firmada tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a adoção de ações afirmativas com critério
racial. No histórico julgamento da ADPF 186, que questionava o programa de
cotas com critério racial na Universidade de Brasília, em 2011, o Supremo
considerou improcedente o recurso apresentado pelo DEM e considerou as cotas
raciais constitucionais. Relator do processo, Lewandowski sustentou que as
cotas da UnB não eram desproporcionais ou irrazoáveis, mantendo a reserva de
20% das vagas para candidatos negros e indígenas. Os demais ministros
acompanharam seu voto por unanimidade.
Na ocasião, Lewandowski
ponderou que o Estado, com o fito de alcançar a igualdade material, deve
desenvolver tanto políticas universais quanto afirmativas. Na mesma linha, o
ministro Marco Aurélio Mello, interpretando a Constituição de 1988, que
promoveu uma verdadeira revisão sobre a questão racial no Brasil, desenhou:
“Pode-se dizer, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização
estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma
igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”,
“erradicar” e “promover” implicam mudança de óptica, ao denotar “ação”. Não
basta não discriminar. É preciso viabilizar — e a Carta da República oferece
base para fazê-lo — as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o
sistema simplesmente principio lógico. A postura deve ser, acima de tudo,
afirmativa.”
A decisão de ontem é
histórica porque sinaliza para a população negra, principalmente os mais
jovens, que a política pode deixar de ser um instrumento do racismo estrutural
no Brasil para ser uma via de ascensão ao poder e uma alavanca para grandes
mudanças na condição social dos negros brasileiros. Como na questão das cotas,
tem esse papel simbólico, além de ser uma política de reconhecimento, de
compensação pela discriminação e de promoção de novas lideranças negras. No
fundo, é quase uma decorrência da política de cotas nas universidades e,
inevitavelmente, acabará chegando formalmente, também, à contratação de
trabalhadores e à composição da direção das empresas.
Ricardo Noblat - Governo ignora o que lhe cabe e se mete onde não deve
E segue o baile
Talvez o presidente Jair
Bolsonaro não chegue ao ponto de ter vontade de sacar do revólver quando ouve
falar em Cultura. Numa peça antinazista de Hanns Jost, encenada em Berlim em
1933, ano em que Hitler assumiu o poder, um personagem dizia: “Quando ouço
alguém falar em Cultura, saco o meu revólver”.
Mas Cultura não é lá do
agrado do ex-capitão, que já confessou que nunca leu um livro. “Tem muita
letra”, queixou-se. “Precisa ter mais figuras”. Por extensão, Educação também
não é. Em pouco mais de um ano e meio de governo, dois tristes nomes passaram
pelo Ministério da Educação. E o terceiro começou mal.
O pastor presbiteriano
Milton Ribeiro revelou-se um homofóbico logo em sua primeira entrevista desde
que assumiu o cargo. Disse que a homossexualidade é uma “opção”, que ele
atribui ao que chamou de “famílias desajustadas”. “Normalizar isso e achar que
está tudo certo é uma questão de opinião”, declarou. Não é.
Pediu para receber uma dura
resposta de qualquer dos seus antagonistas, e a recebeu do youtuber Felipe Neto
(33 milhões de seguidores nas redes sociais), recém-incluído na lista das 100
pessoas mais influentes do mundo em 2020, segundo a insuspeita revista
americana “Time”. Neto perguntou ao ministro:
“Se família
desajustada gera homossexuais… Que tipo de família gera envolvimento com
milicianos e desvio de verba de gabinete para compra de imóveis, além de
lavagem de dinheiro?”
Ribeiro pensa o que disse,
mas fez questão de dizer para reconciliar-se com Bolsonaro, irritado desde que
ele recebeu em audiência um grupo de deputados federais da oposição – entre os
quais, Tabata Amaral (PDT-SP). Foi na quarta-feira da semana passada, segundo
contou Igor Gadelha, repórter da CNN Brasil.
Bolsonaro orientou Ribeiro a
filtrar mais quem recebe no ministério. E, se tiver que receber opositores do
governo por obrigação, que não saia divulgando positivamente esses encontros.
Que não fosse ingênuo e não se auto sabote. Ribeiro explicou que os deputados
integravam uma comissão da Câmara. E daí?
Além de preconceituoso,
Ribeiro revelou-se ignorante ao sugerir na entrevista que seu ministério não
está interessado em aperfeiçoar a tecnologia nas escolas. Para ele, por
exemplo, a dificuldade do ensino a distância durante a pandemia do
coronavírus é problema dos outros, dele não:
– A sociedade brasileira é
desigual, e não é agora que a gente vai conseguir deixar todos iguais. Esse não
é um problema do MEC, é um problema do Brasil.
Dora Kramer - Patriota do avesso
A pretexto de defender,
Bolsonaro só propicia agressões ao Brasil
A menor das preocupações de
Jair Bolsonaro é com o humor do mundo. Pouco se lhe dá que o discurso feito na
abertura da Assembleia-Geral da ONU tenha sido desconstruído ponto a ponto e,
por obra da versão fantasiosa, angariado críticas e descrédito. O presidente
está se lixando para a avaliação mundial sobre o governo dele, assim como não
liga a mínima para a opinião do público interno que compreende a extensão dos
prejuízos causados pela devastação dos nossos recursos naturais e a degradação
da imagem do Brasil no exterior.
A maior preocupação de Jair
Bolsonaro é com o estado de espírito do brasileiro médio que vota e explicita
suas demandas prioritárias em pesquisas como a do Ibope publicada no
jornal Estado de S. Paulo no último dia 21. Ali foram
listados dezoito itens para que os eleitores paulistanos apontassem suas
premências: o meio ambiente ficou com o penúltimo lugar, com índice de 1%,
apenas atrás do lazer e cultura, que registraram 0% na escala de interesses dos
consultados.
É nesse tipo de cenário
(provavelmente replicado país afora) de prioridades relacionadas a saúde,
transporte, segurança, emprego, educação e outras carências que o presidente da
República concentra suas atenções, convicto de que, assim, fala para o enorme
contingente em cuja pauta de urgências não consta a preservação do meio
ambiente. Um dado de lamentável realidade ao qual se atém o presidente em
detrimento do dever e da necessidade de incutir na população a educação
ambiental como fator essencial de sobrevivência.
“O populismo
regressivo em vigor deseduca e só nos leva à desordem e ao retrocesso”
Eliane Cantanhêde* - Não é com ele
Ibope confirma: realidade e racionalidade não definem popularidade
O que o presidente Jair Bolsonaro,
o ex-presidente Lula e o presidente
americano, Donald Trump,
têm em comum? Chova ou faça sol, seus seguidores se mantêm firmes e fortes e,
quanto mais eles erram, mais bobagens falam, mais consolidam e ampliam sua
popularidade. É um fenômeno político que resvala para a seara religiosa, de
crença, de dogmas.
Quando a paciência do então ministro Sérgio Moro se
esgotou, a deputada bolsonarista Carla Zambelli,
sua afilhada de casamento, ficou apavorada: “Bolsonaro vai cair se o senhor
sair”. Pois é. Bolsonaro não caiu e, muito pelo contrário, não para de crescer
nas pesquisas. Se nem a queda de Moro o afetou, o que poderia afetar?
Pelo CNI/Ibope, a aprovação de Bolsonaro deu um salto de 29% para 40% e
a desaprovação caiu de 38% para 29%, entre dezembro de 2019 e agora. E o que
marcou esse período? A pandemia,
que já matou perto de 140 mil brasileiros e
milhões de empregos, e as queimadas, que devoram a Amazônia, o Pantanal e
a confiança do mundo no Brasil. Os fatos, que seriam contra qualquer
governante, não atingiram Bolsonaro e ele até saiu lucrando. Seria simplista
atribuir isso só aos R$ 600.
Daí a comparação com Lula, que passou
incólume pelo mensalão, esquema engendrado e operado no Planalto, e pelo
petrolão, que resultou até em prisão, e levou Fernando Haddad ao
segundo turno em 2018. Daí, também, a comparação com Trump, que mente,
tripudia, se lixa para direitos humanos, afugenta todos os principais
assessores, inclusive os militares mais graduados, mas dividiu a potência em
torno dele. Em 3 de novembro, os americanos não estarão votando entre Trump
e Joe Biden,
mas a favor ou contra Trump.
É o que ocorre neste momento no Brasil, com
o mundo e boa parte da opinião pública nacional aterrorizados com a ojeriza ou
descaso de Bolsonaro com educação, saúde, meio ambiente, cultura, política
externa, direitos humanos. A ponto de os opostos – agronegócio e ambientalistas,
bancos e cientistas, ex-ministros tucanos e petistas – se unirem para defender
a Amazônia. De quem? De Bolsonaro. Mas, apesar disso tudo, ele não só mantém
como amplia apoios.
Reinaldo Azevedo - O povo e as elites contra a democracia
Sistema, que vai além da
escolha de governantes, está em perigo porque a paixão das facções chega às
decisões de Estado
Pesquisa CNI-Ibope aponta recorde de popularidade do governo Bolsonaro. Acham seu governo ótimo ou bom 40% dos entrevistados. Apenas 29% dizem ser ruim ou péssimo. Estou com a minoria dos 29%. "Que é, Reinaldo, vai discordar da maioria do povo?" Já fiz isso muitas vezes.
Em 2006, no auge de embates com esquerdistas, escrevi
um texto que me rendeu uma tempestade de insultos. Lá se lia: "Fico aqui
queimando as pestanas, tentando achar um jeito de eliminar o povo da
democracia. Ainda não consegui. Quando encontrar, darei sumiço no dito-cujo em
silêncio. Ninguém nem vai perceber...".
Um amigo me censura pelo emprego, que considera
excessivo, da ironia. Talvez tenha razão. Não costumo explicá-la. Com nota de
rodapé, ela vira capim. Esquerdistas me mandaram para o "paredón"
moral por aquele artigo. Direitistas aplaudiram. Corria o ano da graça de 2006,
e Lula seria reeleito três meses depois, um ano após o mensalão.
Eu fazia uma citação coberta do Artigo 10, de "O
Federalista", de Madison, que trata da necessidade de preservar a
"Assembleia" das paixões do que ele chama "facções" —sejam
majoritárias ou minoritárias. E daí se pode supor que o que ele entende por "República",
que nós chamamos "democracia", é mais do que a vontade da maioria.
O governo era então de esquerda. Hoje, somos governados
pela extrema direita, com um estoque de agressões à ordem constitucional e
legal que supera, em um ano e nove meses, os 13 e poucos de
gestões petistas. E eis-me aqui de novo a negar capim a ruminantes.
Ruy Castro* - Os rolos da família Bolsonaro
Sim, no passado movimentava-se mais dinheiro. É que o baixo clero voa abaixo do radar
Sempre achei que o objeto da
advocacia fosse o estudo das leis e de seus adendos, emendas, petições, parágrafos
e ab-rogações. Estava enganado. Nenhum advogado hoje irá longe sem um pós-doc
na investigação de contratos, saques, depósitos, transferências e transações
financeiras em geral, especialmente as ilícitas. Um ramo dessa disciplina é o
que tenta entender por que os praticantes de tais operações tanto se casam e
descasam entre si e não param de fazer negócios uns com os outros.
Depois do intenso trabalho
de desmonte dos trânsitos milionários do PT e de outros partidos com
empresas e governos, é a vez de um mergulho em águas igualmente
turvas: os rolos da família Bolsonaro. Os Bolsonaros legítimos não passam
de meia-dúzia, compreendendo o titular, seus filhos e suas atuais mulheres,
mas, em 30 anos de ação nos gabinetes oficiais, arrolaram um histórico de
práticas e de associados que está levando a Justiça à loucura.
É uma infernal ciranda de
dinheiro originário da compra e venda de imóveis, depósitos fora do expediente, lojas de chocolate e salários de assessores que triplicavam ou
se reduziam à metade, protagonizados por funcionários invisíveis que se
revezavam passando dois ou três meses em cada cargo e um turbilhão de mulheres,
ex-mulheres, filhas, noras, ex-noras e até vendedoras de açaí, todos aparentemente
comandados por um homem que só pode ser um gênio da administração: Fabrício Queiroz.
Bruno Boghossian – Palanque do obscurantismo
Governo Bolsonaro usa educação como palanque para sua cruzada obscurantista
Jair Bolsonaro só não fechou o Ministério da Educação até agora porque precisa dele em sua cruzada obscurantista. Por quase dois anos, o governo ignorou o ensino público, tentou sabotar o financiamento do setor e explorou a pasta como palanque para seus retrocessos.
O terceiro chefe da área se esforça para superar
Ricardo Vélez e Abraham Weintraub em improdutividade e intolerância. De uma só
vez, Milton Ribeiro conseguiu fazer propaganda de visões preconceituosas e
fingir que não têm nada a ver com disfunções da educação brasileira.
O doutor sugeriu ao jornal O Estado de S. Paulo que
o ministério não tem interesse em melhorar a tecnologia nas escolas. Para ele,
a dificuldade do ensino a distância durante
a pandemia é problema dos outros.
“A sociedade brasileira é desigual, e não é agora
que a gente vai conseguir deixar todos iguais”, afirmou. “Esse não é um
problema do MEC, é um problema do Brasil.”
Talvez Ribeiro estivesse mais interessado em
conseguir um cargo no governo da Noruega, mas acabou ficando por aqui. Se
estivesse insatisfeito, ele poderia procurar países onde ressoam alguns de seus
valores, como o Iêmen ou a Mauritânia.
Vinicius Torres Freire - Faca amolada no imposto e nó cego
Depois de semanas de reviravoltas, não há dinheiro para Bolsa Família gordo
A última de Paulo Guedes é aumentar o imposto das empresas que pagam tributos pelo Simples, noticia esta Folha. É o último ou o mais recente plano infalível do ministro para bancar um Bolsa Família encorpado. É bobagem ou é prenúncio de gambiarra fiscal que vai acabar na Justiça ou em coisa pior.
Não importa qual seja o aumento de imposto, seja lá
como for feito ou que nome tenha, tal como “reoneração”, a arrecadação extra
não pode ser gasta em despesa nova que ultrapasse o teto de gastos.
Mas, francamente, a esta altura da birutice, discutir
essas coisas talvez seja perda de tempo ingênua. Ainda assim, a maluquice tem
um custo, difícil de perceber no dia a dia.
Para começar, a doideira transforma a discussão da
reforma tributária em uma mixórdia. Guedes quer criar uma CPMF ou um pacote de “tributos
alternativos” que inclua um imposto sobre transações. Quer agora cobrar mais
das empresas do Simples. Em tese, não haveria aumento de carga tributária total
porque haveria compensações, como a redução dos impostos sobre folha de pagamento
das empresas e, um dinheiro bem menor, das contribuições para o Sistema S.
Mas tudo isso é especulativo, pois não há projeto e
menos ainda números na ponta do lápis. Nem para o projeto de criação da
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) o governo apresentou números que
justificassem a alíquota que propôs (a CBS substituiria o PIS/Cofins).
Ou seja, o governo põe mais lenha em uma discussão que
vai pegar fogo, se houver discussão de fato sobre reforma tributária, se não
for tudo para o vinagre, dada a baderna criada pelo governo.
César Felício - Os padrões eleitorais de São Paulo e Rio
Covas tem vantagem e Paes precisa de Crivella
A eleição municipal nas capitais, sobretudo em São Paulo, é um sinalizador para a sucessão presidencial e seus resultados influenciam a equação política para o pleito nacional, ainda que de forma tênue. Sua dinâmica, entretanto, é local. Para traçar prognósticos e poder errar um pouco menos, é importante perceber que o eleitor paulistano e carioca tem um padrão de voto, pouco influenciável pelo cenário nacional, ainda que o afete.
Em
São Paulo há um cenário de polarização ideológica estabelecido e consistente.
Tanto esquerda quanto direita são fortes. No Rio isso é menos nítido, com a
esquerda sempre encapsulada na intelectualidade das áreas mais ricas e em
alguns nichos de movimentos sociais nas periferias. Os cariocas não elegem um
prefeito esquerdista desde 1992. Pode parecer estranho hoje, mas em 1988,
quando eleito, Marcello Alencar, futuro governador tucano, ainda era do PDT e
alinhado ao brizolismo. Depois, nunca mais: Cesar Maia e seus pupilos que dele
dissentiram, Luiz Paulo Conde e Eduardo Paes, ganharam todas até 2016, quando
veio Crivella.
Já a
esquerda triunfou em 1988, 2000 e 2012 e sempre esteve concentrada
geograficamente nos bairros periféricos e politicamente no PT. Este traço está
esmaecido e o petismo vive um processo de decadência na cidade, análogo ao que
o malufismo sofreu. A eleição de 2020 pode arbitrar quem herda o espólio
petista.
Claudia Safatle - Sem saída
Face às restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Orçamento da União para 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a criação do programa de renda mínima, o Renda Brasil, entraram em um beco sem saída. Uma situação que alimenta soluções extravagantes como a de estender o decreto de calamidade pública, cuja vigência é até dezembro, por mais um ano.
Essa é uma ideia que está na cabeça de algumas autoridades, fomentada pela segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa e pela dificuldade de a doença entrar em uma curva descendente aqui. Mas ela não consta do radar do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A
proposta dos economistas oficiais era de desindexar os benefícios
previdenciários, deixando-os sem reajustes, congelados, por dois anos.
Uma semana depois da histriônica reação do presidente, não há soluções alternativas muito diferentes das que foram apresentadas. Todas são remédios “amargos” de difícil digestão política, mas necessários dado o quadro de deterioração das contas públicas neste ano, com a pandemia.
Ou Bolsonaro recua do veto imposto aos três D da PEC 188 - desindexação, desvinculação e desobrigação - ou não haverá um novo programa de renda mínima, mais amplo e de maior valor do que o Bolsa Família, para contemplar, também, parte dos “invisíveis” que surgiram na busca pelo auxílio emergencial, salientam técnicos. Dados da Caixa Econômica Federal indicam que 66,2 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.
José de Souza Martins* - Religião e a “teoria da boiada”
As eleições de 2018 deram respaldo a uma concepção de poder fundada em técnicas de transgressão de brechas que existem na ordem política e no pacto implícito na Constituição de 1988
Não passa um único dia sem que atos do governo e do governante exponham indícios significativos das deformações constitutivas do Estado brasileiro. Até religiões têm tido aí uma função.
É
esse quadro de referência que dá sentido à decisão do presidente da República
de vetar parcialmente o perdão das dívidas tributárias das igrejas, projeto
apresentado ao Legislativo por deputado que é filho de conhecido pastor de
igreja neopentecostal.
O
Estado entende que as igrejas têm lucro. O que sugere, para quem crê, que, se
tem lucro, não são igrejas e devem ser tributadas. Se são igrejas, não podem
ter lucro, e o tributo não cabe. O presidente não vetou, porém, o descabido
perdão das dívidas previdenciárias das igrejas. Dívida para com a previdência
social é sagrada, pois o credor não é o governo, é quem trabalhou a vida
inteira, contribuiu e dela depende ou vai depender.
Neste país, se o assunto envolve religião, é, supostamente, assunto de Deus.
Nesse caso, vale tudo. A verdade é que temos uma questão religiosa, que se
atualiza desde que houve o caso do “Cristo no júri”, em 1891.
Fernando Abrucio* - Qual modelo de Estado emerge da reforma? (2)
A estabilidade serve para garantir a profissionalização do serviço público e não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos
O Executivo federal apresentou um conjunto de propostas de reforma administrativa, algumas já presentes numa PEC enviada ao Congresso, outras que ficarão para legislação posterior. Em linhas gerais, um diagnóstico sintético desse conjunto de medidas revela uma mistura de várias coisas: ações norteadas pela experiência internacional de reformas, proteções a corporações fortes do funcionalismo, medidas concentradoras de poder nas mãos da Presidência da República e várias lacunas ou confusões de diagnóstico, em particular uma enorme incompreensão em relação ao funcionamento dos serviços públicos num país como o Brasil. Mais do que isso, falta visão sobre o que deve ser o Estado brasileiro.
Há
avanços no projeto vinculados, primeiramente, aos benefícios pagos aos
funcionários públicos, que se expandiram ao longo do tempo e se tornaram, no
mais das vezes, desvinculados do desempenho efetivo da burocracia. O ministro
Bresser Pereira já tinha começado a limpar esse terreno, mas ainda há grandes
problemas neste quesito. Também deve se atacar o uso completamente equivocado
da ideia de isonomia que se alastrou pela gestão de pessoas do setor público.
Um exemplo nesta linha foi a multiplicação de carreiras e o crescimento do
salário inicial no plano federal.
A leitura do projeto global de reformas dá a impressão de uma proposta “pela
metade”, de um reformismo incompleto. Por exemplo, o Executivo federal evitou
tocar nos direitos dos atuais servidores públicos, bem como deixou em aberto os
efeitos da reforma para os outros Poderes e para os demais entes federativos.
Alguns podem dizer que é uma estratégia política para poder aprovar outras
medidas importantes, embora mais do que uma forma de garantir o apoio dos
parlamentares, a razão desse cálculo seja principalmente evitar danos
eleitorais ao presidente Bolsonaro ou o aumento de seus problemas com a
Justiça.
A
opção reformista precisa alcançar todos os entes federativos e Poderes, e
evitar que a limitação das mudanças aos futuros burocratas não crie dois mundos
dentro do funcionalismo, gerando um sentimento de privilégio que poderá
atrapalhar o bom desempenho governamental, além de gerar uma visão negativa
junto à opinião pública. Aqui, a lição da reforma da Previdência não foi
aprendida: nem todos os Estados mudaram suas regras e se os que se omitiram
quebrarem, a União terá de salvá-los para manter os serviços públicos aos
cidadãos que mais necessitam deles. Efeitos semelhantes poderão acontecer na
reforma administrativa se não for criada uma maior simetria entre instituições
e entre membros do funcionalismo.
Raul Jungmann* - A morte da política
O
surgimento dos neopopulismos nos anos 2000 levou a emergência de uma linha
editorial focada nos riscos e enfraquecimento da democracia. Em linhas gerais,
todos os autores destacam, dentre as razões do sucesso dos regimes iliberais, o
papel das redes sociais e da internet.
Estas,
utilizadas para manipular eleitorados com base na utilização dos dados das
grandes plataformas da internet – Facebook, Twitter, Google, Instagram -, tendo
por ferramentas a Inteligência Artificial e o Big Data, colocam em risco a
expressão da vontade popular em pleitos democráticos, a formação da vontade das
maiorias e a própria verdade, isto é, os conceitos, valores e princípios
partilhados por uma dada sociedade.
Da
Empoli, no seu livro “Os Engenheiros do Caos”, radicaliza os riscos, ao
concluir que a política mesma, tal qual a conhecemos, está com os dias
contados. Segundo ele, não mais os políticos usam as ferramentas da tecnologia
e os algoritmos para alcançar suas vitórias. São os algoritmos que, tendo
por base a poderosa máquina das redes sociais, escolhem os políticos que melhor
se adequam às possibilidades de obtenção de likes e
engajamento – o fim último das plataformas da internet.
A
exemplo do movimento Cinco Estrelas, hoje o maior da Itália, que escolheu o
comediante Beppe Grillo para ser a face humana a popularizar o
partido-algoritmo e vociferar contra o parlamento e as instituições
democráticas. O conteúdo, a ideologia, o programa, ser de direita ou de esquerda,
libertário ou fascista, racista ou antissemita, verdade ou fake news, nada importa.
O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais
Um governo irrelevante – Opinião | O Estado de S. Paulo
O MEC continuará irrelevante, quando é mais necessário. Nada surpreendente. Tudo à imagem e semelhança do chefe
O ministro da Educação,
Milton Ribeiro, disse, em espantosa entrevista ao Estado, que temas como a
volta às aulas em meio à pandemia de covid-19 e a dificuldade de muitos alunos
pobres de acompanhar aulas a distância por limitações técnicas não dizem respeito
ao MEC.
“A lei é clara. Quem tem
jurisdição sobre escolas são o Estado e o município. Não temos esse tipo de
interferência. Se eu começo a falar demais, (governadores e prefeitos) dizem
que estou querendo interferir; se eu fico calado, dizem que se sentem
abandonados”, declarou o ministro.
De fato, a lei é clara: no
artigo 211 da Constituição está escrito que “a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de
ensino”. Ou seja, a interpretação dada pelo ministro Milton Ribeiro ignorou a
obrigatoriedade da colaboração entre os entes da Federação, resguardados os
princípios federativos. O MEC não pode simplesmente lavar as mãos como sugeriu
o ministro. Deve, ao contrário, como parte do governo federal, coordenar-se com
os entes federados para superar tão graves desafios, que prejudicam a educação
brasileira há muitos anos. Se isso não é tema para o MEC, é difícil saber qual
seria a serventia desse Ministério.
Mas a atitude do ministro
Milton Ribeiro não surpreende, num governo cujo próprio presidente da República
frequentemente rejeita as responsabilidades inerentes a seu cargo. O presidente
Jair Bolsonaro vive a dizer, por exemplo, que nada pode fazer em relação aos
esforços para conter a pandemia de covid-19 nos Estados e municípios porque foi
impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que é uma grossa mentira – mas
muito conveniente.
Dentro da estratégia
demagógica bolsonarista, o presidente tratou a pandemia como coisa sem
importância, e as medidas de isolamento social adotadas pelos Estados como
parte de uma conspiração para prejudicar seu governo. Na verdade, Bolsonaro
queria poder total para ordenar o relaxamento das medidas, em nome de alegados
imperativos econômicos. Quando o STF lhe negou esse poder, por ser
inconstitucional, passou a posar de defensor dos pobres que precisavam
trabalhar e, segundo dizia, estavam sendo impedidos por governadores
inescrupulosos e por juízes inconsequentes.
Agora é a vez dos
estudantes: “Não tínhamos por que fechar as escolas, mas as medidas restritivas
não estavam mais nas mãos da Presidência da República. Por decisão judicial,
elas competiam exclusivamente aos governadores e prefeitos”, declarou
recentemente Bolsonaro.
Em vez de assumir seu papel
como chefe do Poder Executivo federal, responsável pela articulação dos entes
subnacionais e pela negociação com o Congresso especialmente em tempos de
crise, o presidente Bolsonaro preferiu o caminho fácil do populismo e da
irresponsabilidade – que lhe parece natural, dado seu histórico na política.
Age assim tanto em relação à pandemia como em relação a todo o resto: sem ter
qualquer ideia do que é governar e do que pretende para o País, ausenta-se do
debate das grandes questões nacionais e espera viver do lucro eleitoreiro de
ações demagógicas e, no mais das vezes, desimportantes.
É com esse espírito que
trabalha seu ministro da Educação. Na entrevista, Milton Ribeiro disse que “são
o Estado e o município que têm de cuidar disso aí” e “não foi um problema
criado por nós”, referindo-se à desigualdade educacional que afeta estudantes
sem acesso à internet. Ao mesmo tempo, pareceu muito mais preocupado com a
orientação sexual dos alunos, tema que mobiliza a militância bolsonarista nas
redes sociais, do que com seu bem-estar e seu aprendizado em meio à pandemia.
Assim, o MEC – que já está em seu terceiro ministro – continuará irrelevante, justamente no momento em que é mais necessário. Nada surpreendente, num governo em que o Ministério da Saúde se ausenta em plena pandemia e em que o Ministério do Meio Ambiente se omite em meio a queimadas e ao avanço do desmatamento, entre outras barbaridades. Tudo à imagem e semelhança de seu chefe.
Novatos na berlinda – Opinião
| Folha de S. Paulo
Processos de impeachment
contra governadores põem em xeque eleitos com a onda da antipolítica
Poesia | Pablo Neruda - O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e
regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.